Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00505/04.4BEVIS |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 09/29/2005 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | Dr.ª Ana Paula Portela |
| Descritores: | COMPETÊNCIA TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS - CONTRATO ADMINISTRATIVO |
| Sumário: | I. Compete aos tribunais administrativos conhecer dos litígios emergentes de relações jurídico administrativas. ( art. 212ª n.º1 da CRP). II. É contrato administrativo o contrato celebrado entre um arquitecto no exercício de uma profissão liberal e um Município ( após procedimento que terminou em adjudicação por ajuste directo) com vista à elaboração e entrega de um projecto de arquitectura e especialidades de um pavilhão gimnodesportivo já que esta relação é jurídico administrativa , pois um dos sujeitos é uma pessoa de direito público no exercício da função administrativa de direito público e há uma relação directa e precisa entre o contrato e a satisfação de necessidades públicas . III. Pelo que, os tribunais administrativos são competentes para conhecer este tipo de acção. |
| Data de Entrada: | 04/20/2005 |
| Recorrente: | L. |
| Recorrido 1: | Município da Mealhada |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - forma ordinária (CPTA) - Rec. Jurisdicional |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
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| Decisão Texto Integral: | L…, identificado nos autos, vem interpor recurso jurisdicional do despacho do TAF de Viseu que julgou improcedentes as excepções de incompetência e caducidade por si suscitadas. Para tanto alega em conclusão: “ 1º Deve a excepção de incompetência material do tribunal , invocada pelo R. e ora agravante, ser julgada procedente, pois o contrato sub judice titula uma relação jurídico-contratual de cariz privado, sendo por isso de natureza civilística e não administrativa; 2º Sendo que o R., ora agravante, exerce a actividade de arquitecto como profissional liberal, tendo sido nessa qualidade que contratou com o A., não submetendo a sua actividade à autoridade e direcção dos órgãos da A.; não conferindo o contrato dos autos poderes de autoridade ao agravado nem impondo restrições de interesse publico ao agravante perante o agravado, bem como não existe no contrato dos autos a atribuição de poderes a que se refere o artigo 180° do CPA; 3º Estão excluídas da jurisdição administrativa acções que versem sobre questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público, assim e porque os tribunais administrativos são apenas competentes para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não pode o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu ser o foro competente para conhecer deste pleito. 4º Nesta linha de raciocínio, sendo o contrato em análise um contrato de natureza privada, deve também a excepção de caducidade do direito do A. e ora agravado, invocada pelo R. ora agravante, ser julgada procedente, dado estar em causa um contrato de natureza civilística, mais propriamente um contrato de prestação de serviços atípico a que se aplicam as regras do contrato de empreitada. ( artigo 1224º n.º1 e 2) C.C. NORMAS VIOLADAS: Artigo 4º do ETAF; Artigo 178º e 180º do CPA; Artigos 211º n.º1 e 212º n.º 3 da CRP; Artigo 660 do CPC, e Artigo 1224º do CC.” A entidade aqui recorrida conclui as suas alegações da seguinte forma: “1) O contrato do qual resulta a pretensão da Autora agravada é um contrato de direito administrativo, já que apesar de não serem descortinadas na sua redacção cláusulas que possamos qualificar como "exorbitantes", o seu fim e o seu objecto, e, bem assim, o procedimento que levou à conclusão do contrato ajuste directo contendem directamente com a prossecução do interesse público, nomeadamente, com a efectivação de atribuições autárquicas da ora agravada, legal e constitucionalmente garantidas. vg. art.° 21 (tempos livres e desporto) da Lei 159/99 de 14 de Setembro. 2) O facto do agravante ser um profissional liberal e de ter contratado com a agravada nessa qualidade com vista à elaboração e entrega de um projecto de arquitectura e especialidades do denominado pavilhão gimnodesportivo do Luso não é suficiente para fazer perecer a tese da administratividade do contrato celebrado. 3) Pelo facto do agravante ser um profissional liberal e de ter contratado com a agravada nessa qualidade, será natural e até mesmo imprescindível, que aquele actue com um grau elevado de independência e liberdade. No entanto, não poderá ser infirmada a existência, ainda que suavizada, de uma qualquer manifestação do conatural poder de direcção do ente administrativo relativamente à execução do contrato, prima fatie, no que diz respeito ao resultado a obter. 4) No entanto, mesmo que a administratividade do contrato não pudesse ser afirmada hipótese que não concebemos, atenta a redacção da alínea e) do n.°1 do art.° 1° do E.T.A.F., sempre seria materialmente competente o T.A.F. de Viseu, já que este é um contrato precedido ou precedível de um procedimento administrativo de adjudicação, sendo a jurisdição administrativa a competente independentemente do contrato, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria relação contratual), ser contrato administrativo ou contrato de direito privado. 5) No entanto, como entendemos ser este um contrato de direito administrativo, contrato este regulado por normas de direito público, não terão aqui aplicação as normas de direito privado, maxime, o art° 1224, n.° 1 e 2 do Código Civil, que a ora agravante entende mobilizáveis com vista á afirmação da caducidade do direito invocado pela Autora Agravada no caso dos autos. 6) Assim, não poderão ser julgadas procedentes a excepção de incompetência absoluta e a excepção peremptória de caducidade formuladas pela agravante no presente recurso.” O MP emite parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * FACTOS ( com interesse para a causa) _ O Município da Mealhada intentou acção administrativa comum ordinária contra L…relativa a uma adjudicação a este por ajuste directo da realização de um Projecto de Arquitectura e Especialidades do Pavilhão Gimnodesportivo do Luso que terminou na realização do contrato celebrado entre ambos e junto de fls. 21 a 23 dos autos e aqui rep. em 28/10/98. _ Em Audiência Preliminar foi decidido pelo Mº Juiz a quo a competência do tribunal na sequência da excepção de incompetência suscitada pelo aqui recorrente. * O DIREITO A questão que importa aqui resolver é a da competência dos tribunais administrativos face à relação existente nos autos. Entende o recorrentes que estes tribunais são incompetentes em razão da matéria, para a decisão da lide já que contrato aqui em causa tem natureza privada, de raiz civilista e não administrativa, o que resulta de o recorrente ter sido contratado na qualidade de profissional liberal de arquitectura, e por isso não resultar do contrato a atribuição dos poderes referidos no art.° 180.° do CPA, e por isso a natureza de não contrato administrativo, não emergindo o litígio a dirimir de uma relação jurídico administrativa, mas antes privada. Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária, gozando de plenitude de jurisdição civil, salvo quanto às causas "atribuídas por lei a alguma jurisdição especial" (art.66 do C.P.C.). Já nos termos do art. 3º do Dec.-Lei 129/84, de 27/4 (E.T.A.F.) "incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais." E, nos termos do art. 4º do cit. diploma "estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto: a)... f)Questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público." Nos termos do art. 1º do actual ETAF compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais tal como no decurso do anterior estatuto revestindo o art. 4º do mesmo carácter meramente exemplificativo. Pelo que, a jurisprudência e a doutrina em vigor mantêm-se com a mesma razão de ser. A delimitação do poder jurisdicional atribuído aos tribunais administrativos faz-se, pois, segundo um critério material, ligado à natureza da questão a dirimir, tal como resulta do art.214 nº3 da Const., nos termos do qual "compete aos tribunais administrativos...o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios das relações jurídicas administrativas." A competência dos tribunais determina-se pelo pedido do A., não dependendo o seu conhecimento nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção (ver Ac. S.T.A. de 12/6/90, A.j. nº10/11; Ac.S.T.A. de 9/10/90, A.J. nº12, pág.26; Ac. S.T.J. de 3/2/87, B.M.J. nº 364/591). Diz M. de Andrade, N.E. de Processo Civil, 1956, pág.92 que, a competência em razão da matéria atribuída aos tribunais, baseia-se na matéria da causa, no seu objecto, "encarado sob um ponto de vista qualitativo -o da natureza da relação substancial pleiteada." Há, pois, que começar por averiguar ,em que tipo de relação foi proferido o acto impugnado, se no âmbito de uma relação de direito público, se no âmbito de uma relação laboral de direito privado. Nos termos do art° 178°do CPA define-se contrato administrativo como o acordo de vontade pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo. E, o n.° 2 do mencionado preceito contém a enumeração exemplificativa dos vários tipos de contratos administrativos. Da referida definição conceptual ressalta a irrelevância do regime jurídico por que se regulam, em regra, as partes, para efeitos de determinado contrato ser considerado administrativo, importando sim, a natureza da relação jurídica que através dele, se constitui, modifica ou extingue. Como refere " Sérvulo Correia " são celebrados contratos administrativos entre particulares, desde que uma das partes intervenha na qualidade de pessoa colectiva privada de regime administrativo, isto é, criando, modificando ou extinguindo situações jurídicas que não podem ser tituladas por particulares em geral, mas apenas por um sujeito incumbido da prossecução de tarefas públicas. A este propósito a jurisprudência tem sido maioritária no sentido de que um contrato de prestação de serviços com um profissional liberal resulta de uma relação jurídico administrativa já que basta uma relação directa e precisa entre o contrato e a satisfação de necessidades públicas não sendo necessário que o contratante fique sujeito a cláusulas exorbitantes. Neste sentido ver Acórdãos do STA de 25/1/01, 21/11/95, 13/10/99 e 14/7/94 nos recursos respectivamente n.ºs 46798, 36831, 43284 e 33974. O Ac. do STA de 13.10.99, recurso 43284 decidiu pela natureza de relação jurídico administrativa um contrato outorgado entre uma entidade pública e uma entidade particular, através do qual foi adjudicada a esta a fiscalização da execução de uma empreita de obra pública, associando se assim directamente á realização do interesse público municipal. E, também já no Ac. do STA de 7/5/92 in recurso 29564 se clarificou que “Para que se possa afirmar que o contrato de prestação de serviços tenha sido celebrado “ para fins de imediata utilidade pública “ o que se exige é uma relação directa e suficientemente precisa entre o contrato e a satisfação de necessidades públicas”. Mais recentemente, do Ac. do STA de 25/1/01 recurso 46798 , relativo a uma situação idêntica à dos autos e que aqui se dá por rep., extrai-se : “(...) a relação jurídica administrativa tem duas características essenciais : primeira , um dos sujeitos ser necessariamente uma entidade no exercício de uma função administrativa de direito público ; segunda, o objecto principal da relação tem de ser regido pelo direito público. Ora, no caso sub judice...um dos sujeitos da relação em causa é uma pessoa de direito público no exercício da função administrativa de direito público e o objecto da prestação a que o réu se obriga entra no domínio dos objectos negociais possíveis de obrigações regidas pelo direito público, assumíveis por órgãos autárquicos, no exercício da função administrativa que lhes incumbe.” No caso dos autos estamos perante um contrato celebrado entre um arquitecto no exercício de uma profissão liberal e um Município, o qual foi o resultado de um procedimento administrativo com vista à adjudicação por ajuste directo da elaboração e entrega de um projecto de arquitectura e especialidades de um pavilhão gimnodesportivo (uma das atribuições do Município), pelo que existe uma relação directa e suficientemente precisa entre o contrato e a satisfação de necessidades públicas. Estamos, pois, perante uma relação jurídico administrativa entre um sujeito que é uma pessoa de direito público no exercício da função administrativa de direito público e em que o objecto da prestação a que o réu se obrigou entra no domínio dos objectos negociais possíveis de obrigações regidas pelo direito público e visa a satisfação de necessidades públicas . Relativamente à excepção da caducidade, não tendo a sentença de 1ª instância dela conhecido, também não o podemos fazer de momento. * Em face de todo o exposto Acordam os juízes deste TCA em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 150 euros. R. e N. Porto, 29/9/2005 |