Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00190/08.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/09/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR. CULPA.
Sumário:I) – O juízo de culpa na prática de infracção disciplinar não é afastado se não emergem as invocadas circunstâncias dirimentes.*
* Sumário elaborado peo Relator.
Recorrente:Ministério da Justiça
Recorrido 1:SMGM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer de não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Ministério da Justiça () interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou procedente acção administrativa especial intentada por SMGM ().

O recorrente formula as seguintes conclusões:
I - Salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença proferida pelo Tribunal a quo procedeu a uma análise insuficiente da matéria factual que envolve os presentes autos, o que conduziu a uma errónea aplicação do direito ao caso em concreto;

II - A douta sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento, ao fazer errada interpretação e aplicação do direito, à matéria de facto considerada assente, por considerar que se verificaram circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar por parte do Recorrido, nos termos do artigo 32.°, alínea d) do ED, traduzidas na não exigibilidade de conduta diversa, justificada pela falta de meios, não ter o apoio de especialistas, não estar acompanhado pelo Inspetor-Chefe, que devia ter planeado e controlado as tarefas executadas por aquele no local do crime e, por último, o facto de o Recorrido não ter tido formação contínua na matéria em causa, constituindo assim causa de justificação do comportamento desconforme ao dever geral de zelo a que o Recorrido está vinculado, impedindo assim a verificação de todos os elementos que integram a infração disciplinar;

III- Ora, tais circunstâncias dirimentes só devem ser atendidas se verificadas no momento em que o interessado pratica o facto (ação ou omissão) que, em circunstâncias diferentes, seria considerado ilícito disciplinar. Neste sentido, in Ac. do TCANorte, Proc. 00598/01, de 9 de março de 2001;

IV- Ou seja, é preciso que o interessado, no cumprimento dos seus deveres funcionais, explique as razões de tal conduta, não bastando que apresente as suas razões num momento posterior e já no âmbito do processo disciplinar;

V- A infração disciplinar decorre da violação ou ofensa de deveres reportados à função ou ao interesse do serviço, enumerando a lei os deveres que impendem sobre o trabalhador público e prescrevendo como ilícito o comportamento que atente contra tais deveres, sendo quatro os elementos Constitutivos da infração disciplinar: um comportamento, ilícito, culposo e que cause um qualquer dano ao interesse público que caiba ao organismo prosseguir e tutelar;

VI- A douta sentença recorrida deu como provada a matéria de facto constante no relatório final do PD, nomeadamente os pontos 3.1 a 3.18, que remetem para os artigos 8.º a 21.º da acusação proferida no âmbito do processo disciplinar;

VII- Muito embora o Recorrido não estivesse acompanhado pelo Inspetor - Chefe de Piquete, certo é que aquele frequentou ações de formação, nomeadamente a disciplina de Metodologias de Investigação onde lhe foram explanados os vários procedimentos a adotar no local do crime, entre eles as técnicas de recolha de proteção dos vestígios encontrados, de forma a obstar a contaminação dos mesmos, garantindo a sua integridade, e a realização da reportagem fotográfica no local do crime, procedimento este de inegável importância, que permite documentar o local do mesmo, garantir a integridade da investigação e fornece um registo permanente para uma avaliação posterior;

VIII- Ora, comparando os procedimentos que deveriam ter sido adotados pelo Recorrido, quer quanto à recolha dos vestígios quer quanto à realização da reportagem fotográfica no local do crime, verifica-se que aquele não diligenciou pela execução de tais procedimentos, denotando deficiências na forma como procedeu à recolha e empacotamento dos vestígios e à realização da reportagem fotográfica;

IX- Para que o Recorrido pudesse invocar em seu favor que não dispunha de meios para recolher quaisquer provas, ou adotar os proctdimentos corretos com vista à realização da reportagem fotográfica no local do crime, era essencial que, nesse momento, justificasse as razões porque o não fez;

X- O que não se verificou;

XI- Face ao exposto» a atuação do Recorrido consubstancia uma violação do dever de zelo, o qual impõe ao funcionário o exercício das suas funções com eficiência, competência e correção, com respeito pelas normas Legais e regulamentares, pelo que o ato impugnado é passível de anulçâo;

XII- Pelo que, a sentença recorrida procedeu a uma errada aplicação do direito ao caso concreto, devendo ser revogada e substituída.

O recorrido, defendendo a manutenção do decidido, contra-alegou, concluindo:

1 - Com a devida vênia, a Douta Sentença procedeu a urna análise carreta e irrepreensível da matéria de facto.

2 A Douta Sentença fez uma correta interpretação e aplicação do direito á matéria de facto, considerada como assente,

3 - Existiram assim circunstâncias dirimente da responsabilidade disciplinar por parte do recorrido nos termos do artº 32, al. d) do ED.
4 - Ao recorrido, perante os factos alegados e carreados pra as autos, não lhe era exigível que atuasse de forma diversa da que atuou, sem meios, sem formação contínua na matéria em casa, sem o apoio de especialista e sem o comportamento pessoal do Inspetor chefe que devia ter planeado e controlado as tarefas executadas pelo recorrido no tocai do crime.

5. Foi referido pelo Chefe de Piquete que, "No piquete nunca houve uma mala adequada para a recolha de vestígios dactiloscópicos” e
6. que havia uma Especialista de Prevenção escalonado no Piquete, contactável para qualquer eventualidade…
7. Tal Especialista não foi contactado para se deslocar ao local do roubo, com vista a recolha dos vestidos, como era exigido.
8. O recorrido agiu dentro do que lhe era exigido, sendo certo que estava só (sem nenhum apoio técnico) dado que o senhor que o acompanhou era tão somente um segurança (nem inspetor era) e que já no local ligou para o chefe a colocá-lo ao corrente de toda a situação.
9. Existe assim uma circunstância dirimente de responsabilidade disciplinar do ora recorrido, que constituiu causa de justificação do comportamento, e consequentemente causa de exclusão da culpa na senda do decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 1/2/2007 no Proc º 1199/06.
10. Há não exigibilidade de conduta diversa sempre que ocorram circunstâncias exteriores ao agente que o arrastem de foram irresistivel para a prática do facto, de modo que não seria de esperar que se comportasse de outra maneira (Leal Henriques - manual direito disciplinar Macau)

11 - As circunstâncias dirimentes sempre estiveram presentes e sempre estiveram no conhecimento do superior hierárquico.

12 - O recorrido apenas teve formação básica da disciplina de metodologias de investigação criminal, não tendo tido nos últimos anos quaisquer atualizações ou ações complementares de formação.

13 - A conduta do recorrido não pôs em causa a integridade da prova a nível biologico

14 - No âmbito do processo crime em curso NUIPC 528/06.9GAMLD não foi rececionado nenhum pedido de exame no laboratório da policia cientifica

15 - Inexistiu qualquer comportamento ílícito, culpso, causador de dano ao interesse público.
16— A reportagem fotográfica demonstrou devidamente o local do crimes sendo devidamente percetível e suficiente para a prova do processo crime.
17— O local já não se encontra incólume dado que quer a G.N,R., quer o Próprio ofendido já tinham mexido no local, tendo Inclusive a G.N.R. levado uma picareta, retirada do mesmo Local do crime.

18 - Inexistiu assim a violação de dever de zelo, o consequentemente qualquer infração disciplinar.

19 - Existem brigadas especiais inspetores com formação especializada quando as especificidades dos crimes assim o exigem, designadamente crime de roubo ( onde se inclui o processo com base no qual surgiu o processo disciplinar) crime de homicidio, e incêndios em que normalmente vão especialistas / Inspetores especializados para recolha de vestígios, o que não aconteceu no caso ora em apreço, pese embora houvesse um especialista de prevenção.

20 - O recorrido sempre foi e continua a ser um funcionário com desempenho avaliado em Bom com distinção, tendo na ultima classificação relativa a 2012/2013 nota de Muito Bom, com avaliação de 9,73 e nos anteriores sempre avaliação de Muito Bom.

21 - Pelo que a sentença recorrida procedeu a uma correta aplicação de direito ao caso concreto, devendo a mesma ser mantida.

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A Exmº Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do art.º 146º do CPTA, deu parecer de não provimento do recurso.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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As conclusões de recurso delimitam as questões a decidir, que se identificam infra em epígrafe.
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Os factos, que a decisão recorrida consignou como provados:
A) Em 13/12/2006, por despacho da Coordenadora de Investigação Criminal, do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro, da Polícia Judiciária – Ministério da Justiça, foi instaurado processo de averiguações ao A., a que foi atribuído o nº 05/2006, no qual foi nomeado como instrutor o Inspetor-Chefe António Medina, com vista a «esclarecer as circunstâncias que levaram ao condicionamento dos vestígios da forma relatada na informação junta, bem como razão porque não existe informação descritiva dos registos fotográficos apresentados e que se supõe corresponderem ao exame ao local(cf. fls. 4 do PD.).
B) Em 2/12/2006, o A. elaborou uma informação de serviço, que dou aqui por integralmente reproduzida (cf. fls. 6/14 do PD.).
C) Em 2/12/2006, o Piquete da Polícia Judiciária – Ministério da Justiça, do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro, era composto por:
«1.1C.i.C.: Drª MCFF
1.2 Chefe de piquete: JP, Inspector
1.3 Inspectores: SM
1.4 Lofoscopistas:
1.5 Outros: NG, seg.», conforme consta do relatório do serviço de piquete (cf. fls. 17/19 do PD.).
D) Em 15/12/2006, foi inquirido CMAS, funcionário de investigação criminal, no DIC de Aveiro da Polícia Judiciária, cujo depoimento dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte: «Ser funcionário da Polícia Judiciária desde há dezasseis anos a esta data, encontrando-se colocado neste DIC desde 1999, actualmente a desempenhar funções com a categoria de Inspector na 1ª Secção/5ª Brigada, que tem acometida a investigação do crime violento contra as pessoas/roubo. No exercício da sua actividade profissional e por despacho do Chefe da Brigada, Inspector-Chefe sr. MS, no dia 04 deste mês de Dezembro em curso foi-lhe distribuído o Inq. NUIPC 528/06.9 GAMLD, originado por “Informação de Serviço“ elaborada pelo Piquete do dia 02/12/2006, reportando-se a assalto ocorrido na madrugada desse mesmo dia,…Acompanhava este expediente um envelope em papel, de cor branco, não recordando se com o timbre deste DIC e de que tipo de uso, aberto, contendo no interior dois cartuchos deflagrados, de arma caçadeira, de calibre doze, com corpo em plástico, um de cor vermelho e outro branco. Da análise do expediente verificou que estes cartuchos haviam sido recolhidos no local onde ocorreram os factos, pelo inspector que ali se deslocou, no caso vertente o colega Inspector sr. SM, signatário da referida “Informação de Serviço“. Quando procedeu à observação macroscópica dos mesmos, constatou no interior de ambos a existência de pedaços de tecido que retirou. Pelas características apresentadas e atenta a descrição factual relatada pelo citado Inspetor, inferiu que se tratava de pedaços de tecido arrancados ao vestuário do indivíduo atingido, por ação dos disparos que sobre ele haviam sido efetuados. Esclarece que estes procedimentos ocorreram na presença do chefe da Brigada, demonstrando-lhe desde logo a sua indignação perante a forma como tais vestígios vinham acondicionados, considerando, com base na sua experiência profissional que a metodologia adotada comprometia irremediavelmente eventuais exames laboratoriais, na medida em que tal acondicionamento originava a contaminação dos vestígios recolhidos. Com a concordância do Inspetor-Chefe, abriu conclusão nos autos, no sentido de dar conhecimento à srª. Coordenadora de Investigação Criminal que dirige o Departamento, porquanto estavam em presença de procedimentos que lesam gravemente as metodologias da investigação criminal e comprometem claramente o sucesso da investigação que se pretendia levar a cabo naquele processo…» (cf. fls. 20 e 21 do PD.).
E) Em 28/12/2006, foi inquirido JAFP, Inspector da Polícia Judiciária, no DIC de Aveiro da Polícia Judiciária, cujo depoimento dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte: «Confirma que no passado dia 02 de Dezembro/06, esteve de serviço ao Piquete, juntamente com o Inspector SM e o Seg. sr. NG…(cf. fls. 23 e 24 do PD.).
F) Em 5/01/2007, o A. foi inquirido, cujo depoimento dou aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 27/31 do PD.).
G) Em 10/01/2007, a proposta do instrutor do processo de averiguações foi no sentido de se ordenar a instauração de processo disciplinar ao A. (cf. fls. 38 a 44 do PD.).
H) Em 17/01/2007, foi mandado instaurado processo disciplinar ao A., pela C.I.C. Drª MCFF, do D.I.C. de Aveiro, a que foi atribuído o nº 10/2007 e nomeado instrutor o Inspetor-Chefe AO, por despacho do Diretor do Departamento Disciplinar e de Inspeção da Diretoria Nacional da Polícia Judiciária, cuja instrução se iniciou em 22/01/2007 (cf. fls. 45/47 e 71/72 do PD.)
I) Em 1/02/2007, JAFP foi inquirido, conforme Auto de Inquirição, cujo conteúdo dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte:
«…o depoente estava a chefiar o Piquete do dia 2 de Dezembro de 2006, contactou a Exmª Srª Coordenadora de Investigação Criminal Drª MCF…ficou a saber que a tentativa de roubo sucedera na madrugada e que a GNR já tinha comparecido no local e bem como o ofendido teria mexido nos locais aonde os autores da tentativa do roubo estiveram. Em conformidade com o que lhe foi transmitido pela Exª Srª Coordenadora de Investigação Criminal, Drª MCF, o depoente mandou avançar para o local da ocorrência o Sr. Inspector SM e o Segurança Sr. NG.
---Esclarece que além de si e dos dois anteriores Srs. Mencionados, não estava mais ninguém de Piquete, havendo sim um Especialista de Prevenção e outro Inspector.
---Depois da equipa chegar ao local não se recorda que o Sr. Inspector SM tenha telefonado para o Piquete a solicitar a presença de um Especialista responsável pela recolha de vestígios dactiloscópicos, contudo refere que se, eventualmente, ele tivesse feito tal pedido a sua pretensão seria de imediato satisfeita.
---Refere, a pergunta feita, que no Piquete nunca houve uma mala adequada para a recolha de vestígios dactiloscópicos, razão pela qual quando as equipas sem Especialista se deslocam aos locais de crime, não vão equipadas para tal diligência, cabendo ao Inspector que chefia a equipa decidir se se apetrecha com os meios adequados para a realização de tal diligência.
---Quando o depoente chefia os Piquetes comunica sempre as ocorrências à Exmª Srª Coordenadora de Investigação Criminal Drª MCF e só depois de esta decidir acerca da melhor forma de proceder, é que o depoente envia as equipas para os locais de crime….
---Refere que o Especialista de Prevenção escalado de Piquete, ao fim de semana não comparece no edifício, ficando sim contactável para qualquer eventualidade…» (cf. fls. 61 e 62 do PD.).
J) Em 1/02/2007, CMAS foi inquirido, conforme Auto de Inquirição, cujo conteúdo dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte:
«…---Recorda-se que depois de abrir o envelope e ao analisar o calibre, do interior dos cartuchos, caiu algo que à primeira vista parecia ser cotão. ---Ao fazer uma análise mais minuciosa verificou que se tratava de tecido, tendo ficado admirado por ver tecido dentro do cartucho.---Isto passou-se dentro do gabinete do seu chefe – Sr. Inspector-chefe MS - que lhe ordenou de imediato que lhe fizesse uma informação de serviço a relatar o sucedido, o que fez.---
---Nessa mesma ocasião manifestou a sua indignação ao seu chefe pela forma como foi colocado o vestígio no interior do cartucho» (cf. fls. 65 do PD.).
K) Em 31/01/2007, foi junto ao processo disciplinar a ficha biográfica do A., que dou aqui por integralmente reproduzida, com a informação de que no Registo Disciplinar do A. nada consta (cf. fls. 67/70 do PD.).
L) Em 15/02/2007, o A. foi inquirido, conforme Auto de Interrogatório, cujo conteúdo dou aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 77/78 do PD.).
M) Em 8/03/2007, foi deduzida acusação contra o A., que dou aqui por integralmente reproduzida, destacando o seguinte:
«…
No dia 02 de Dezembro de 2006, o Posto da Mlh... da Guarda Nacional Republicana, remeteu ao Piquete do DIC de Aveiro, um fax, comunicando a ocorrência de um roubo, no estabelecimento designado Quinta dos C…, situado em S... – Mlh... em que o proprietário efectuara disparos contra os autores de tal facto.
O Chefe de Piquete, Sr. JP, Inspector, contactou o proprietário e ofendido para apurar as circunstâncias em que os factos denunciados sucederam, colhendo a informação de que no local já tinham estado elementos da GNR e que o ofendido mexera nos locais aonde os assaltantes estiveram.
Decorrente das informações obtidas, contactou a Exma. Sra. Coordenadora de Investigação Criminal, Drª MCFF e em conformidade com as instruções da Exma. Sr.ª Coordenadora de Investigação Criminal, mandou avançar para o local do crime, o Sr. SMGM, Inspector e bem como o Sr. NG, Segurança.
Quando chegaram ao local, o arguido SMGM, Inspector, e da conversa que manteve com o ofendido, apurou que durante a madrugada, um grupo de indivíduos tentou roubar objectos do estabelecimento, todavia os seus intentos foram gorados, porquanto, o ofendido encontrava-se a dormir ali dentro e quando se apercebeu da presença de um dos indivíduos dentro do estabelecimento, fez dois disparos na sua direcção, o que obstou ao êxito dos seus propósitos.
O arguido SMGM, Inspector, fez a inspecção ao local do crime e detectou a existência de dois cartuchos deflagrados pela caçadeira do ofendido e bem como bocados de tecido, presumivelmente pertencentes a alguma peça de vestuário usada por um dos assaltantes e que teriam sido arrancados em resultado dos disparos efectuados.
10º
Antes de proceder à recolha dos cartuchos e bem como dos bocados de tecido, procedeu à realização da reportagem fotográfica dos mesmos, segundo fls. 12 e 13.
11º
O arguido SMGM, Inspector recolheu os cartuchos e violando as mais elementares regras de recolha de prova, colocou dentro dos mesmos, os bocados de tecido suportamente pertencentes a um dos autores do roubo.
12º
Para guardar os vestígios recolhidos, o arguido Sr. SMGM, Inspector solicitou ao ofendido um saco de plástico, onde acondicionou todos os vestígios.
13º
Os comportamentos adoptados pelo arguido Sr. SMGM, Inspector colocaram em causa, a integridade da prova.
14º
No curso de formação de Agentes Estagiários que lhe foi ministrado em 1996, ao arguido Sr. SMGM, Inspector foram-lhe transmitidas as mais elementares regras de recolha, preservação, inventário, embalagem, e transporte dos vestígios.
15º
Bem sabe o arguido Sr. SMGM, Inspector, que os vestígios devem ser adequadamente embalados, etiquetados e mantidos seguros até á sua apresentação aos serviços competentes, por ex. Laboratório de Polícia Científica.
16º
Ao colocar os cartuchos dentro de um saco de plástico cedido pelo ofendido, e bem como ao introduzir dentro dos cartuchos deflagrados, bocados de tecido supostamente pertencentes a um dos suspeitos, o arguido Sr. SMGM, Inspector colocou em causa a integridade da prova, não procedendo de forma adequada a evitar a contaminação dos mesmos e entre eles.
17º
Associado a este facto, o arguido SMGM, Inspector, não legendou a reportagem fotográfica que realizou, constante a fls. 9 a 14, sob o pretexto de que não necessitava, porquanto o exposto na sua informação de serviço retrata fielmente o sucedido no estabelecimento.
18º
Tal entendimento não é de acolher, dado que a legendagem, como o próprio nome assim o define, “é um texto que acompanha uma imagem, conferindo-lhe um significado ou um esclarecimento“1 e que o arguido Sr. SMGM, Inspector, omite.
19º
E sendo que “A fotografia do local do crime é, na maioria dos casos, a documentação daquilo que não se pode repetir.”2, o arguido SMGM, Inspector devia ter procedido à respectiva legendagem.
20º
Além disso, as fotografias realizadas pelo arguido Sr. SMGM, Inspector apenas retratam em pormenor os vestígios, faltando as fotografias que retratam a panorâmica em geral, em que estavam inseridos, violando um dos procedimentos que se devem adoptar no local do crime em que “deve-se fotografar o local utilizando uma cobertura de visão geral e progressivamente aproximar até uma cobertura de pormenores.”.
21º
Tais omissões são susceptíveis de obstar, e/ou dificultar que eventualmente decorrido algum tempo, se possa proceder á reconstituição do estado das coisas, com força comprovativa.
21º
Com as condutas descritas, o arguido Sr. SMGM, violou o dever geral de zelo, previsto nos artigos 4º e 5º nº 1 e 2, alínea b) do Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária, aprovado pelo Dec-Lei nº 196/94 de 21/07, e definido no art. 3º nº 4 alínea b) e nº 6 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Dec-Lei 24/84 de 16/01.
Os comportamentos do arguido Sr. SMGM, são demonstrativos de que não adoptou o adequado conteúdo de trabalho que a situação em causa exigia, evidenciando falta de diligência, e exactidão no exercício das suas funções, com inegável prejuízo para o serviço, correspondendo-lhe em abstracto, a pena de suspensão, prevista no art. 12º nº 1, alínea c) do Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária e no art. 24º nº 1 alínea e) e caracterizada no art. 12º nº 3 do também referido Estatuto Disciplinar.…» (cf. fls. 79 a 86 do PD.).
N) Em 22/03/2007, o A. foi notificado da acusação (cf.fls. 90 e 98 do PD.).
O) Em 9/04/2007, o A. apresentou a sua defesa, através do seu Advogado, Dr. ECA, que dou aqui por integralmente reproduzida (cf. fls. 102/105 do PD.).
P) O A. requereu a inquirição das seguintes testemunhas:
- RC
- AG
- MP, todos inspectores a prestar serviço no DIC de Aveiro da PJ (cf. fls. 105 verso do PD.).
Q) O A., em aditamento à sua defesa, requereu a inquirição de APLC, Especialista Superior, a prestar serviço na Secção de Biologia do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, acerca dos pontos 11 a 13 e 16 da acusação, «esclarecendo nomeadamente se o facto de os pedaços de tecido recolhidos terem sido introduzidos no interior de invólucros de cartuchos de caçadeira deflagrados algumas horas antes e de seguida introduzidos num saco plástico, que se manteve aberto e onde permaneceram por um período inferior a uma hora, coloca ou não em causa a integridade da prova.» (cf. fls. 108/109 do PD.).
R) Em 2/05/2007, foi inquirida APLC, conforme Auto de Inquirição que dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte:
«---Que efectivamente não conhece pessoalmente o arguido dos presentes autos.
---…refere que foi contactada telefonicamente pelo arguido que questionou a depoente se existia alguma possibilidade de contaminação, de vestígios biológicos existentes num tecido que foi introduzido num cartucho tendo a depoente respondido que, a nível biológico, tal possibilidade não se verificaria.
---…entende que o facto de o bocado de tecido ou cotão, ter sido recolhido e introduzido no cartucho , não é a forma mais ideal de recolher vestígios, isto porque a nível dos vestígios biológicos, o ideal será serem recolhidos e transportados separadamente, em invólucros de papel, de forma a obstar eventuais contaminações.
---Questionada se o facto de os pedaços de tecido recolhidos terem sido introduzidos no interior de invólucros de cartuchos de caçadeira deflagrados algumas horas antes e de seguida introduzidos num saco de plástico, que se manteve aberto e onde permaneceram por um período inferior a uma hora, refere que a nível biológico, tal facto não coloca em causa a integridade da prova.» (cf. fls. 117 do PD.).
S) Em 22/05/2007, foram inquiridas as testemunhas RAPC, ASGG e MAFP, conforme Autos de Inquirição, cujos conteúdos dou aqui por integralmente reproduzidos (cf. fls. 126/131 do PD.).
T) Na inquirição de MAFP destaco o seguinte:
«…--- O depoente teve conhecimento do procedimento adoptado pelo Sr. Inspector SM relativo à recolha de vestígios naquele local e, por curiosidade profissional, resolveu telefonar para o LPC, tendo falado com alguém da Biologia, cujo nome não se recorda colocando uma hipótese idêntica ao procedimento efectuado pelo Sr. Inspector SM, e foi informado que tal situação, a ocorrer, não inquinava os vestígios biológicos, todavia iria encaminhar a chamada para a área da Física do LPC, para melhores esclarecimentos.---O funcionário da Física do LPC informou o depoente que, perante a hipótese colocada, não havia impossibilidade de recolha de vestígios resultantes de arma de fogo.
---…que já fez alguns trabalhos com o Sr. Inspector SM, embora nunca tenha trabalhado directamente com ele numa mesma Brigada, mas pode afirmar que tem a melhor das opiniões acerca do mesmo, tanto a nível pessoal, como profissional.
---…que teve conhecimento dos problemas pessoais vividos pelo Sr. Inspector SM , nomeadamente aqueles que envolvem o seu pai, que involuntariamente disparou sobre a sua madrasta.
---…que o Sr. Inspector SM é um funcionário que respeita a hierarquia e os seus colegas, cumprindo zelosa e escrupulosamente a sua função, tratando-se de um bom profissional.
---…que as classificações atribuídas ao Sr. Inspector SM, pelo que conhece dele, reflectem o seu desempenho profissional, sendo um exemplo para os restantes colegas….» (cf. fls. 130/131 do PD.).
U) Em 28/06/2007, foi elaborado o Relatório do processo disciplinar nº 10/2007, que dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte:
«…Decorre dos actos cometidos pelo arguido que ele agiu de forma negligente, não devendo ignorar que não lhe era permitido tal actuação que vai contra os seus deveres profissionais, configurando uma infracção disciplinar.
Ora considerando que um dos fundamentos do direito disciplinar alicerça-se na necessidade de corrigir comportamentos, quer com medidas preventivas, quer através de medidas correctivas aplicadas aos funcionários que violem os deveres impostos, com vista a um cada vez melhor desempenho individual e ao melhor funcionamento dos serviços, entendemos que o arguido, com tais condutas, violou o dever de zelo, previsto nos artigos 4º e 5º nº 1 e 2, alínea b) do Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária, aprovado pelo Dec-Lei nº 196/94 de 21/07, e definido no art. 3º nº 4 alínea b) e nº 6 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Dec-Lei 24/84 de 16/01 pois os seus comportamentos são demonstrativos de que não adoptou o adequado método de trabalho que a situação em causa exigia, evidenciando falta de diligência, e exactidão no exercício das suas funções.
5 - Proposta
Face ao exposto e considerando o facto de o arguido não possuir antecedentes disciplinares, ter sido classificado quase sempre com “Muito Bom“ parece-nos que a aplicação de uma pena terá de ter em conta tais circunstâncias.
Assim sendo e com base no princípio da proporcionalidade e da adequação e à satisfação das necessidades de correcção e prevenção que com ela se visam satisfazer, entendemos como adequada e bastante, a pena, de escalão inferior, de multa no montante de 250€, prevista na b) do nº 1 do artº 12º do Dec-Lei nº 196/96…» (cf. fls. 132/157 do PD.).
V) Em 28/06/2007, o Diretor do Departamento Disciplinar e de Inspeção pronunciou-se nos seguintes termos, que se transcrevem:
«…I- Concordo com os fundamentos do relatório final de fls. 132 a 156 e proposta da pena de multa, bem como com o montante proposto.
II- Apresentem-se os autos ao Exmo. Sr. Director Nacional Adjunto, Dr. BP, a fim de, caso assim o entenda, apreciar os fundamentos do relatório e respectiva proposta da pena a aplicar, junto a fls. 132 a 156, e, nada havendo em contrário, ordenar a apresentação dos autos ao Exmº Sr. Assessor de Investigação Criminal no D.I.C. de Aveiro, Dr. TS, para apreciação e decisão…» (cf. fls. 158 do PD.).
W) Em 17/07/2007, o Assessor de Investigação Criminal, TS, proferiu um “Despacho”, que dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte:
«Da análise dos autos…resulta que…o arguido…violou, com as suas condutas, o dever de zelo, previstos nos artºs 4º e 5º, nº 1 e 2, alínea b) do Regulamento de Disciplina da Polícia Judiciária (RDPJ), dever definido no artº 3º , nºs 4, alínea b) e 6 do Decreto-Lei nº 24/84, de 16.01, manifestando falta de diligência e rigor no exercício das suas funções.
Tal conduta é valorada negativamente pelas normas disciplinares e corresponde-lhe, em abstracto a pena de suspensão, prevista no artº 12º, nº 1, alínea c), do RDPJ e no art. 24º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 24/84, de 16.01, aplicável por força do artº 2º daquele, primeiro, diploma legal.
Na aplicação das penas, conforme o artº 16º, do RDPJ, deve, em termos gerais, atender-se à gravidade dos factos, à categoria do funcionário, à sua personalidade, ao grau de culpa, aos danos e prejuízos causados e às circunstâncias em que a infracção terá sido cometida, que militem contra, ou a favor do arguido.
A favor do arguido apenas a circunstância de não ter antecedentes de natureza disciplinar, em 11 anos de serviço na Polícia Judiciária, o que, de resto, é a regra.
Assim, tudo visto e ponderado e com base, no princípio da proporcionalidade e da adequação à satisfação das necessidades de correcção e prevenção, entendo como suficiente, no caso, a pena de escalão inferior (multa), pelo que, ao abrigo do artº 28º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 196/94, de 21.07, aplico ao inspector Sr. SMGM, a pena de multa, prevista no artº 12º , nº 1, alínea b), do acima referido Decreto-Lei nº 196/94 de 21.07, no montante de 200 euros…» (cf. fls. 160/161 do PD.).
X) Em 17/07/2007, o A. foi notificado pessoalmente do despacho referido na alínea anterior (cf. fls. 162 do PD.).
Y) Em 30/07/2007, o A. interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Justiça do despacho referido na alínea W), que dou aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 169/180 do PD.).
Z) Em 12/10/2007, o Ministro da Justiça emitiu o seguinte:
«Despacho proferido no âmbito do processo nº 2170/2005 em que é recorrente SMGM
Nos termos e com os fundamentos constantes do Parecer da Auditoria Jurídica deste Ministério, datado de 9 de Outubro de 2007, considero improcedente o recurso hierárquico, mantendo-se o despacho do Exmo. Coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro, de 17.07.07,que aplicou a pena disciplinar de multa, graduada em 200,00 e, ao Inspector da Polícia Judiciária, SMGM.» (cf. fls. 191/202 do PD.).
AA) Em 29/10/2007, o A. foi notificado pessoalmente do Despacho referido na alínea anterior (cf. fls. 212 do PD.).
BB) Em 4/01/2010, o Diretor CF, do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária – Ministério da Justiça, informou nos autos que:
«…no âmbito do NUIPC: 528/06.9GAMLD não foi recepcionado nenhum pedido de exame no Laboratório de Polícia Científica.» (cf. fls. 161 dos autos.).
*
Do mérito da apelação:
O autor/recorrente peticionou a anulação do «acto do Exmº Senhor Coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro, que lhe aplicou, uma pena de multa, graduada em € 200,00 com o fundamento constante da informação/proposta no Procº Disciplinar 10/2007 notificada em 17 de Julho de 2007 (cfr. doc. nº 3), confirmado, em sede de resposta ao Recurso Hierárquico interposto pelo Autor, por despacho de 12/10/2007, da Sua Excelência o Ministro da Justiça (cfr. doc. nº 5), e notificado aquele em 29 de Outubro de 2007».
O tribunal “a quo” julgou procedente a acção, para o que, no essencial, alinhou:
«(…)
Nos termos do artigo 4º do RDPJ, são elementos integradores de uma infração disciplinar, a culpa e a ilicitude e tais elementos são de verificação cumulativa.
Em concreto, o A. deslocou-se ao local do crime por ordem do Chefe do Piquete, em conformidade com as instruções da Coordenadora de Investigação Criminal (alíneas C), E), I), L), M) do probatório).
Já no local do crime, o A. fez uma vistoria no interior do estabelecimento, no qual recolheu vestígios e tirou fotografias (alínea L) doprobatório).
O A. antes de proceder à recolha dos cartuchos e dos bocados de tecido, fez a reportagem fotográfica e só depois é que recolheu os cartuchos.
Não dispondo o A. de meios para recolher quaisquer provas (alínea I) do probatório), não lhe era exigível que atuasse de outro modo.
O local do crime não estava incólume quando o A. lá chegou, a GNR já tinha estado no local e levado consigo uma picareta deixada pelos assaltantes e o ofendido já tinha mexido nos locais onde os autores da tentativa de roubo estiveram (alíneas I) e M) do probatório).
Competia ao Inspetor-Chefe do Piquete «Chefiar pessoalmente as diligências de investigação criminal, planeando, distribuindo e controlando as tarefas executadas pelos inspectores» (cf. artigo 67º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9/11) e ao A. competia, enquanto Inspetor, «… executar, sob orientação superior, os serviços de prevenção e investigação criminal de que seja incumbido…» (cf. artigo 68º do citado Decreto -Lei nº 275-A/2000, de 9/11).
O Chefe do Piquete não acompanhou o A. ao local do crime, sequer um especialista e referiu que «…quando as equipas sem Especialista se deslocam aos locais de crime, não vão equipadas pera tal diligência, cabendo ao Inspector que chefia a equipa decidir se se apetrecha com os meios adequados para a realização de tal diligência.».
Nos termos do artigo 32º, alínea d), do ED., aplicável “ex vi” artigo 2º do RDPJ «São circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar: d) A não exigibilidade de conduta diversa;».
«A não exigibilidade de conduta diversa caracteriza-se pela presença de “circunstâncias externas que não deixem ao agente a possibilidade de se comportar diferentemente” (EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, págs. 444 e 445), pelo que não se pode censurar o agente uma vez que, nas mesmas circunstâncias, um bom pai de família provavelmente actuaria da mesma maneira (sobre o tema, v. VICENTE ALVAREZ GARCIA, El Concepto de Necesidad en Derecho Publico, Civitas, 1996, págs. 155 e segs.)(Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, 2ª Edição, Coimbra Editora, página 172).
Na esteira do decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo, em 1 de Março de 2007, no Processo nº 01199/06, «As circunstâncias dirimentes da responsabilidade previstas no art.º 32.º do ED são, em geral, todas as que impedem a apreensão de qualquer dos elementos essenciais do ilícito disciplinar ou que impelem o agente a agir de uma determinada forma e que, por isso, se constituem em causas de exclusão da culpa. O que significa que, por regra, serão circunstâncias dirimentes da responsabilidade todas aquelas que determinem a sua incapacidade volitiva e cognitiva no momento da infracção, isto é, que incapacitem o agente de avaliar correctamente a bondade da sua conduta e a determinar-se de acordo com essa avaliação.».
Preceitua o artigo 15º do Código Penal, sob a epígrafe «Negligência» que «Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.».
Quanto ao pressuposto da culpa, o julgador tem de fazer um juízo de valor prudente, com base na experiência e no senso comum, tendo em consideração as circunstâncias do caso.
O dever de zelo exigia que o A. observasse as normas legais e regulamentares aplicáveis, para efeito de recolha de provas no âmbito de investigação criminal, e cumprisse as instruções do seu superior hierárquico, bem como possuísse e aperfeiçoasse os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correção.
Pelo exposto, não era exigível ao A. que atuasse de forma diversa da que atuou, sem meios, sem formação contínua na matéria em causa, sem o apoio de especialistas e sem o acompanhamento pessoal do Inspetor-Chefe que devia ter planeado e controlado as tarefas executadas pelo A. no local do crime.
Nessa medida, verifica-se uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar do A. (artigo 32º, alínea d), do ED.), que constitui causa de justificação do comportamento desconforme ao dever geral de zelo a cujo respeito está vinculado, impedindo a verificação de todos os elementos que integram a infração disciplinar.
Mais se conclui, face à prova produzida, que a integridade da prova não foi posta em causa e não foi sequer rececionado nenhum pedido de exame no Laboratório de Polícia Científica, no âmbito do NUIPC: 528/06.9GAMLD.
Ante o exposto, ocorrendo causa de exculpação, inexiste infração disciplinar que inviabiliza o exercício do poder disciplinar por parte da EPD. e, em consequência, deve proceder a pretensão do A., indo anulado o ato impugnado.
Perante a inexistência de infração disciplinar, fica prejudicada a apreciação dos demais vícios assacados ao ato impugnado.
(…)».

I) - Inexistência de infração disciplinarculpa.
Divergimos da conclusão a que chegou o tribunal “a quo”, de inexistência de infracção disciplinar.
Está em causa o dever de zelo, que “consiste em conhecer as normas legais regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção– art.º 3º, nº 6, do Estatuto Disciplinar (ED - Dec. Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro), também conhecido como dever de diligência ou de aplicação.
Como se assinala no Ac. deste TCAN, de 19.04.2013, proc. nº 02269/10.3BEPRT:
V. O dever de zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os mesmos estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento e objetivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins.
VI. Daí que este dever se assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução das funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar daqueles mesmos padrões ou objetivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço.
VII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a atividade funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer as funções em desacordo com os objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses fins.
Fundamentalmente apontam-se como erradas condutas, desconformes ao dever de zelo, o que vem imputado relativamente: i) à recolha e acondicionamento de vestígios; ii) à reportagem fotográfica.
Ao autor foi imputada a violação das “mais elementares regras”.
E efectivamente assim é.
O sucesso da perícia laboratorial sempre essencialmente depende da colheita, acondicionamento e envio dos vestígios [cadeia de custódia – veja-se, a propósito e em exemplo, a Deliberação n.º 3191/2008 do Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., seu artigo 12º; a “manutenção da cadeia de custódia da amostra” é realizada “através do preenchimento e assinatura do auto de colheita e de identificação”, oferecendo a identificação de quem é recolhida a amostra, como também a identificação de quem procedeu à recolha da amostra, e ainda o percurso desta, quem entregou a quem, onde e quando].
Os vestígios [que podem ter natureza biológica (v.g. sangue, cabelos, unhas), físico-química (v.g. resíduos de disparo, marcas de ferramentas, fibras têxteis) ou lofoscópica (dactiloscópicos, quiroscópicos, pelmatoscópicos)] devem ser recolhidos, etiquetados e mantidos em segurança com medidas que assegurem a não contaminação (assim, p. ex., as fibras devem ser recolhidas sobre papel de captação, e colocadas em sacos de papel), seja com outros elementos, seja entre si; o manuseamento deve ser reduzido ao mínimo de forma a estar assegurada a sua entrada nos laboratórios periciais em forma o mais semelhante ao momento em que foram descobertos; a recolha do vestígio deverá ser realizada com preocupação de preservar e não contaminar nem inutilizar com os materiais ou processos utilizados, de maneira que as interferências no seu posterior estudo sejam mínimas.
A reportagem fotográfica deve, além de oferecer legenda, proceder à sinalização do vestígio por meio da criação de contraste e da aplicação de referências alfanuméricas, com fotografia ao pormenor e fotografia geral, de forma a congelar a cena no espaço e no tempo para referências futuras.
São regras básicas, adquiridas desde há muito, que qualquer pertinente manual manda observar (vide, p. ex., Beatrice EDurupt, “La Police Judiciaire – La scène de crime”, Découvertes Gallimard, 2000; DIAS, Tereza Lima, in Manual de procedimentos para recolha de vestígios biológicos no local do crime / Tereza Lima Dias.- Lisboa: DCICPT, 2001.- 104 f.; 30 cm, disponível no Centro de Documentação da PJ; Monteiro, I.V.P. (2010), Vestígios hemáticos no local de crime – sua importância médico-legal. Porto. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Vaz, A. J. (2008). Metodologias de detecção de vestígios biológicos forenses, Aveiro, Universidade de Aveiro – Departamento de Biologia).
Que o autor deveria observar ou fazer cumprir, estando no domínio do facto, tivesse sido o próprio a efectuar recolha ou quem o acompanhou.
Chamada à colação a circunstância de falta de mala adequada para a recolha de vestígios dactiloscópicos, ela só aí reflectiria, a respeito da recolha de tais vestígios, dando por inexigível conduta não ao alcance; mas sem obnubilar o mais.
Não frutifica a defesa de não existir em concreto uma contaminação e de se estar perante cenário já não incólume. O dever de zelo impunha, ainda assim – mesmo assim, mas/e sem deixar de perpetuar notícia sobre o cenário já não virgem -, o exercício das competências do modo mais adequado para, na medida do possível, com organização e método, efectuar a recolha e registo, deixando a fidedignidade comprovativa para posterior juízo. E o que a conduta atinge em tutela é de perigo abstracto (e, recorrendo à “parentalidade”, penal, sobre os diversos graus e modalidades de perigo, vide M. Miguez Garcia, in O Direito Penal Passo a Passo, vol. II, Almedina, pág. 359 e ss.).
Entendeu o tribunal “a quo”, afastando culpa, que não era exigível ao A. que actuasse de forma diversa da que actuou, sem meios, sem formação contínua na matéria em causa, sem o apoio de especialistas e sem o acompanhamento pessoal do Inspetor-Chefe que devia ter planeado e controlado as tarefas executadas pelo A. no local do crime.
Mas, salvo melhor apreciação, não se pode acompanhar tal juízo, pois a falta de uma formação contínua não afasta culpa quanto ao que é violação de mais elementar conhecimento em formação básica de raíz; nem a falta de meios, pois estando especialista de prevenção, bastaria fazê-lo intervir; mesmo sem acompanhamento pessoal do Inspetor-Chefe, pois um tal acompanhamento não significa omnipresença, nem inibe do exercício da competência.
Impõe-se, pois, revogar o decidido.
Cumprirá, nada obstando, averiguar em substituição do mais que é objecto da causa.
II) – Competência para a nomeação do instrutor.
Conforme consta em H) do probatório: «Em 17/01/2007, foi mandado instaurado processo disciplinar ao A., pela C.I.C. Drª MCFF, do D.I.C. de Aveiro, a que foi atribuído o nº 10/2007 e nomeado instrutor o Inspetor-Chefe AO, por despacho do Diretor do Departamento Disciplinar e de Inspeção da Diretoria Nacional da Polícia Judiciária, cuja instrução se iniciou em 22/01/2007 (cf. fls. 45/47 e 71/72 do PD.)».
Convoca o autor ilegalidade, remetendo para situação analisada no Ac. do TCAS, de 08-03-2007, proc. nº 07395/03, uma vez que o art. 51º nº 1 do Estatuto Disciplinar (ED - Dec. Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro), ditaria, de outro modo, que “A entidade que instaurar processo disciplinar deve nomear um instrutor escolhido de entre os funcionários ou agentes do mesmo serviço, de categoria ou classe superior à do arguido ou mais antiga que ele na mesma categoria e classe, preferindo os que possuam adequada formação jurídica”.
Arvora com a incompetência para a nomeação do instrutor por banda do Diretor do Departamento Disciplinar e de Inspeção da Diretoria Nacional da Polícia Judiciária.
Mas não tem razão.
Não nos parece que a lei geral disciplinar (DL nº 24/84, de 16/01) seja impeditiva a que as coisas se tivessem processado da maneira como, no caso concreto, tudo se passou.
O autor identifica a desconformidade por reporte a que só o Director da PJ possa instaurar processos disciplinares (cabendo-lhe, então, a nomeação do instrutor), quando nada da própria lei particular da PJ afasta a lei geral quando dispõe que “são competentes para instaurar ou mandar instaurar processo disciplinar contra os respectivos subordinados todos os superiores hierárquicos, ainda que neles não tenha sido delegada a competência de punir” (art.º 39º, nº 1).
Mesmo segundo essa lei geral, a competência dos superiores hierárquicos é uma competência “para instaurar ou mandar instaurar processo disciplinar” (art.º 39º, nº 1).
A competência é logo exercida pelo próprio ou mandada exercer.
Como foi o caso (ultrapassado o equívoco de redacção do exarado “foi mandado instaurado”, pois, efectivamente, e como o próprio autor refere em peça processual, o processo “foi mandado instaurar”).
Mesmo o ED, ponderado o seu art.º 51º, nº 3, parece apontar que, existindo serviços de inspecção tudo se passe do modo como aconteceu, saindo a nomeação desses serviços (M. Leal-Henriques, in “Procedimento Disciplinar, 4ª edição”, na anotação ao artigo 51º).
Assim, e instaurado no respectivo Departamento Disciplinar e de Inspecção, escrupuloso cumprimento resulta do referido art.º 51º, nº 1, do ED, sempre cabendo ao Director do Departamento a competência.
III) – Violação do ónus da prova e do princípio in dubio pro reo na acusação contra si proferida.
Como vem sendo comummente referido em diversos arrestos, a prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do instrutor, estando, consequentemente, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido “devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica”, na “liberdade para a objectividade”.
Finda a instrução, entendeu o instrutor deduzir acusação – art.º 57º, nº 1, do ED.
A acusação é peça processual que tão só fixa a temática segundo princípio próprio dos processos sancionatórios – obedecendo a estrutura acusatória -, encontrando-se justificada pelo material até aí recolhido, sem qualquer violação do ónus da prova e do princípio in dubio pro reo na acusação proferida contra o autor, cuja simples discordância não integra nenhum atropelo do que é de tal ónus e princípio.
IV) – Violação do direito de defesa do A., ao não ter sido considerado o por si alegado na sua defesa, nem valorados os depoimentos das testemunhas por si indicadas.
Não tem o autor qualquer razão em ter como violado o seu direito de defesa.
O essencial do direito de defesa do arguido em processo disciplinar consubstancia-se na possibilidade de pronúncia sobre todos os elementos que relevem para a decisão, tanto no que concerne à matéria de facto como à matéria de direito.
Remete-se para o que foi tal defesa e Relatório Final do processo disciplinar, referido em U) do probatório.
Na defesa apresentada o autor, fundamentalmente:
- invocou a falta de competência para a nomeação de instrutor;
- refutou que tivesse sido ele próprio a introduzir o tecido dentro dos cartuchos, comportamento que imputou ao segurança que o acompanhava;
- negou que ficasse em causa qualquer contaminação com tal forma de proceder;
- negou que a falta de fotografia panorâmica pudesse dificultar reconstituição do estado de coisas com força comprovativa.
Matérias - as que interessava do depoimento das testemunhas - que o instrutor versou em Relatório Final, não sendo obrigado a um discurso de específica contra-argumentação incidente sobre todas e quaisquer as circunstâncias, antes as que possam alicerçar convicção sobre o mal e bem fundado da acusação, o que não deixou de fazer segundo regras que enunciou, ainda que, na sua livre convicção, extraindo diferente leitura da que é a do autor.
V) – Dever de fundamentação
O ponto de vista relevante para avaliar se o conteúdo da fundamentação é adequado ao imperativo imposto pelos artºs 268º, nº 3, da CRP e artºs 124º e 125º do CPA, é o da compreensibilidade por parte do destinatário normal, colocado na situação concreta, de modo que deve dar-se por cumprido tal dever se a motivação contextualmente externada lhe permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do acto a agir ou a escolher a medida adoptada.
O que releva na fundamentação é, assim, a compreensão do sentido da decisão, das razões porque foi decidido dessa maneira e não de outra, e já não a veracidade dos pressupostos de facto ou a correcção dos pressupostos de direito invocados, que já com eventuais erros nos pressupostos de facto ou de direito, determinantes de vício de violação de lei, contende.
O nosso ordenamento jurídico não consagra uma concepção substancialista ou objectivista da fundamentação, que confunde esta com a justificabilidade objectiva da decisão ou a conformação desta com a normação jurídica, mas sim uma concepção formalista ou instrumentalista, no sentido de que a exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do acto administrativo e não à validade substancial do respectivo conteúdo ou pressupostos, sendo relevante o esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua determinabilidade e não no sentido da sua indiscutibilidade substancial ou da sua convincência - cfr. Ac. do STA, de 04-07-2002, proc. nº 0616/02; de 20-01-2005, proc. nº 0857/04; de 05-02-2005, proc. nº 01753/03; Ac. do TCAN, de 19-12-2014, proc. nº 00907/12.2BEAVR.
Nesta última óptica se parece posicionar o autor ao convocar falta de fundamentação, que, na rebeldia contra a decisão punitiva, também dá como falta de fundamentos.
Mas, bem ou mal que adquiridos os pressupostos, a fundamentação está presente.
VI) – Violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (artigos 4º, 5º, 6º, 6ºA, do CPA).
A sua enunciação genérica, tal como vem colocado pelo autor, sem circunstâncias que consubstanciem, vota a apreciação de mérito à improcedência.
VII) – Prescrição
O autor equaciona a prescrição do procedimento em lógica decorrente de só caber ao Director da PJ a competência disciplinar, e perante o disposto no art.º 4º, nºs. 1 e 2, do ED:
1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.
2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.
Mas já se viu que não é exclusiva tal competência.
E, vendo dos factos, impõe-se concluir que o procedimento não está prescrito.
Mesmo antes tendo em conta o DL nº 196/94, de 21/07 (Aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária), seu art.º 22º.
De referir a não contagem durante o tempo da acção, entrementes, como decorre de princípio geral (cfr. Ac. do STA, Pleno, de 06-12-2005, proc. nº 042203).
Assim também com relação à prescrição da pena, que o autor alicerça no art.º 34º, a), do ED, esta não se verifica, quando a própria norma assinala que o prazo é contado “da data em que a decisão se tornou irrecorrível” (igualmente à luz do DL nº 196/94, de 21/07 – art.º 24º a)), reconhecimento incompatível com a presente pendência.
A não verificação da prescrição contraria argumento de desaparecimento de razões e desnecessidade actual reivindicada pelo autor para o exercício da acção disciplinar.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em dar provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a acção.
Custas: pelo recorrido.

Porto, 9 de Outubro de 2015.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro