Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00365/04 - VISEU
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/22/2006
Relator:Francisco Rothes
Descritores:ALÇADA - DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - A sentença proferida em 16 de Setembro de 2004 em processo de impugnação judicial instaurado em 10 de Fevereiro de 1998 e cujo valor é de esc. 26.423$00, é susceptível de recurso para o Tribunal Central Administrativo, pese embora o valor da causa seja inferior ao da alçada (cfr. art. 280.º, n.º 4, do CPPT), uma vez que à data em que foi proferida a sentença estava já em vigor o novo ETAF (cfr. art. 9.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que aprovou o ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), cujo art. 6.º, n.º 6, determina que «A admissibilidade dos recursos por efeitos das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção» e à data em que foi instaurada a impugnação judicial os tribunais tributários não tinham alçada (cfr. art. 10.º do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e art. 168.º do CPT).
II - Tendo a AT considerado que o Contribuinte omitiu na contabilidade do ano de 1992 rendimentos provenientes de rendas que auferiu nos meses de Novembro de Dezembro desse ano, motivo por que procedeu à correcção da matéria tributável declarada e à consequente liquidação adicional de imposto, e sustentando o contribuinte que tais rendas foram contabilizados no ano de 1993 e, por isso, que a AT não podia corrigir a matéria tributável do ano de 1992 sem proceder à correspectiva correcção no ano de 1993, sob pena de ser liquidado imposto em dois anos diferentes pelos mesmos rendimentos, em sede de impugnação judicial da liquidação do ano de 1993 cumpre averiguar, não só do facto alegado pelo Contribuinte, que se nos afigura revelante para efeitos de sindicar a legalidade da liquidação, mas de todos os com ele relacionados e que interessem ao julgamento da questão suscitada.
III - Limitando-se a sentença recorrida, quanto ao facto em causa, a exprimir dúvidas, já em sede da fundamentação jurídica da decisão, não tendo feito julgamento relativamente ao mesmo, para o considerar como provado ou não provado, e não fornecendo o processo elementos que permitam a este Tribunal ad quem efectuar o julgamento, deve anular-se a decisão e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de aí serem ordenadas as diligências pertinentes à averiguação daqueles factos, nos termos do disposto no art. 712.º, por força dos arts. 729.º e 749.º, todos do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma acção de fiscalização, verificou, para além do mais que ora não nos interessa considerar, que DELFIM (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) não levou à contabilidade os proveitos respeitantes a rendas dos meses de Novembro e Dezembro do ano de 1992, documentados por recibos emitidos nesse ano.

1.2 O Contribuinte impugnou judicialmente a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1993 na parte respeitante aos referidos proveitos. Se bem interpretamos a petição inicial, o Contribuinte sustenta que:
– Os referidos proveitos não foram registados na sua contabilidade no ano de 1992, por lapso, mas foram-no no ano de 1993, motivo por que não deveria a AT ter procedido a qualquer correcção da matéria tributável relativamente ao ano de 1992, mas deveria tão só ter liquidado os juros compensatórios devidos pelo diferimento da declaração dos rendimentos em causa;
– Porque a AT assim não entendeu e corrigiu a matéria tributável declarada relativamente ao ano de 1992, fazendo-lhe acrescer o montante respeitante às rendas em causa (e, portanto, tendo procedido à consequente liquidação adicional de IRS do ano de 1992 (() Embora o Impugnante o não afirme expressamente, é o que resulta da sua alegação.)), deveria também ter efectuado a correspondente correcção da matéria tributável declarada para o ano de 1993, diminuindo-a daquele montante por forma a evitar a «dupla tributação» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.);
– Não o tendo feito, a liquidação do ano de 1993 enferma de violação de lei, estando o Contribuinte «a ser tributado duas vezes pelo mesmo rendimento», «pelo que pede a anulação de uma delas [liquidações dos anos de 1992 e 1993, na parte que têm como base de incidência aqueles rendimentos]».

Diz ainda o Contribuinte, assim dando também a entender que terá impugnado a liquidação do ano de 1992 com o fundamento de que não havia lugar à referida correcção, que, «caso não seja atendida a impugnação [da liquidação adicional] do exercício de 1992, sobre esta matéria, o que só por hipótese se admite, e se mantenha a sua tributação no ano de 1992», deverá anular-se a liquidação do ano de 1993 na parte em que incide sobre os rendimentos em causa.

Mais alega o Contribuinte que, ainda que ainda que assim não se entenda, «haverá sempre lugar à recontagem dos juros compensatórios», que se mostram mal liquidados, pois haveria que se ter suspendido o prazo da respectiva contagem após 27 de Setembro de 1996 e as taxas a utilizar deveriam ter sido as indicadas no item 19.º da petição inicial.

Concluiu pedindo a anulação da liquidação do ano de 1993 na parte que se refere às duas referidas rendas.

1.3 A impugnação judicial foi julgada totalmente improcedente.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu parece pôr em causa que o Contribuinte tenha levado à contabilidade do ano de 1993 o rendimento respeitante aos dois meses de renda em causa («não se compreende como terá sido registad[o] no exercício de 1993»). Em todo o caso, depois de aludir ao modo como se determina o lucro tributável e ao princípio da especialização dos exercícios, concluiu que «o impugnante não demonstrou nestes autos, como lhe competia, a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento que permite que os proveitos do exercício de 1992 possam ser imputados ao exercício de 1993, como exige o artigo 18.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas».
No que respeita à liquidação dos juros compensatórios, considerou o Juiz, por um lado, que a dedução de reclamação graciosa não suspende a contagem dos juros, a qual é a fazer até à data da liquidação ou da entrega do imposto e, por outro lado, que a taxa aplicada foi a correcta, sendo a vigente à data em que se iniciou o retardamento da liquidação, acrescida de cinco pontos percentuais, nos termos dos arts. 83.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (() As referências ao CIRS e ao CIRC reportam-se, aqui como adiante, às versões originais dos códigos, isto é, às anteriores à revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.) e 83.º do Código de Processo Tributário (CPT), e, contrariamente ao que sustenta o Impugnante, não varia ao longo do período da contagem.

1.4 Inconformado com a sentença, o Impugnante dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.5 O Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1ª- O impugnante confessou ter incorrido num lapso ao ter registado duas facturas do exercício de 1992 no ano de 1993.
2ª- A decisão recorrida considerou, que com tal lapso, foi violada a especialização do exercício. Porém,
3ª- Salvo o devido respeito, a questão suscitada pelo ora recorrente, tinha um alcance distinto do decidido na douta sentença. Na verdade,
4ª- Tendo, o ora recorrente, registado as facturas em 1993, pelas quais pagou o respec­tivo tributo, vê-se na contingência de ter que suportar novo tributo sobre os mesmos rendimentos reportado a 1992.
5ª- Estamos perante duplicação de colecta, em clara violação da lei, o que a admitir-se levaria a um enriquecimento sem causa.
6ª- A decisão recorrida considerou que o [termo do] prazo de contagem dos juros compensatórios, se verifica aquando da liquidação ou do pagamento do tributo, quando o art. 83º n.º 3 do CIRS, dispunha que tal termo se verifica aquando do suprimento ou correcção da falta que está na origem do tributo. Ora,
7ª- Tal facto ocorreu aquando da conclusão do relatório da Inspecção, devendo para efeitos de juros ser considerado tal facto.
8ª- A decisão recorrida ao decidir de forma diferente, violou entre outras as seguintes disposições - art. 34º e 259º do CPT e art. 83º do CIRS.

TERMOS EM QUE,

DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E, POR VIA DISSO, SER PRO­FERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE REVOGUE A DECISÃO RECORRIDA, ANULANDO A LIQUIDAÇÃO EFECTUADA NO RESPEITANTE A IRS E JUROS COMPENSATÓRIOS.

ASSIM DECIDINDO V. Exªs. FARÃO
JUSTIÇA».

1.6 Dada vista ao Representante do Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

1.7 Os Juízes adjuntos tiveram vista.

1.8 As questões que cumpre decidir e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que
– A liquidação impugnada não enferma de ilegalidade que determine a sua anulação;
– Os juros compensatórios foram correctamente liquidados.

Previamente, impõe-se uma nota sobre a admissibilidade do recurso face ao valor do processo (esc. 26.423$00).

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«3 – Fundamentação

3.1 – Com base no teor dos elementos constantes dos autos, julgo provados, com interesse para a presente decisão, os factos que a seguir se indicam:

A) — O impugnante exerce duas actividades distintas, avicultura e construção de prédios para venda, sem empregados sendo os trabalhos efectuados por terceiros, cfr. fls 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida.

B) — Em 1992 deu de cedência e exploração o aviário a João Manuel Maia Cario, devidamente legalizado, cfr. fl. 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida.

C) — A escrita está organizada nos termos da lei fiscal e os registos estão em dia, cfr. fl. 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida.

D) — A Administração Fiscal, entre 23/07/1996 e 27/07/1996, procedeu a exame à escrita aos exercícios de 1992, 1993, 1994 e 1995 e elaborou, em 27/09/1996, o relatório de fls. 15 e segs., que aqui se dá por inteiramente reproduzido, donde se destaca:
(...)
3.2 – Vendas e serviços prestados
3.2.1 – Vendas
1 – O sujeito passivo no sector da avicultura omitiu na sua escrita as facturas/recibos n.ºs 5 e 6 emitidas a João Manuel Caria da exploração do aviário, referente aos meses de NOV/ e DEZ/92, na importância de 38.800$ mais IVA (6.281$) cada mês conforme se pode verificar através das fotocópias que se juntam, sendo o lucro tributável 77.600$ e 12.416$ de IVA.
2 – No sector da construção civil verificou-se o seguinte:
a) O S.P. iniciou em 1992 a construção de um bloco habitacional em Vouzela com 19 fracções autónomas, sendo 8 lojas no r/c e 11 apartamentos para habitação distribuídos pêlos seguintes pisos: 1.º andar 2 (T3) e 1 (T4); 2.º andar 1 (T1), 2 (T2) e 1 (T3), e no 3.º andar 1 (T1), 2 (T2) e 1 (T3), conforme se pode verificar no mapa discriminativo doc. n.º 1 de que se junta, as quais foram vendidas no ano de 1994 e 1995.
b) Ao longo dos anos de construção, não imputou custos às respectivas fracções nem considerou qualquer existência final, tendo em consequência exercícios que davam prejuízos e outros lucros.
c) Feito o apuramento das contas totais, desde o início até à venda total, verificou-se que as mesmas importaram em 82.582.208$, sem inclusão de qualquer remuneração do S.P. por nunca a ter registado, e o valor total da realização foi de 93.450.000$, valores das escrituras.
d) Apesar do resultado ser positivo, não traduz a realidade uma vez que omitiu custos, em termos globais como seja a remuneração do S.P., juros a particulares, bem como serviços de terceiros, e consequentemente proveitos ... e venda de algumas fracções foi por mais do que o declarado, segundo informações colhidas no próprio local pelo funcionário da fiscalização do referido concelho, e documento, auto de declarações de um comprador de que se junta, bem como outras declarações verbais.
e) Conforme se pode verificar através do documento de n.º 1, as vendas declaradas divergem de apartamento para apartamento, apesar das áreas serem sensivelmente iguais.
Senão vejamos, um T1 , vendido por 4850 contos e outro por 6900 contos; T2 vendidos por 5000 c., 5300 c. e 6500 c.; T3 a 6500; e T3 a 6200c., 6500c., 7500c, .7800 c., e 9100 contos.
3 – Pelo exposto sou de parecer que a escrita não nos merece credibilidade, pelo que para afectar de IRS os valores devem ser calculados nos termos do artigo 38.º do CIRS.
4 – Para calculo do valor das vendas e seguindo um critério de razoabilidade, atribuímos às vendas os valores por ele praticados, considerando habitações iguais, com preços iguais. Tomando como referência ou padrão os seguintes fracções; Fracção Q - T2 vendida em 16-12-94 por 6.500 contos e a Fracção S T3 vendida em 12-05-94 por 7.800 contos, conforme se apurou no Doc. n.º 1.
5 – O Doc. n.º 2 mostra-nos a distribuição dos custos na obra de Vouzela.
6 – O S. P. Em 1994 iniciou outro prédio em S. Pedro do Sul, tendo vendido em 1995 uma fracção.
7- O Doc. n.º 3 mostra-nos a distribuição dos custos da obra de S. Pedro do Sul.
(...)
3.6 - Resultado bruto dos exercícios.
Dos valores declarados pelo sujeito passivo, vamos corrigir as vendas, aumentando os valores apurados no Doc. n.º 1.
(...)
4 - conclusões e propostas
4.1 - Conclusões
da fiscalização efectuada verificou-se que, em virtude das irregularidades mencionadas neste relatório a matéria colectável apurada pelo S.P. foi determinada de forma incorrecta, não traduzindo o resultado efectivamente obtido, pelo que iremos recorrer a métodos indiciários, face a impossibilidade de apurar clara e inequivocamente a matéria colectável dos elementos apresentados pelo S.P., pelo que será de novo determinada de harmonia com as disposições aplicáveis ao contribuinte cuja escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, conforme o disposto no artigo 38.º, n.º 1, alínea d) conjugado com o que dispõe o artigo 66.º, n.º 2, alínea a) do CIRS.
4.2 - Propostas.
As que constam do Doc. n.º 1 e relatados no ponto 3.2.1 - vendas.
4.3 - Demonstração dos cálculos das vendas e/ou serviços prestados
Conforme Doc. n.º 1, 2 e 3, bem como anexo b1 dos respectivos anos.
(...)
5.2 - IVA
5.2.1 - Liquidou 12.416$ no 4.º trimestre e não declarou na declaração periódica do referido período, conforme ... que se junta

E) — Da informação complementar de fls. 23 destes autos resulta:
ASSUNTO: IRS de 1992,1993,1994 e 1995. Informação complementar.
Estamos na presença de um construtor de casas para venda, sem empregados, todo o serviço é executado por terceiros no regime de empreitadas
Em 1992 o S. P. ainda exerceu a actividade de avicultor tendo cedido a exploração dos aviários em Outubro.
As existências finais do ano de 1992, no montante de 5.237.582$, dizem respeito à aquisição do terreno em Vouzela para implantação de um bloco habitacional, mais encargos, sisa e alguns trabalhos de fundação.
Em 1993 continuou a construção do bloco tendo como custos totais do ano 73.495.992$, mais 5.237.258$ de existências iniciais que perfaz 78.733.250$ de existências finais que transitaram para o ano seguinte por não haver vendas.
Em 1994 continuou a construção do referido bloco, sendo os custos deste ano de 3.106.747$ mais o acumulado de 78.733.250$, que perfaz 81.839.997$, só que neste ano vendeu apartamento s e lojas no montante de 93.150.000$, valor já corrigido (Doc. n.º 1), tendo ficado em existências três fracções as quais foram valorizadas pelo custo total até esta data, cuja distribuição foi feita segundo a permilagem, conforme se pode verificar no doc. n.º 2.
As fracções C, D e G ficaram em existência final, valorizadas no valor global de 6.056.160$00, valor este apurado no Doc. 2 como já se referiu.
No entanto, no mesmo ano de 1994 iniciou e não vendeu, outra construção em S. Pedro do Sul, cujos custos na aquisição de materiais, M. C. e outros foram de 10.490.196$, mais 384.256$ de despesas gerais que transitaram para o ano seguinte, somando a existência final (6.056.160$) das fracções do bloco de Vouzela não vendidas que perfaz 16.930.612$.
Em 1995 teve como custos nas fracções C, D e G do bloco de Vouzela 742.211$ que se distribuiu segundo a permilagem (Doc. n.º 2) e somando a existência inicial, que por sua vez, as respectivas fracções foram vendidas pelo valor global de 8300 contos (corrigido), pelo que não houve transição de existências quanto a este bloco.
Todavia para a obra de S. Pedro do Sul, adquiriu materiais, outras despesas em M.O. , no total de 19.600.523$ os quais foram distribuídos pelas 9 fracções segundo a permilagem (Doc. n.º 3), sendo o total acumulado de 19.600.528$. Uma vez que neste ano vendeu a fracção E vai-se abater ao acumulado 1.097.630$ (valor dos custos) o que nos dá uma existência final no valor de 18.502.898$.

F) — O impugnante, em 30/05/1997, reclamou para a Comissão Distrital de Revisão contra a alteração dos rendimentos colectáveis, para o valor de 3.612.662$00, referente ao ano de 1992 e para 2 844.713$00 referente ao ano do 1993, com os fundamentos que constam de fls. 24 a 29 destes autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

G) — A Comissão de Revisão Distrital reuniu em 10/07/1997, tendo sido elaborada a Acta n.º 150, de fls. 30 que aqui se dá por inteiramente reproduzida e donde se destaca:
«O vogal do contribuinte alegou no essencial que nos proveitos considerados para o ano de 1993, estava incluída uma factura de 38.800$ que já tinha sido considerada no ano de 1992. Alegou ainda que no ano de 1993 na valorização das existências finais foram considerados alguns valores relativos a custos que não respeitam à actividade de construção, pelo que deveriam ser considerados custos desse exercício.
O vogal da Fazenda Pública por sua vez alegou que na reclamação apresentada pelo sujeito passivo não foi posta em causa qualquer das correcções efectuadas quer ao ano de 1992 quer ao ano de 1993 confirmando inclusivamente a correcção feita ao ano de 1992 no montante de 77.600$00 como correcto. Assim, não pode aceitar qualquer proposta de correcção quer aos valores declarados como serviços prestados quer à valorização final das existências, pelo que é de manter os valores fixados. Esclareceu ainda que qualquer correcção nas existências finais de 1993 daria uma correcção de sinal contrário no ano de 1994, anulando-se assim mutuamente.
Face à posição do vogal da Fazenda pública e aos esclarecimentos prestados, o vogal do contribuinte aceita os valores fixados.
(...)»

H) — Em 09/10/1999, a Administração Fiscal elaborou a liquidação adicional n.º 5323238197, no montante global de 155.374$00, cfr. fls. 11 destes autos.

I) — Impugnante foi notificado da liquidação a que se refere a alínea anterior, tendo o prazo de pagamento voluntário terminado em 03/12/1997, cfr. informação de fls. 13.

J) —A petição inicial da presente impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de S. Pedro do Sul em 10/02/1998, cfr. carimbo aposto a fls. 2 destes autos.


*

3.2 — Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto.

*

3.3 — Facto não provados

Nenhum com interesse para a decisão».


*

2.1.2 Pese embora não nos mereça censura alguma o julgamento da matéria de facto efectuado em 1.ª instância e o mesmo não venha posto em causa pelo Recorrente, afigura-se-nos útil, para uma melhor compreender a situação fáctica, reformular a apresentação da matéria de facto provada, o que fazemos nos seguintes termos:

a) Com referência aos anos de 1992 e 1993, Delfim exercia duas actividades: avicultura e construção de prédios para venda;
b) Em 1992, cedeu a exploração de um aviário a João Manuel Maia Cario;
c) A AT procedeu a uma acção de fiscalização a Delfim , abrangendo, para além do mais, os exercícios de 1992 e 1993;
d) No âmbito dessa fiscalização, a AT verificou que Delfim «no sector da avicultura omitiu na sua escrita as facturas/recibos n.ºs 5 e 6, emitidas a João Manuel Maia Cario da exploração do aviário, referentes aos meses de NOV/ e DEZ/92 na importância de 38.800$ mais IVA (6.208$) cada mês, conforme se pode verificar através das fotocópias que se juntam, sendo a base tributável 77.600$ e 12.416$ de IVA»;
e) Mais verificou a AT diversas circunstâncias que a determinaram a proceder à fixação da matéria colectável dos anos de 1992 e 1993 por métodos indiciários;
f) O Contribuinte, em 30 de Maio de 1997, reclamou contra a fixação da matéria tributável, ao abrigo do disposto no art. 84.º do CPT, alegando no art. 2.º da reclamação que «a única falta que se aponta cabalmente à escrituração mercantil é a omissão das facturas recibos dos meses de Novembro e Dezembro da renda dos aviários no montante de 77 600$00 mais IVA 12 416$00. Só que não se trata de omissões intencionais mas puras contingências do dia a dia, e só não se procedeu ao seu registo por esquecimento»;
g) Essa reclamação foi decidida por acordo entre os Vogais do Contribuinte e da Fazenda Pública, sendo que da acta da reunião da Comissão de Revisão, datada de 10 de Julho de 1997, consta, para além do mais, que o Vogal do Contribuinte «alegou no essencial que nos proveitos considerados para o ano de 1993 estava incluída uma factura de 38.800$ que já tinha sido considerada no ano de 1992» e que o Vogal da Fazenda Pública «alegou que na reclamação apresentada pelo sujeito passivo não foi posta em causa qualquer das correcções efectuadas quer ao ano de 1992 quer ao ano de 1993 confirmando inclusivamente a correcção feita ao ano de 1992 no montante de 77.600$00 como correcto», bem como que «Face à posição do vogal da Fazenda pública e aos esclarecimentos prestados, o vogal do contribuinte aceita os valores fixados»;
h) Com referência ao ano de 1993, a AT, em 9 de Outubro de 1999, liquidou adicionalmente a Delfim IRS e juros compensatórios, de que resultou um montante global a pagar de esc. 155.374$00;
i) O Contribuinte foi notificado dessa liquidação, bem como para proceder ao pagamento do referido montante até 3 de Dezembro de 1997;
j) A petição inicial que deu origem ao presente processo deu entrada na Repartição de Finanças de S. Pedro do Sul em 10 de Fevereiro de 1998.
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Se bem interpretamos a petição inicial, o Contribuinte impugnou a liquidação de IRS do ano de 1993 na parte em que se refere ao rendimento titulado por dois recibos de rendas que, embora respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 1992, o Contribuinte alega que foram por ele levadas à contabilidade no ano de 1993.
Segundo alega, na sequência de uma acção de fiscalização de que foi alvo, a AT considerou que o Contribuinte omitira na sua contabilidade do ano de 1992 os proveitos documentados por aqueles dois recibos, motivo por que procedeu à correcção do rendimento colectável do ano de 1992.
Ora, segundo o Impugnante, não se impunha tal correcção, mas apenas a liquidação dos juros compensatórios devidos pelo atraso na declaração desses rendimentos. Embora nunca o diga expressamente, o impugnante dá mesmo a entender que terá impugnado a liquidação adicional de IRS do ano de 1992 com esse fundamento. Em todo o caso, tendo a AT procedido a essa correcção do rendimento do ano de 1992, o Contribuinte sustenta que deveria também ter corrigido os rendimentos do ano de 1993, sob pena de estar a tributar os mesmos rendimentos duas vezes, relativamente a anos diferentes.
Na sentença recorrida parece ter-se considerado que o Contribuinte não registou os proveitos em causa no ano de 1993. Na verdade, depois de se referir que o Contribuinte, na reclamação que apresentou em 1997 contra a fixação da matéria tributável dos anos de 1992 e 1993, disse que «Ao longo de todo o Relatório da fiscalização, a única falta que se aponta cabalmente à escrituração mercantil é a omissão das facturas recibos dos meses de Novembro a Dezembro da renda dos aviários no montante de 77 600$00 mais IVA 12 416$00. Só que não se trata de omissões intencionais, mas puras contingências do dia a dia, e só não se procedeu ao seu registo por esquecimento», o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deixou escrito: «Ora, a reclamação foi apresentada em 30/05/1997, pelo que não se compreende como terá sido registada no exercício de 1993».
Mas, salvo o devido respeito, a sentença não é muito clara a esse respeito. Nunca o Juiz do Tribunal a quo referiu, inequívoca e claramente, que a impugnação judicial era julgada improcedente porque o Contribuinte não registou no ano de 1993 os proveitos em causa. Aliás, a matéria de facto dada como assente, não permite qualquer conclusão a esse propósito, como procuraremos demonstrar adiante.
As dúvidas quanto ao fundamento por que a impugnação judicial foi julgada improcedente avolumam-se face aos demais considerandos aduzidos na sentença a propósito da determinação do lucro tributável e do princípio da especialização e que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu rematou com a seguinte conclusão: «o impugnante não demonstrou nestes autos, como lhe competia, a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento que permite que os proveitos do exercício de 1992 possam ser imputados ao exercício de 1993, como exige o artigo 18.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas».
Temos que confessar que a interpretação da sentença nos suscita algumas dificuldades. Qual o fundamento utilizado para considerar que a liquidação não enferma de ilegalidade: o Contribuinte não registou no ano de 1993 os proveitos em causa ou o Contribuinte não demonstrou que tais proveitos fossem imprevisíveis ou desconhecidos no ano de 1992, motivo por que não se verifica alguma das hipóteses previstas no n.º 2 do art. 18.º do CIRS (() Dispunha o art. 18.º do CIRC, nos seus n.ºs 1 e 2:
«1 – Os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.
2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas».) ?
A nosso ver, a única interpretação que faz sentido é a seguinte: o Contribuinte não registou os proveitos em causa no ano de 1993, nem poderia fazê-lo porque tal violaria o princípio da especialização dos exercícios.
Seja como for, o Contribuinte não se conformou com a sentença e dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Norte e, como fundamento da sua discordância, no que respeita à liquidação do imposto, alega que a sentença fez um errado enquadramento da questão por ele suscitada na impugnação judicial. Nos termos das alegações de recurso e respectivas conclusões, o Contribuinte diz que admitiu que incorreu num lapso quando registou no ano de 1993 proveitos respeitantes ao ano de 1992, lapso que a sentença considerou violar o princípio da especialização dos exercícios, mas o alcance da questão por ele suscitada era outro: era o de saber se ocorria “dupla tributação” sobre aqueles proveitos. Isto, porque tendo ele declarado os proveitos no ano de 1993, a AT lhe estava agora a imputar os mesmos rendimentos no ano de 1992 sem que os retirasse do ano de 1993.
Assim, a questão a dirimir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a liquidação de IRS do ano de 1993 não enferma de ilegalidade, o que passa por indagar se naquele ano incidiu imposto sobre os rendimentos respeitantes a rendas dos meses de Novembro e Dezembro de 1992.
Só se esta questão for respondida afirmativamente, haverá depois que indagar da legalidade da liquidação dos juros compensatórios.
Prioritariamente, há que verificar se a sentença sobre a qual recaiu o presente recurso é recorrível, atento o valor do valor da causa – esc. 26.423$00 – e o da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância.

2.2.2 O VALOR DA CAUSA PERMITE O RECURSO?
O Juiz relator suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso por o valor da causa ser inferior à alçada e ordenou a notificação do Recorrente e do Representante da Fazenda Pública nos termos do disposto no art. 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo que apenas este último veio dizer que o recurso não deveria ter sido recebido e, tendo-o sido, não deve agora ser conhecido (cfr. despacho de fls. 90 e processado ulterior).
Vejamos, pois, se a sentença, face ao valor da causa – esc. 26.423$00 – admite ou não recurso, sendo certo que o despacho do Juiz da 1.ª instância que admitiu o recurso não vincula este Tribunal, como decorre do art. 687.º, n.º 4 (() Nos termos do qual «A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações».), do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
À data em que foi instaurada a impugnação judicial – 10 de Fevereiro de 1998 (cfr. alínea j) dos factos provados) –, estava ainda em vigor o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que no seu art. 10.º dispunha: «Os tribunais administrativos e fiscais não têm alçada».
No mesmo sentido, o art. 168.º do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data, dispunha que «Os tribunais tributários não têm alçada».
Mas, à data em que foi proferida a sentença – 16 de Setembro de 2004 – estava já em vigor (desde 1 de Janeiro de 2000 (() Por força do disposto no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou.)) o CPPT, cujo art. 280.º, n.º 4, dando concretização à norma programática do art. 105.º da Lei Geral Tributária, veio fixar uma alçada para os tribunais tributários de 1.ª instância, em processo de impugnação judicial e de execução fiscal, nos seguintes termos:
«Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância».
Se é certo que o CPPT não estava ainda em vigor à data em que foi deduzida a impugnação judicial, já o estava quando foi proferida a sentença.
Como sustenta a melhor doutrina quanto à aplicação no tempo da lei adjectiva, a nova lei reguladora das alçadas, no que respeita à admissibilidade dos recursos, aplica-se a todas as decisões que venham a ser proferidas após a sua entrada em vigor, mesmo que se refiram a acções pendentes na data em que ela principia a vigorar (() Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 59/60, bem como anotação, aí referida, feita por ANTUNES VARELA ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1967, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 101.º, pág. 317 e segs.). Isto porque «as expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei» (() ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., pág. 57.).
Será, pois, essa a doutrina a aplicar, a menos que haja lei expressa em sentido diverso.
Era o caso do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, norma legal que, para além de fixar a data do início da vigência do CPPT, determinou a sua aplicação exclusivamente aos processos instaurados a partir dessa data. Ou seja, aquele preceito funciona, relativamente aos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2000, como uma norma transitória especial, que ressalva da aplicação das normas do CPPT os processos instaurados antes da entrada em vigor deste código. Poderíamos, pois, ser levados a concluir que, porque o presente processo se iniciou ainda durante a vigência do CPT, não se lhe aplicariam as normas do CPPT, incluindo o art. 280.º, n.º 4, que veio estabelecer a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, por força do disposto no referido art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99.
Porém, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, determinando no seu art. 12.º que os «processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/1991, de 23 de Abril, passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados», revogou a referida norma transitória ínsita no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99. Note-se que a Lei n.º 15/2001 entrou em vigor em 5 de Julho de 2001, por força do disposto no seu art. 14.º, ou seja, antes de proferida a sentença. O que significa que o CPPT passou a aplicar-se a todos os processos pendentes, ainda que instaurados no domínio da vigência do CPT. O que nos levaria a pensar que o recurso não seria admissível, atento o disposto no art. 280.º, n.º 4, do CPPT, por o valor da causa ser inferior ao da alçada (() Que é de € 923,25, uma vez que a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância foi fixada em esc. 750.000$00 pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Fevereiro, e esse valor foi convertido em euros – € 3740,98 – por força do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, diploma legal que procedeu à conversão de valores expressos em escudos para euros em legislação da área da justiça).
No entanto, hoje, e desde a entrada em vigor do ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2004 (() Por força do disposto no art. 9.º da referida Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14-A/2003, de 19 de Fevereiro.), há que ter em conta o disposto no art. 6.º daquele Estatuto, que dispõe nos seus n.ºs 1, 2 e 6:
«
1- Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal têm alçada.
2- A alçada dos tribunais tributários [(() Denominação hoje reservada para os tribunais de 1.ª instância da jurisdição fiscal.)] corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
(...)
6- A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção».

O que significa que à data em que foi proferida a sentença estava já em vigor a norma transitória ínsita no n.º 6 do art. 6.º do ETAF, por força da qual à situação sub judice são aplicáveis as já citadas normas do art. 10.º do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril e do art. 168.º do CPT, no sentido da inexistência de alçada.
Pelo que vimos de dizer, concluímos que o valor da causa não constitui obstáculo à admissibilidade do recurso.

2.2.3 DA LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO
Como resulta do que ficou já dito, o Contribuinte alegou que as rendas respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 1992, que a AT considerou como proveitos omitidos à contabilidade desse ano, foram por ele registadas na contabilidade do ano de 1993. Por isso, se bem interpretamos as suas alegações, quer na petição inicial quer em sede de recurso, sustenta que a AT, que lhe corrigiu a matéria tributável declarada para o ano de 1992 – fazendo-lhe acrescer o montante daquelas rendas – deveria ter procedido à correspondente correcção no ano de 1993 – diminuído a matéria tributável naquele mesmo montante –, sob pena de lhe ser liquidado duas vezes o IRS respeitante àqueles rendimentos. Não o tendo feito, veio o Impugnante impugnar judicialmente a liquidação do ano de 1993, pedindo que a mesma seja anulada na parte correspondente àqueles proveitos.
O Contribuinte dá também a entender, na petição inicial, que terá impugnado a liquidação do ano de 1992 com o fundamento de que não havia lugar à referida correcção, pois aí afirma que «caso não seja atendida a impugnação [da liquidação adicional] do exercício de 1992, sobre esta matéria, o que só por hipótese se admite, e se mantenha a sua tributação no ano de 1992», deverá anular-se a liquidação do ano de 1993 na parte em que incide sobre os rendimentos em causa.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na interpretação que fazemos da sentença, parece não aceitar que o Contribuinte tenha levado à contabilidade do ano de 1993 o rendimento respeitante aos dois meses de renda em causa («não se compreende como terá sido registad[o] no exercício de 1993»). Em todo o caso, depois de aludir ao modo como se determina o lucro tributável e ao princípio da especialização dos exercícios, concluiu que «o impugnante não demonstrou nestes autos, como lhe competia, a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento que permite que os proveitos do exercício de 1992 possam ser imputados ao exercício de 1993, como exige o artigo 18.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas».
Desde logo, é de reconhecer que o Recorrente tem razão quando diz que a sentença não apreciou a questão tal como foi suscitada. Na verdade, o Recorrente aceitou, embora com algumas reservas, que incorreu num lapso quando não registou na contabilidade do ano de 1992 os proveitos em causa. No entanto, sustentando que registou esses proveitos no ano de 1993, pretende agora que a liquidação do imposto relativo a este último ano seja anulada na parte em que incidiu sobre os rendimentos correspondentes.
Ou seja, o Contribuinte aceita que não devia ter registado em 1993 os proveitos relativos ao ano de 1992; o que ele não aceita é que esses proveitos sejam tributados no ano de 1992 e de 1993.
Assim, salvo o devido respeito, não faz sentido enunciar a questão a dirimir nos termos em que o fez a 1.ª instância: saber se «A imputação temporal das Facturas/Recibos n.º 5 e 6, no valor de 38.800$00 cada, no total de 77.600$00, do ano de 1992 no exercício de 1993 viola o princípio da especialização dos exercícios».
O que está em causa não é saber se o Contribuinte podia registar os proveitos em causa no ano de 1993 (a esse propósito não existe controvérsia a merecer pronúncia judicial, pois o próprio Contribuinte admite que só por lapso não fez o registo no ano de 1992 (() Se bem que o Impugnante pareça questionar a legalidade da correcção efectuada com referência ao ano de 1992 com fundamento na omissão dos proveitos em causa, certo é que nestes autos apenas está em causa a liquidação de IRS do ano de 1993.)), mas antes saber se esses proveitos foram tributados duas vezes: como rendimentos do ano de 1992 e do ano de 1993. É que nos parece manifesto que não poderão os mesmos rendimentos ser tributados duas vezes, ainda que em anos diferentes.
Mas, para dirimir essa questão, a factualidade que foi dada como assente pela 1.ª instância não é suficiente. A nosso ver, impõe-se, desde logo, indagar se, como alegou o Impugnante, os proveitos em causa foram registados na contabilidade do ano de 1993 e, para além disso, se os mesmos foram ou não considerados na liquidação de IRS desse ano.
Ora, a 1.ª instância não se pronunciou sobre essa factualidade – não podemos ter como julgamento sobre a verificação desse facto, a referência, feita pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na parte da sentença respeitante à fundamentação jurídica, de que «não se compreende como terá sido registad[o] no exercício de 1993» – e o processo não faculta os elementos pertinentes para que se formule um juízo sobre a mesma. A nosso ver, o que consta da reclamação e da acta da reunião da Comissão de Revisão não nos permite um juízo com o mínimo de segurança exigido sobre se os referidos rendimentos foram ou não registados na contabilidade do ano de 1993.
Afigura-se-nos, pois, indispensável à boa decisão da causa, averiguar se os referidos proveitos foram ou não levados à contabilidade do ano de 1993.
Correlacionados com esse facto (o registo dos referidos proveitos no ano de 1993), e caso o mesmo possa ser dado como assente, existirão outros que não é despiciendo indagar, quais sejam os de saber em que data o Contribuinte efectuou esses registos e se e em que data deles deu conhecimento à AT (designadamente, se o fez antes ou depois da acção de inspecção referida no probatório), se os mesmos foram considerados pela AT e, caso o tenham sido, se o foram na liquidação original ou em liquidação adicional (designadamente na que ficou referida na alínea h) dos factos provados).
Tudo factos que, a nosso ver, interessam para a decisão da causa à luz das várias soluções de direito plausíveis. É que, admitindo que o Contribuinte tenha registado esses proveitos no ano de 1993, por certo não será indiferente à solução da questão suscitada nos autos saber quando o fez e se e quando esses registos relevaram para efeitos de liquidação do imposto do ano de 1993.
Mais se nos afigura útil saber se o Contribuinte deduziu impugnação judicial contra a liquidação do ano de 1992 com fundamento na ilegalidade da correcção da matéria tributável motivada pelo acréscimo do montante das duas referidas rendas e qual a decisão que mereceu.
Por tudo o que vimos de dizer, entendemos que se impõe a anulação da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art. 712.º, por força dos arts. 729.º e 749.º, todos do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, e o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de aí serem efectuadas as diligências tidas por pertinentes para ampliação da matéria de facto no sentido apontado e, depois, ser proferida nova decisão que tenha em conta o resultado dessas diligências.

2.2.4 CONCLUSÃO
Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:
I - A sentença proferida em 16 de Setembro de 2004 em processo de impugnação judicial instaurado em 10 de Fevereiro de 1998 e cujo valor é de esc. 26.423$00, é susceptível de recurso para o Tribunal Central Administrativo, pese embora o valor da causa seja inferior ao da alçada (cfr. art. 280.º, n.º 4, do CPPT), uma vez que à data em que foi proferida a sentença estava já em vigor o novo ETAF (cfr. art. 9.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que aprovou o ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), cujo art. 6.º, n.º 6, determina que «A admissibilidade dos recursos por efeitos das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção» e à data em que foi instaurada a impugnação judicial os tribunais tributários não tinham alçada (cfr. art. 10.º do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e art. 168.º do CPT).
II - Tendo a AT considerado que o Contribuinte omitiu na contabilidade do ano de 1992 rendimentos provenientes de rendas que auferiu nos meses de Novembro de Dezembro desse ano, motivo por que procedeu à correcção da matéria tributável declarada e à consequente liquidação adicional de imposto, e sustentando o contribuinte que tais rendas foram contabilizados no ano de 1993 e, por isso, que a AT não podia corrigir a matéria tributável do ano de 1992 sem proceder à correspectiva correcção no ano de 1993, sob pena de ser liquidado imposto em dois anos diferentes pelos mesmos rendimentos, em sede de impugnação judicial da liquidação do ano de 1993 cumpre averiguar, não só do facto alegado pelo Contribuinte, que se nos afigura revelante para efeitos de sindicar a legalidade da liquidação, mas de todos os com ele relacionados e que interessem ao julgamento da questão suscitada.
III - Limitando-se a sentença recorrida, quanto ao facto em causa, a exprimir dúvidas, já em sede da fundamentação jurídica da decisão, não tendo feito julgamento relativamente ao mesmo, para o considerar como provado ou não provado, e não fornecendo o processo elementos que permitam a este Tribunal ad quem efectuar o julgamento, deve anular-se a decisão e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de aí serem ordenadas as diligências pertinentes à averiguação daqueles factos, nos termos do disposto no art. 712.º, por força dos arts. 729.º e 749.º, todos do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.

* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de aí ser ampliada a matéria de facto nos termos indicados e, depois, ser proferida nova decisão.

Sem custas.


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Porto, 22 de Junho de 2006
Francisco Rothes
Dulce Neto
Fonseca Carvalho