Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00220/13.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; PRESCRIÇÃO
Sumário:
O prazo especial de prescrição do direito de indemnização por Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, previsto no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, conta-se desde a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:JORP e SRGGAP
Recorrido 1:Infraestruturas de Portugal, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
JORP e SRGGAP vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 1 de Setembro de 2015 que julgou procedente a excepção de prescrição do direito dos Autores no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades Públicas, relativamente à acção administrativa comum interposta contra Estradas de Portugal EPE, actualmente Infraestruturas de Portugal, SA, e onde era peticionado que se deviam:
a) realizar obras defensivas das águas pluviais, terra, entulho e escorros que se precipitam pelo talude e sapata por si construídos na confrontação sul com a casa dos autores de modo a evitar que as mesmas se precipitem sobre a casa dos autores;
b) impermeabilizar a parede da cave aterrada da habitação contigua, adquirida e demolida pela ré;
c) reparar os danos provocados pelas águas pluviais, terra, escorros e entulho e que se precipitam pelo talude e sapata, e pelas trepidações;
d) compensar os autores numa quantia não inferior a € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos.

Em alegações os recorrentes concluíram assim:
1.
O tribunal recorrido julgou por saneador/sentença procedente a excepção de prescrição invocada pela ré, absolvendo-a do pedido.
2.
Para fundamentar e apoiar o saneador/sentença, o tribunal recorrido socorreu-se dos factos julgados por provados no relatório da sentença e transcritos no corpo desta alegação e que se dão por integralmente reproduzidos.
3.
Os factos julgados provados no saneador/sentença não são suficientes e fundamentadores da excepção de prescrição.
4.
Na verdade, os factos constantes nos números 7 e 8 da sentença referem-se a denúncias ocorridas no decurso da construção da variante Guimarães/Fafe.
5.
E referem-se a danos provocados pela demolição das casas contíguas e geminadas – uma delas com parede comum e que ao demolir expôs sem proteção hidráulica, térmica e acústica a parede voltada a sul.
6.
Essa parede foi reparada pela ré.
7.
Portanto, o tribunal incorreu num equívoco: aceitou que as denuncias durante a construção do viaduto, da sapata, e da demolição das casas geminadas com a dos autores, corresponde à causa de pedir desta ação.
8.
Não tem nada a ver.
9.
A presente ação trata da violação de direito sobre as coisas e de direitos de personalidade, conforme se pode alcanças pela petição inicial.
10.
A alegação do autor diz respeito aos danos que obra depois de construída provocou, provoca e provocará aos autores.
11.
A causa dos danos, conforme se alegou, dizem respeito a factos relacionados com:
- a distância a que foi construída a variante e as sapatas da habitação dos autores;
- à construção do tabuleiro suspenso que criou um novo escoamento de águas e ao talude que alterou a morfologia e o escoamento natural das águas pluviais;
- à circulação, portanto, ao uso intenso da estrada.
12.
E o pedido refere-se à obrigação de reparar, realizar obras defensivas nas coisas pertença da ré, de acordo aliás com a alínea a) e b) do pedido.
13.
O que está em causa são os danos provocados por coisas imóveis pertencentes à ré.
14.
Dispõe o art.º 1346.º do CC “que o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo (…) e ruídos (…) bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho.”
Tais factos importam um prejuízo substancial para o uso do imóvel dos autores apesar de resultarem do uso normal do prédio de que emanam.
15.
Dispõe o art.º 1351.º do Código Civil, o sublinhado é nosso, “que os prédios inferiores estão sujeitos, a receber as águas que naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulho que arrastam na sua corrente.
16.
Por aqui se vê que andou mal o tribunal recorrido ao fazer uma interpretação apressada da pretensão dos autores.
17.
Foi alegado na P.I. que existe uma situação de ilicitude causada pelo proprietário da variante que com as construções referidas e com o uso dos imóveis de sua propriedade causam danos a terceiros.
18.
Esses danos são actuais e atingiram um nível intolerável ao ponto de importarem, como a lei o diz, um prejuízo substancial para o uso do imóvel.
19.
O prazo de prescrição para estes danos não pode começar a ser contado desde a data da construção da variante e do seu uso.
20.
A lei protege os interesses dos proprietários na previsão das normas atrás apontadas. Se a situação de facto se mantém, e ela configura um facto ilícito permanente – a construção de taludes, de viadutos, que provocam um escoamento não natural das águas; a emissão de trepidações e ruídos - são factos ilícitos permanentes cujo prazo de prescrição não se esgota enquanto se mantiver a lesão de interesses alheios legalmente protegidos.
21.
É que os interesses protegidos dos autores continuam a ser violados no dia de hoje, enquanto não forem realizadas obras defensivas das águas, de escorros e entulho e se não arranjar forma de cessarem a trepidações motivadas pela proximidade da sapata com a habitação dos autores.
22.
Se estamos numa ação lesiva continuada como, exemplo da alegação, as trepidações que se transmitem da sapata construída a 8-10 metros da habitação, e se as mesmas, em muitos anos, não produzem danos visíveis, será que se iniciou o prazo prescricional para o exercício do direito?
23.
Uma interpretação tão restritiva do exercício do direito e a tentativa de por fim a uma situação de lesão permanente, continuada do direito de propriedade – casa de habitação que se vai fissurando por causa das trepidações cada vez mais intensas – estará prescrito o direito de reação para por fim à situação e ao facto lesivo?
24.
Tal interpretação restritiva, como se faz no saneador/sentença, quase que destitui de sentido as normas do código civil, inseridas no livros dos direito das coisas, e que visam a proteção da propriedade enquanto direito especialmente protegido na ordem jurídica.
25.
Atente-se que o pedido contende com a realização de obras de modo a cessar e a evitar a produção de danos futuros.
26.
Não se trata de pedir o ressarcimento dos danos, de forma pura.
27.
Trata-se, principalmente, de realizar obras que evitem prejuízos futuros que a ação ou omissão da ré, ilícita e culposa, provoca na esfera patrimonial dos autores e evitar a sua reincidência futura.
28.
Só a alínea d) se refere a à indemnização extracontratual para compensar danos não patrimoniais.
29.
A defesa da propriedade enquanto concentração tendencial dos poderes plenos de usar, fruir e dispor não está sujeita a um prazo prescricional de três anos.
30.
Nesta medida, o enquadramento jurídico efectuado pelo tribunal recorrido não foi o correcto.
31.
E violou as normas destinadas a proteger direitos legalmente protegidos constantes nos artigos 1346.º e 1351.º do Código Civil.
32.
Com efeito, os factos enquadrados juridicamente nos dispositivos do art.º 1346.º e 1351.º do Código Civil não estão sujeitos ao prazo de prescrição de três anos.
33.
Tanto mais que se indica no tempo a ocorrência dos factos, a partir de 2010,
34.
sendo certo que a causa de tais factos é o local da construção da variante, local do talude e da sapata e a circulação viária em violação daqueles dispositivos legais.
35.
Assim, o tribunal recorrido está obrigado por lei a ponderar, na prolação do despacho saneador, as várias soluções plausíveis de direito no caso concreto, e no despacho/sentença impugnado não o fez, focando-se numa só solução de direito.
36.
Devendo ter considerado a totalidade da alegação e, remetendo para eventual sentença final o conhecimento da excepção de prescrição.
37.
Também aqui o tribunal fez errada aplicação da lei.


A entidade recorrida, notificada para o efeito, não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao decidir pela verificação da excepção da prescrição do direito invocado pelo recorrente.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1- Os autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto por uma casa de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito no LC, agora Rua JP II, freguesia de Mesão frio, do concelho de Guimarães, lote oito A, descrito na Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o n.º 9... por o haverem comprado a “Construções SC, Lda.”, em 23 de Dezembro de 1999, por Escritura lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Guimarães, no livro das “Escrituras Diversas” n.º 3...-D, de folhas 93 a 96, tendo registado a aquisição a seu favor pela inscrição G-4/240... – cfr. doc. 1 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2- O imóvel, casa de habitação dos Autores, fazia parte de um conjunto de três moradias geminadas.

3- As duas restantes habitações, construídas nos lotes 7 e 8, foram expropriadas pela Ré, mediante a sua aquisição por via amigável, que as demoliu.

4- A Ré construiu a “variante às EE NN 101 – ligação da circular de Guimarães à variante de Fafe”, que se encontra sob a sua administração.

5- A referida variante está aberta ao trânsito desde 2004.

6- O auto de recepção provisória total da empreitada data de 30.11.2004 - cfr. doc de fls. 52 e 53 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7- Com data de 12-03-2004, o Autor, através do seu advogado, remeteu carta ao Instituto das Estradas de Portugal, com o seguinte teor: “venho levar ao vosso conhecimento, para efeitos de reclamação e denuncia, o seguinte: Em consequência directa das obras de demolição das vivendas geminadas e preparação do terreno e deficiente impermeabilização das paredes da vivenda do meu constituinte, a habitação encontra-se inundada, na cave, com cerca de 1 metro de água de altura. Tal inundação está a causar danos de dimensões que ainda não se podem apurar e que é de todo conveniente cessar, uma vez que a água já se infiltrou na instalação eléctrica. Denuncio estes factos a V.as Exas. Para me dizerem o que tiverem por conveniente e para adoptarem as medidas necessárias a evitar novas inundações.” – cfr. doc. de fls. 113 dos autos, junto com a contestação e cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido.

8- Em 02.06.2004, o Autor remete carta ao Instituto das Estradas de Portugal, com o seguinte teor: “Vimos por esse meio expor os danos causados pela construção do viaduto junto à nossa habitação. (…) Como todas estas situações foram analisadas e assumidas pelas entidades responsáveis, IEP e Contacto, pretendemos que nos seja dada a data do início das obras de reparação das mesmas - cfr. doc. de fls. 115 e 116 dos autos, junto com a contestação e cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido.

9- O Autor remeteu ao Instituto das Estradas de Portugal cartas datadas de 09.11.2004 de 17.12.2004, com o objectivo de denunciar estragos na habitação decorrentes da construção da variante e ainda defeitos de reparações entretanto efectuadas - cfr. doc. de fls. 122 e 123 dos autos, junto com a contestação e cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido.

10- A petição inicial que deu origem à presente acção foi remetida via site em 29.01.2013 – cfr. fls. 1 dos autos

2.2 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelos Recorrentes, as questões a decidir reconduzem-se a saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito ao julgar procedente a excepção da prescrição do direito invocado pelos Autores.
A decisão recorrida conclui pela procedência da prescrição com o seguinte fundamento, na sua parte final:
Como resulta da matéria apurada, a obra em causa nos autos foi concluída e aberta ao trânsito em 2004.
Mais resulta que, nesse mesmo ano, os Autores remeteram à Ré – então IEP - diversas comunicações escritas, reclamando o ressarcimento dos danos sofridos na sua habitação em resultado da obra em causa nos autos.
Estes elementos são, por si só, suficientes para se afirmar com segurança que, no ano de 2004, já os Autores já tinham conhecimento do direito de indemnização que lhes competia.
Mesmo que alguns dos danos articulados pelos Autores da acção apenas tenham sido visíveis a partir de 2010 (cfr. art. 36º da p.i.) certo é que configuram danos sucessivos ou agravamento de danos iniciais, de que o mesmo tinha conhecimento há muito, pelo menos desde 2004. E esses danos iniciais não só eram aptos a gerar conhecimento do direito à indemnização, «embora com desconhecimento da extensão integral dos danos», como efectivamente o geraram no lesado concreto, ora Autor.
A petição inicial que deu origem à presente demanda foi enviada para este Tribunal, via site, em 29.01.2013 e a Ré citada a 01.02.2013.
Aqui chegados, é manifesto que haviam já decorrido três anos desde a data em que os Autores tiveram conhecimento do facto ilícito em causa nos autos.
Os Autores, ora recorrentes, vêm insurgir-se contra o assim decidido referindo que estão em causa danos que a obra provocou, provoca e provocará aos autores, e o pedido refere-se à obrigação de reparar e realizar obras defensivas nas coisas pertença da ré. Só a alínea d) do pedido se refere à indemnização extracontratual para compensar danos não patrimoniais.
Analisando os pedidos dos Autores verifica-se que vem solicitado, na alínea a) que sejam realizadas obras defensivas das águas pluviais, entulho e escorros, na alínea b) a impermeabilização da parede da cave, e na alínea c) a reparação dos danos provocados pelas águas pluviais.
Na alínea d) vêm os recorrentes solicitar uma indemnização de montante não inferior a € 25 000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos.

De acordo com o n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos…”.
Como referem Fernando Andrade Pires de lima e João de Matos Antunes Varela, in, Código Civil anotado, vol. I, pág. 437, “ 1. São dois os prazos de prescrição estabelecidos no n.º 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, também a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos. Para o começo do primeiro prazo não é necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano (…), pois pode pedir a sua fixação para momento posterior, nem é necessário que conheça a pessoa do responsável, pois não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição. O que é necessário para começo da contagem do prazo é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete (...).
Ou seja, como referem estes Ilustres AA. o prazo prescricional começa a correr desde a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização.

Em douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/05/2006, Rec. n.º 0323/04, refere-se que: “O termo a quo do prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos conta-se da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (art. 498.º, n.º 1 ex vi art. 71.º, n.2 da LPTA) ”, sendo que “Tal expressão deve ser interpretada no sentido de que a data relevante é a do conhecimento, pelo lesado, dos factos constitutivos desse direito, ou seja, que foi praticado um acto que lhe causa prejuízos”.
Aliás, tem sido esta a jurisprudência pacífica do Venerando STa.
Ver, entre outros, Acórdão proferido no processo n.º 01203/02, de 04-12-2002, onde se refere. I- O prazo especial de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, previsto no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, conta-se desde a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, que é aquela em ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu. II - No caso de ser invocado como fundamento da responsabilidade um facto ilícito de natureza continuada, não é necessário para exercer o direito de indemnização que tenha cessado tal facto, pelo que, à face do n.º 1 daquele art. 306.º, com o conhecimento inicial dos pressupostos do direito à indemnização começou a correr o prazo de prescrição.
Também a doutrina tem chegado à mesma conclusão referindo, Carlos Alberto Fernandes cadilha, in, Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidade públicas, pág. 96, ainda que em anotação ao artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, mas cujo conteúdo é perfeitamente aplicável ao caso dos autos, que:
De todo o exposto é perfeitamente claro que o prazo de prescrição corre a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito ou, dito de outro modo, o “ dies a quo” ocorre no momento em que o lesado soube que se iniciara a conduta lesiva”.
Como decorre dos autos, os Autores, pelo menos desde a abertura do troço da variante às EE NN 101- ligação da circular de Guimarães à variante de Fafe, em 2004, que têm conhecimento dos prejuízos que a sua construção lhe veio acarretar. Têm conhecimento porque o imóvel é a sua casa de habitação, como alegam, e deu-se como provado, como pelas missivas que remeteram à entidade demandada a denunciar e a reclamar dos danos que referem ter sofrido.
As denúncias provam precisamente que, na referida data, os recorrentes tinham conhecimento dos danos que vêm invocar. Como se vê da jurisprudência e doutrina citados anteriormente, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito ou, dito de outro modo, o “ dies a quo” ocorre no momento em que o lesado soube que se iniciara a conduta lesiva.
Não há dúvidas que desde 2004 os Autores sabem das lesões e que são as mesmas agora invocadas. As inundações e infiltrações, as fissuras, os problemas com o piso de madeira, o ruido de circulação automóvel, são tudo danos que os Autores invocam resultado da construção da variante, e que, apesar de ainda de se poderem verificar, são do seu conhecimento, pelo menos desde 2004.
Assim, nesta parte, nenhuma censura merece, nesta parte a decisão recorrida.
Referem os recorrentes que apenas o pedido constante da línea d) é de responsabilidade civil extracontratual do Estado, e não se está a pedir o ressarcimento de danos de forma pura (conclusão 26). Trata-se, principalmente de realizar obras que evitem prejuízos futuros que a acção ou omissão da ré, ilícita e culposa, provoca na esfera patrimonial dos autores e evitar a sua reincidência futura (conclusão 27).
Ou seja, o que os recorrentes vêm sustentar é que não estão a pedir indemnização, apenas o pedido constante da alínea d) se refere a esta questão. Apenas estão a solicitar que a entidade demandada proceda a obras que evitem e reparem os danos que referem lhe forem causados.
Estes danos teriam sido provocados pela construção da variante EE NN 101- Ligação da circular de Guimarães à variante de Fafe, que não respeitou o afastamento previsto pela lei relativamente à casa de morada dos Autores. A referida construção e os erros decorrentes da mesma levaram aos danos ora peticionados.
Tendo em atenção a forma como os Autores configuram a acção não há dúvidas que estamos perante uma acção de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por facto ilícito. Esta questão não é posta em crise.
O dever de indemnizar, no âmbito da responsabilidade civil, é fixado em dinheiro, mas sempre que a reconstituição natural não seja possível (artigo 566º do CC). Como se refere no artigo 3º, n.º 1, do Regime Geral Civil Extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (o mesmo se passa se for aplicado ao caso dos autos o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967), quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Por seu lado refere o n.º 2 do mesmo artigo que “ a indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível…”. Ou seja, a forma de reparação dos danos deve, em primeiro lugar, ser concretizada através da reconstituição natural e só se esta não for possível deve ser feita através da fixação de indemnização em dinheiro. Dito de outro modo, não é pelo facto de o recorrente vir solicitar que seja reconstruído a sua propriedade dos danos que refere terem sido cometidos, que deixamos de estar perante uma Acção Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. Assim sendo, quer esteja em causa uma indemnização num montante em dinheiro, quer esteja em causa a reconstituição natural dos bens alvo do dano, e como estamos perante uma acção de responsabilidade, a prescrição de indemnização é sempre fixada nos três anos de acordo com o artigo 498º do Código Civil. Não é pelo facto de os recorrentes virem solicitar a reconstituição da sua casa de habitação, relativamente aos danos causados e protegê-la dos danos futuros que não corre contra si a prescrição.
Vêm ainda os recorrentes invocar os artigos 1346º e 1351º do Código Civil, que protegem os proprietários de imóveis relativamente à emissão de fumos, produção de ruídos e factos semelhantes, e ainda quanto ao escoamento natural das águas. Referem que a protecção destes valores não está sujeito ao prazo de prescrição de três anos. Esta questão, que apenas vem invocada no presente recurso, tem a ver com normas do direito civil cuja competência para a sua análise são os tribunais comuns e não os tribunais administrativos.
Assim sendo, tendo em atenção todo o exposto, conclui-se que ocorre prescrição do direito de indemnização dos AA. Tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões dos recorrentes, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso interposto.

3. DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes

Notifique

Porto, 23 de Junho de 2017
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco