Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02018/09.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; DONO OBRA; EMPREITEIRO
Sumário:Não existe no regime jurídico do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, diploma que disciplina o contrato de empreitada de obras públicas em causa nos autos, um princípio geral de responsabilização do dono da obra pela indemnização dos prejuízos provocados pelo empreiteiro ou subempreiteiro no âmbito da execução do contrato. O que existe é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro ou do subempreiteiro. No entanto, ressalvam-se as situações em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra (cfr. arts. 37.º e 38.º) e também as situações da omissão ou deficiência de fiscalização.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município da PV
Recorrido 1:CJSF e MSATJ
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Município da PV vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida a 14 de Novembro de 2014, e que julgou procedente acção administrativa comum, no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, intentada por CJSF e mulher, MSATJ, e na qual era solicitado que deviam os Réus:

Ser condenados na indemnização aos AA. do montante de € 5 000,00 acrescidos de juros moratórios, á taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e bem assim, a condenação do 1º Réu a autorizar e licenciar a implantação de uma rampa na entrada da garagem do ajuizado prédio dos AA com ocupação do passeio numa largura de 55 cm e comprimento de 325 cm, assim viabilizando a entrada e saída de veículos automóveis.

Em alegações o recorrente concluiu assim:

1. O Recorrente contratou, por via do regime legal de empreitadas de obras públicas (à data dos factos o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março) a execução da empreitada identificada no contrato junto aos autos;

2. Assegurando através do respetivo Caderno de Encargos e instrumento contratual a manutenção do acesso automóvel à propriedade dos Autores por via da realização de rampa adequada, quer de cariz provisório, quer de forma definitiva após a conclusão daquela empreitada;

3. Igualmente e por via daquele instrumento contratual e regime legal o Recorrente cuidou de transmitir à 2.ª Ré a responsabilidade pelos danos resultantes da execução da empreitada;

4. O incumprimento, por parte da 2.ª Ré, daquelas obrigações legais e contratuais levou a que os Autores não vissem assegurados aquele acesso e o ressarcimento dos danos;

5. Isto apesar dos esforços levados a cabo pelo ora Recorrente/dono da obra, bem relatados/documentados no processo e audiência de julgamento;

6. Incumprimento que determinou a intervenção direta do Município na reposição do acesso automóvel ao logradouro, substituindo-se à 2:ª Ré e fazendo uso das garantias/cauções inerentes ao contrato da empreitada e ao abrigo do respetivo regime legal.

7. A atuação vinda de referir foi abundantemente registada no processo, conforme resulta das comunicações efetuadas pelo Recorrente ao Tribunal, também a instâncias deste;

8. O conjunto de factos vindos de elencar não foi tido em consideração pelo ilustre Tribunal a quo na elaboração da douta sentença produzida, cujo teor não levou em consideração o regime legal das empreitadas em obras públicas, o conceito legal de empreitada constante do Código Civil nem, ainda, a doutrina e jurisprudência dominantes que responsabilizam o empreiteiro pelo danos decorrentes da execução da empreitada;

9. E assim seria no âmbito da responsabilidade civil, mas do empreiteiro (2.ª Ré) e não do dono da obra (Recorrente);

10. Sendo que o Recorrente não se pode conformar com a mera presunção do Tribunal quanto à eventual existência de deficiência de conceção do projeto ou (eventual) de omissão de fiscalização, pois tal não aconteceu;

11. Não se concebe como perante tal acerbo probatório de responsabilidade da 2.ª Ré, o ilustre Tribunal recorre ao instituto da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos para fundamentar, de forma imperfeita, a condenação do Recorrente;

12. Sendo certo que quanto ao Município se não verificam os pressupostos legais de que depende tal responsabilidade civil extracontratual;

13. Motivo pelo qual se não considera fundada a condenação do aqui Recorrente no ressarcimento dos danos patrimoniais;

14. Bem assim como no ressarcimento dos danos não patrimoniais, cuja prova não foi conseguida pelos Autores e resultou expresso no item 6.º da Resposta à matéria controvertida;

15. Pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida e a substituição por outra que absolva integralmente o Recorrente do pedido.

Os recorridos CJSF e MSATJ apresentaram contra-alegações tendo concluído:

1ª – A douta decisão recorrida aplicou o Direito à matéria em litígio de forma douta e rigorosa, pelo que não suscita ou justifica o mínimo reparo;
Em boa verdade,

2.º - Foi julgada provada a matéria de facto essencial para dar provimento ao pedido dos Autores, com base no depoimento das testemunhas das partes, a prova pericial realizada e a prova documental junta aos autos;
Por outro lado,

3.º - Não suscita o mais ligeiro reparo a subsunção dos factos provados ao Direito aplicável, considerando o Município recorrente responsável pelos danos causados aos recorridos, uma vez que o mesmo não logrou fazer prova que permitisse ao Tribunal recorrido considerar ilidida a presunção de culpa “in vigilando” que sobre si, enquanto entidade pública, incide e que os recorridos têm a seu favor, tudo conforme estatui o nº 1 do artigo 493º do Código Civil;

4.º - Sem prescindir, e caso assim se não entenda, o que por mera hipótese académica se concede, deve a segunda Ré, MA, Engenharia e Construção, S.A., ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização peticionada e reconhecida na douta sentença recorrida, com vista ao ressarcimento dos prejuízos demonstrados e efectivamente suportados pelos Autores;

1. A identificada sociedade denominada por “MA – Engenharia e Construção, S.A.”, por escritura pública outorgada em 23.12.2014, para além do mais, alterou a sua designação social para “E.. – Engenharia, S.A.”

E sem qualquer dúvida resulta que:
2. O presente recurso é completamente destituído de fundamento sério.

3. O presente recurso interposto pelo Recorrente Município, não é mais do que uma mera contestação, visto que apenas vem impugnar factos que ficaram sobejamente provados nos autos,

4. E o documento em nada ataca a decisão que põe em crise

5. Ficou provado em juízo que e passa-se a citar: 18. A 2. Ré executou a Via C conforme projecto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra (1.° reu), estando já previsto nos mesmos um rebaixamento da cota da via pública em frente a casa dos autores, bem como a rampa de acesso ao logradouro e garagem dos autores, que actualmente se encontra no local, de acordo com instruções em obra (quanto ao material e as suas dimensões) dadas pelo 1.° Réu, por via da fiscalização que acompanhou a empreitada. (itálico e sublinhado nosso)

6. Da matéria de facto dada como provada e, pelo decurso dos autos, é consentâneo afirmar que estamos, pois, perante o efeito da responsabilidade por erros de concepção do projecto.

7. Na verdade, ficou amplamente provado que a então Ré MA (agora E..), na execução de toda a empreitada adjudicada pelo Recorrente Município respeitou integralmente o projecto e o caderno de encargos, obedecendo à melhor técnica e regras da arte de construir, e sempre sob a direcção e vigilância da Fiscalização (indicada pelo Dono de Obra).

8. A obra foi recepcionada pelo Dono de Obra, o Recorrente Município, tal como demonstra o Auto de Recepção Provisória.

9. E as incongruências na obra que advieram pela execução daquele projecto prendem-se exclusivamente com a concepção do mesmo

10. O projecto continha erros que deviam ter sido acautelados por quem o concebeu, o Recorrente Município!

11. Ficou mais do que claro nos autos em apreço que o facto que deu origem às deficiências apontadas pelos AA se ficou a dever exclusivamente ao projecto concebido pelo Município que a Ré MA executou em conformidade

12. O Recorrente Município não logra com o presente recurso afastar o efeito que essa falha no projecto causou aos AA

13. Não logrando assim, afastar a sua responsabilidade nos termos do disposto nos artigos 37.º e 38.º do RJEOP (aprovado pelo DL n.º 59/99, de 2 de Março) e artigos 483.º e segs do Código Civil

14. Falecendo desse modo a sua pretensão de alterar o que se considerou provado,

15. Ou seja, não ter havido má execução pela Ré então MA

16. Ou ainda, de que a origem da obrigação de reparação dos danos provocados aos AA estar na execução dos trabalhos

17. Por todo o exposto, entende a Ré então MA não caber razão ao Recorrente Município, pelo que deverá ser mantida a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

18. É ostensivo que o Recorrente Município apenas pretende com o recurso interposto protelar o trânsito em julgado da Douta Sentença de fls.….
No presente recurso está em causa saber se ocorrem pressupostos para que se possa condenar o Réu Estado Português no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO

Na sentença sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1. Os autores, casados sob o regime da comunhão geral de bens, são donos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da PV sob o n.º 2.../1997..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da PV sob o artigo 9316, com entrada pelo n.º 162 da Rua…, freguesia e concelho da PV.

2. Em 27/06/2003 foi celebrado entre a Câmara Municipal da PV e a sociedade M & M, SA um acordo escrito denominado “Contrato de Empreitada” junto a fls. 66/67 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. No dia 21/04/2008 procedeu-se à recepção provisória da obra, nos termos que constam o “Auto de Recepção Provisória” junto a fls. 86 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4. No decurso do mês de Setembro de 2006 a 2ª ré, em cumprimento do contrato de empreitada previamente celebrado com o 1º réu, iniciou a empreitada de implantação da denominada “Via C “ na citada Rua…, junto ao prédio descrito em A).

5. Durante o primeiro trimestre de 2007, a 2ª ré procedeu ao rebaixamento da via pública na área envolvente do descrito prédio dos autores, impedindo o acesso ao mesmo de veículos automóveis.

6. Terminada a empreitada referida em 4., junto ao portão do prédio dos autores que dá acesso ao logradouro, ficou um desnível entre o passeio e o logradouro do lado esquerdo de 19 cm e um desnível entre o passeio e o logradouro do lado direito de 29 cm. A baia de estacionamento passou a ter um desnível de 11 cm em relação ao passeio e a via pública ficou com um desnível de 2 cm em relação à baia de estacionamento.

7. Tal situação já se mostra regularizada;

8. Até tal ocorrer, os autores, suas filhas, genros e netos que utilizam habitualmente, maxime em períodos de férias e fins-de-semana, a habitação instalada no prédio urbano descrito em 1., encontravam-se impedidos, há mais de dois anos, de aparcar os respectivos veículos automóveis na respectiva garagem e pátio.

9. E, bem assim, de aceder aos citados locais por via rodoviária.

10. Tal tem tido como consequência o estacionamento dos respectivos veículos na via pública/baia de estacionamento nas imediações da moradia dos autores.

11. Em resultado das ditas obras executadas pela 2ª ré na Rua... ocorreram fissuras no muro do logradouro do prédio dos autores referido em 1., junto ao citado arruamento.

12. Bem como destruição de vários azulejos do pavimento do referido logradouro.

13. E múltiplas fissuras e rachadelas em diversas paredes interiores da habitação.

14. O que resultou do abatimento geral da totalidade do logradouro nas áreas frontal e traseira da moradia edificada no prédio dos autores, tudo como consequência, directa e necessária, do rebaixamento da cota da via pública.

15. A situação descrita em 11 a 14., na sequência da reclamação dos autores, foi participada pela 2.ª ré à sua seguradora, a Fidelidade M..., S.A., ao abrigo da Apólice n.º 8....

16. A citada Seguradora nomeou, para concretização das anomalias, a firma “S... – Sociedade de Peritagens Técnicas, Lda.”, que os orçamentou no montante de € 2.500,00.
17. A reparação da situação descrita em 11. a 14. foi orçamentada em € 5.000,00.

18. A 2.ª ré executou a Via C conforme projecto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra (1.º réu), estando já previsto nos mesmos um rebaixamento da cota da via pública em frente à casa dos autores, bem como a rampa de acesso ao logradouro e garagem dos autores, que actualmente se encontra no local, de acordo com instruções em obra (quanto ao material e às suas dimensões) dadas pelo 1.º réu, por via da fiscalização que acompanhou a empreitada.

19. A moradia dos autores é geminada, de três frentes.

B. Factos não provados:
- Que os vizinhos dos autores se queixaram do mesmo que eles.

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

Através da decisão recorrida foi o recorrente condenado a indemnizar os recorridos CJSF e MSATJ, no montante de € 5 000,00 a título de danos patrimoniais e de € 1 000,00 a título de danos não patrimoniais.
Para fundamentar esta condenação refere-se na decisão recorrida:

No caso sub judice, tendo em conta a factualidade dada como provada, acima, conclui-se que existem danos causados no prédio dos Autores (facto ilícito), por força das obras que tiveram lugar na via pública, na envolvente do respectivo prédio (existe dano e respectivo nexo causal, outros dois pressupostos para accionar a responsabilidade civil extracontratual). Igualmente, o Réu Município não logrou fazer prova que permitisse ao tribunal considerar elidida a presunção de culpa que sobre si incide.
Será, pois, ao R. Município que serão imputáveis tais factos, uma vez que os Autores têm a seu favor a presunção legal de culpa estabelecida pelo nº.1 do artigo 493º do Código Civil, que nos diz que " quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar ..., responde pelos danos que a coisa causar ..., salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua"(1)
Situamo-nos, assim, na chamada responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas públicas, atrás sumariamente explanada, mostrando-se verificados, no caso, os respectivos pressupostos.
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo.
A responsabilidade civil traduz-se, deste modo, na obrigação de indemnização.
A indemnização, por seu lado, pode consistir quer na reconstituição natural, isto é, na restituição do lesado à situação material efectiva em que se encontrava antes daquele evento (indemnização in natura), quer em dinheiro (indemnização pecuniária), sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor(2).
E definida que está quer a natureza da responsabilidade civil, no caso em apreço, quer a sua atribuição, importa, agora, apurar o montante dos danos indemnizáveis.
Os danos sofridos pelos Autores traduzem-se, in casu, no valor da reparação dos danos sofridos no imóvel, orçados em 5.000,00€ (a que acrescerá o IVA), nos termos acima dados como provados.
Em tais termos, caberá ao Réu o pagamento da quantia peticionada, nesta parte, pelo que se impõe decidir em conformidade, infra.
O recorrente vem insurgir-se contra o assim decidido referindo que o responsável pelos danos causados pela empreitada deve incidir sobre o empreiteiro e que apenas o incumprimento contratual da parte deste levou a que os AA. não vissem assegurados o acesso automóvel à sua propriedade.
O recorrente fez tudo para que o cumprimento do contrato fosse concretizado sem as deficiências apontadas o que não ficou documentado nos autos. Por seu lado não se pode conformar com a mera presunção quanto à eventual existência de deficiência do projecto ou omissão de fiscalização, pois tal não aconteceu.
No que se refere aos danos não patrimoniais, não foi feita prova dos mesmos.
Vejamos então.
Em matéria de recurso, o tribunal ad quem encontra-se balizado pelas conclusões apresentadas. Ou seja, através das conclusões o recorrente põe à apreciação do Tribunal ad quem todas as questões que pretende ver apreciadas. Este Tribunal, não pode, a não ser sobre as questões de conhecimento oficioso, tomar conhecimento de questões que não estejam incluídas nas conclusões.
Ver neste sentido Acórdão do STJ proc. n.º 8254/09.0T2SNT.L1.S1, de 27-05-2010 - I - O âmbito do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente – o que vale dizer que, para além das questões de conhecimento oficioso, só das suscitadas nessas conclusões pode (e deve) conhecer o tribunal ad quem. II - Se o recorrente não inclui determinada matéria nas conclusões da sua alegação, terá de entender-se que, dessa forma, restringiu tacitamente o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem não tem de conhecer de tal matéria.
Ora, no caso em apreço o recorrente não vem colocar em crise a matéria de facto dada como provada, pelo que esta tem de ser considerada fixada.
Aliás, na impugnação da matéria de facto o recorrente teria que indicar, no termos do artigo 640º do CPC, os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que, no seu entender impunham decisão diferente. Por outro lado, nos termos os do n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que a fixação da matéria de facto decorreu, em parte, da realização da prova testemunhal, deveria, quanto a esta, indicar com exactidão as passagens da gravação em que fundamentava o seu recurso.
Ora, o recorrente não vem invocar qualquer erro na fixação da matéria de facto nem vem colocar em crise os meios probatórios que levaram a essa fixação pelo que é com base nesta que iremos proceder à análise da sua pretensão.
Ver, neste sentido, Acórdão do TRE proc. n.º 267/07.3PAENT.E1, de 10-12-2009 2. Se o recorrente, em passo algum da sua motivação ou das respectivas conclusões, afirma sequer pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e ainda menos especifica qualquer dos elementos a que se reportam os nºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, os quais são essenciais para que o tribunal pudesse conhecer da impugnação, não pode o tribunal ad quem deixar de entender que aquele recurso não tem por objecto a reapreciação da prova gravada, independentemente de qual fosse o propósito do recorrente, pois se a motivação e conclusões não lhe correspondem só de si pode queixar-se.

Vem o recorrente sustentar nas suas conclusões 1 a 9 que o incumprimento das obrigações legais e contratuais por parte da 2ª Ré levou a que os AA. não vissem assegurados o acesso automóvel à sua propriedade. Por seu lado, o incumprimento levou a intervenção directa do Município na reposição do acesso automóvel o que não ficou documentado na decisão.
Encontra-se provado que os danos verificados na moradia dos recorridos resultaram do rebaixamento da cota da via pública (n.º 14 da matéria de facto dada como provada).
Por seu lado, da matéria de facto dada como provada verifica-se, no ponto 18, que a 2ª Ré executou a via C conforme projecto e caderno de Encargos elaborados pelo dono da obra (1º réu), estando já previsto nos mesmos um rebaixamento da cota da via pública.
Ou seja, encontra-se provado que a 2ª Ré deu cumprimento ao que vinha definido no contrato de empreitada e o recorrente não vem invocar factos que coloquem em crise este ponto. Não só não veio impugnar tal facto, como mesmo no recurso vem, de forma conclusiva, referir que o incumprimento daquelas obrigações legais e contratuais levou a que os AA. não vissem assegurados aquele acesso e o ressarcimento dos danos.
Ora, esta questão levava a que o recorrente tivesse impugnado o ponto 18 da matéria de facto dada como provada, que é resultado da resposta dada ao artigo 15º da Base Instrutória.
A resposta a este artigo da Base instrutória encontra-se fundamentada a fls. 355, referindo-se que o mesmo “ resultou da articulação do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas, CMSM, APDB e JMG. A formulação da factualidade vertida neste item apresenta-se de forma conclusiva e muito genérica, daí o tribunal ter sentido necessidade de concretizar os factos agora apurados…”.
O recorrente não veio por em causa esta fundamentação nem esta resposta dada ao artigo da base instrutória, nem veio referir, como lhe competia, com base em que dados dos depoimentos das testemunhas se deveria ter dado resposta diferente (artigo 640º n.º 2 alínea a) do CPC).
Por seu lado, no que se refere à sua actuação no sentido de colmatar as deficiências do incumprimento do contrato, e que não teriam sido levadas em conta na decisão recorrida, é de realçar que não se encontra referido que intervenções foram essas, nem as mesmas constavam, quer da contestação, quer da base instrutória. Ou seja, estamos perante factos que a recorrente não discrimina, mas também não foram factos alegados na contestação e que tivessem de ser levados à Base Instrutória.
Não podem assim proceder as conclusões 1 a 9.
Refere o recorrente nas suas conclusões 10 a 13 que não se pode conformar com a mera presunção do Tribunal quanto à eventual existência de deficiência da concepção do projecto ou da eventual omissão de fiscalização.
É verdade que, como refere, não existe no regime jurídico do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, diploma que disciplina o contrato de empreitada de obras públicas em causa nos autos, um princípio geral de responsabilização do dono da obra pela indemnização dos prejuízos provocados pelo empreiteiro ou subempreiteiro no âmbito da execução do contrato. O que existe é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro ou do subempreiteiro.
No entanto, ressalvam-se as situações em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra (cfr. arts. 37.º e 38.º) e também as situações da omissão ou deficiência de fiscalização.
Ver neste âmbito Acórdão do STA proc. n.º 0469/09 de 18-06-2009, quando refere: IV - O dono da obra só responde pelos danos causados a terceiros durante a execução da empreitada se o «modus faciendi» lesivo foi imposto ao empreiteiro ou obteve a expressa concordância do fiscal da obra - como se previa nos arts. 36º a 38º do DL n.º 59/99, de 2/3.

Ver ainda, neste sentido, Proc. deste Tribunal n.º 00967/09.3BEBRG. de 11-02-2011 e mais recente proc. n.º 00747/10.3BEBRG, de 08-05-2015 que refere:

I -Não existe no regime jurídico do DL 59/99, de 2/03, um princípio geral de responsabilização do dono da obra decorrente dos prejuízos provocados pelo empreiteiro no âmbito da execução do contrato; o que existe, em qualquer dos casos, é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro, cingindo-se a responsabilidade do dono da obra aos prejuízos provocados naqueles casos em que os vícios da obra resultaram de ordens ou instruções transmitidas pelo fiscal por aquele nomeado, ou que hajam obtido a sua concordância expressa, e também daqueles outros em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra.

Ora, no caso em apreço verificamos que nos pontos 11 a 13 da matéria de facto dada como provada encontram-se os danos patrimoniais alvo de ressarcimento por parte da decisão recorrida, ou seja, as fissuras ocorridas no muro do logradouro dos AA, a destruição de vários azulejos no mesmo logradouro e múltiplas fissuras e rachadelas em diversas paredes interiores da habitação.

Depois vem o ponto 14 referir que tais danos resultaram do abatimento geral da totalidade do logradouro nas áreas frontal e traseira da moradia edificada no prédio dos autores, tudo como consequência, directa e necessária, do rebaixamento da cota da via pública.

Por seu lado, nos termos do ponto 18 da matéria de facto dada como provada, e já referido anteriormente, verifica-se que a 2.ª ré executou a Via C conforme projecto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra (1.º réu), estando já previsto nos mesmos um rebaixamento da cota da via pública em frente à casa dos autores, bem como a rampa de acesso ao logradouro e garagem dos autores, que actualmente se encontra no local, de acordo com instruções em obra (quanto ao material e às suas dimensões) dadas pelo 1.º réu, por via da fiscalização que acompanhou a empreitada.

Ou seja, no projecto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra, estava previsto um rebaixamento da cota da via pública, rebaixamento este que foi o responsável pelos danos causados aos AA e ressarcidos pela decisão recorrida.

Ou seja, estamos perante danos que resultaram da elaboração do projecto e do Caderno de Encargos pelo recorrente, pelo que, não há dúvidas que deve ser este o responsável pelos mesmos.

Aliás, o recorrente não vem por em crise esta matéria de facto.

Assim sendo, conclui-se que não ocorre o erro de julgamento assacado à decisão recorrida que, assim deve ser mantido, nesta parte.

Nas suas conclusões 14 e 15 vem a recorrente colocar em crise a atribuição de danos não patrimoniais, uma vez que estes não teriam sido provados pela resposta dada ao artigo 6º

Quanto aos danos não patrimoniais refere a decisão recorrida:

Outra questão, ainda, é a de saber qual a relevância dos citados danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, nos termos dados por provados em 8. a 10.
Assim, na fixação da indemnização dos danos não patrimoniais terão de se ter em atenção os arts. 483°, 494°, 496° nºs 1 e 3, do Código Civil, segundo os quais quem viola ilicitamente os direitos de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação sendo que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade objectivamente aferida, mereçam a tutela do direito. Acresce que a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
Tendo como assentes os critérios supra referidos, afigura-se-nos que os alegados danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, numa perspectiva objectiva, tendo por base o critério de lesividade para um homem comum, serão atendíveis. Note-se que se deu como provado que os autores, “ (…) utilizam habitualmente, maxime em períodos de férias e fins-de-semana, a habitação instalada no prédio urbano (…) encontravam-se impedidos, há mais de dois anos, de aparcar os respectivos veículos automóveis na respectiva garagem e pátio (…) e de aceder aos citados locais por via rodoviária, com (…) consequência o estacionamento dos respectivos veículos na via pública/baia de estacionamento nas imediações da moradia dos autores.” Esta foi uma forma de acautelarem a integridade dos respectivos veículos, atenta a inclinação da rampa que permitia o acesso ao logradouro/garagem (que entretanto foi corrigida, mais de dois anos depois). Tal apenas sucedeu por causa das obras que ali ocorreram e que, se bem que beneficiaram a via em cuja envolvente se insere o prédio dos Autores, não deixaram de acarretar para os mesmos um incómodo anormal que, de modo nenhum, pode ser desprezado. A necessidade de estacionar os veículos na via pública, durante o tempo que foi (nos termos que resultaram provados), tratar-se-á de uma contingência que deverá ser indemnizada, reputando-se, para tal, ajustado, de um ponto de vista equitativo, o valor de 1.000,00€, peticionado pelos Autores (seria, ainda assim, inferior ao valor que teriam de gastar caso, durante dois anos, quisessem arrendar uma garagem para parquear os respectivos veículos).
O recorrente insurge-se contra atribuição destes danos uma vez da resposta ao artigo 6º da Base Instrutória se tem de concluir que os mesmos não procedem

O artigo 6º da base instrutória referia-se ao impedimento de aparcar os respectivos veículos automóveis e perguntava se vinha causando danos “ consubstanciados no desgaste dos seus veículos automóveis e na permanente angústia decorrente do risco de roubos e actos de vandalismo dos ditos veículos?

A resposta a este artigo foi restrita referindo-se que a factualidade descrita nos itens 4º e 5º tem tido como consequência o estacionamento dos respectivos veículos na via pública/baia de estacionamento nas imediações da moradia dos autores.

Ora, apesar de se ter dado uma resposta restritiva ao artigo em questão, o que é certo é que se deu como provado, que por motivos das obras em causa nos autos, os AA. durante um período de mais de dois anos (n.º 8 da matéria de facto dada como provada), não conseguiram estacionar os seus veículos na garagem. Esta questão sempre causou incómodos, ainda que não muito graves, mas que, como se refere na decisão recorrida não são de desprezar. Assim sendo, tendo em atenção que os recorridos foram impedidos de aparcar os seus veículos na garagem, por motivo das obras, e por um período de tempo extenso, superior a dois anos, não se considera que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento na decisão recorrida quando atribui aos recorridos uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 1 000,00.

De todo o exposto se conclui que não procedem as conclusões do recorrente pelo que não pode proceder a presente acção.

3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente
Notifique

Porto, 6 de Novembro de 2015
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Miguéis Garcia
Ass.: Frederico Macedo Branco
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(1) Relevância negativa da causa virtual expressa no segundo caso.
(2) Cfr. artºs 562º e segs. do C.C.