Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00365/04 - VISEU |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 06/22/2006 |
![]() | ![]() |
Relator: | Francisco Rothes |
![]() | ![]() |
Descritores: | ALÇADA - DÉFICE INSTRUTÓRIO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - A sentença proferida em 16 de Setembro de 2004 em processo de impugnação judicial instaurado em 10 de Fevereiro de 1998 e cujo valor é de esc. 26.423$00, é susceptível de recurso para o Tribunal Central Administrativo, pese embora o valor da causa seja inferior ao da alçada (cfr. art. 280.º, n.º 4, do CPPT), uma vez que à data em que foi proferida a sentença estava já em vigor o novo ETAF (cfr. art. 9.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que aprovou o ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), cujo art. 6.º, n.º 6, determina que «A admissibilidade dos recursos por efeitos das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção» e à data em que foi instaurada a impugnação judicial os tribunais tributários não tinham alçada (cfr. art. 10.º do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e art. 168.º do CPT). II - Tendo a AT considerado que o Contribuinte omitiu na contabilidade do ano de 1992 rendimentos provenientes de rendas que auferiu nos meses de Novembro de Dezembro desse ano, motivo por que procedeu à correcção da matéria tributável declarada e à consequente liquidação adicional de imposto, e sustentando o contribuinte que tais rendas foram contabilizados no ano de 1993 e, por isso, que a AT não podia corrigir a matéria tributável do ano de 1992 sem proceder à correspectiva correcção no ano de 1993, sob pena de ser liquidado imposto em dois anos diferentes pelos mesmos rendimentos, em sede de impugnação judicial da liquidação do ano de 1993 cumpre averiguar, não só do facto alegado pelo Contribuinte, que se nos afigura revelante para efeitos de sindicar a legalidade da liquidação, mas de todos os com ele relacionados e que interessem ao julgamento da questão suscitada. III - Limitando-se a sentença recorrida, quanto ao facto em causa, a exprimir dúvidas, já em sede da fundamentação jurídica da decisão, não tendo feito julgamento relativamente ao mesmo, para o considerar como provado ou não provado, e não fornecendo o processo elementos que permitam a este Tribunal ad quem efectuar o julgamento, deve anular-se a decisão e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de aí serem ordenadas as diligências pertinentes à averiguação daqueles factos, nos termos do disposto no art. 712.º, por força dos arts. 729.º e 749.º, todos do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma acção de fiscalização, verificou, para além do mais que ora não nos interessa considerar, que DELFIM (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) não levou à contabilidade os proveitos respeitantes a rendas dos meses de Novembro e Dezembro do ano de 1992, documentados por recibos emitidos nesse ano. 1.2 O Contribuinte impugnou judicialmente a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1993 na parte respeitante aos referidos proveitos. Se bem interpretamos a petição inicial, o Contribuinte sustenta que: Diz ainda o Contribuinte, assim dando também a entender que terá impugnado a liquidação do ano de 1992 com o fundamento de que não havia lugar à referida correcção, que, «caso não seja atendida a impugnação [da liquidação adicional] do exercício de 1992, sobre esta matéria, o que só por hipótese se admite, e se mantenha a sua tributação no ano de 1992», deverá anular-se a liquidação do ano de 1993 na parte em que incide sobre os rendimentos em causa. Mais alega o Contribuinte que, ainda que ainda que assim não se entenda, «haverá sempre lugar à recontagem dos juros compensatórios», que se mostram mal liquidados, pois haveria que se ter suspendido o prazo da respectiva contagem após 27 de Setembro de 1996 e as taxas a utilizar deveriam ter sido as indicadas no item 19.º da petição inicial. Concluiu pedindo a anulação da liquidação do ano de 1993 na parte que se refere às duas referidas rendas. 1.3 A impugnação judicial foi julgada totalmente improcedente. 1.4 Inconformado com a sentença, o Impugnante dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 1.5 O Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E, POR VIA DISSO, SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE REVOGUE A DECISÃO RECORRIDA, ANULANDO A LIQUIDAÇÃO EFECTUADA NO RESPEITANTE A IRS E JUROS COMPENSATÓRIOS. ASSIM DECIDINDO V. Exªs. FARÃO 1.6 Dada vista ao Representante do Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. 1.7 Os Juízes adjuntos tiveram vista. 1.8 As questões que cumpre decidir e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que Previamente, impõe-se uma nota sobre a admissibilidade do recurso face ao valor do processo (esc. 26.423$00). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «3 – Fundamentação 3.1 – Com base no teor dos elementos constantes dos autos, julgo provados, com interesse para a presente decisão, os factos que a seguir se indicam: A) — O impugnante exerce duas actividades distintas, avicultura e construção de prédios para venda, sem empregados sendo os trabalhos efectuados por terceiros, cfr. fls 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida. B) — Em 1992 deu de cedência e exploração o aviário a João Manuel Maia Cario, devidamente legalizado, cfr. fl. 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida. C) — A escrita está organizada nos termos da lei fiscal e os registos estão em dia, cfr. fl. 16 destes autos que aqui se dá por reproduzida. D) — A Administração Fiscal, entre 23/07/1996 e 27/07/1996, procedeu a exame à escrita aos exercícios de 1992, 1993, 1994 e 1995 e elaborou, em 27/09/1996, o relatório de fls. 15 e segs., que aqui se dá por inteiramente reproduzido, donde se destaca: E) — Da informação complementar de fls. 23 destes autos resulta: F) — O impugnante, em 30/05/1997, reclamou para a Comissão Distrital de Revisão contra a alteração dos rendimentos colectáveis, para o valor de 3.612.662$00, referente ao ano de 1992 e para 2 844.713$00 referente ao ano do 1993, com os fundamentos que constam de fls. 24 a 29 destes autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. G) — A Comissão de Revisão Distrital reuniu em 10/07/1997, tendo sido elaborada a Acta n.º 150, de fls. 30 que aqui se dá por inteiramente reproduzida e donde se destaca: H) — Em 09/10/1999, a Administração Fiscal elaborou a liquidação adicional n.º 5323238197, no montante global de 155.374$00, cfr. fls. 11 destes autos. I) — Impugnante foi notificado da liquidação a que se refere a alínea anterior, tendo o prazo de pagamento voluntário terminado em 03/12/1997, cfr. informação de fls. 13. J) —A petição inicial da presente impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de S. Pedro do Sul em 10/02/1998, cfr. carimbo aposto a fls. 2 destes autos. * 3.2 — Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. * 3.3 — Facto não provados Nenhum com interesse para a decisão». * 2.1.2 Pese embora não nos mereça censura alguma o julgamento da matéria de facto efectuado em 1.ª instância e o mesmo não venha posto em causa pelo Recorrente, afigura-se-nos útil, para uma melhor compreender a situação fáctica, reformular a apresentação da matéria de facto provada, o que fazemos nos seguintes termos: a) Com referência aos anos de 1992 e 1993, Delfim exercia duas actividades: avicultura e construção de prédios para venda; b) Em 1992, cedeu a exploração de um aviário a João Manuel Maia Cario; c) A AT procedeu a uma acção de fiscalização a Delfim , abrangendo, para além do mais, os exercícios de 1992 e 1993; d) No âmbito dessa fiscalização, a AT verificou que Delfim «no sector da avicultura omitiu na sua escrita as facturas/recibos n.ºs 5 e 6, emitidas a João Manuel Maia Cario da exploração do aviário, referentes aos meses de NOV/ e DEZ/92 na importância de 38.800$ mais IVA (6.208$) cada mês, conforme se pode verificar através das fotocópias que se juntam, sendo a base tributável 77.600$ e 12.416$ de IVA»; e) Mais verificou a AT diversas circunstâncias que a determinaram a proceder à fixação da matéria colectável dos anos de 1992 e 1993 por métodos indiciários; f) O Contribuinte, em 30 de Maio de 1997, reclamou contra a fixação da matéria tributável, ao abrigo do disposto no art. 84.º do CPT, alegando no art. 2.º da reclamação que «a única falta que se aponta cabalmente à escrituração mercantil é a omissão das facturas recibos dos meses de Novembro e Dezembro da renda dos aviários no montante de 77 600$00 mais IVA 12 416$00. Só que não se trata de omissões intencionais mas puras contingências do dia a dia, e só não se procedeu ao seu registo por esquecimento»; g) Essa reclamação foi decidida por acordo entre os Vogais do Contribuinte e da Fazenda Pública, sendo que da acta da reunião da Comissão de Revisão, datada de 10 de Julho de 1997, consta, para além do mais, que o Vogal do Contribuinte «alegou no essencial que nos proveitos considerados para o ano de 1993 estava incluída uma factura de 38.800$ que já tinha sido considerada no ano de 1992» e que o Vogal da Fazenda Pública «alegou que na reclamação apresentada pelo sujeito passivo não foi posta em causa qualquer das correcções efectuadas quer ao ano de 1992 quer ao ano de 1993 confirmando inclusivamente a correcção feita ao ano de 1992 no montante de 77.600$00 como correcto», bem como que «Face à posição do vogal da Fazenda pública e aos esclarecimentos prestados, o vogal do contribuinte aceita os valores fixados»; h) Com referência ao ano de 1993, a AT, em 9 de Outubro de 1999, liquidou adicionalmente a Delfim IRS e juros compensatórios, de que resultou um montante global a pagar de esc. 155.374$00; i) O Contribuinte foi notificado dessa liquidação, bem como para proceder ao pagamento do referido montante até 3 de Dezembro de 1997; j) A petição inicial que deu origem ao presente processo deu entrada na Repartição de Finanças de S. Pedro do Sul em 10 de Fevereiro de 1998. * 2.2 DE DIREITO2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Se bem interpretamos a petição inicial, o Contribuinte impugnou a liquidação de IRS do ano de 1993 na parte em que se refere ao rendimento titulado por dois recibos de rendas que, embora respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 1992, o Contribuinte alega que foram por ele levadas à contabilidade no ano de 1993. Segundo alega, na sequência de uma acção de fiscalização de que foi alvo, a AT considerou que o Contribuinte omitira na sua contabilidade do ano de 1992 os proveitos documentados por aqueles dois recibos, motivo por que procedeu à correcção do rendimento colectável do ano de 1992. Ora, segundo o Impugnante, não se impunha tal correcção, mas apenas a liquidação dos juros compensatórios devidos pelo atraso na declaração desses rendimentos. Embora nunca o diga expressamente, o impugnante dá mesmo a entender que terá impugnado a liquidação adicional de IRS do ano de 1992 com esse fundamento. Em todo o caso, tendo a AT procedido a essa correcção do rendimento do ano de 1992, o Contribuinte sustenta que deveria também ter corrigido os rendimentos do ano de 1993, sob pena de estar a tributar os mesmos rendimentos duas vezes, relativamente a anos diferentes. Na sentença recorrida parece ter-se considerado que o Contribuinte não registou os proveitos em causa no ano de 1993. Na verdade, depois de se referir que o Contribuinte, na reclamação que apresentou em 1997 contra a fixação da matéria tributável dos anos de 1992 e 1993, disse que «Ao longo de todo o Relatório da fiscalização, a única falta que se aponta cabalmente à escrituração mercantil é a omissão das facturas recibos dos meses de Novembro a Dezembro da renda dos aviários no montante de 77 600$00 mais IVA 12 416$00. Só que não se trata de omissões intencionais, mas puras contingências do dia a dia, e só não se procedeu ao seu registo por esquecimento», o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deixou escrito: «Ora, a reclamação foi apresentada em 30/05/1997, pelo que não se compreende como terá sido registada no exercício de 1993». Mas, salvo o devido respeito, a sentença não é muito clara a esse respeito. Nunca o Juiz do Tribunal a quo referiu, inequívoca e claramente, que a impugnação judicial era julgada improcedente porque o Contribuinte não registou no ano de 1993 os proveitos em causa. Aliás, a matéria de facto dada como assente, não permite qualquer conclusão a esse propósito, como procuraremos demonstrar adiante. As dúvidas quanto ao fundamento por que a impugnação judicial foi julgada improcedente avolumam-se face aos demais considerandos aduzidos na sentença a propósito da determinação do lucro tributável e do princípio da especialização e que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu rematou com a seguinte conclusão: «o impugnante não demonstrou nestes autos, como lhe competia, a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento que permite que os proveitos do exercício de 1992 possam ser imputados ao exercício de 1993, como exige o artigo 18.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas». Temos que confessar que a interpretação da sentença nos suscita algumas dificuldades. Qual o fundamento utilizado para considerar que a liquidação não enferma de ilegalidade: o Contribuinte não registou no ano de 1993 os proveitos em causa ou o Contribuinte não demonstrou que tais proveitos fossem imprevisíveis ou desconhecidos no ano de 1992, motivo por que não se verifica alguma das hipóteses previstas no n.º 2 do art. 18.º do CIRS (() Dispunha o art. 18.º do CIRC, nos seus n.ºs 1 e 2: «1 – Os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. 2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas».) ? A nosso ver, a única interpretação que faz sentido é a seguinte: o Contribuinte não registou os proveitos em causa no ano de 1993, nem poderia fazê-lo porque tal violaria o princípio da especialização dos exercícios. Seja como for, o Contribuinte não se conformou com a sentença e dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Norte e, como fundamento da sua discordância, no que respeita à liquidação do imposto, alega que a sentença fez um errado enquadramento da questão por ele suscitada na impugnação judicial. Nos termos das alegações de recurso e respectivas conclusões, o Contribuinte diz que admitiu que incorreu num lapso quando registou no ano de 1993 proveitos respeitantes ao ano de 1992, lapso que a sentença considerou violar o princípio da especialização dos exercícios, mas o alcance da questão por ele suscitada era outro: era o de saber se ocorria “dupla tributação” sobre aqueles proveitos. Isto, porque tendo ele declarado os proveitos no ano de 1993, a AT lhe estava agora a imputar os mesmos rendimentos no ano de 1992 sem que os retirasse do ano de 1993. Assim, a questão a dirimir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a liquidação de IRS do ano de 1993 não enferma de ilegalidade, o que passa por indagar se naquele ano incidiu imposto sobre os rendimentos respeitantes a rendas dos meses de Novembro e Dezembro de 1992. Só se esta questão for respondida afirmativamente, haverá depois que indagar da legalidade da liquidação dos juros compensatórios. Prioritariamente, há que verificar se a sentença sobre a qual recaiu o presente recurso é recorrível, atento o valor do valor da causa – esc. 26.423$00 – e o da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância. 2.2.2 O VALOR DA CAUSA PERMITE O RECURSO? O Juiz relator suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso por o valor da causa ser inferior à alçada e ordenou a notificação do Recorrente e do Representante da Fazenda Pública nos termos do disposto no art. 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo que apenas este último veio dizer que o recurso não deveria ter sido recebido e, tendo-o sido, não deve agora ser conhecido (cfr. despacho de fls. 90 e processado ulterior). Vejamos, pois, se a sentença, face ao valor da causa – esc. 26.423$00 – admite ou não recurso, sendo certo que o despacho do Juiz da 1.ª instância que admitiu o recurso não vincula este Tribunal, como decorre do art. 687.º, n.º 4 (() Nos termos do qual «A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações».), do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). À data em que foi instaurada a impugnação judicial – 10 de Fevereiro de 1998 (cfr. alínea j) dos factos provados) –, estava ainda em vigor o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que no seu art. 10.º dispunha: «Os tribunais administrativos e fiscais não têm alçada». No mesmo sentido, o art. 168.º do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data, dispunha que «Os tribunais tributários não têm alçada». Mas, à data em que foi proferida a sentença – 16 de Setembro de 2004 – estava já em vigor (desde 1 de Janeiro de 2000 (() Por força do disposto no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou.)) o CPPT, cujo art. 280.º, n.º 4, dando concretização à norma programática do art. 105.º da Lei Geral Tributária, veio fixar uma alçada para os tribunais tributários de 1.ª instância, em processo de impugnação judicial e de execução fiscal, nos seguintes termos: «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância». Se é certo que o CPPT não estava ainda em vigor à data em que foi deduzida a impugnação judicial, já o estava quando foi proferida a sentença. Como sustenta a melhor doutrina quanto à aplicação no tempo da lei adjectiva, a nova lei reguladora das alçadas, no que respeita à admissibilidade dos recursos, aplica-se a todas as decisões que venham a ser proferidas após a sua entrada em vigor, mesmo que se refiram a acções pendentes na data em que ela principia a vigorar (() Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 59/60, bem como anotação, aí referida, feita por ANTUNES VARELA ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1967, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 101.º, pág. 317 e segs.). Isto porque «as expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei» (() ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., pág. 57.). Será, pois, essa a doutrina a aplicar, a menos que haja lei expressa em sentido diverso. Era o caso do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, norma legal que, para além de fixar a data do início da vigência do CPPT, determinou a sua aplicação exclusivamente aos processos instaurados a partir dessa data. Ou seja, aquele preceito funciona, relativamente aos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2000, como uma norma transitória especial, que ressalva da aplicação das normas do CPPT os processos instaurados antes da entrada em vigor deste código. Poderíamos, pois, ser levados a concluir que, porque o presente processo se iniciou ainda durante a vigência do CPT, não se lhe aplicariam as normas do CPPT, incluindo o art. 280.º, n.º 4, que veio estabelecer a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, por força do disposto no referido art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99. Porém, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, determinando no seu art. 12.º que os «processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/1991, de 23 de Abril, passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados», revogou a referida norma transitória ínsita no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99. Note-se que a Lei n.º 15/2001 entrou em vigor em 5 de Julho de 2001, por força do disposto no seu art. 14.º, ou seja, antes de proferida a sentença. O que significa que o CPPT passou a aplicar-se a todos os processos pendentes, ainda que instaurados no domínio da vigência do CPT. O que nos levaria a pensar que o recurso não seria admissível, atento o disposto no art. 280.º, n.º 4, do CPPT, por o valor da causa ser inferior ao da alçada (() Que é de € 923,25, uma vez que a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância foi fixada em esc. 750.000$00 pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Fevereiro, e esse valor foi convertido em euros – € 3740,98 – por força do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, diploma legal que procedeu à conversão de valores expressos em escudos para euros em legislação da área da justiça). No entanto, hoje, e desde a entrada em vigor do ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2004 (() Por força do disposto no art. 9.º da referida Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14-A/2003, de 19 de Fevereiro.), há que ter em conta o disposto no art. 6.º daquele Estatuto, que dispõe nos seus n.ºs 1, 2 e 6: « 1- Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal têm alçada. 2- A alçada dos tribunais tributários [(() Denominação hoje reservada para os tribunais de 1.ª instância da jurisdição fiscal.)] corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância. (...) 6- A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção». O que significa que à data em que foi proferida a sentença estava já em vigor a norma transitória ínsita no n.º 6 do art. 6.º do ETAF, por força da qual à situação sub judice são aplicáveis as já citadas normas do art. 10.º do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril e do art. 168.º do CPT, no sentido da inexistência de alçada. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de aí ser ampliada a matéria de facto nos termos indicados e, depois, ser proferida nova decisão. Sem custas. * Francisco Rothes Dulce Neto Fonseca Carvalho |