Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00308/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2006
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:RECURSO COM “QUESTÕES NOVAS” - ART. 13.º N.º 1 CPT - TIPOS DE RESPONSABILIDADE - PROCESSO TRIBUTÁRIO E CÓDIGO CIVIL
Sumário:1. O móbil da defesa empreendida pela oponente nenhuma invocação fez de questões relacionadas com a sua representação, por parte de Helena , enquanto presidente do Conselho de Administração/CA da sociedade inicialmente executada, nomeadamente, aí colhendo apoio para questionar e impedir a reversão de que foi objecto. Implicantemente, quando, nas conclusões de recurso, invoca tal circunstancialismo e colige uma série de óbices colhidos a partir do disposto no art. 390.º n.º 4 Cód. Soc. Com./CSC, está a inovar, provoca uma discussão sem precedentes nos autos.
2. Nesta conformação, as questões agora colocadas nas versadas conclusões deste recurso jurisdicional revestem-se de novidade, por não suscitadas expressamente em momento anterior do processo e por forma a que sobre as mesmas se debruçasse o julgamento levado a cabo na 1.ª instância. Portanto, na medida em que estamos em presença de “questões novas”, está este tribunal de recurso impedido de as apreciar e decidir.
3. Na lição esclarecida e pertinente de Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, pág. 91/92, “O recurso destina-se a modificar a decisão e não a criar decisões sobre matéria nova (…). O tribunal de recurso apenas se pronuncia sobre factos alegados objecto de anterior julgado; não pode discutir questões que não hajam sido previamente apreciadas (…), salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso (…); o objecto do recurso é limitado à decisão impugnada (…)”.
4. Retira-se do art. 13.º n.º 1 CPT, com expressividade, a conclusão de que os administradores são subsidiariamente responsáveis em relação às sociedades de responsabilidade limitada em que exerçam funções de administração e solidariamente entre si (grifamos) “por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo…”.
5. Em face desta normação, podemos afirmar constituir especialidade, especificidade, do regime da versada responsabilidade dos administradores pelo pagamento de dívidas tributárias, nomeadamente, de sociedades de responsabilidade limitada, a de que antes de existir responsabilidade solidária entre os administradores é necessário e imprescindível que ocorra responsabilidade, que é subsidiária, destes, em relação às pessoas colectivas.
6. A responsabilidade solidária existe e é afirmada aqui, mas, somente, num segundo plano, entre responsáveis subsidiários. Primeiramente, a responsabilidade é subsidiária em relação ao responsável originário e uma vez efectivada, para o que é suficiente, neste quadrante, a inexistência ou insuficiência dos bens deste (responsável originário) para satisfação das obrigações tributárias – cfr. art. 239.º n.º 2 als. a) e b) CPT, qualquer dos responsáveis subsidiários pode ser demandado pela totalidade da dívida, na medida em que todos são igualitariamente, solidariamente, responsáveis.
7. Não fora o versado art. 13.º n.º 1 apontar e rotular de solidária a responsabilidade entre os responsáveis subsidiários, na medida em que a solidariedade de devedores só existe quando, destacadamente, resulte da lei - cfr. art. 513.º CC, tal responsabilidade, por obrigações plurais, só poderia assumir a feição de conjunta; por definição, são conjuntas as obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou do crédito comum.
8. Não obstante a indicação de que os administradores são solidariamente responsáveis entre si, esta solidariedade não se configura nem funciona nos estritos moldes em que se encontram reguladas, no âmbito do direito civil, as “obrigações solidárias”. Nomeadamente, se, uma vez comprovada a inexistência ou insuficiência de bens do responsável originário para satisfação das obrigações tributárias, qualquer dos responsáveis subsidiários, isto é, administradores e gerentes, pode ser demandado pela totalidade da dívida, estamos defronte de um regime jurídico especial, necessariamente, excludente da previsão e do funcionamento de regras limitadoras da possibilidade de demanda pela totalidade do débito de cada um dos responsáveis (subsidiários), como seria o caso do art. 519.º n.º 1 CC, trazido ao areópago pela recorrente.
9. Sem prejuízo de o art. 2.º CPT (tal como o equivalente art. 2.º CPPT) poder, assumindo-se conter uma indicação de leis subsidiárias meramente exemplificativa, legitimar a aplicação, no processo tributário, de normas depositadas no Código Civil, tal possibilidade não implicaria, de todo, aceitar a relevância, neste caso, do regime decorrente da previsão vertida no art. 519.º n.º 1 CC.
10. Resistindo a invocar tudo o já escrito sobre a matéria da integração de lacunas, como, inequivocamente, aponta a redacção daquele art. 2.º, a possibilidade de aplicação supletiva de normas de outros ramos do direito na coutada do direito tributário (fiscal, para alguns) está intrinsecamente ligada e dependente da detecção de um “caso omisso”; grosso modo, da ausência de previsão ou regulamentação própria e suficiente de determinado instituto ou conceito jurídico.
11. Ora, como decorre do supra expendido, a questão da solidariedade entre os responsáveis subsidiários, pelo pagamento de dívidas tributárias contraídas por empresas ou sociedades que administrem, não configura um caso omisso necessitado de integração, para compreensão e funcionamento, mediante a actuação de normas privativas de outras áreas jurídicas, máxime, do direito civil. O universo legislativo que regula as relações de matriz tributária, encerra normas próprias para atingir o alcance e fazer actuar, casuisticamente, tal forma de responsabilização pelo pagamento daquelas específicas dívidas.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO
IMAF , S.A., contrib. n.º e com os demais sinais constantes dos autos (representada pelo seu administrador JOAQUIM ), recorre da sentença, proferida no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, que julgou não provada e improcedente oposição, que deduziu, a execução fiscal contra si revertida para cobrança coerciva de dívidas fiscais da devedora originária CM – , S.A.
As competentes alegações de recurso mostram-se acompanhadas das seguintes conclusões: «
1- No quadriénio 1993/1996 a administração da sociedade principal obrigada CM - Carpintarias da Maia S.A. tinha como Presidente do Conselho de Administração a aqui oponente Imafil representada nos termos do n° 4 do artº 390 do Cód. das Sociedades Comerciais por Helena .
2- A pessoa colectiva, que seja administradora responde solidariamente com a pessoa designada pelos actos desta;
3- Nos termos, ainda do n° 4 do referido art° 390, a pessoa colectiva designada como administradora, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio.
4- Tendo esta nomeação recaído em Helena , foi esta quem no quadriénio equacionado na sentença exerceu o cargo (de administradora) em nome próprio.
5- Quem foi investida na função de Presidente do Conselho de Administração das CM - S .A., consequentemente, foi Helena , que exerce tal cargo em nome próprio.
6- A culpa funcional radica em quem exerce de facto o cargo em nome próprio.
7- A relação jurídica obrigacional resultante do acima exposto é trilateral, na medida em que só ocorre responsabilidade solidária da pessoa colectiva se, quando e na medida em que os actos praticados pela pessoa singular que exerce o cargo de administrador em nome próprio, sejam ilícitos e culposos.
8- A ilicitude e a culpa só se presume após o exercício do direito à reversão, art° 13 do C. Proc. Tributário.
9- Nunca foi exercido o direito à reversão contra a Helena , pelo que
10- Nenhum acto de administração por esta praticado poderá ser qualificado como sendo ilícito ou culposo.
11- De fls. 47, resulta, com efeito, que a reversão apenas foi actuada contra Joaquim Rui Nunes Magalhães, Feralmaia - Oficinas de Ferro Alumínio da Maia Lda e contra a oponente.
12- A culpa na insuficiência do património para satisfação dos créditos fiscais não se presume quando a administração é exercida por intermédio de outra pessoa jurídica, essa sim, justamente sancionada com a presunção.
13- Não foi a oponente (tal resulta da lei) quem praticou qualquer acto ou omissão de que tenha resultado a diminuição do património social a consequente insuficiência do mesmo para satisfação da dividas exequendas (tais actos a serem praticados foram-no por Helena que administra em nome próprio).
14- O exequente ao renunciar - como o fez - ao exercício do direito à reversão sobre Helena , renuncia por lógica legal à reversão sobre a pessoa colectiva nomeante - (que só responde pelos actos desta e nos termos da parte final do n° 4 do art° 390 do C. Soc. Com.).
15- Ao caso dos autos aplica-se o disposto no n° 1 do art° 519 do Cód. Civil, por via do qual quando o credor exige judicialmente a um dos devedores solidários a totalidade ou parte da prestação fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha sido exigido, salvo se houver razão atendível.
16- Resulta dos autos que antes de ter exigido judicialmente à oponente a quantia exequenda a titulo subsidiário e solidário, já o tinha sido exigido a outros devedores solidários: Joaquim Rui Nunes Magalhães e a Feralmaia Oficinas de Ferro Alumínio da Maia Lda, processo este de que estava inibido o exequente.
17- O art° 2° do Código de Processo Tributário, não exclui que o regime da solidariedade e da sua demanda e o regime da representação das pessoas colectivas seja regulado pelo Cód. Civil e pelo Cód. das Sociedades Comerciais.
18- A interpretação contrária contende com os princípios constitucionais consagrados nos art°s 115, n° 5 e 20 da CRP.
19- A, aliás, muita douta sentença, por ofensa aos preceitos acima mencionados, deverá ser revogada.
Como é de Justiça ».
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto produziu parecer apontando, em resumo e com proeminência, que “no caso em apreço, as matérias versadas nas alegações e respectivas conclusões configuram-se como questões novas”. Consequentemente, propõe que se mantenha inalterada a sentença recorrida.
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Colhidos os competentes vistos, cumpre apreciar e decidir (as questões que infra se relevarão).
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença em apreciação elencou como provados os seguintes factos: «
- A dívida exequenda refere-se a juros compensatórios de 1996, imposto sobre o valor acrescentado de 1997 e custas, no valor global de 8 703 587$00, devidos pela empresa CM – , S.A., com sede na Rua do Outeiro, nº 762, Gemude, Maia;
- Para cobrança coerciva do referido montante, foi instaurada a execução fiscal n° 1805 -97/103015.9, em 17 de Fevereiro de 1997, tendo este processo sido objecto de várias apensações de outras execuções fiscais;
- Constatada a falta de bens penhoráveis da empresa originária devedora em 9 de Dezembro de 1998, foi ordenada em 29 de Agosto de 2001 a notificação dos responsáveis subsidiários da empresa originária devedora do projecto de decisão de reversão da execução contra eles, nos quais se mostrava incluída a oponente, com expressa referência de preclusão do direito de audição se não exercido no prazo assinalado;
- Decorrido esse prazo, por nada ter sido apresentado foi a oponente citada para os termos da execução em 28 de Setembro de 2001, fls. 51;
- A oponente e a empresa executada, juntamente com outras faziam parte de um grupo de empresas de que a oponente era o accionista maioritário;
- Durante os anos de 1996 e 1997, o Conselho de Administração da empresa executada era presidido pela oponente e integrado pela empresa Feralmaia - Oficina de Ferros e Alumínios da Maia, Ld.ª;
- Todas as empresas do grupo se defrontaram com dificuldades económicas e financeiras durante os anos a que respeitam as dívidas exequendas;
- A empresa executada, por razões não completamente esclarecidas mas que terão a ver com problemas financeiros de outras empresas do mesmo grupo deixou de poder socorrer-se do crédito bancário e passou a adquirir as suas matérias-primas com cheques pré-datados;
- Porque existe uma forte concorrência entre as carpintarias a empresa executada teve que descer os seus preços e as suas margens de lucro;
- A oposição foi instaurada em 26 de Outubro de 2001; ».
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Ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, por documentados nos autos e com interesse para a decisão a proferir, a estes, aditam-se os seguintes factos:
- Os juros compensatórios que integram a dívida exequenda são relativos ao ano de 1996, ascendendo a 5.992$00;
- As custas e outros encargos resultaram de condenação proferida no processo de anulação de venda n.º 2/96, do T.T. de 1.ª Instância do Porto, na importância total de 99.412$00, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 18.2.1997;
- O IVA em dívida é referente aos meses de Janeiro a Abril de 1997, totalizando 8.598.183$00.
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Ponderado o conteúdo das conclusões 1 a 14 deste recurso e efectivado o seu confronto com, em primeira linha, o alegado nos diversos artigos que integram a petição inicial deste processo de oposição a execução fiscal, constata--se assistir plena razão ao Exmo. PGA, quando se pronuncia no sentido de que as matérias em apreço configuram “questões novas”.
A análise circunstanciada do articulado inicial, nítida e objectivamente, permite, desde logo, conferir que em nenhum dos seus artigos é feita qualquer alusão à constituição do Conselho de Administração/CA da oponente “Imafil”, bem como da sociedade originária devedora, jamais é invocada a identidade do respectivo presidente, destacadamente, no quadriénio 1993/1996 e muito menos, em algum momento, se traz à liça discussão envolvendo a responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, por parte da sociedade administradora (Imafil), destacadamente, na perspectiva de que a mesma não podia ser actuada sem a prévia convocação da identificada Helena , na condição de pessoa singular nomeada, pela Imafil, para exercer o cargo de administradora da executada inicial (CM – , S.A.).
Embora se detecte confusão, no alegado na p.i., entre a actuação da sociedade oponente (Imafil) e do seu administrador Joaquim Rui Nunes Magalhães Também, expressamente, anotada na sentença recorrida, mas aí devidamente esclarecida no sentido de que “… o Sr. Joaquim Rui Nunes Magalhães não foi citado para a execução enquanto pessoa singular mas na qualidade de administrador da empresa IMAFIL que, por sua vez administrava a executada. Invocando esta mesma qualidade foi deduzida a oposição, necessariamente para colocar em juízo uma pretensão da empresa Imafil e não uma pretensão do seu administrador”., perscrutada a matéria de facto (bem como o direito) vertida nos respectivos arts. 1º a 29º, com limpidez se detecta haver sido desiderato daquela suportar a sua defesa e sustentar a respectiva não responsabilização pelo pagamento da dívida exequenda na ausência de um dos pressupostos, da reversão, previstos no art. 13.º n.º 1 CPT; concretamente, apontou a falta de culpa sua (da oponente) “na diminuição do património social a ponto de este se ter tornado insuficiente para a satisfação do crédito exequendo”.
Após assumir o exercício efectivo, subentende-se sem esforço, da administração, da sociedade primeiramente executada, pautado pelo rigor – cfr. arts. 17º e 18º da p.i., a oponente apresentou uma série de factos idóneos a demonstrar a não prática de actos ou omissões provocantes de qualquer diminuição do património social da sociedade executada de início – cfr. arts. 21º a 29º da p.i. Sucede que, uma vez produzida toda a prova que se propôs, a oponente não logrou comprovar e permitir a assunção de factualidade suficiente para que pudesse ser aceite, juridicamente, a propalada ausência de culpa na constatada, pelos serviços tributários, insuficiência patrimonial, castrante da possibilidade de satisfação integral das dívidas exequendas por parte da sociedade originariamente demandada para as solver. Nos termos da sentença recorrida, a “empresa oponente não demonstrou que a sua actuação ao nível do Conselho de Administração da empresa originária devedora foi a gestão adequada, nem demonstrou que as suas opções de gestão daquela empresa nada tiveram a ver com a criação das condições económicas e financeiras que levaram ao não pagamento da dívidas exequendas …”.
Em suma, o móbil da defesa empreendida pela oponente nenhuma invocação fez de questões relacionadas com a sua representação, por parte de Helena , enquanto presidente do CA da sociedade inicialmente executada, nomeadamente, aí colhendo apoio para questionar e impedir, “por lógica legal”, a reversão de que foi objecto. Implicantemente, quando, nas conclusões acima referenciadas, invoca tal circunstancialismo e colige uma série de óbices colhidos a partir do disposto no art. 390.º n.º 4 Cód. Soc. Com./CSC, está a inovar, provoca uma discussão sem precedentes nos autos.
Nesta conformação, as questões agora colocadas nas versadas conclusões deste recurso jurisdicional revestem-se de novidade, por não suscitadas expressamente em momento anterior do processo e por forma a que sobre as mesmas se debruçasse o julgamento levado a cabo na 1.ª instância. Portanto, na medida em que estamos em presença de “questões novas”, está este tribunal de recurso impedido de as apreciar e decidir. Efectivamente, na lição esclarecida e pertinente de Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, pág. 91/92, “O recurso destina-se a modificar a decisão e não a criar decisões sobre matéria nova (…). O tribunal de recurso apenas se pronuncia sobre factos alegados objecto de anterior julgado; não pode discutir questões que não hajam sido previamente apreciadas (…), salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso (…); o objecto do recurso é limitado à decisão impugnada (…)”.
Ainda que este obstáculo intransponível não existisse, sem prolongamentos, permitimo-nos deixar duas notas sobre a irrelevância ou a diminuta força excludente de responsabilidade que poderia ser atribuída à matéria aprecianda.
Por um lado, mesmo que a tese e o entendimento veiculados pela oponente fossem aceites, na medida em que o grosso, em termos monetários, da dívida exequenda se reporta ao ano de 1997 (8.697.595$00 para 8 703 587$00), de nada relevaria a configuração da administração da sociedade principal obrigada no quadriénio 1993/1996.
Doutra banda, o convocado art. 390.º n.º 4 CSC, ao invés das consequências que a oponente pretendeu retirar, embora afirme que a pessoa singular exerce o cargo de administrador “em nome próprio”, não afasta a responsabilidade solidária da pessoa colectiva pelos actos do administrador que designa, nomeia Neste sentido, lobrigamos a pronúncia de Pinto Furtado, Código das Sociedades Comerciais, 4.ª Edição …, pág. 356.. Outrossim, sempre na avaliação da novel questão suscitada pela oponente se impunha ter presente e, eventualmente, consequenciar a doutrina dimanada do douto Ac. STA de 21.5.1997, rec. 18 907 no sentido de que “Tendo o oponente sido nomeado representante de uma sociedade para gerir outra de que aquela era sócia não era aquele gerente de direito nem exerceu de facto a gerência desta, uma vez que apenas actuou como mandante da primeira sociedade”.
Nas conclusões 15 a 17, a Recorrente/Rte, na esteira do que já havia feito nos arts. 30º a 34º da p.i., invoca a aplicabilidade, ao caso dos autos, do disposto no art. 519.º n.º 1 Cód. Civil/CC, o que não tendo sido respeitado, porquanto o exequente exigiu judicialmente a quantia exequenda à oponente quando já o havia feito em relação a outros devedores solidários, redundou na prática de ilegalidade, com respeito à reversão da execução contra si operada.
Sendo tautológico afirmar que a responsabilidade da oponente, enquanto administradora da sociedade inicialmente executada, tem, “in casu”, de ser aferida pelo regime positivado no art. 13.º n.º 1 CPT Trata-se de uma norma de direito material (substantivo) que só se aplica às dívidas nascidas após 1.7.1991 – cfr. Ac. STA (Pleno) de 9.7.1997, rec. 16.070., com relevo para apreciar a questão suscitada pela Rte e vinda de enunciar, retira-se deste normativo, com expressividade, a conclusão de que os administradores são subsidiariamente responsáveis em relação às sociedades de responsabilidade limitada em que exerçam funções de administração e solidariamente entre si (grifamos) “por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo…”.
Nitidamente, em face desta normação, podemos afirmar constituir especialidade, especificidade, do regime da versada responsabilidade dos administradores pelo pagamento de dívidas tributárias, nomeadamente, de sociedades de responsabilidade limitada, a de que antes de existir responsabilidade solidária entre os administradores é necessário e imprescindível que ocorra responsabilidade, que é subsidiária, destes, em relação às pessoas colectivas. O administrador, porque responde por dívidas de outrem, suporta, em primeira linha, uma responsabilidade entendida como “subsidiária” - cfr. art. 11.º n.º 1 CPT, a qual se efectiva por reversão do processo de execução fiscal Presentemente, este regime tem reprodução total e equivalente no conjunto normativo que enforma a responsabilidade tributária – cfr. art. 22.º segs. LGT..
Recorrendo a outra formulação, a responsabilidade solidária É seguro e resulta de definição legal abrangente que a “obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera …” – cfr. art. 512.º n.º 1 “parte inicial” do Cód. Civil. existe e é afirmada aqui, mas, somente, num segundo plano, entre responsáveis subsidiários. Primeiramente, a responsabilidade é subsidiária em relação ao responsável originário e uma vez efectivada, para o que é suficiente, neste quadrante, a inexistência ou insuficiência dos bens deste (responsável originário) para satisfação das obrigações tributárias – cfr. art. 239.º n.º 2 als. a) e b) CPT Cfr. arts. 23.º n.º 2 LGT e 153.º n.º 2 CPPT., qualquer dos responsáveis subsidiários pode ser demandado pela totalidade da dívida, na medida em que todos são igualitariamente, solidariamente, responsáveis.
Não fora o versado art. 13.º n.º 1 apontar e rotular de solidária a responsabilidade entre os responsáveis subsidiários, na medida em que a solidariedade de devedores só existe quando, destacadamente, resulte da lei - cfr. art. 513.º CC, tal responsabilidade, por obrigações plurais, só poderia assumir a feição de conjunta; por definição, são conjuntas as obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou do crédito comum Assim, Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6.ª edição, vol. I, pág. 715 segs..
Traçado este roteiro, com facilidade se confere não residir a razão do lado da Rte, quando sustenta a aplicação, na hipótese julganda, do regime decorrente da previsão legal vertida no coligido art. 519.º n.º 1 CC. Tal só seria aceitável e juridicamente correcto se a solidariedade que preside e regula as movimentações entre responsáveis subsidiários (administradores, gerentes …), no âmbito de relações jurídico-tributárias do cariz da visada neste processo, não se apresentasse, por expressa previsão legal, condicionada e predeterminada pela existência de responsabilidade subsidiária relativamente ao devedor inicial.
Ou seja, não obstante a indicação de que os administradores são solidariamente responsáveis entre si, esta solidariedade não se configura nem funciona nos estritos moldes em que se encontram reguladas, no âmbito do direito civil, as “obrigações solidárias”. Nomeadamente, se, como acima constatamos, uma vez comprovada a inexistência ou insuficiência de bens do responsável originário para satisfação das obrigações tributárias qualquer dos responsáveis subsidiários, isto é, administradores e gerentes, pode ser demandado pela totalidade da dívida, estamos defronte de um regime jurídico especial, necessariamente, excludente da previsão e do funcionamento de regras limitadoras da possibilidade de demanda pela totalidade do débito de cada um dos responsáveis (subsidiários), como seria o caso do normativo trazido ao areópago pela Rte.
Diga-se que a aparente violência e discricionariedade detectáveis nesta especificidade do regime de cobrança de dívidas tributárias, por intermédio dos administradores, nomeadamente, de sociedades de responsabilidade limitada, sempre se justificam pela vigência no nosso ordenamento jurídico tributário do “princípio da indisponibilidade dos créditos tributários”, enunciado Também no art. 95.º n.º 2 al. c) da L. 169/99 de 18.9. quando estabelece que são nulos “os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços”. no art. 30.º n.º 2 LGT e aflorado, por exemplo, no art. 85.º n.º 3 CPPT, ao que acresce a segurança resultante de a execução fiscal se extinguir, no estado em que se encontrar, logo que o executado, ou outra pessoa por ele, pague a dívida exequenda e o acrescido Cfr. arts. 260.º n.º 1 al. a) e 343.º CPT; 176.º n.º 1 al. a) e 264.º CPPT., bem como, de constituir expresso fundamento legal de oposição a qualquer execução fiscal “o pagamento ou anulação da dívida exequenda”, que se encontra na disponibilidade de ser actuado, ente outros, pelo responsável subsidiário – cfr. arts. 286.º n.º 1 al. e) CPT e 204.º n.º 1 al. f) CPPT.
Uma derradeira alusão para, atentando no específico conteúdo da conclusão 17, referenciar que, sem prejuízo de o art. 2.º CPT (tal como o equivalente art. 2.º CPPT) poder, assumindo-se conter uma indicação de leis subsidiárias meramente exemplificativa, legitimar a aplicação, no processo tributário, de normas depositadas no Código Civil Contemporaneamente, o art. 2.º al. d) LGT é explícito na possibilidade de aplicação, “às relações jurídico-tributárias”, de tal compêndio civilístico., tal possibilidade não implicaria, de todo, aceitar a relevância, neste caso, do regime recorrente da previsão vertida no art. 519.º n.º 1 CC.
Sem delongas, nomeadamente, resistindo a invocar tudo o já escrito sobre a matéria da integração de lacunas, como, inequivocamente, aponta a redacção daquele art. 2.º, a possibilidade de aplicação supletiva de normas de outros ramos do direito na coutada do direito tributário (fiscal, para alguns) está intrinsecamente ligada e dependente da detecção de um “caso omisso”; grosso modo, da ausência de previsão ou regulamentação própria e suficiente de determinado instituto ou conceito jurídico.
Ora, como decorre do supra expendido, a questão da solidariedade entre os responsáveis subsidiários, pelo pagamento de dívidas tributárias contraídas por empresas ou sociedades que administrem, não configura um caso omisso necessitado de integração, para compreensão e funcionamento, mediante a actuação de normas privativas de outras áreas jurídicas, máxime, do direito civil. O universo legislativo que regula as relações de matriz tributária, encerra normas próprias para atingir o alcance e fazer actuar, casuisticamente, tal forma de responsabilização pelo pagamento daquelas específicas dívidas.
No convencimento de que este entendimento é correcto e de forma alguma contende com princípios constitucionais, particularmente, os subjacentes aos (recorrentes) normativos invocados na conclusão 18, impõe-se concluir que a sentença recorrida, apreciando as questões com que foi confrontada, julgou acertadamente, acerto que não abençoa nenhuma das conclusões deste recurso, o qual, por tal motivo, não pode merecer acolhimento.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, assenta-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente, em ambas as instâncias, fixando-se nesta a taxa de justiça em 4 UC.
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Registe e notifique.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Porto, 12 de Outubro de 2006
Aníbal Augusto Ruivo Ferraz
Dulce Manuel da Conceição Neto
José Maria da Fonseca Carvalho