Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00417-A/2002-COIMBRA
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO DE SENTENÇA
Sumário:1- A aposentação de concorrente em concurso anulado é causa legítima de inexecução de sentença já que o mesmo não pode ser retomado relativamente a ela.
2- Tal não significa que a exequente fique em 1º lugar num concurso que não existe indemnizando-a por esse facto de não ter ficado em 1º lugar , mas antes a fixação de uma indemnização que visa compensá-la da perda de chance de poder vir a ser graduada em 1º lugar nesse concurso*
*Sumário elaborado pela Relatora
Data de Entrada:06/19/2012
Recorrente:Instituto Politécnico de Coimbra
Recorrido 1:M. ...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentença de anulação de actos administrativos (arts. 173 e segs. CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral:O INSTITUTO POLITÉCNICO DE COIMBRA [ipc], inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF dE COIMBRA, em 12/03/2012, que julgou procedente a excepção de ocorrência de causa legítima de inexecução invocada pelo Executado na sua contestação com base na aposentação da Exequente MF. …, em Janeiro de 2010 e, em consequência absolveu aquele do pedido executivo, tendo ordenado, nos termos do artigo 178º nº 1 do CPTA, a notificação das partes para no prazo de vinte dias acordarem no montante da indemnização devida à exequente pelo facto da inexecução.
Para tanto alega em conclusão:
1. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida não fez correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do Direito, devendo ser revogada e substituída por outra que reponha a legalidade;
2. Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença;
3. In casu, e face ao teor do despacho do Exmo. Sr. Presidente do IPC em 13 de Junho de 2011, a impossibilidade de execução da sentença não foi absoluta;
4. Nestes termos, o Apelante entende que o Tribunal a quo melhor teria andado se tivesse julgado procedente o pedido principal do Apelante, ou seja, se tivesse julgado ter havido execução espontânea do julgado quanto aos efeitos que era legítimo produzir, declarando no mais existir inutilidade superveniente da lide e não causa legítima de inexecução porquanto a impossibilidade de cumprimento não é absoluta;
5. Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente do n.º 1 do artigo 163.º do CPTA, que violou.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente Recurso, não deixarão de revogar a sentença recorrida, ordenando a sua substituição por outra que declare ter havido execução espontânea do julgado quanto aos efeitos que era legítimo produzir, sendo que no mais, existe inutilidade superveniente da lide assim se fazendo Justiça.
*
A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1) Estava em causa no presente processo a execução da sentença que anulou – com fundamento na violação das al. b) e c) do nº2 do art. 5º do DL 204/98, de 11 de Julho e do 124º do CPA (cfr. a Fundamentação de Direito da sentença exequenda) – o acto constituído pela deliberação de 10/04/2002 do Júri do Concurso de Provas Públicas para Recrutamento de um Professor-Coordenador do Quadro do ISCAC, na Área Científica de Matemática e Informática, que decidiu a classificação final dos candidatos, cuja abertura foi ordenada por despacho de 10/10/2001 do Sr. Presidente do IPC publicado como Edital nº 741/2001 no DR - II Série, nº 281, de 10/11/2001 (cfr. o 1º parágrafo do Relatório da sentença exequenda).
2) Nos termos do artigo 141º nº1 do CPTA apenas "pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais".
3) A Exequente/Autora peticionava na Petição Inicial que se executasse a sentença, especificando os actos e operações em que devia consistir tal execução, tendo o Executado na sua Oposição requerido a final que "deve improceder o pedido da A.»
4) Tendo para tal o Executado avançado invocado na Oposição vários fundamentos/razões para sustentar a improcedência que pretendia do pedido executivo, entre os quais a legitima causa de inexecução.
5) Tendo o tribunal a quo considerado procedente a invocação de causa legítima de inexecução e absolvido o Exequente do pedido executivo tal como este pretendia.
6) Nestes termos, o Executado obteve, tal como solicitou, a improcedência da peticionada execução por ter sido considerado um dos fundamentos que, expressamente, havia invocado, pelo que não se pode considerar parte vencida nos termos do nº1 do artigo 141º do CPTA, pelo que o executado não tem legitimidade para interpor o presente recurso, o qual deve ser, como tal, considerado improcedente.
7) Sem conceder quanto à invocada ilegitimidade e inadmissibilidade do presente recurso, e por dever de patrocínio, não pode deixar de se sustentar a total improcedência dos fundamentos invocados no presente recurso.
8) O recorrente não coloca em causa a legitima causa de inexecução considerada pelo Tribunal a quo, pelo que esta não poderá ser reapreciada.
9) Aliás, o recorrente não podia colocar em causa a existência de causa legitima de inexecução por si invocada e considerada verificada pelo Tribunal a quo, até porque só essa justifica a violação do dever de executar imposto pelo artigo 158º e 173º do CPTA.
10) Apenas pretende seja conhecida outra das razões por si alegadas na Oposição para sustentar a requerida improcedência do pedido executivo, porém, inexplicavelmente, a única norma que acaba por referir nas suas Alegações e conclusões como tendo sido violada é o nº1 do artigo 163º do CPTA.
11) Seria, aliás, um venire contra factum proprium se o Executado colocasse em causa a existência da causa legitima de inexecução por si próprio invocada.
12) Sendo certo que a invocação por parte do Recorrente de que, face ao "despacho do Exmo. Sr. Presidente do IPC em 13 de Junho de 2011" houve "execução espontânea do julgado quanto aos efeitos que era legítimo produzir" não faz, salvo o devido respeito, qualquer sentido!
13) Efectivamente, o único alegado acto de execução – o despacho de 13/06/2011 do Sr. Presidente do ora Executado, ao declarar nulos os despachos de 19/07/2002 e de 30/11/2005 do então Sr. Presidente do IPC, nos termos em que o fez, designadamente ao restringir a produção dos efeitos de tal declaração de nulidade ao período com início em 01/12/2010 – violou e viola o disposto no art. 173º, nºs 1 e 2, do CPTA, em consequência do que se subsume à previsão dos arts. 133º, nº 2, al. i), e 134º, nº 1, do CPA.
14) Pelo que não faz qualquer sentido a afirmação de que o Executado cumpriu o julgado, quando o único acto que praticou é nulo tal como foi determinado pela sentença, nulidade decidida na sentença recorrida e que o Recorrente não colocou em causa nas suas conclusões.
15) E por outro lado, refira-se que a questão da inutilidade da lide a propósito da aposentação da Autora já havia sido invocada em sede de RCA, no âmbito do qual foi decidido pelo TCA Norte que tal não era fundamento de inutilidade da lide.
Termos em que, e nos mais de Direito que V.ª Ex.as doutamente suprirão, deve o recurso ser considerado inadmissível por ilegitimidade do Recorrente, sem conceder e caso assim não se entenda sempe o Recurso devia ser considerado improcedente e mantida a douta decisão recorrida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu parecer.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com relevância para os autos):

1 - Pelo acórdão exequendo do TCA foi confirmada a sentença proferida em primeira instância no processo de Recurso contencioso nº 417/2002 deste TAF, pela qual foi anulada a deliberação do Júri do Concurso de provas públicas para provimento de uma vaga de professor-coordenador do quadro do ISCAC, na área científica de Matemática e Informática, que procedera à classificação final dos dois candidatos, cuja abertura foi ordenada por despacho de 10.10.01 do Sr. Presidente do IPC, publicado como Edital nº 741/2001 no DR – II Série, n.º 281, de 10.11.01.

2 - Os dois candidatos eram o indigitado CI Prof. Doutor PJ. …s e a outra exequente Prof. Doutora MF. …; e o primeiro fora o classificado em primeiro lugar.

3 - A fundamentação de tal decisão da primeira instância dá-se aqui por reproduzida.

4 - A fundamentação do acórdão do TCA dá-se aqui por reproduzida.

5 - No dia 13 de Junho de 2011 o Sr. Presidente do IPC proferiu o seguinte despacho:
Na sequência do trânsito em julgado da sentença proferida em 06.07.2009 pelo Tribunal Administrativo Fiscal de Coimbra que anula a deliberação do júri do concurso de provas públicas para provimento de uma vaga de professor-coordenador do quadro do ISCAC, na área científica de Matemática e Informática (aberto por edital 741/2001, publicado no Diário da República, 2 série, no 261, de 10 de Novembro de 2001), que decidiu a classificação final dos candidatos, declaro nulo, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2010 (data em que transitou em julgado o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte que confirma a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal a; Coimbra):
1. O despacho de ’19 de Julho de 2002 do então Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, Prof. Doutor JM. …, que autoriza a nomeação provisória do Prof. Doutor PJ. …, na categoria de professor coordenador, na área científica de Matemática e Informática, no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, com efeitos a partir da data do despacho, publicado no Diário da República, 2’ série, n° 182, de 8 de Agosto de 2002, com a rectificação n° 1813/2002, publicada no Diário da República, 2 série, n°203, de 3 de Setembro de 2002;
2.: O despacho de 30 de Novembro de 2005 do então Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, Prof. Doutor JM. …, que autoriza a nomeação definitiva do rol Doutor PJ. …, na categoria de professor coordenador, na área científica de Matemática e Informática, no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, com efeitos a partir de 19 de Julho de 2005, publicado no Diário da República, 2° série, n°242, de 20 de Dezembro de 2005.

6 - Nessa mesma data o teor deste despacho foi comunicado à aqui exequente.

7 - Em Janeiro de 2010, quando tinha a categoria de professora adjunta, a Autora passou à aposentação.

8 - Quando se candidatou no concurso acima identificado o CI PJ. … estava ao serviço do Executado mediante contrato administrativo de provimento como Equiparado a Professor Coordenador.
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º, n.º 3 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
As questões que aqui importa conhecer é se é admissível o recurso e se a sentença recorrida violou o art. 163º do CPTA.

O DIREITO

INADMISSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO

Alega a recorrida que, tendo o Executado invocado na sua Oposição a existência de causa legitima de inexecução e requerido a final que o pedido de execução da autora/exequente fosse considerado improcedente, e tendo o Tribunal a quo considerado procedente a invocação de causa legítima de inexecução e absolvido o Executado do pedido de execução, não tem o mesmo legitimidade para interpor recurso dessa decisão nos termos do art. 141º do CPTA.
Quid juris?
Nos termos do artigo 141º do CPTA apenas "pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais. 2-. Nos processos impugnatórios, considera-se designadamente vencido, para o efeito do disposto no número anterior, o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra o mesmo acto administrativo, tenha decaído relativamente à verificação de alguma delas, na medida em que o reconhecimento, pelo tribunal de recurso, da existência dessa causa de invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do acto anulado. 3-Ainda que um acto administrativo tenha sido anulado com fundamento na verificação de diferentes causas de invalidade, a sentença pode ser impugnada com base na inexistência de apenas uma dessas causas de invalidade, na medida em que do reconhecimento da inexistência dessa causa de invalidade dependa a possibilidade de o acto anulado poder vir a ser renovado”
Como resulta deste preceito parte vencida é a parte relativamente à qual a decisão se mostra desfavorável, pressupondo a legitimidade um interesse em agir que se traduz no afastar de um resultado negativo.
Como diz em anotação ao art. 141º do CPTA Mário Aroso de Almeida in “ Comentário…”:
“…Justifica-se assim que o demandante possa ser considerado como parte vencida, para efeitos de impugnação da decisão judicial, em relação à parte dispositiva da sentença anulatória que tenha julgado improcedente uma causa de invalidade que assegurava uma mais eficaz tutela do seu direito impedindo ou dificultando a renovação do acto por parte da Administração…“
A Exequente peticionava na petição inicial que se executasse a sentença, especificando os actos e operações em que devia consistir tal execução, e termina da seguinte forma:
«Termos em que, e melhores de direito, autuada a presente Petição de Execução ao Processo nº 417/02 - Recurso Contencioso de Anulação, referenciado em epígrafe, que correu seus termos nesse Tribunal, requer a V. Exª a execução da sentença proferida em 06/07/2009 no supra referido Processo, transitada em julgado em 12/11/2010, para tanto ordenando-se a notificação da Entidade Executada, na pessoa do seu Presidente e, caso tal se torne necessário, seguindo-se a subsequente tramitação, julgando-se procedente a pretensão da ora Exequente constante da presente Petição, especificando-se o conteúdo dos actos e operações – enunciados no Artigo 52º supra – que devem ser praticados pela Entidade Executada para dar integral execução à dita sentença, fixando-se o prazo em que tais actos e operações devem ser praticados, bem como uma sanção pecuniária compulsória para o caso do seu incumprimento, tudo sem prejuízo da responsabilidade civil, disciplinar e criminal que ao caso couber.»
E, entre esses factos estava prolação de novo ato de abertura de concurso seguido do restante procedimentos do referido concurso.
O Executado e aqui recorrente respondeu no sentido de que cumpriu espontaneamente a sentença e de que existe impossibilidade de prossecução do concurso face à aposentação da Exequente o que constitui "causa legítima de inexecução nos termos do artigo 163.º do CPTA" (cfr. artigo 15. Oposição), concluindo nos artigos 20. a 22. que:
«20.Pelo exposto, verifica-se que não existe qualquer fundamento de facto ou direito que possa justificar o pedido executivo invocado pela A., uma vez que a sentença proferida pelo TAF de Coimbra no âmbito do processo nº 417/2002 foi já executada através do despacho do Sr. Presidente do IPC em 13 de Junho de 2011.
21. E mesmo que assim não se entendesse, o que o não se concede, nunca poderiam ser produzidos os efeitos pretendidos pela A. uma vez que os mesmos violariam legislação que entrou em vigor na pendência do processo, mais concretamente a Lei n.º 7/2010, a Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, a Lei 59/2008 de 11 de Setembro, e a Lei do OE 2011.
22. Por ultimo existe ainda uma impossibilidade objectiva de produção dos efeitos pretendidos pelo A. porquanto a mesma se aposentou na pendência da acção, tornando irrepetível o concurso e obstando à reconstituição da situação actual hipotética, o que constitui causa legítima de inexecução nos termos do artigo 163.º do CPTA, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.»
O Tribunal a quo na sentença recorrida não considerou que o recorrente tenha executado a sentença antes tendo entendido que ocorreu causa legitima de inexecução.
Ora, uma coisa é certa, o executado considerou que tinha executado a sentença e o tribunal entendeu que não, entendeu que já não a podia executar nem executou.
Como se extrai do despacho aqui em causa:
“O Executado, porém, excepciona a causa legítima de inexecução (CLI), pelo que se impõe começar por aí a apreciação do pedido.
Antes de mais, fique claro que é admissível a invocação de CLI em sede de contestação sem se ter invocado a mesma no prazo de execução voluntária do julgado, conforme decorre do artigo 177º nº 3 do CPTA.
Também cumpre deixar dito que a alegação de CLI, seja porque é feita subsidiariamente, seja porque não se refere ao despacho de 13/1 mas, obviamente, ao pedido executivo formulado pela Exequente, não é contraditória com a alegação de que aquele despacho cumpriu com a execução devida do julgado…”
Ou seja, o tribunal a quo entendeu que não havia contradição entre alegar-se que se cumpria e depois dizer-se que, mesmo que assim se não entenda, ocorre causa legítima de inexecução.
No mesmo raciocínio deve entender-se que, apesar de ter sido invocado subsidiariamente que ocorre causa legítima de inexecução, nada impede o executado de sindicar a sentença executória que considera que a sentença anulatória não foi executada.
Pelo que, é de admitir que o executado e aqui recorrente nos termos supra expostos recorra nesta parte.

VIOLAÇÃO DO ART. 163º DO CPTA

Alega a recorrente que a decisão recorrida errou ao entender que o acto administrativo proferido não deu cumprimento ao julgado e que os normativos legais por si invocados não eram suficientes para obstar à execução do julgado, ou seja, que não impossibilitavam a repetição ou repristinação do procedimento concursal.
Na verdade, a seu ver, a decisão por si proferida em sede declarativa , ou seja, o despacho de 13 de Junho de 2011 Senhor Presidente, procedeu à reconstituição da situação que existia antes da elaboração do acto que veio a ser anulado.
E tal execução não ficou prejudicada pela circunstância de, por lapso, ter sido indicada uma data para a produção dos seus efeitos, quando os mesmos têm obviamente carácter absoluto.
O que releva, a seu ver, é que foi dada sem efeito a nomeação provisória e definitiva do concorrente que foi graduado em primeiro lugar, dando assim cumprimento à anulação do procedimento concursal.
Concluiu que cumpriu o julgado na medida daquilo que lhe era possível, ou seja, procedendo à extinção dos efeitos dos actos considerados ilegais, pelo que, porque não existe incumprimento do julgado, não estamos perante uma causa legítima de inexecução, mas sim perante um cumprimento do julgado e perante uma inutilidade superveniente da lide quanto à questão da aposentação da recorrida.
E não impede a existência de inutilidade superveniente da lide executória a aposentação da recorrida já que esta conserva a expectativa de poder vir a ter consequências em termos de carreira, e como tal de expectativas de diferenças remuneratórias na sua actual pensão.
Se o concurso não pode ser realizado em virtude de a Exequente se ter aposentado, também não podemos ficcionar que seria a Exequente a ficar em primeiro lugar num concurso que não existe!
O tribunal recorrido erra, assim, ao não considerar que ocorreu execução espontânea do julgado quanto aos efeitos que era legítimo produzir, sendo que no mais, existe inutilidade superveniente da lide e não causa legítima de inexecução porquanto a impossibilidade de cumprimento não é absoluta violando, por isso, o nº 1 do artigo 163.º do CPTA.
Quid juris?
Decidiu-se na sentença recorrida que:
“..Outra coisa óbvia que importa deixar desde já dito é que o despacho de 13/6/2011 é nulo e de nenhum efeito na parte em que fixa os efeitos das nulidades declaradas, na data de 1 de Dezembro de 2010. E é-o por violação de caso julgado. É obvio que, dado o regime da nulidade – e mesmo da anulabilidade – os efeitos da respectiva declaração são absolutos, isto é, os despachos declarados nulos têm de ser tratados como nunca tendo tido efeitos, embora isso não implique reposições de salários, dado que, ainda que putativamente, as funções da categoria de professor coordenador foram exercidas pelo CI.
O Primeiro motivo em que assenta a excepção de CLI consiste na impossibilidade legal de retomar o concurso, em face da entrada em vigor das Leis nºs 12-A/2008 de 27/2, 59/2008 de 11/9, com o seu novo modelo regra de vínculo laboral na Função Pública, e da Lei do OE para 2011, que impede a cabimentação necessária. Vejamos se procede:
Qualquer diligência no sentido de repor a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto impugnado tem de passar por uma disposição legal tão vinculativa como o do CPTA e, aliás, posterior, pelo que derroga qualquer disposição deste diploma em contrário. Está-se a falar do artigo 110º da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro.
O artigo 110 º da Lei nº 12-A/2008 integra-se no título VII – disposições finais e transitórias – e tem o seguinte teor:
Concursos de recrutamento e selecção de pessoal
1 — As relações jurídicas de emprego público decorrentes de concursos de recrutamento e selecção concluídos e válidos à data de entrada em vigor do RCTFP constituem–se com observância das regras previstas no presente título.
2 — O disposto no número anterior aplica-se ainda aos concursos de recrutamento e selecção pendentes à data de entrada em vigor do RCTFP desde que tenham sido abertos antes da entrada em vigor da presente lei.
3 — Caducam os restantes concursos de recrutamento e selecção de pessoal pendentes na data referida no número anterior, independentemente da sua modalidade e situação.
Tem razão, a Autora, quando alega que o que pretende não é um novo concurso, mas que se retome o mesmo, embora seja duvidoso que o procedimento deva ser retomado, em caso de execução, no despacho que manda abrir o concurso, inclusive. Com efeito, todos os actos do procedimento não inquinados estão aí, na ordem jurídica. É a partir do último deles que se deve repor a legalidade, a não ser que seja preciso ir mais a montante para assegurar o respeito, na repetição do procedimento, de todos os princípios concursais.
Seja como for, voltemos ao artigo 110º e atentemos nos seus nºs 1 e 2:
A Lei nº 59/2008 de 11/9, que aprovou o RCPFP, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, conforme o seu artigo 23º.
O procedimento concursal rematado pelo acto impugnado teve início (muito) antes da entrada em vigor daquela Lei (10/10/2001).
Assim, o que quer que se repita do procedimento concursal em causa sempre se incluirá num procedimento começado antes da entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008.
Pelo nº 2 do artigo 110º da Lei nº 12-A/2008, acima transcrito, o Legislador soberano determinou que os procedimentos concursais começados e pendentes aquando da entrada em vigor do RCTFP chegariam ao seu natural termo, com a eficácia decorrente das disposições finais e transitórias que constituem o título VII daquela Lei 12-A.
Por sua vez, o DL nº 207/2009 com a redacção da Lei 7/2010 de 13/5 também não obsta à retoma do concurso, pois as suas disposições transitórias, designadamente os artigos 5º e sgs, conjugam-se perfeitamente com o disposto naquele artigo 110º.
Também não obsta à execução do julgado a alegada impossibilidade legal de cabimentação de verba pois, se a transição do CI para o regime de contrato por tempo indeterminado como professor coordenador se operou ex vi artigo 6º nº 3 do DL nº 20//2009 na redacção da Lei nº 7/2010, directamente desde a situação de equiparado a coordenador, não é da verba necessária à abertura do concurso que sai a sua remuneração como coordenador, ao menos desde 1/12/2010. Por outro lado, sempre no pressuposto do que se disse acerca do artigo 110º da Lei nº 12-A/2008, a obrigatoriedade da execução das decisões judiciais (artigo 158º do CPTA) sempre implicaria a legalidade da retoma do procedimento concursal, com todas as consequências.
Assim, e em suma, não obstam à retoma do concurso a Lei 12-A/2008, nem os artigos 5º e sgs do DL nº 207/2009, com a redacção dada pela Lei nº 7/2010, nem a Lei do OE do estado para 2011.
Obsta, porém, salvo melhor opinião, à pretendida retoma do concurso, a aposentação da Autora. Nisto tem razão o Executado. Vejamos:
No acórdão cujo sumário o executado transcreve em abono da sua alegação trata-se da aposentação do primeiro classificado de um concurso, ou seja do interessado que beneficiou com a suposta validade da decisão e da nomeação a que o concurso tendia. Porém as razões aduzidas para a conclusão da impossibilidade de se retomar o procedimento valem igualmente para o caso em que quem se aposentou entretanto foi o candidato preterido, depois exequente.
Na verdade, uma vez que com a sua aposentação a Autora ficou definitivamente desligada do serviço, o concurso em causa deixou de poder ter por candidata a Autora. Quer dizer, deixou de ser possível repetir os actos viciados de forma a repor, sempre na medida do possível, a situação que ocorreria se não tivessem sido praticados, como foram, os actos de que resultou a anulação do acto impugnado.
É certo que o concurso em si mesmo não é legalmente impossível, como se viu supra. E podia prosseguir até com novos candidatos – se retomado no ponto da publicação do aviso. Porém, a não poder ser candidata a aqui exequente, o concurso, ao contrário de contribuir para uma reposição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, contribuiria para agravar as consequências das ilegalidades cometidas da primeira vez, pois desta feita já a Autora não poderia candidatar-se a ele e, desse modo, disputar a categoria almejada. Quer dizer, a repetição do procedimento já não seria execução do acórdão exequendo.
Não se diga que os actos do procedimento podem repetir-se apenas para se verificar quem seria o vencedor do concurso se validamente levado a cabo: para reconstituir o que teria sido a carreira da Exequente até à aposentação.
O que a Lei previa e permitia, ontem como hoje, é a repetição de actos administrativos eficazes, não de ficções… É que à possibilidade lógica e legal da repetição do procedimento concursal obsta a realidade de a Exequente já não se poder candidatar, por isso que, desligada do serviço, não poderá ocupar o lugar.
Deduz-se da sua réplica que a Autora entende que a parte acima citada do acórdão exequendo se impõe à jurisprudência invocada pelo Executado, obrigando à sua execução efectiva, haja o que houver.
De modo algum. O que ali se fazia era a apreciação da utilidade da lide no processo declarativo. Nesse contexto, o que o douto acórdão do STA declarou foi apenas que não estava prejudicada a utilidade daquela lide por a Autora se ter entretanto aposentado, aludindo então, em fundamento disso, a um modo como entendia que a execução poderia ser feita. E na verdade, fosse para ser executada, fosse para dar fundamento a uma indemnização pela inexecução, nos termos do artigo 178º do CPTA, a decisão do Recurso Contencioso não perdia utilidade por causa da aposentação da Autora na pendência do processo. Mais não pode o douto acórdão ter pretendido dispor. Com efeito, decisão alguma declaratória pode prejudicar a prerrogativa legal que a Administração tem, de invocar a causa legítima de execução nos termos e para os efeitos do artigo 178º e de outras normas do CPTA.”
E decidiu-se bem.
Na verdade, o recorrente apesar de também ter invocado a existência da causa de legítima de inexecução por impossibilidade de continuação do concurso por aposentação da exequente, pode entender-se que o faz para o caso de não se entender que tenha cumprido da sentença.
E efetivamente não cumpriu a sentença porque não podia cumprir face à aposentação da exequente e aqui recorrida e nos termos em que o exige o art. 173º do CPTA que dispõe”:
« …a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que devia ter actuado.» estabelecendo o nº2 que, para efeitos do disposto no seu nº 1,:
«…a Administração pode ficar constituída (…) no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.»
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNADES CADILHE1 esclarecem que:
«…os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito de anulação de um acto administrativo podem situar-se em três planos: (a) reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; (b) cumprimento tardio dos deveres que a administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispensava; (c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas.».
Como se diz no Acórdão proferido pelo TCAN no âmbito do Recurso Contencioso de Anulação (que confirmou a sentença exequenda), referindo-se ao acto anulado nos presentes autos, que:
«(...) anulada a deliberação (…), compete à entidade recorrida praticar outro acto expurgado dos vícios apontados na decisão anulatória, isto é, retomar o concurso em questão, fixando atempadamente (no aviso de abertura do concurso) todos os critérios classificativos e procedendo de acordo com esses critérios à graduação dos candidatos».
Não se pode, pois, dizer que executado cumpriu o julgado, quando não retomou o concurso.
Basta não ter praticado este ato para não executado a sentença.
O Recorrente, aliás, afirma nas suas alegações a impossibilidade de executar devido à aposentação mas pretende depois afirmar que se trata de uma inutilidade e não de uma causa legitima de inexecução como ele próprio tinha invocado em sede de Oposição.
Ora, quanto a questão da inutilidade a propósito da aposentação da Autora já havia sido invocada em sede de RCA, no âmbito do qual foi decidido pelo TCA Norte que tal não era fundamento de inutilidade tal como a sentença recorrida reafirmou.
O que se trata é, sim, de uma causa legítima de inexecução de sentença que não implica ficionar , de forma alguma, que a exequente fique em 1º lugar num concurso que não existe indemnizando-a por esse facto de não ter ficado em 1º lugar , mas antes a fixação de uma indemnização que visa compensá-la da perda de chance de poder vir a ser graduada em 1º lugar nesse concurso, o que é completamente diferente.
Pelo exposto a sentença recorrida decidiu correctamente ao não considerar que o Recorrente tenha executado espontaneamente a sentença anulatória.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em:
a) Admitir o recurso interposto;
b) Negar provimento ao mesmo.
c) Custas pelo recorrente.
R. e N.
Porto, 30/11/012
Ass. Ana Paula Portela
Ass. Maria do Céu Neves
Ass. Fernanda Brandão
1 In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª edição revista, 2010, p. 1117