Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00089/10.4BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 09/23/2011 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | José Augusto Araújo Veloso |
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Descritores: | PRAZO DE CADUCIDADE EM MESES REDUÇÃO A DIAS PRINCÍPIO DO PRO ACTIONE |
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Sumário: | I. O prazo de três meses, previsto no artigo 58º nº2 alínea b) do CPTA, para impugnação contenciosa de actos administrativos anuláveis, quando abranja período em que decorram férias judiciais, deve ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 144º nº1 e nº4 do CPC, aplicável por força do artigo 58º nº3 do CPTA, já que, conforme o critério estabelecido no artigo 279º alínea a) do CC, um mês são trinta dias de calendário; II. O artigo 7º do CPTA impõe ao intérprete de uma norma processual que, perante duas ou mais interpretações possíveis, opte pela que favoreça a instância, isto é, pela que permita o conhecimento da questão trazida a juízo; III. A aplicação deste corolário do pro actione supõe, assim, a existência de duas ou mais interpretações possíveis, razoáveis, da mesma norma processual, devendo a opção ir para aquela que, sendo razoável, até pode ser menos razoável que outra ou outras.* * Sumário elaborado pelo Relator |
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Data de Entrada: | 05/30/2011 |
Recorrente: | Óptica..., Lda. |
Recorrido 1: | IAPMEI |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Óptica… Lda. – com sede na rua …, Coimbra – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – em 09.03.2011 – que julgou procedente a caducidade do direito de acção por ela exercido contra o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação [IAPMEI] – a sentença recorrida configura o saneador/sentença da acção especial em que a ora recorrente pede ao TAF que declare nulo ou anule o Despacho DGIC/DCS 09 do IAPMEI que determinou a caducidade da decisão de concessão de incentivo financeiro, relativa à candidatura com o nº102367, por ela apresentada. Conclui assim as suas alegações: 1- A questão fundamental a decidir no recurso prende-se com a contagem do prazo de propositura das acções administrativas especiais, fixado em 3 meses na alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA, sobretudo quando no decurso do mesmo ocorrem férias judiciais; 2- O TAF considerou que esse prazo de 3 meses se devia considerar como sendo um prazo de 90 dias, pelo que, tendo a autora sido notificada do acto impugnado em 14.10.2009, o prazo para a propositura da acção teria terminado em 25.01.2010, sendo, consequentemente, extemporânea a acção apresentada no dia imediatamente seguinte; 3- Pelo contrário, a autora considerou que o prazo legal era de 3 meses, e não de 90 dias, pelo que terminava no mesmo dia do terceiro mês imediatamente seguinte, devendo-se acrescentar, apenas, os dias que correspondem às férias judiciais de Natal, razão pela qual o prazo terminaria apenas no dia 28.01.2010, o que faria a acção tempestiva, uma vez que entrou no dia 26.01.2010; 4- Salvo o devido respeito, ao considerar que o prazo de 3 meses previsto na alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA corresponde a 90 dias e, por isso, ao julgar extemporânea a acção interposta, o aresto recorrido incorreu em flagrante erro de julgamento, não só por tal interpretação não ter qualquer apoio no texto da lei, e no espírito do legislador, mas também por violar frontalmente o princípio pro actione do artigo 7º do CPTA, uma vez que acolhe solução interpretativa mais onerosa à efectivação do direito de acesso à justiça e à prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais; 5- Não obstante pacífico que o prazo de 3 meses continua a ter natureza substantiva [ver AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 3ª edição, página 388], o certo é que tanto a doutrina como a jurisprudência procuraram contornar a impossibilidade de se suspender um prazo de meses, ficcionando que onde o legislador falara em meses se deveria considerar que se reportava a 90 dias, uma vez que de acordo com a alínea a) do artigo 279º do CC um mês corresponderia a 30 dias [neste sentido, entre outros, ver AC STA de 08.11.2007, Rº0703/07, AC TCAN de 25.03.2010, Rº00994/09.0BEVIS e AC TCAN de 29.04.2010, Rº02450/07.2BEPRT]; 6- O intérprete não pode pretender que a lei valha com um sentido que no seu texto não tem qualquer correspondência e terá que presumir que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [9º CC], pelo que temos por inquestionável que se o legislador fixou em meses o prazo de impugnabilidade não pode o intérprete ficcionar que tal prazo se deve computar em dias, sob pena de um atestado de menoridade ao legislador e não se atender ao que está escrito na lei; 7- Além disso, não pode o intérprete considerar que um mês corresponde a trinta dias [logo 3 meses a 90 dias], não só por o calendário gregoriano o não permitir mas também por a própria lei nunca referir que um mês tem 30 dias, antes sendo bem clara ao determinar que o fim do mês corresponde ao último dia do mês [alínea a) do artigo 279º do CC], pelo que, seja por força do calendário gregoriano seja por força do disposto na referida norma do Código Civil, é inquestionável que um mês não são necessariamente trinta dias, podendo, pelo contrário, corresponder a 28, 29, 30 ou 31 dias; 8- A tese de que os três meses previstos para a impugnação correspondem a 90 dias não tem qualquer apoio no texto da lei e não corresponde ao espírito do legislador [a não ser que não soubesse o que estava a dizer], não só por historicamente este sempre ter recusado contabilizar o prazo de impugnação em dias e sempre ter associado o final do mês ao último dia do calendário e não ao trigésimo dia, mas também por o objectivo da alteração introduzida em 2004 apenas visar que as férias judiciais não fossem incluídas no decurso do prazo [o que não sucedia até aí]; 9- A correcta interpretação da lei passará por respeitar o nela escrito, pelo que o prazo terá que ser computado em meses, o que significa que terminará, no terceiro mês seguinte, no exacto dia que ali corresponda ao dia em que iniciou, devendo ser acrescentado, quando coincida com férias judiciais, em 9 dias [nas férias da Páscoa], 13 dias [nas férias de Natal] ou 47 dias [nas férias de Verão], de forma a respeitar-se a vontade do legislador de não incluir no prazo de meses os dias de férias;10- Para além de efectuar uma interpretação errada da alínea b) do nº2 e do nº3 do artigo 58º do CPTA, o aresto em recurso procede à interpretação mais lesiva para o princípio pro actione e para a eficácia máxima dos direitos, liberdades e garantias, violando o princípio consagrado no artigo 7º do CPTA e restringindo, por via interpretativa, direitos, liberdades e garantias [o direito de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva], ao arrepio do disposto no artigo 18º da CRP, o que é o mesmo que dizer que efectuou interpretação que conduziria à inconstitucionalidade material da alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA; 11- As normas constitucionais devem ser interpretadas no sentido que maior eficácia lhes dê [ver GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 1991, páginas 233 e seguintes], pelo que, assegurando as normas constitucionais o acesso à justiça e uma tutela judicial efectiva, devem as normas legais ser sempre interpretadas em sentido que maximize a efectividade daqueles direitos e, consequentemente, amplie e não restrinja os prazos processualmente fixados para o efeito, uma vez que o princípio pro actione consagra a obrigatoriedade de as normas processuais serem interpretadas no sentido de promover a obtenção de decisões de mérito; 12- O TAF esqueceu por completo o princípio in dubio pro habilitate instantiae, perfilhando a interpretação mais agressiva e penalizante para o direito de acesso à justiça e descoberta da verdade, dado ter adoptado solução interpretativa que diminuía o prazo de impugnação em vez de interpretação que permitia aumentar tal prazo; 13- Porém, sendo a interpretação correcta ou, pelo menos, sendo uma das interpretações possíveis a que permitia que o prazo terminasse em 28.01.2010 e não em 25.01.2010, é notório que o TAF deveria ter perfilhado a interpretação que favorecesse a efectividade do direito de acesso à justiça e a pronúncia de uma decisão de mérito, o que levaria a considerar tempestiva a acção apresentada no dia 26.01.2010; 14- Ao considerar que o prazo de 3 meses previsto na alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA devia corresponder a 90 dias, e ao julgar extemporânea a acção interposta, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, não só por tal interpretação não ter apoio no texto da lei e no espírito do legislador, mas também por violar frontalmente o princípio pro actione consagrado no artigo 7º do CPTA, uma vez que acolhe a solução interpretativa mais onerosa à efectivação do direito de acesso à justiça e à prevalência das decisões de mérito; 15- Ainda que por hipótese se entendesse que a correcta interpretação da lei era a que fazia corresponder o prazo de 3 meses a 90 dias, sempre se teria de concluir que o aresto ora recorrido enferma de erro de julgamento ao proceder a excepção de caducidade do direito de intentar a acção atenta a ambiguidade do quadro normativo que rege o prazo de impugnação e a sua suspensão durante as férias judiciais, o que nos leva à previsão da alínea b) do nº4 do artigo 58º do CPTA, impondo o princípio pro actione que se aceitasse uma impugnação que, à luz de tal tese, considerava que a acção interposta 1 dia depois de terminados os 90, fosse admitida. Termina pedindo o provimento do recurso, com todas as legais consequências. O IAPMEI contra-alegou, concluindo assim: 1- A decisão proferida que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de propor a acção deve ser mantida; 2- Não se verifica, como quer a recorrente, qualquer erro de julgamento ao considerar caduco o direito de propor a acção; 3- O prazo de impugnação contenciosa de actos administrativos anuláveis, previsto na alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA, quando abranja um período em que decorram férias judiciais, deve o prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelos nºs 1 e 4 do artigo 144º CPC, aplicável por força do nº3 do artigo 58º CPTA e conforme o critério estabelecido na alínea a) do artigo 279º do Código Civil [um mês são trinta dias de calendário]; 4- Como a presente acção foi proposta em 26.01.2010 e, considerando as normas anteriormente citadas e o nº1 do artigo 59º do CPTA, bem como o facto das férias judiciais relativas ao período de Natal terem ocorrido entre os dias 22.12 e 03.01, é inequívoco que a presente acção foi proposta após o fim do prazo de 90 dias [o prazo terminou em 25.01.2010]; 5- A interpretação de que o prazo de 3 meses se deverá considerar como sendo um prazo de 90 dias, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais, é pacífica na jurisprudência do STA e do TCAN; 6- Também a principal doutrina acompanha essa tese, não existindo base para considerar válida a tese apresentada pela autora; 7- E, não existe ambiguidade no quadro normativo aplicável, verificando-se unanimidade no tocante à forma de interpretação da norma; 8- O que existe é um recurso permanente por parte da autora à invocação da ambiguidade do quadro normativo como solução para as interpretações que propõe, bem como para os incumprimentos verificados; 9- Termos nos quais, com os mais que resultarão do douto suprimento de Vossas Excelências, devem as presentes alegações serem julgadas procedentes, por provadas, e as alegações da autora improcedentes, por não provadas. Termina pedindo a manutenção do decidido pelo TAF. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA]. De Facto É o seguinte o teor do saneador/sentença recorrido: […] Compulsados os autos, verifica-se que a autora vem pedir a tribunal que declare a nulidade ou, subsidiariamente, anule o acto contido no despacho DGIC/DCS 09-MPC, que determinou a caducidade da decisão de concessão de incentivo financeiro. Examinando o teor desse despacho, constante de folha 4 do processo administrativo apenso [PA], constata-se que o mesmo consubstancia a comunicação de que a decisão de aprovação para concessão de incentivo caducou, por ter sido ultrapassado o prazo de 40 dias úteis estabelecido no nº2 do artigo 29º do Despacho nº26689/2005, 2ª série, de 5 de Dezembro. Ora, e ainda em conformidade com o que consta de folha 4 do PA, o ofício em causa foi expedido em 13.10.2009, tendo sido notificado à autora a 14.10.2009, em conformidade com o que decorre do aviso de recepção que acompanhou o despacho ora em apreço e que se encontra integrado no PA a folha 5. Ora, tendo esta acção sido proposta em 26.01.2010, e considerando o preceituado nos artigos 58º nº2 alínea b) e nº3, e 59º nº1, do CPTA, e 144º nº1 e nº2, do CPC, bem como o facto das férias judicias atinentes ao Natal sucederem entre os dias 22.12 e 03.01, é inequívoco que a presente acção foi proposta após o termo do prazo de 90 dias [este prazo terminou em 25.01.2010]. É certo que a autora defende que invocou a nulidade do acto, o que significa que a impugnação não se encontra sujeita a prazo. Contudo, não lhe assiste, mesmo assim, razão. É que os vícios ou ilegalidades que a autora assaca ao acto em crise são causa de mera anulabilidade e, por isso, conducentes à anulação, e não, como pretende a autora, causa de nulidade do mesmo acto. Com efeito, a autora invoca, em síntese, que o acto em questão padece de erro nos pressupostos em que assenta, viola o princípio da legalidade, padece de incompetência e de vício de procedimento derivado da falta de audiência prévia. Ora, todos estes vícios que ela convocou são aptos a suportar, tão-somente, uma censura correspondente à anulabilidade, mas já não à nulidade. O que significa que, assim sendo, o prazo para propor a respectiva acção impugnatória é o prescrito na alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA. Adicionalmente, impõe-se clarificar que é destituída de sentido a convocação do previsto no DL nº121/76, de 11.02, visto que tal diploma se aplica a processos de natureza jurisdicional e não a procedimentos de natureza administrativa. Acresce referir que, no caso versado, não funciona a presunção mencionada pela autora, visto que a data concreta da notificação do acto deriva da data aposta no aviso de recepção pela própria autora. Finalmente, é de clarificar que não ocorre, por banda do réu, e no que se refere ao acto agora impugnado, qualquer conduta passível de ser qualificada como indutora em erro. Com efeito, a verdade é que a autora, não obstante o que alega conclusivamente, não usou da faculdade prevista no artigo 60º do CPTA. Para além do mais, a data da prática do acto consta do rosto do ofício. De resto, estando em causa instituto público, a situação referente às impugnações administrativas é clara, não se registando qualquer ambiguidade do quadro normativo, nem se vislumbra circunstância da parte do réu que possa suportar juízo de censurabilidade em termos de indução da autora em erro. Destarte, julgo procedente a excepção de caducidade do direito de propor a presente acção. […] De Direito I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1. II. A decisão judicial recorrida considerou, a nível factual, que a autora foi notificada do acto impugnado em 14.10.2009, e que a acção impugnatória foi intentada em 26.01.2010. E considerou, agora a nível jurídico, que os vícios apontados ao acto impugnado eram susceptíveis de gerar a sua mera anulabilidade, que por via disso o prazo de caducidade para intentar esta acção era o de três meses, previsto no artigo 58º nº2 alínea b) do CPTA, e que, face à necessidade de suspender a sua contagem durante os dias de férias judiciais de Natal, por imposição do artigo 144º nº1 do CPC [ex vi 58º nº3 do CPTA], esse prazo teria de ser reduzido a noventa dias. Assim, concluiu-se na decisão judicial recorrida que o dito prazo de caducidade, de três meses reduzidos a noventa dias, descontados das férias judiciais, terminou em 25.01.2010, ou seja, no dia anterior ao da entrada desta acção [o prazo termina no dia 25.01.2010 por força do nº2 do artigo 144º do CPC, já que o seu último dia, 23.01, sendo um sábado, passa para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, segunda-feira 25.01.2010]. Além disso, reagindo a razões esgrimidas pela autora, a decisão judicial recorrida considera, ainda, que não se verifica qualquer razão justificativa da aplicação, ao caso, do prazo de um ano permitido nos termos do artigo 58º nº4 do CPTA. A autora da acção discorda do assim decidido, e vem, enquanto recorrente, imputar-lhe erro de julgamento de direito. Não discorda, note-se, da factualidade subjacente à decisão de direito, nem sequer da qualificação da sanção correspondente aos vícios que ela apontou ao acto impugnado, ou da contagem de prazo feita na pressuposição da redução dos três meses a noventa dias. Discorda, isso sim, que se possa proceder a esta mesma redução, que alega não ser permitida pelas normas legais convocadas nem pelo princípio pro actione. E diz, ainda, que de qualquer modo estamos perante um quadro de dúvida legitimador da aplicação do prazo de um ano permitido no artigo 58º nº4 do CPTA. III. A recorrente vem defender que o prazo de caducidade de 3 meses do artigo 58º nº2 alínea b) do CPTA não pode ser reduzido a 90 dias. Por dois motivos. Primeiro, porque a lei fala em meses, não em dias, sendo abusivo o intérprete adulterar as palavras do legislador. E segundo porque a redução de meses a dias, mesmo na hipótese de ser possível, é uma interpretação de normas que a prejudica, e que, nessa medida, viola o princípio pro actione [artigo 7º do CPTA]. Efectivamente, explica, se contado em meses, o prazo iniciou-se em 14.10.2009 e terminou em 14.01.2010, de acordo com o artigo 279º alínea c) do CC [segundo o qual o prazo fixado em meses, a partir de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data]. E a necessidade da sua suspensão durante as férias judiciais, para observar o que manda o nº2 do artigo 144º do CPC, imporia que a essa data, de 14.01.2010, se adicionassem os 14 dias de férias de Natal [de 21.12.2009 a 03.01.2010], o que transferiria o termo do prazo de caducidade para 28.01.2010, ou seja, 2 dias após ter sido intentada esta acção especial impugnatória, o que, em boa verdade, faria para ela toda a diferença. Além disso, diz, a viabilidade de uma e outra das interpretações referidas, ou seja, a contagem em meses com adição dos respectivos dias de férias judiciais, e a contagem de noventa dias, patenteia uma ambiguidade no seio do quadro normativo que rege a caducidade do direito de acção que justificará, a seu ver, a integração do presente caso na hipótese normativa do artigo 58º nº4 alínea b) do CPTA. Cremos, porém, que não lhe assiste razão. Esta questão jurídica, de como contar o prazo de três meses do artigo 58º nº2 alínea b) do CPTA, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais, foi já abordada pela jurisprudência do STA, de uma forma assaz perfeita, restando-nos, pois, seguir uma interpretação e aplicação do direito a que convictamente aderimos. Concluiu-se no AC STA de 08.11.2007 [Rº0703/07], depois de feita a abordagem dos pertinentes conteúdos legais [artigos 58º nº2 alínea b) e nº3 do CPTA, 144º nº1 e nº4 do CPC, 12º da Lei nº3/99 de 13.01 (redacção da Lei nº42/2005 de 29.08), 279º alínea a) do CC], e de algumas posições doutrinais [Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, volume I, Almedina 2004, páginas 381/2; Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2007, página 348] e jurisprudenciais [AC STA/Pleno de 20.12.1994, Rº29158; AC STA/Pleno de 27.11.2003, Rº1772/03; AC STA de 22.01.2004, Rº03/04; e AC STA de 22.03.2007, Rº848/06], que o prazo de três meses, previsto no artigo 58º nº2 alínea b) do CPTA, para impugnação contenciosa de actos administrativos anuláveis, quando abranja período em que decorram férias judiciais, deve ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 144º nº1 e nº4 do CPC, aplicável por força do artigo 58º nº3 do CPTA, já que, conforme o critério estabelecido no artigo 279º alínea a) do CC, um mês são trinta dias de calendário [adaptação, nossa, do pertinente conteúdo do acórdão e seu sumário]. Esta posição jurisprudencial do STA tem vindo a ser seguida, de modo pacífico e tanto quanto sabemos uniforme, pelo próprio STA e por este TCAN [ver, quanto a este tribunal, e a título meramente exemplificativo, AC TCAN de 23.03.2010, Rº00994/09; AC TCAN de 29.04.2010, Rº02450/07; AC TCAN de 01.04.2011, Rº249/10; AC TCAN de 17.06.2011, Rº01142/09]. E não é verdade que as duas interpretações da lei se equivalham. No regime anterior, da LPTA, este problema não surgia, porque, sendo o prazo de caducidade do recurso contencioso relativo a actos anuláveis claramente substantivo, por efeito da remissão feita no nº2 do artigo 28º da LPTA para os termos do artigo 279º do CC, tal prazo era contado segundo a regra de cálculo da alínea c) deste último. Todavia, a partir de Janeiro de 2004, com a entrada em vigor do CPTA, o artigo 58º nº3 passou a estipular que a contagem dos prazos de impugnação de actos administrativos anuláveis, de um ano para o Ministério Público e três meses nos restantes casos, obedece ao regime aplicável aos prazos para propositura de acções previstos no CPC, que diz, por remissão do nº4 do seu artigo 144º, que essa contagem é contínua, mas que se suspende durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes [144º nº1 do CPC]. Assim, ao menos quanto ao prazo de caducidade de três meses gerou-se a necessidade de o suspender durante as férias judiciais, de Natal [de 22.12 a 03.01], de Páscoa [do domingo de Ramos à segunda de Páscoa] e Verão [de 1 a 31 de Agosto – ver artigo 12º da LOFTJ na redacção dada pela Lei nº42/2005 de 29.08], sendo certo que estas férias são fixadas em dias, e não em meses. Passou o intérprete da lei processual administrativa, pois, a ter de lidar com problema novo: o da necessidade de suspender durante dias um prazo fixado em meses, e sem desvirtuar esse prazo de meses bem como a sua suspensão durante dias. Ora, não se podem subtrair dias a um prazo de meses, nem se poderá enveredar pela contagem defendida pela recorrente sob pena de ser introduzida uma alea na duração dos prazos de caducidade que nos parece de rejeitar face à exigência de igualdade de tratamento e de certeza e segurança do direito. Além disso, temos como certo que adicionar o número de dias de férias à contagem de três meses feita de acordo com a regra de cálculo da alínea c) do artigo 279º do CC não seria cumprir a suspensão determinada pelo artigo 144º nº1 do CPC. É que, sendo assim, o prazo afinal não se suspendeu, foi adicionado. A sua suspensão terá de significar que a respectiva contagem parou, em certo e legalmente justificado momento, e voltou a ser retomada com a cessação da causa da suspensão. Cremos que este problema, gerado pelo legislador, por ele deve ser resolvido, sendo certo que mandando suspender durante dias um prazo que fixou em meses só poderá estar a exigir do intérprete uma operação indispensável: a da redução de meses a dias, pois que só a identidade de espécie temporal permitirá a imposta suspensão. E o critério dessa redução, uma vez que temos meses de 30, 31, 28 e 29 dias, é-nos dado pela alínea a) do artigo 279º do CC, onde o legislador, lidando com essa mesma dificuldade de determinar qual o meio do mês, diz que é o dia 15. Ora, se 15 dias são metade de 1 mês, o mês completo, em termos jurídicos, e perante essa necessidade de o levar em consideração, só pode ser 30 dias. Aliás, mesmo o sentido corrente, comum, faz corresponder o mês a um período de 30 dias [ver, neste sentido, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa]. Assim, a interpretação da lei que se impõe ao seu aplicador, no que a esta questão diz respeito, é a que subjaz à decisão recorrida, e que se alicerça na letra e espírito do sistema [9º CC], é adoptada pela nossa jurisprudência de forma pacífica, e ainda por parte significativa da doutrina [ver autores acima referidos e indicados no AC STA de 08.11.2007]. É verdade que a alínea b) do nº4 do artigo 58º do CPTA permite que o prazo de caducidade de três meses se dilate até um ano quando, com cumprimento do contraditório, se demonstre que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por o atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável […]. Todavia, em 26.01.2010, altura em que foi intentada a acção, já a interpretação da lei, ora adoptada, era a pacificamente defendida pela nossa jurisprudência e significativa parte da doutrina, que integrava, além do mais, ilustres elementos autores da redacção do CPTA. Não vemos, pois, quaisquer ambiguidades ao tempo, no quadro normativo, que possam justificar a dilatação do prazo de caducidade permitida pela alínea b) do nº4 do artigo 58º do CPTA e defendida pela recorrente. Aliás, a versão que ela defende tinha sido expressamente arredada no referido aresto do STA de 2007. Deste modo, porque se não divisa, também, que a própria Administração possa ter induzido a recorrente em erro quanto ao quadro normativo aplicável, deverá ser a sua pretensão improcedente mesmo tendo por fundamento a alínea b) do nº4 do artigo 58º do CPTA. Por fim, estipula o artigo 7º do CPTA, sob a epígrafe de promoção do acesso à justiça, que para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. Trata-se, na verdade, de corolário do princípio pro actione, ou pro habilitate instantiae, que impõe ao intérprete das normas processuais a opção pela interpretação que promova o conhecimento de mérito. O intérprete de norma processual, não é livre, pois, de perante duas ou mais interpretações possíveis, optar pela que julgue mais correcta. O dito artigo 7º impõe-lhe a opção pela que favoreça a instância, isto é, por aquela que permita o conhecimento da questão trazida a juízo. A aplicação deste corolário pro actione supõe, assim, a existência de duas ou mais interpretações possíveis, razoáveis, da mesma norma processual, embora a opção deva ir para aquela que, sendo razoável, até possa ser menos razoável que outra ou outras. Acontece, porém, e fruto de quanto deixamos dito, que no caso sob recurso, a interpretação adoptada quanto à contagem do prazo de caducidade de três meses para impugnar actos anuláveis é a única a permitir conciliar esse prazo de meses com a sua suspensão durante dias, sem ferir a letra e o espírito da lei. Choca, efectivamente, que a acção tenha sido intentada no dia seguinte ao do termo do prazo de caducidade, mas essa proximidade temporal não poderá justificar uma atitude de solidariedade do juiz para com a tese da autora, ora recorrente. É a correcta interpretação e aplicação da lei que está em causa, e não a prática do altruísmo. E o certo é que a interpretação defendida pela recorrente, sublinhamos, já foi expressamente arredada pelo nosso STA. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a decisão judicial recorrida. Decisão Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida. Custas pela recorrente - artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº2, 13º nº1, e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa. D.N. Porto, 23.09.2011 Ass. José Augusto Araújo Veloso Ass. Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão Ass. João Beato Oliveira Sousa |