Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00213/06.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/20/2007
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Drª Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCEITOS INDETERMINADOS
LICENÇA USO E PORTE ARMA DEFESA
Sumário:1. Está fundamentado “per relationem” o acto que assume informação que satisfaz os requisitos essenciais da fundamentação, contendo uma exposição onde identifica o pedido, a legislação aplicável à situação e onde conclui que as razões apresentadas pelo A. não se enquadram na legislação relativa à licença de uso e porte de arma, permitindo a um destinatário normal face ao itinerário constante do acto em causa ficar em condições de saber o motivo por que se decidiu daquela forma pelo indeferimento e não de outra.
2. O poder de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa a quem "mostre carecer de licença por razões profissionais ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal", previsto na al. b) do nº 2 do art. 01.º da Lei nº 22/97, de 27.6 não obstante seja um poder vinculado implica a atribuição à PSP de uma certa margem de liberdade decisória para, mediante juízos de prognose técnico-valorativos, antecipar situações de recurso à legítima defesa, estando as polícias em posição particularmente bem colocada para fazer essa avaliação.
3. Deste modo, ao tribunal apenas cabe controlar, na aplicação dessa norma, erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente desarrazoáveis, inconsistentes ou arbitrários.
4. O que não acontece com um funcionário de escritório de uma empresa que é responsável pela cobrança e depósito de valores monetários.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:02/07/2007
Recorrente:C...
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:C… vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Penafiel que entendeu que o despacho de 6/2/06 do Director do Departamento de Armas e Explosivos não enferma de vício de forma, nem de violação de lei por erro nos pressupostos e absolveu o Ministro da Administração Interna dos pedidos.
Para tanto alega em conclusão:
“1ª Só é válida a fundamentação contextual ou seja a que se integra no próprio acto e dela seja contemporânea, não constituindo fundamentação suficiente a mera reprodução do texto integral, desacompanhada de factos que a caracterizem.
2ª- Não preenche os requisitos legais da fundamentação dos actos administrativos a decisão que recusa um pedido de licença de uso e porte de arma de defesa, com apelo ao juízo meramente conclusivo de que a profissão do requerente não é de risco.
3º- O despacho aqui em questão viola o disposto nos artigos 124 e 125 do Código de Procedimento Administrativo.
4º Resulta do processo administrativo preencher o Recorrente os requisitos para que lhe seja concedida a licença de uso e porte de arma de defesa mormente os que constam do art. 1 da Lei nº 22/77 de 27 de Junho.
5ºNessa conformidade enferma o Despacho de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.
6ª- Termos em que, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes, e julgue a acção procedente por provada,”
A entidade recorrida conclui as suas alegações da seguinte forma:
“1.ª A concessão das licenças de uso e porte de arma de defesa é da competência da Direcção Nacional da P.S.P. exigindo-se a verificação das condições estabelecidas nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, com a redacção das Leis n.º 93-A/97, de 22 de Agosto, n.º 29/98, de 26 de Junho e n.º 98/2001, de 25 de Agosto;
2.ª O A. para justificar o seu pedido de licença de uso e porte de arma de defesa apresentou argumentos que representam meros juízos ou asserções não alicerçadas em razões de facto sólidas;
3.ª O pedido de concessão foi indeferido uma vez que o A. não reunia as condições exigidas pelo Regime de Uso e Porte de Arma;
4.ª O despacho impugnado é válido e não é de acolher o entendimento de que houve qualquer vício por inobservância do regime de uso e porte de arma;
5.ª A licença de uso e porte de arma é o acto pelo qual a administração confere a alguém o exercício de uma actividade privada proibida por lei;
6.ª O despacho impugnado teve em consideração a vantagem ou interesse do particular com outros interesses públicos que à administração compete salvaguardar, designadamente a defesa do cidadão e a protecção pública dos direitos fundamentais;
7.ª O despacho impugnado encontra-se devidamente fundamentado “per remissionem” pois tendo sido proferido sobre a informação / processo n.º 38/40165, de 3 de Fevereiro de 2006, do Departamento de Armas e Explosivos, nela se louvou recolhendo os seus termos e fundamentos;
8.ª Não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 67.º do CPTA para a condenação do R. na prática de acto administrativo legalmente devido;
9.ª A douta decisão recorrida fez a correcta aplicação da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, e o devido enquadramento face ao poder discricionário da Administração.”
O MP emite parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.
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Cumpre decidir, após vistos.
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FACTOS COM INTERESSE PARA A CAUSA E FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA
I) Por requerimento de 15 de Fevereiro de 2005, o A. apresentou ao R., requerimento de licença de uso e porte de arma, acompanhado de documentos (cf. doc. de fls. 2 a 9 do processo administrativo, doravante, PA).
II) Acerca deste pedido, foi elaborada em 15/04/2005 a informação do Núcleo de Armas e Explosivos do Comando Metropolitano do Porto, (fls. 10 e 10 v. e 11 do PA) onde se diz que “.a) O requerente exerce a actividade de empregado de escritório, numa empresa de confecções, em Cristelo-Paredes e alega ser o responsável pela parte financeira da firma, responsável pelo depósito de quantias consideráveis em dinheiro e pelas cobranças, deslocar-se para locais desertos e recear pela sua segurança. b) A profissão que exerce não é de risco, os valores que alega movimentar e transportar não foram comprovados. c) A Autoridade Policial da área da sua residência (GNR de Paredes), informa que o local de trabalho e a residência são policiados e que as quantias que movimenta diariamente são desconhecidas. d) Os receios do requerente são comuns à maioria dos cidadãos, pelo que, os argumentos apresentados e invocados, não justificam a concessão da licença requerida” .
III) Sobre esta informação recaiu o parecer do Comandante no sentido do indeferimento, seguindo-se a notificação do A. sido para efeitos de audiência prévia (cf. doc. de fls. 10 e 12 do PA).
IV) Após o decurso do prazo para audiência prévia, sem que o A. se pronunciasse, foi elaborada a informação de 03/02/2006, de fls. 13 a 14 do PA, que aqui se dá por reproduzida, sobre a qual recaiu em 06/02/2006 o despacho de “Concordo, proceda-se em conformidade”
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Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no art. 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide sempre do objecto da causa de facto e de direito.
Quanto à questão suscitada pelo M.P. de que o objecto do recurso não são as ilegalidades do acto mas tão só as da sentença recorrida cumpre dizer que nos parece perfeitamente perceptível das alegações de recurso, que foi sindicada a sentença recorrida e não o acto em causa não obstante nas alegações se tenha focado a atenção nos vícios imputados ao acto, que a sentença julgou inverificados.
São as seguintes as questões a conhecer:
_ vício de falta de fundamentação;
_ erro nos pressupostos
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O DIREITO
VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Está aqui em causa o despacho de 6 de Fevereiro de 2006, do Director do Departamento de Armas e Explosivos, proferido ao abrigo do despacho de delegação de competências do Director Nacional da PSP, que indeferiu o pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa ao aqui recorrente.
Pretende o recorrente que, contrariamente ao que entendeu a sentença recorrida, o acto não se encontra suficientemente fundamentado.
De acordo com o nº 1 do art. 125º do CPA a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto.
Conforme foi decidido no Ac. do STA de 05.12.2002, proc. n.º 01130/02, in www.dgsi.pt: “Fundamentar um acto administrativo é enunciar expressamente os motivos de facto e de direito que determinaram o seu autor à prolação do mesmo, elucidando com suficiente clareza sobre os motivos determinantes do acolhimento, pela Administração, de determinada posição decisória.”
Visa-se harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Seria pura inutilidade e esforço gratuito exigir ao órgão decidente a repetição de fundamentos do acto já constantes de anteriores peças do procedimento administrativo se, por remissão para os documentos que os contêm, se puderem dar a conhecer ao administrado com precisão e segurança.
Segundo o nº 3,é equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação consiste, assim, em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta ou em exprimir os motivos porque se resolve de uma maneira e não de outra.
E, visa impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão, além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu.
Este dever de fundamentar funciona, assim, como um meio fundamental de garantia de legalidade da actividade da Administração e também de defesa dos direitos dos administrados.
Tanto neste diploma como no art. 268 nº2 da Constituição da República visa-se "captar com transparência a actividade administrativa" e "principalmente tornar possível um controle contencioso mais eficaz do acto administrativo" (ver Ac. do S.T.A de 16/05/89 in B.M.J.387/346).
Para se atingirem estes objectivos basta um fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e suficiente já que a enumeração dos dados de facto e de direito obriga a uma ponderação que poderá conduzir, em não raros casos, à modificação ou correcção de um ponto de vista que, prima conspectu, se poderia reputar o mais adequado à solução do caso concreto, com as respectivas especificidades.
É jurisprudência unânime que a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro (entre outros (cfr. Acs. do Pleno de 25-01-2005, rec. n.º 01423/02; de 13.10.2004, rec. n.º 047836; de 17.06.2004, rec. n.º 0706/02; de 06.05.2004, rec. n.º 047790, todos in www.dgsi.pt).
Não pode é, em vez de se revelar factos, formular-se juízos, o que impossibilita os administrados de saberem se foram tomadas em consideração os acontecimentos que realmente se verificaram e até se com base neles se pode chegar à conclusão que se enunciou.
E, também, não pode o tribunal ou o administrado andarem a investigar no processo administrativo e a tecerem especulações para encontrar a fundamentação. Isso significaria que o ónus de fundamentar seria transferido para o administrado ou para o tribunal.
Quid juris?
O despacho impugnado, datado de 6 de Fevereiro de 2006, foi proferido sobre a informação de 3 do mesmo mês e ano, do Departamento de Armas e Explosivos, absorvendo e fazendo seus todos os considerandos vertidos nessa informação e os fundamentos de facto e de direito nela apontados.
É o seguinte o teor dessa informação:
uma vez que a profissão que exerce não é considerada de risco e que as razões invocadas não justificam, de forma suficiente e inequívoca a necessidade de andar armado, nem demonstra carecer de licença por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal”,sobre a qual foi proferido o acto aqui em causa.
Pelo que, o fundamento da denegação do pedido não é apenas o de a profissão que o requerente exerce não ser de risco mas também o de as razões invocadas não serem suficientes para a necessidade de andar armado.
Ora, é perfeitamente passível ao recorrente atacar esta decisão por erro grosseiro fazendo convicção ao tribunal de que os fundamentos que invoca justificam a necessidade de andar armado.
Não nos parece, pois, que haja necessidade de qualquer outra fundamentação, sendo perfeitamente passível de o requerente e aqui recorrente ter percebido os motivos porque lhe foi indeferida a pretensão e sindicar o acto por discordância.
É que o despacho recorrido não é só de indeferimento já que absorve a informação / proposta da Repartição de Armas e Explosivos (RAE) da PSP, na qual se alude aos factos invocados pelo requerente no seu pedido, e à demonstração feita dos mesmos assim como ao regime legal aplicável, concretamente a alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho (“carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal”).
Em suma, os motivos que determinaram a autoridade administrativa a indeferir o pedido de concessão de licença (com apropriação da informação sobre a qual foi proferido o despacho) foi a consideração (correcta ou não, é questão que ora irreleva) de que não ocorriam, relativamente ao requerente, as “razões profissionais ou circunstâncias imperiosas de defesa pessoal” justificativas da concessão da licença.
Tanto assim que o recorrente demonstra tê-los apreendidos em termos que lhe possibilitaram recorrer com fundamento em erro sobre os pressupostos.
No mesmo sentido, cfr. a título exemplificativo os Acs. do STA de 17.01.2002, rec. n.º 47.662; de 20.11.2002, rec. n.º 1178/02; de 14.03.2003, proc. n.º 875/03; de 11.01.2005, proc. n.º 0605/04; de 20.01.2005, proc. n.º 0857/04; ou o Ac. de 12.07.2005, rec. n.º 512/05-12.
No sentido de que o acto está fundamentado ver em situação semelhante os acórdãos do STA de 12.07.2005, rec. n.º 521/05-12 e de 20.01.2005, rec. n.º 857/04.
Pelo que, tem de se concluir que acto impugnado está sustentado de fundamentação “per relationem” e que esta informação satisfaz os requisitos essenciais da fundamentação, contendo uma exposição onde identifica o pedido, a legislação aplicável à situação e onde conclui que as razões apresentadas pelo A. não se enquadram na legislação relativa à licença de uso e porte de arma.
Na verdade, um destinatário normal face ao itinerário constante do acto em causa ficou em condições de saber o motivo por que se decidiu daquela forma pelo indeferimento e não de outra. (cfr. Ac. do STA de 25.02.1993, In A.D. n.º 384, pp. 12.221 e ss.).
Não ocorre, pois, o vício suscitado.
Erro nos pressupostos
O recorrente invoca o vício de violação de lei, já que a seu ver a entidade recorrida errou na apreciação dos elementos apresentados já que os factos por si invocados de que necessitava da licença por motivos profissionais, designadamente por lidar com dinheiro e transportar regularmente valores e dinheiro em numerário de e para instituições bancárias são suficientes para integrar as condições previstas no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, com a redacção das Leis n.ºs 93-A/97, de 22 de Agosto, n.º 29/98, de 26 de Junho e n.º 98/2001, de 25 de Agosto.
A discussão do vício de violação de lei centra-se no preceito da alínea b) do n.º 2 do art.º 1.º da mencionada Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, que atribui à PSP a competência para conceder licenças de uso e porte de arma de defesa aos cidadãos que “cumpram”, cumulativamente, determinadas “condições”, entre as quais a de mostrarem “carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal”.
É atribuição exclusiva da PSP, em todo o território nacional, o controlo do fabrico, armazenamento, comercialização, uso e transporte de armas e substâncias explosivas e à Direcção Nacional desta Polícia, em particular, é conferida a competência para a organização e manutenção do cadastro e fiscalização do armamento bem como da concessão e renovação das licenças de arma de caça, competindo-lhe em primeiro lugar a salvaguarda do interesse público.
Nos termos do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa é atribuída à polícia a função de defesa dos cidadãos, na sua vertente de obrigação da protecção pública dos direitos fundamentais, a qual deve ser articulada com o direito à segurança. Por outro lado, a Lei de Organização e Funcionamento da PSP, aprovada pela Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro, dispõe nos seus artigos 1.º, 2.º e 4.º que a PSP tem por funções, entre outras, defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, promover as condições de segurança, manutenção da ordem, prevenir a criminalidade e garantir a segurança das pessoas e dos seus bens.
O direito à segurança não compreende uma auto segurança verificável pelo direito a usar arma. É ao Estado que compete o dever de defender a vida e os bens dos cidadãos, que não podem invocar um direito a andar armado, pois em Portugal o cidadão tem o direito fundamental de segurança, não podendo inequivocamente, invocar um direito a usar arma, embora possa, verificando-se determinados requisitos, obter uma licença para deter, usar e transportar arma de defesa.
Contudo, nos termos do art. 1º nº2 al. b) da lei 22/97 de 27/6 na redacção dada pela Lei 93-A/97 de 22/8 pode ser concedida licença de uso e porte de arma de defesa a quem “carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal”.
E, é jurisprudência pacífica do STA que não obstante estarmos perante um poder vinculado está em causa a apreciação de conceitos indeterminados na valoração destas condições.
Como se extrai do Acórdão do STA de 24.09.2003, processo n.º 590/03, In www.dgsi.pt:
“Analisando os termos em que o Legislador entregou à Administração este poder, constata-se que não o fez depositando em suas mãos uma verdadeira discricionariedade, ou um poder discricionária puro. Não se trata de entregar ao órgão administrativo uma liberdade de escolha de comportamentos administrativos ou de soluções juridicamente indiferentes, todas elas igualmente idóneas para a satisfação do interesse público, e por isso insindicáveis pelo Tribunal.
Pelo contrário, a lei estabeleceu determinados pressupostos, a que chamou "condições", que, uma vez preenchidas ("cumpridas", diz o preceito) darão lugar à concessão da licença.
Acontece, porém, que na enunciação de tais pressupostos são utilizadas fórmulas que contêm alguma indeterminação, a saber: "carecer de licença", "razões profissionais" e "circunstâncias imperiosas de defesa pessoal".
O emprego de tais fórmulas, conjugado com o tipo legal de acto a praticar, implica, naturalmente, a entrega ao órgão decisório da possibilidade de usar de juízos de prognose, de matriz predominantemente técnico-valorativa (cfr M S. GIANNINI, Diritto Amministrativo, II, 1988, p. 495, SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pp. 171 e 478). A prognose refere-se evidentemente, à hipótese de ocorrência de situações, relativas à vida pessoal e profissional do requerente, em que ele, perante uma agressão, possa ter de recorrer à legítima defesa.
Ora, nesta matéria, estão as polícias particularmente bem colocadas – seguramente mais bem colocadas do que o Tribunal – para fazerem essa avaliação, dada a sua experiência em matéria de segurança dos cidadãos e à facilidade com que podem captar, caso a caso, factos e situações concretas de verdadeira "necessidade" de dispor de arma de defesa que importe acautelar, mediante a concessão de licença.
Por isso é que, não obstante a norma em causa exprimir sobretudo vinculação e não discricionariedade, deixa lugar a uma certa margem de livre apreciação administrativa, o que equivale, portanto, à desconsideração de alguma margem de eventual erro na respectiva aplicação, que não fica sujeito a controlo jurisdicional.
É que, sob pena de se cair na dupla administração, este controlo deve incidir unicamente sobre os erros manifestos, os critérios ou juízos ostensivamente erróneos ou inconsistentes, os atropelos visíveis à lógica e ao bom senso ou ainda as manifestações de pura arbitrariedade. É este o entendimento da Jurisprudência deste Supremo Tribunal e da generalidade da doutrina. Em torno deste tema e das questões colaterais que lhe são conexas, pode ainda ver-se FERNANDO AZEVEDO MOREIRA, Conceitos Indeterminados: Sua Sindicabilidade Contenciosa em Direito Administrativo, in Revista de Direito Público, ano I, 1985 e MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Sobre a Discricionariedade Técnica, separata da Revista de Direito e Estudos Sociais, 1994.
Ora, em aplicação deste critério, não se detecta na decisão recorrida nenhuma dessas graves e ostensivas disfunções capazes de justificar a intervenção correctora do tribunal. Pode parecer demasiado apertado o critério seguido pela entidade recorrida, ou até duvidar-se da bondade da conclusão de que o recorrente não apresenta um "risco substancialmente mais elevado do que a generalidade dos cidadãos". Mas nada existe de manifestamente errado ou desacertado que permita julgar que a Administração decidiu ilegalmente, e sobrepor-lhe agora outra valoração.”
Relativamente a este acórdão o Conselheiro Jorge de Sousa votou o acórdão com a ressalva do entendimento de que os poderes de controle não se esgotam na detecção de erros grosseiros ou manifestos mas de qualquer tipo de erro.
Mais recentemente, aquele tribunal superior proferiu o acórdão de 14.10.2003, processo n.º 878/03, onde decidiu:
“Como se infere do que se disse e do confronto com o texto da norma aplicável e transcrita, o recorrente contrapõe a sua valoração à que foi efectuada pela Administração sobre o preenchimento de conceitos indeterminados e também sobre a oportunidade e conveniência da decisão de indeferimento da licença.
Mas, não aponta nenhum erro flagrante, ou que a adopção do indeferimento seja manifestamente injustificado, pelo que o Tribunal não pode censurar a decisão adoptada pelo órgão administrativo competente e muito menos substituir-se àquele e fazer administração activa sobrepondo os seus critérios e avaliações em matéria que a lei mantém uma reserva de competência da Administração.
A apreciação da necessidade de licença de uso e porte de arma por razões profissionais ou por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal (al. b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 22/97, de 27 de Janeiro, na redacção da Lei 93-A/97, de 22 de Agosto) é efectuada de acordo com o conhecimento da situação real de cada requerente e sujeita a juízos que só podem ser controlados pelos tribunais por critérios jurídicos e não por critérios de boa administração, ou seja incidentes sobre a qualidade da decisão de fundo. O tribunal aprecia e sindica os actos da Administração quanto a aspectos vinculados e utilizando parâmetros jurídicos externos e formais como a manifesta inadequação, que não permitem a substituição da valoração que foi efectuada pela Administração pelo tribunal, donde resulta que se não justifica que este entre a apreciar a argumentação do recorrente particular no sentido de que seria melhor escolha, no confronto do seu interesse com o interesse público, o deferimento da licença de uso de porte e de arma de defesa.”
Vejamos então o que se passa no caso sub judice.
É certo que o A. alega que no exercício da sua actividade transporta somas em dinheiro. De qualquer modo, esse factor, por si só, ou aliado ao facto de ter receio de ser assaltado, não constitui fundamento inequivocamente suficiente para a concessão da licença, já que não foi alegado nem demonstrado qualquer quantificação para que se possa concluir que está em causa o transporte de elevadas somas, nem se os valores são titulados em dinheiro ou em cheques.
Também não vem referido o seu horário de trabalho nem os itinerários que utiliza.
Não nos parece, assim, com base no alegado e demonstrado pelo requerente que seja completamente errado considerar que a sua situação não é diferente do comum à maioria das pessoas e que por isso não representa risco substancialmente mais elevado do que para a generalidade dos cidadãos.
Pelo que e face às condições apresentadas pelo A., não é manifestamente errado que se entenda não se verificar a circunstância de risco inerente à sua actividade ou circunstâncias imperiosas de defesa pessoal uma vez que a concessão da licença só deve ser deferida em situações excepcionais em que o A. demonstre indubitavelmente, e em último recurso, a necessidade da arma de defesa.
Não nos parece, pois, que esteja em causa qualquer erro flagrante, ou que a adopção do indeferimento seja manifestamente injustificado, não se verificando por isso qualquer vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em metade.
R. e N.
Porto, 20/9/2007
Ass. Ana Paula Soares L. M. Portela
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. José Augusto Araújo Veloso