Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00016/03 - PORTO |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 04/26/2006 |
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Relator: | Dulce Neto |
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Descritores: | DEVER DE ACATAMENTO DE DECISÃO DE TRIBUNAL SUPERIOR - TAXA DE SALUBRIDADE |
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Sumário: | 1. Por força do disposto no art. 156° n° 1 do CPC e dos arts. 4° da Lei nº 21/85, de 30 de Julho e 4° nº 2 da Lei n° 3/99 de 13 de Janeiro, os juízes têm o dever de acatar as decisões transitadas em julgado que, em recurso, hajam sido proferidas pelos tribunais superiores. 2. É de qualificar como taxa, por ter natureza sinalagmática, o tributo liquidado pelo Município de Matosinhos como contrapartida pela disponibilização do uso de sistemas de saneamento municipais, o que afasta a sua qualificação como imposto, para cuja criação a respectiva assembleia municipal não teria competência. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: GOLDTUR , S.A., com os demais sinais dos autos, recorreu para o S.T.A. da sentença proferida pelo T.A.F. do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de taxa de salubridade atribuída à Câmara Municipal de Póvoa do Varzim. Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1) Estando em causa a eventual desconformidade da “taxa de salubridade”, importa proceder à qualificação da aludida figura; 2) A “taxa de salubridade” tem o seu fundamento legal no art. 20º da Lei das Finanças Locais e no art. 7º nº 2 do Regulamento de Saneamento Básico; 3) A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro imposto; 4) Os Municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do seu interesse específico; 5) As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares; 6) O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contraprestação retributiva; 7) O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em causa; 8) Sendo a ora recorrente utente do sistema público de saneamento básico, não há qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, que possa justificar a liquidação da “taxa de salubridade”; 9) Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas, uma vez que a ora recorrente não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida económica proporcional por parte da Câmara; 10) O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de auto financiamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro imposto; 11) Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das respectivas normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de Saneamento Básico, nos termos dos arts. 103° n° 3 e 165° n° 1 al. i ) da Constituição. * * * Não foram apresentadas contra-alegações.Por Acórdão proferido a fls. 138/141, o S.T.A. declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, por julgar que este não versava exclusivamente matéria de direito, declarando competente para o efeito este T.C.A. Remetidos os autos a este Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve ser declarada a incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para o conhecimento do recurso, já que em processos idênticos (como o Proc. nº 00247/04 deste TCAN) se declarou que essa competência residia no STA, pelo que lhe «parece estar-se perante um conflito negativo de competência – artigo 115º nº 1 e 2 do CPC» e que deve ser levantado tal conflito. Colhidos os legais vistos, cumpre decidir. * * * Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:a) Em 2002-10-31 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 1.448,28 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-11-11, Factura/Recibo 2002324561 – cfr. fls. 10; b) Em 2002-10-31 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 2.540,16 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-11-11, Factura/Recibo 2002324562 – cfr. fls. 11; c) Em 2002-10-31 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 565,38 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-11-11, Factura/Recibo 2002324563 – cfr. fls. 12; d) Em 2002-11-30 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 1.448,28 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-12-10, Factura/Recibo 2002324338 – cfr. fls. 13; e) Em 2002-11-30 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 2.540,16 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-12-10, Factura/Recibo 2002324339 – cfr. fls. 14; f) Em 2002-11-30 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 565,38 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-12-10, Factura/Recibo 2002324340 – cfr. fls. 15; g) Em 2002-12-31 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 2.540,16 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2003-01-10, Factura/Recibo 2003023714 – cfr. fls. 16; h) Em 2002-12-31 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim liquidou à impugnante € 565,38 de taxa de salubridade, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2003-01-10, Factura/Recibo 2003023715 – cfr. fls. 17; i) A impugnação foi remetida a tribunal pelo registo do correio em 2003-02-07 – cfr. fls. 18. * * * Tal como resulta do que acima se deixou relatado, o presente recurso da sentença proferida pelo T.A.F. do Porto foi interposto directamente para o S.T.A., o qual, porém, se declarou incompetente em razão da hierarquia para o seu conhecimento por julgar que ele não versava exclusivamente matéria de direito, declarando competente para o efeito este T.C.A. por acórdão proferido a fls. 138/141, transitado em julgado. Ora, por força do disposto no art. 156° n° 1 do CPC e dos arts. 4° da Lei nº 21/85, de 30 de Julho e 4° nº 2 da Lei n° 3/99 de 13 de Janeiro (LEI ORGÂNICA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS) os juízes têm o dever de acatar as decisões transitadas em julgado proferidas pelos tribunais superiores, razão por que este T.C.A. está sujeito à força obrigatória do julgamento efectuado pelo S.T.A., impondo-se-lhe acatar a declarada competência hierárquica para o conhecimento do recurso. Não podendo este Tribunal voltar a discutir essa questão, que assim está definitivamente resolvida nos autos, improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.Os actos impugnados nestes autos respeitam a taxas de salubridade liquidadas à impugnante pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e a questão que neles se discute prende-se com a qualificação jurídico-tributária desse tributo previsto no nº 2 do artigo 7º do Regulamento de Saneamento Básico, aprovado pela Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim, em 27 de Junho de 1996, e alterado em 1 de Março de 2001, cujo pagamento foi reclamado da ora recorrente. A questão consiste, pois, essencialmente, em saber se esses tributos têm a configuração jurídica de taxas ou se configuram verdadeiros impostos por alegada inexistência de sinalagmaticidade, posto que a impugnante, ora Recorrente, assenta o seu pedido de anulação desses actos numa pretensa inconstitucionalidade orgânica e formal dos preceitos regulamentares que suportam e fundamentam a sua liquidação em virtude de estarem em causa tributos com contornos de verdadeiros e ilegais impostos. A sentença julgou a impugnação improcedente com a seguinte fundamentação: «A questão a decidir nestes autos já foi decidida no processo de impugnação que corre termos na 1ª secção do 3° Juízo deste Tribunal sob o n.º 21/02, em que era também autor a aqui impugnante, versando sobre a mesma questão de direito embora referente a liquidações relativas a períodos posteriores. Uma vez que concordamos inteiramente com os argumentos ali sustentados, pela inexistência de outros que possa ter interesse para a decisão da causa de acordo com a posição por nós sufragada e pela inutilidade em que se traduziria estar a sustentar por outras palavras a posição ali defendida, passamos a citar aquela decisão, cujos fundamentos para aqui importamos. «A tese que a impugnante traz a pleito para sustentar a sua pretensão estriba-se, no essencial, na alegação de que a impugnante não recebe qualquer contrapartida por parte da CMPV em resultado do pagamento da taxa de salubridade aqui impugnada. Ora, tal falta de sinalagma retiraria, na tese da impugnante, o carácter de taxa ao tributo aqui em causa e conferir-lhe-ia contornos de verdadeiro imposto e daí que os preceitos regulamentares que prevêem a dita taxa sejam inconstitucionais e ilegais. Vejamos. Decorre da norma contida no art. 16° n.º 1 alínea d) da Lei 42/98, de 6 de Agosto, que, entre as receitas dos municípios, se conta ‘o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município. A taxa é definida pela doutrina como ‘uma prestação tributária (ou tributo) que pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um bem ou serviço púbico – cfr. António de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, pág. 63. Na tarefa de definir aquilo que pode constituir a contraprestação específica a doutrina portuguesa identifica três situações diversas: a da prestação de serviços públicos; a de utilização do domínio público e a de remoção de limites jurídicos impostos à actividade dos particulares – cfr. art. 4° n.º 2 da LGT. No caso vertente, o cerne da questão está em saber se existe ou não uma contrapartida a cargo do município em resultado do pagamento da taxa de salubridade. A este propósito, não nos iremos alongar em considerações doutrinárias sobre o tema mas retomar por se nos afigurar de flagrante relevância, o discurso judicativo-decisório ensaiado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 410/2000, de 3 de Outubro de 2000, DR I Série, de 22 de Novembro de 2000. Ali se considerou que, ‘o Tribunal Constitucional, ao distinguir o imposto da taxa, tem surpreendido unilateralidade naquele e nesta carácter bilateral ou sinalagmático (...). No entanto, e recorrendo às características doutrinariamente assinaladas na figura da taxa, como sejam a sinalagmaticidade e a correspectividade das prestações, também já se observou no Acórdão 1108/96 não serem estas invocáveis como critérios com o mero objectivo de subsunção conceptual quando está em causa um juízo de constitucionalidade. Independentemente da resposta da doutrina fiscal, o arquétipo do raciocínio jurídico naquele plano de constitucionalidade deverá ser, no essencial, uma distinção funcional determinada pelos fundamentos e objectivos constitucionais da reserva de lei. A subordinação do imposto à reserva de lei exprime (sempre nesse plano) a exigência de um controlo democrático que tem a ver com o respeito da igualdade e da justiça tributárias aferidas em função da capacidade contributiva de cada cidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica, não necessariamente justificada pelo exacto custo da prestação ou do benefício, se bem que juridicamente estruturada através da sinalagmaticidade e correspectividade da prestação, tendo como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu pagamento. Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço o que significa que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado (...). Já se o valor for manifestamente desproporcionado, ‘completamente alheio ao custo do serviço prestado, então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser encarada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, porque, desse modo, se afectaria a correspectividade. Assim, a desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério legitimante da taxa (...). Ou seja (...) a base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe uma sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos. Ora, segundo consta do art. 7° n.º 2 do ‘Regulamento do Saneamento Básico do Município da Póvoa de Varzim, ‘a taxa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização. O citado normativo regulamentar enuncia de modo muito claro qual o sentido da taxa de salubridade e qual a contraprestação a cargo do município que lhe está associada. Do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os custos de exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais, implicadas pela utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização determina a necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da taxa – cfr. Ac. TC n.º 357/99, DR II série, de 2 de Março de 2000. Eis porque, ao contrário do que sustenta a impugnante, as liquidações em causa não padecem dos vícios que a mesma lhes aponta». Termos em que, pelos fundamentos expostos julga-se a impugnação improcedente porque não provada e em consequência absolve-se a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim do pedido». A nosso ver, a questão em análise foi objecto de correcta e acertada apreciação na decisão recorrida, que seguiu jurisprudência reiterada, pacífica e uniforme quanto à mesma, sendo de referir, no sentido do decidido, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, disponíveis em www.dgsi.pt/jsta: proferido em 15/02/2006, no Recurso nº 01027/05; proferido em 22/02/2006, no Recurso nº 0849/05; proferido em 2/11/2005, no Recurso nº 0860/05; proferido em 1/06/2005, no Recurso nº 0222/05. Neste último acórdão, cujas conclusões são em tudo semelhantes às que constam do presente recurso, até porque o seu objecto é constituído por uma sentença proferido pelo mesmo julgador (sendo, aliás, uma réplica da sentença ora em exame), aduziu-se uma fundamentação inteiramente transponível para a situação dos presentes auto, à qual aderimos pela sua mestria e que, por isso, se passa a reproduzir. «... A única questão em debate é a de saber se os tributos liquidados à recorrente devem considerar-se verdadeiras taxas, como são denominados, por haver contrapartida por parte da autarquia, ou se tal contrapartida inexiste, caso em que estaremos perante um imposto, cujo ilegal nascimento implica a ilegalidade das liquidações. Não se controverte, no processo, por onde passa a linha separadora dos conceitos de taxa e imposto; nem que este só pode ser criado pela Assembleia da República, sob pena de ilegalidade da respectiva liquidação. Desnecessário é, pois, que nos ocupemos do que respeita à distinção entre taxa e imposto, à reserva de lei da Assembleia da República, e às consequências do seu desrespeito. As considerações a tais propósitos feitas no processo, seja pela recorrente, seja pelo Mmº. Juiz que proferiu a sentença recorrida, acompanham o que repetida e uniformemente tem afirmado a jurisprudência, designadamente, a do Tribunal Constitucional – na qual, aliás, confessadamente se inspiram – e a deste Supremo Tribunal Administrativo. Ora, em sede de matéria de facto – ainda que fora do capítulo especialmente dedicado à enunciação dos factos provados e não provados –, estabelece-se na sentença que «do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os custos de exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais, implicadas pela utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização determina a necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da taxa». Perante tal factualidade, fica de todo desapoiada a tese da recorrente, quando afirma que «não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida económica proporcional por parte da Câmara»; e que, assim, a taxa exigida «apresenta-se como uma forma de autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro imposto» – vejam-se as conclusões n.ºs 9 e 10. Diferentemente do que diz a recorrente, a sentença estabeleceu que o município dispõe de sistemas de saneamento municipais, os quais são utilizados pelos munícipes, e que «tal utilização determina a necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento». Estabelece, ainda, a sentença, que a taxa em discussão se destina a proporcionar «receitas com vista a assegurar os custos de exploração e conservação» daqueles sistemas. Daí que não possa deixar de se concluir, como na sentença, que, ao proporcionar à recorrente a utilização dos falados sistemas de saneamento, que explora e conserva, o município lhe presta um serviço, «residindo aí a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da taxa» liquidada. Acrescente-se que a recorrente, embora se refira, na conclusão n.º 9, à inexistência de «qualquer contrapartida económica proporcional por parte da Câmara», não quer, como se extrai do conjunto das suas alegações, afirmar que a taxa em causa é contrapartida desproporcional do serviço que lhe é prestado, pretendendo, antes, que não há contraprestação nenhuma, proporcional ou desproporcional, por parte do município, ou seja, que falta, de todo, o sinalagma que caracteriza a taxa e permite distingui-la do imposto. De todo o modo, e ainda que se entendesse que a recorrente argui a desproporção entre a taxa e a contraprestação do município, a questão não poderia aqui apreciar-se, por a recorrente não indicar, e o processo não fornecer, quaisquer elementos que possam servir de parâmetro para aferir dessa (des)proporcionalidade. 3.3. Mas, verdadeiramente, a questão suscitada pela recorrente tem contornos diversos daqueles que balizaram o que até aqui se afirmou. A recorrente não sustenta que o município lhe não presta quaisquer serviços, afirmando, pelo contrário, que é «utente do sistema público de saneamento básico» (artigo 12° das alegações de recurso). Nem contesta que tal sistema foi instituído pelo município, que o explora e conserva, e que tudo isso implica custos. Consequentemente, também não recusa que, como contrapartida dessa sua utilização, lhe possa ser exigida uma verdadeira taxa. O que diz é que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim cobra, além daquela que nos ocupa, «taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos», como a autoriza o artigo 20° da Lei das Finanças Locais, e «não há qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, que possa justificar a liquidação da ‘taxa de salubridade». Afirma, pois, a recorrente, que já lhe são cobradas taxas (ou tarifas) como contrapartida de todas as prestações que recebe do município: fornecimento de água, esgotos, e recolha de resíduos sólidos. Não havendo outro qualquer serviço, a denominada taxa de salubridade a nenhum corresponde, e outra coisa não é senão um imposto, criado para além da autorização dada pelo artigo 20° da Lei das Finanças Locais. Vale aqui a certeira observação do Exmº. Procurador-Geral Adjunto: se for verdadeira a afirmação da recorrente, então poderemos estar perante um caso de dupla tributação, isto é, o município está a tributar por duas vezes, com taxas diferentes, e com fundamento em normas diversas, o mesmo facto tributário. Mas a dupla tributação, que «configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias» (José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 230/231), não integra o elenco dos vícios invalidantes do acto tributário. E não prejudica a verificação, como acontece no caso, da existência de um sinalagma entre o serviço prestado ao sujeito passivo e a taxa liquidada a esse propósito. De todo o modo, não vem estabelecido, em sede factual, que à recorrente tenham sido liquidadas, relativamente ao mesmo período temporal, e a pretexto da mesma prestação de serviços, outras taxas além da impugnada. Daí a improcedência, também, deste fundamento.». É esta jurisprudência que aqui se reitera, até porque o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a conformidade constitucional do artigo 7º do questionado Regulamento do Município da Póvoa de Varzim, designadamente nos acórdãos proferidos em 16/11/2005, no Processo nº 1094/04 (acórdão nº 652/2005) e em 17/01/2006, no Processo nº 720/05 (acórdão nº 52/2006), tendo concluído no sentido de que tal norma não viola a Constituição da República Portuguesa, com a seguinte fundamentação (cfr. acórdão nº 52/06): «... 2. Da leitura dos preceitos transcritos ressalta, desde logo, a circunstância de, nas referências ao tributo em causa, ser utilizada quer a expressão taxa quer a expressão tarifa. Não impressiona, porém, do ponto de vista da questão a resolver, tal duplicidade de designação. Como se escreveu no Acórdão n.º 76/88 (Diário da República, I Série, de 21 de Abril de 1988): «(...) a tarifa, no campo das finanças locais [não se] delineia como uma figura tributária em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples taxa, embora taxa sui generis, cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada (...). A tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa, e nada mais». 3. Não oferece dúvida que, caso venha a concluir-se estar em causa um imposto, a norma se apresentará ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 103º, nºs 2 e 3, e 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP). Na verdade, a matéria de criação de impostos e sistema fiscal integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estando em absoluto vedado às autarquias locais, através dos seus órgãos, a intervenção normativa neste âmbito. Por esta razão, já o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de diversas normas criadas pelos municípios, considerando que, pese embora não assumissem tal denominação, estavam em causa verdadeiros impostos (assim, v.g., Acórdãos n.ºs 313/92, 63/99 e 113/04, Diário da República, II Série, respectivamente de 18 de Fevereiro de 1993, de 31 de Março de 1999 e de 31 de Março de 2004). Por outro lado, também é isento de dúvida que assiste às autarquias o poder de criarem e cobrarem taxas, que constituem receitas próprias, pelos serviços por si prestados (artigo 238º, nºs 1, 3 e 4, da CRP e 19º e 20º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto). 4. A extensa jurisprudência do Tribunal Constitucional que analisou já a questão da distinção entre taxa e imposto, tem vindo a eleger como critério distintivo entre as duas figuras a nota da sinalagmaticidade. Enquanto o imposto tem carácter unilateral, a taxa apresenta-se sempre com a característica da bilateralidade. Deste critério dá conta, entre vários outros, o Acórdão n.º 115/02 (Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002): «O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa. O critério básico de diferenciação com que tem operado consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático. Assim, a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública. Como se escreveu no acórdão n.º 558/98, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Novembro de 1998, que se debruçou sobre a natureza jurídica das “taxas de publicidade” previstas em regulamento de taxas e licenças municipais, a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida do ente público, sendo entendimento da doutrina que “são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares” (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, págs. 252 e segs. e “Noção Jurídica de Taxa”’ in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, págs. 289 e segs.; Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, “Os Conceitos de Taxa e Imposto A Propósito de Licenças Municipais”, in Fisco, n.ºs 51/52, págs. 3 e segs.). Mas, como então se escreveu, “quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção – in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade – só pode configurar-se como “taxa” se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (v. autores por último citados e Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol. 1, p. 33, que, em vez de bens semipúblicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros)”». Importa também ter presente que o Tribunal tem vindo a referir, embora nem sempre em decisões unânimes, outras notas na definição do critério distintivo procurado. Assim, para qualificação do tributo, entendeu-se que não é relevante a designação adoptada pelo autor da norma (Acórdãos n.ºs 29/83 e 357/99, Diário da República, II Série, respectivamente, de 23 de Abril de 1984 e de 2 de Março de 2000); que, no que concerne ao sinalagma, este não tem que corresponder a uma equivalência económica entre as prestações, mas antes apenas a uma equivalência jurídica (para além do já referido Acórdão n.º 76/88, cfr. os arestos com os n.ºs 205/87 – Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987 –, e 410/00 – Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 2000); que não é necessária a utilização efectiva e imediata da prestação em causa, bastando a possibilidade da sua utilização (Acórdãos n.ºs 357/99 e 410/00, já citados); finalmente, que deve utilizar-se na distinção um critério funcional, que atenda aos fundamentos e objectivos constitucionais da reserva de lei (Acórdãos n.ºs 1108/96, Diário da República, II Série, de 20 de Dezembro de 1996 e 410/00, já mencionado). 5. No caso presente, uma primeira aproximação ao conteúdo da norma em causa pode fazer-se pela negativa, partindo de uma leitura conjunta das normas transcritas do Regulamento e do Tarifário. Na verdade, deste ponto de vista, é possível identificar, desde logo, o que não é a tarifa de salubridade: ela não corresponde nem ao valor do consumo de água, nem ao da drenagem de esgotos, nem ao da recolha de resíduos sólidos (ponto 12. das Normas Tarifárias); tão pouco corresponde ao valor de qualquer serviço específico, identificado no ponto 13. das mesmas normas (de que são exemplo a limpeza de fossas, a desobstrução de colectores e caixas particulares e a desinfecção de cisternas). Também resulta líquido, agora já face ao teor da norma, mas ainda considerando os demais preceitos, que o tributo em causa, tendo sido criado no âmbito do saneamento básico, não se reporta apenas ou ao fornecimento de água ou à drenagem de esgotos, estando, contudo, relacionado com estas duas vertentes do saneamento básico. Neste sentido, depõe a inserção sistemática da referência à tarifa nas disposições comuns e, depois, o teor do artigo 16º, n.º 3, do Regulamento, inserido no Capítulo relativo a fornecimento de água e drenagem de águas residuais. 6. A norma em causa refere que a tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização. Face à delimitação efectuada, é ainda possível descortinar a que se refere a norma em análise? A resposta não pode deixar de ser positiva, não acompanhando, por conseguinte, a conclusão da decisão recorrida, no sentido de que «não se pode definir qualquer contrapartida directa, a um sujeito passivo em concreto, à qual possa corresponder uma taxa de salubridade». De facto, importa considerar, como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, em termos que, nesta parte, se têm por inteiramente transponíveis para a situação dos autos, que não invalida a conclusão de que se está perante uma taxa. «(...) o facto de a parcela em causa da “tarifa de saneamento” (...) se destinar a financiar os encargos de exploração e de administração dos respectivos serviços, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. De um lado, porque, como atrás se notou, o decisivo, neste campo, não é o destino financeiro da receita, mas a prestação ou não do um serviço. E, de outro lado, porque, se tal destinação tivesse ainda aqui algum relevo, então sempre se observaria que o custo da reintegração do equipamento é ainda custo do serviço, como, aliás, era reconhecido expressamente pelo artigo 9º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 98/84, e continua a sê-lo pelo artigo 12º, n.º 2, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, que praticamente o reproduz (neste sentido, v. ainda Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., t. II, p. 1060, que, significativamente, e a este respeito, escreve: “Os preços das prestações dos serviços públicos são calculados a partir do custo de produção, mas acrescentando a este os encargos gerais e administrativos, de maneira a cobrir os gastos de exploração e de equipamento do serviço”)» (itálico aditado). Também no caso presente se considera que os custos de exploração e conservação dos sistemas são ainda custos dos serviços (de saneamento básico). Aliás, a Lei n.º 42/98, que revogou a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, mencionada na decisão citada, continua a sustentar, de forma expressa, a doutrina que se extrai do aresto, estabelecendo, no n.º 3 do seu artigo 20º, que «As tarifas e os preços, a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados, não devem, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços» (itálico aditado). Acresce que a leitura do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, que aprova o regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais, revela esses outros encargos, com evidente expressão económica, que não se reconduzem ao mero custo do fornecimento da água. Estabelece, designadamente, que cabe à entidade gestora dos sistemas públicos, nomeadamente aos municípios (artigo 4º, n.º 2), providenciar pela elaboração dos estudos e projectos dos sistemas públicos; promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final de águas residuais e de lamas; submeter os componentes dos sistemas de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, antes de entrarem em serviço, a ensaios que assegurem a perfeição do trabalho executado; garantir que a água distribuída para consumo doméstico, em qualquer momento, possua as características que a definam como água potável e, ainda, promover a instalação, substituição ou renovação dos ramais de ligação (artigo 4º, n.º 3, alíneas b), c), d), e) e h)). Tais encargos, sendo necessários para a prestação dos serviços em causa, para a garantia da sua continuidade e qualidade, são diversos do mero valor, v.g., da água fornecida. Daí que, no Regulamento em apreço, apenas a denúncia do contrato de saneamento, não a suspensão do fornecimento de água, determine a cessação do seu pagamento (artigo 16º). Em reforço do carácter sinalagmático do tributo em causa, importa considerar, também, a respectiva fórmula de cálculo, por referência ao consumo de água. Na verdade, existe «afectação das condições de fornecimento de água (o seu aprovisionamento e tratamento), através da medida da solicitação do seu fornecimento (...). É assim claro que quem mais consome mais exige da empresa que fornece um bem relativamente escasso e dispendioso, na perspectiva do tratamento e distribuição de tal bem (...)» (Acórdão n.º 1108/96, já referido). Finalmente, diga-se, ainda, acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 357/99 (já citado), que a circunstância de a exploração e conservação dos sistemas poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível). Reconhecido o carácter sinalagmático do tributo criado pela norma em apreciação nos presentes autos de recurso, resta, pois, afirmar, como bem sustenta o Ministério Público, que a mesma não viola a Constituição.». Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso. * * * Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 4 UC. Porto, 26 de Abril de 2006 Dulce Manuel Neto Fonseca Carvalho Valente Torrão |