Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. M .. e mulher M, contribuintes fiscais nºs , respectivamente, residentes , vieram recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo, que julgou improcedente a sua impugnação deduzida contra a liquidação do IRS de 1997, no montante de 1.029.492$00, efectuada pelos Serviços Centrais, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem:
I. A douta sentença impugnada deixou de apreciar os mais variados vícios pelo recorrente apontados ao acto impugnado no seu articulado e que eram susceptíveis de conduzir à sua anulação, pelo que é nula, por omissão de pronúncia.
II. 0 acto impugnado é o acto tributário que a AF praticou, tal como foi praticado, ou seja, com os pressupostos e fundamentação - de facto e de direito - que dele consta, e não qualquer outro, com conteúdo, fundamentação ou sentido distintos.
III. 0 DL 202/96, de 23.10 apenas se tomou aplicável aos processos de avaliação que ocorressem após a sua entrada em vigor, aplicando-se igualmente aos processos em curso a essa data, mas nunca aos processos de avaliação que já tivessem sido concluídos, como era o caso dos impugnantes.
IV. Tal diploma não anulou as avaliações feitas anteriormente à sua vigência nem veio consagrar qualquer obrigatoriedade da sua confirmação, como seria de esperar se a intenção do legislador fosse a de que o diploma deveria abranger as avaliações anteriormente feitas.
V. Os impugnantes já fizeram a prova da sua incapacidade permanente superior a 60% perante a AF, não tendo, por isso, que fazer nova prova.
VI. À data em que entrou em vigor o D.L. nº 202/96, já havia nascido na esfera jurídica dos recorrentes o direito ao benefício fiscal em causa nos autos, porque já se encontrava comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (a incapacidade permanente igual ou superior a 60%) pelo atestado médico respectivo, passado pela entidade competente, no domínio da lei vigente e de acordo com esta.
VII. Passando a grosseria da comparação entre as situações, nomeadamente em função da matéria por ambas abrangida, a exigência de nova prova da incapacidade seria idêntica à que pretendesse que todos os condutores tivessem de fazer novos exames de condução e tivessem de obter novas cartas de condução de cada vez que a respectiva lei fosse alterada e que fossem introduzidos novos critérios ou novas formas de avaliação dos candidatos nos exames de condução.
VIII. A exigência de novos atestados médicos resultaria na revogação ou anulação de um direito já adquirido pelo impugnante.
IX. A própria AF, através da circular nº. 28/90, de 22.06, da DGCI, estabeleceu a forma como a prova da incapacidade devia ser feita perante si própria, pelo que, tendo sido ela a estabelecer as regras, os recorrentes nada mais fizeram do que cumprir essas regras.
X. A AF não adoptou um procedimento generalizado em relação à totalidade dos contribuintes, antes tendo investido apenas em relação aos contribuintes de Viana do Castelo e de Braga e, mesmo assim, apenas em relação àqueles que adquiriram o benefício fiscal referido nos autos posteriormente a 1994, alheando-se do resto do País e dos contribuintes que adquiriram o mesmo beneficio anteriormente a 1994, o que constitui manifesta violação do principio da igualdade.
XI. Em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da reserva de lei formal, o que implica necessariamente que, nessa matéria, a competência para a definição dos respectivos pressupostos cabe à Assembleia da República ou ao Governo mediante a respectiva autorização legislativa.
XII. As circulares não constituem lei nem têm força vinculativa- externa, sendo simples regulamentos interpretativos internos que apenas vinculam na cadeia hierárquica de que dimanam.
XIII. O sujeito passivo não tem de requerer previamente a concessão deste beneficio, por estarmos perante um beneficio automático, pelo que o mesmo nasce automaticamente da lei, logo que esteja fixada pela entidade competente a incapacidade do cidadão contribuinte em grau adequado a tal efeito (igual ou superior a 60%).
XIV. Como vem decidindo este Venerando Tribunal, ainda que o direito ao benefício fiscal em causa tenha por fonte ou causa a lei e não o referido acto de avaliação, este integra ainda o processo constitutivo do referido direito, pois configura uma pronúncia pericial indispensável e determinante da verificação do facto constitutivo, sem a qual o titular do direito, não fica constituído naquele e não o poderá exercer, não se tratando, assim, de um mero acto instrumental, sem valoração própria.
XV.O acto de avaliação goza de autonomia relativamente ao acto tributário de liquidação, pela distinta natureza dos elementos normativos que visa concretizar, o que não exclui uma relação de prejudicialidade, pelos efeitos modificativos que pode produzir naquele, sendo que a actividade posterior exigida ao titular do direito para que ele se torne eficaz é que já não se situa no campo da constituição do direito, mas sim no campo do seu exercício, não havendo que confundir os requisitos de constituição de um direito com os requisitos da sua eficácia.
XVI. A AF está sujeita ao princípio da legalidade, devendo inteira obediência à Constituição e à lei, não podendo desconhecer e desrespeitar o valor e limites do caso decidido ou caso resolvido, pondo em causa, em qualquer momento, a estabilidade dos actos administrativos e valores fundamentais do Direito como são a Certeza e a Segurança.
XVII. O exame e atestação de uma certa incapacidade permanente, em face do acto tributário subsequente praticado pela Administração Fiscal constitui um acto autónomo que, em direito tributário, é um acto prejudicial em sentido técnico.
XVIII. A Administração Fiscal não tem competência em matéria de saúde, não estando o atestado médico passado pela entidade competente não sujeito à livre apreciação da Administração Fiscal.
XIX. Com o requerimento feito pelo interessado à autoridade de saúde inicia-se um procedimento administrativo, no qual tem lugar uma prova pericial e que culmina com um acto administrativo praticado pela autoridade de saúde, de posse do qual o contribuinte vai reivindicar o seu direito junto da AF.
XX. O acto da autoridade de saúde, como acto prejudicial que é, pertencendo a outra autoridade diferente da autoridade fiscal, precedendo o acto tributário, implica que quem pratica este deve conformar-se com a decisão dada pela autoridade de saúde, dado o carácter técnico das questões ou interesses em causa, devendo impugná-lo contenciosamente, no caso de entender que o mesmo padece de invalidade, por se tratar de acto susceptível de impugnação judicial directa, independente do acto prejudicado, sob pena de preclusão do respectivo conhecimento.
XXI. Se o acto prejudicial é estranho à Administração Fiscal, cabe recurso contencioso do mesmo para os Tribunais Administrativos.
XXII. No caso, nem a AF nem ninguém impugnou contenciosamente o referido acto prejudicial no prazo legal, nem ninguém o revogou ou arguiu de falso, pelo que o mesmo se firmou na ordem jurídica como um caso decidido ou caso resolvido, com valor de caso julgado, estando a AF legalmente obrigada a respeitá-lo integralmente.
XXIII. O acto da entidade de saúde, como acto administrativo que é, goza da presunção de verdade e de legalidade, sendo obrigatórios, quer para os particulares, quer para a Administração, pelo que de modo algum poderia a AF, sem sindicar o acto pela via contenciosa, destruir essa presunção.
XXIV.O acto impugnado, com o sentido e alcance que lhe é dado na douta sentença recorrida constitui flagrante violação do princípio da confiança e da protecção das expectativas dos cidadãos.
XXV. Ao actuar como actuou relativamente ao ano de 1994, a AF criou a inúmeros contribuintes a quem expressamente reconheceu o direito ao beneficio fiscal em causa e a quem, em consequência, devolveu oficiosamente, sem nada questionar, uma parte do imposto que haviam pago, a expectativa séria na manutenção de tal beneficio nos anos seguintes, em função do que muitos adquiriram habitação própria com um juro altamente bonificado e que, na grande maioria dos casos, a taxa de juro normal seria insuportável, vendo-se agora na situação de serem eles a pagar com os pretensos erros da AF, com as mudanças de critério e com a violação do principio referido na conclusão anterior.
XXVI. No sentido defendido no presente recurso se pronunciou já a Secção do Contencioso Tributário, em Pleno, do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, no Recurso nº. 24.305, em caso semelhante ao dos presentes autos.
XXVII. O artº 14º nº 7 do CIRS não tem aplicação na situação dos autos.
XXVIII. O preceito em causa, ao integrar as regras de incidência do CIRS, nunca terá aplicação aos rendimentos respeitantes aos benefícios fiscais, dado que estes são rendimentos isentos nos termos do EBF, os quais, por via disso, passam à margem das regras de incidência (reais e pessoais) estabelecidas no CIRS.
XXIX. Relativamente aos rendimentos objecto de benefícios fiscais não pode legitimamente falar-se em rendimentos relevantes para efeitos de tributação, já que estamos perante uma isenção estabelecida, não pelo CIRS, mas antes por um diploma específico (o EBF).
XXX. Não havendo no CIRS qualquer norma que subtraia os benefícios fiscais às regras de incidência, estas regras já não os podem abarcar, sob pena de passarem a ser relevantes para efeitos de tributação, passando a ser tidos em linha de conta no apuramento do IRS, o que configuraria manifesta ilegalidade, sendo assim, manifesto que o benefício fiscal em causa passa à margem das regras de incidência do IRS e, como tal, não é relevante para efeitos de tributação, pelo que não é aplicável, nesta matéria, o disposto no artº 14º nº 7 do CIRS.
XXXI. A situação pessoal e familiar prevista na norma do artº 14º nº 7 do CIRS tem apenas a ver com o estado civil do sujeito passivo e com o número de membros do seu agregado familiar, de modo algum abrangendo tal preceito as situações de deficiência dos sujeitos passivos.
XXXII. Salvo o devido respeito foram violadas, entre outras, as disposições dos artºs. 660º/2 e 668º/1/d) do CPC, 10º/1, 11º, 12º/4 e 44º do EBF, 13º, 106º/2, 168º/1,i) e 2 e 266º/2 da CRP, 16º, 17º a) e b) e 144º/1 do CPT e 7º/1 e 2 do DL 202/96, de 23.10.
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a impugnação totalmente procedente.
2. O Ex.mo Magistrado do MºPº, no seu parecer de fls. 113, entende que o recurso não merece provimento.
3. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4. Com interesse para a decisão estão provados os seguintes factos que o Mmº Juiz “a quo” fixou na sentença:
a) Os ora impugnantes apresentaram em devido tempo a declaração dos rendimentos auferidos no ano de 1997.
b) Nessa declaração ficou consignado que a impugnante era portadora de uma invalidez permanente de grau igual ou superior a 60%
c) A Administração Fiscal não considerou provada essa invalidez e procedeu à alteração dos elementos declarados através do despacho cujo teor consta de fls. 42 que aqui se dá por reproduzido.
d) Na sequência foi efectuada a liquidação cuja nota demonstrativa consta dos autos e que se dá por reproduzida e que ora se encontra sob impugnação.
e) Como comprovativo da incapacidade permanente que alegaram, os impugnantes juntaram o atestado médico que se encontra nos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Atento o disposto no artº 712º, nº 1 a) do CPC e por se julgar relevante para a decisão, adita-se ainda o seguinte facto provado nos autos:
f) Os recorrentes apresentaram declaração emitida em 3.4.97 na qual se declarava que o atestado emitido em 17.5.95 pela Autoridade de Saúde do Concelho de Viana do Castelo mantinha a sua validade, visto não ter sido revogado tal acto administrativo (V. doc. de fls. 33 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. As questões suscitadas no presente recurso foram já objecto de apreciação e decisão, quer por parte do STA, quer do TCA.
No acórdão de 16 de Outubro de 2001 - Recurso nº 5640/2001, foi tratada questão exactamente idêntica à dos presentes autos e com alegações “ipsis verbis”. Não existindo razões para adoptar decisão diversa, aliás repetida em muitos e posteriores arestos do STA e do TCA, iremos aqui reproduzir o teor de tal acórdão.
“Os recorrentes tinham imputado ao acto tributário o vício de violação de lei, quer quanto à não aceitação da incapacidade para efeitos de benefícios fiscais, quer quanto à não consideração de que as contribuições obrigatórias para a Segurança Social foram superiores ao máximo previsto no artº 25º, nº 1 do CIRS (V. artº 112º da petição).
A sentença recorrida julgou a impugnação também improcedente nesta parte, sendo certo que nas conclusões do recurso os recorrentes não referem esta questão.
Sendo assim, e uma vez que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (artº 690º nº 2 do CPC), iremos apenas apreciar a primeira questão.
5.1. Na 1ª conclusão das alegações os recorrentes afirmam que a decisão recorrida é nula por não ter apreciado os mais variados vícios apontados por eles ao acto recorrido e que eram susceptíveis de conduzir à sua anulação.
Entre tais vícios que a sentença não terá apreciado, os recorrentes apontam os seguintes:
a) O comportamento da AF ao pretender que o contribuinte divulgue a sua doença é ilegal e inconstitucional por violação dos artºs. 26º nº 1 da CRP, 80º do CC, Bases XIII nº 2 e XIV da Lei de Bases da Saúde, artº único do DL 47.749 de 6.6.1967, artº 13º do DN nº 97/83 e o artº 13º c) do E. º Médicos aprovado pelo DL nº 282/77, de 5.7.
b) A AF pretendeu a aplicação retroactiva do DL 202/96,de 23.10.
c) A aplicação de uma circular da DGCI para alterar a matéria relativa a benefícios fiscais configura violação do principio da legalidade e reserva de lei de acordo com os artºs. 106º nº 2, 168º nº 1 g) e nº 2 da CRP e 10º nº 1, 11º e 12º nº 4º do EBF.
d) Por outro lado, houve uma discriminação do contribuintes de Viana do Castelo e de Braga em relação os contribuintes do resto do país.
e) Ao manifestar o entendimento de que o atestado de incapacidade da recorrida perdeu validade, a AF está a revogar expressamente o acto que consubstancia a avaliação de incapacidade violando o disposto os artºs. 369º a 373º do CC, 138º, 140º, 141º e 142º do CPA , 28º da LPTA e 268º nº 4 da CRP.
5.2. É verdade que o Mmº Juiz “a quo” não tratou das questões acima referidas, mas omitiu intencionalmente o conhecimento dessas questões por entender que a questão essencial e relevante a decidir era apenas a de saber se o grau de invalidez de que os recorrentes se declararam portadores se encontrava ou não comprovada para efeitos de benefícios fiscais,
Sendo assim, o Mmº Juiz não apreciou tais questões porque estas, em seu entender, apenas constituem argumentos deduzidos pelos recorrentes em abono da sua tese.
Parece-nos que, efectivamente, e à semelhança do que tem sucedido em dezenas ou centenas de casos que correram por este Tribunal, é aquela a questão relevante a decidir e sobre ela se têm debruçado, quer os Tribunais de 1ª Instância, quer este Tribunal, quer o STA.
Sendo assim, não nos parece relevante em termos de omissão de pronúncia, que o Tribunal “a quo” não se tivesse debruçado concretamente sobre aqueles argumentos invocados pelos recorrentes na petição de impugnação.
5.3. Todas as restantes conclusões das alegações se resumem à seguinte questão: poderia a AF exigir aos recorrentes, para efeitos de benefícios fiscais do ano de 1997, atestado médico emitido de acordo com os novos critérios do Dec. Lei nº 202/96, sendo certo que foi apresentado atestado médico de avaliação de incapacidade, emitidos em 4.7.95 pelo Centro de Saúde de Viana do Castelo, comprovando incapacidade permanente de 80, 75% em relação ao recorrente?
5.3.1. A presente questão tem tido abundante tratamento da nossa jurisprudência.
Estão formadas duas correntes jurisprudenciais: uma favorável à tese da decisão recorrida e outra favorável à tese dos recorrentes.
Relativamente à primeira salientaremos, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 6/7/99, proferidos nos recursos nºs 1751/99, 1759/99, 1760/99, 1772/99, 1810/99, 1815/99, 1816/99, de 26/10/99 - Recurso nº 1809, o voto de vencido no recurso nº 2184/99 deste Tribunal e os votos de vencido no douto Ac. do STA de 15/12/99 - Recurso nº 24.305.
Quanto à posição defendida pelos recorrentes podem ver-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 25/1/2000- Recurso nº 2993/99, de 2/11/99 - Recurso nº 2137/99, de 1/2/2000 - Recurso nº 2184/99 , de 2/3/99 - Recursos nºs 995/98 e 939/98 e de 4/5/99 - Recursos nºs 1803/99 e 1761/99, bem como o douto Acórdão do STA acima citado em que intervieram todos os Juízes da Secção e, mais recentemente e no mesmo sentido, os doutos acórdãos do mesmo Tribunal de 12/1/2000 – Recursos nºs. 24.438 e 24.439.
5.3.2. Pela análise da referida jurisprudência se verifica que a questão não é pacífica.
No entanto, formou-se jurisprudência maioritária no sentido da tese dos recorrentes.
Este Tribunal tem ultimamente seguido este entendimento.
Em síntese, tal corrente jurisprudencial maioritária, argumenta:
a) A legislação fiscal remeteu para a legislação respectiva os critérios de determinação da invalidez fisicamente relevante, desde que permanente, não inferior a 60% e comprovada por autoridade competente.
b) Essa legislação integra, por remissão do legislador, o bloco de legalidade tributária a que os benefícios fiscais estão sujeitos .
c) A Administração fiscal não pode definir o critério de determinação de incapacidade fisicamente relevante.
d) Até à entrada em vigor do DL nº 202/96, de 23/10, o critério legal de aferição da incapacidade, o seu processo, autoridade competente para a comprovar e os requisitos do atestado médico eram os que estavam estabelecidos na TNI aprovada pelo DL nº 341/93 de 30/9.
e) Os efeitos jurídicos estatuídos pelo acto de avaliação médica de incapacidade impõem-se à administração fiscal por força do princípio da unicidade da administração directa do Estado por ser a expressão da vontade da mesma pessoa colectiva.
f) Só em relação aos particulares se pode falar da possibilidade de formação de caso decidido por falta da atempada impugnação administrativa e contenciosa do acto de avaliação da incapacidade.
g) Esse acto resulta de uma delegação por parte do legislador numa administração material de competências dispositivas (de verificação e comprovação) de uma outra administração material, ambas integrantes da administração directa da mesma pessoa colectiva – Estado.
h) O atestado médico emitido a coberto da TNI é um documento autêntico que faz prova plena da avaliação nele certificada e da percentagem de incapacidade atribuída, não tendo que mencionar o tipo de doença geradora da incapacidade.
i) Ao estatuir a sua aplicação aos processos pendentes, o nº 2 do artº 7º do DL 202/96, de 23/10, refere-se aos processos de avaliação da incapacidade e não aos processos de liquidação do imposto.
5.3.3. A maior parte dos arestos acima referidos reportam-se, todavia, ao ano fiscal de 1995 e anos anteriores e, como tal, é com referência a essa situação que têm de ser entendidos Quanto ao ano de 1994 v., por exemplo , o Acórdão do STA de 9.5.2001 – Rec. nº 26.067.
Quanto ao ano de 1995, o STA continuou a manter a orientação acima referida em Acórdãos mais recentes. V. Acºs de 21.2.2001- Recursos Nºs 25.729 e 26.684 e de 14.2.2001 –Recursos nºs. 24.531 e 25412, entre outros
Na verdade, apesar de tal jurisprudência maioritária, sempre se foi ressalvando nos arestos do STA que nas liquidações de IRS anteriores a 1996, não era aplicável o DL 202/96, de 23/10, sendo a incapacidade fiscalmente relevante a apurada antes da correcção, devendo atender-se ao atestado médico emitido com base nas regras da TNI (V. acórdãos de 12.4.200 Rec. nº 24.807 e de 1.3.2000 Rec. nº 24449, entre outros).
Noutros arestos, porém, e quanto ao IRS de 1996 a jurisprudência foi já afirmando que à AF podia exigir prova da incapacidade segundo os critérios do DL 202/96 ( V. neste sentido os Acórdãos de 5.4.2000 Recursos nºs. 24.905 e 24.815, de 12.4.2000 Recurso nº 24737, de 22.3.2000 Recurso nº 24.433 e de 12.4.2000 Recurso nº 24.801 onde se diz claramente que os critérios do DL 202/96 se aplicam às liquidações de IRS de 1996 e anos subsequentes.)
Aliás, no Acórdão do STA de 12.4.2000 - Rec. nº 24737 escreveu-se até o seguinte: ” Com a publicação do DL nº 202/96 foi preenchida a lacuna existente quanto aos benefícios fiscais para contribuintes com incapacidade superior a 60%. Preconizando-se aí que o atestado devia conter a indicação da capacidade residual pela aplicação de meios de correcção, era legítimo à Administração Fiscal solicitar a apresentação de novo atestado em conformidade com a nova lei. Desinteressando-se o contribuinte de tal apresentação, não poderá usufruir do benefício pretendido”.
O Acórdão de 29.11.2000 - Rec. nº 25.579, do mesmo Tribunal é já inequívoco sobre esta questão, ao afirmar:” O DL nº 202/96, de 23.10, que introduziu um regime novo na avaliação da incapacidade para efeitos de acessão a benefícios fiscais, passou a dar relevância à disfunção residual existente após a aplicação dos respectivos meios de correcção. Deste modo, a partir da sua entrada em vigor o coeficiente de incapacidade arbitrado deve corresponder a essa função residual e, porque assim é, e porque o mesmo entrou em vigor em 30.11.96, é aplicável aos processos referentes ao IRS de 1996” Tem sido esta a orientação do STA nos seus arestos mais recentes sobre esta matéria. Assim os Acórdãos de 9.5.2001 – Rec. nº 25.991 e de 21.2.2001- Rec. nº 25.810, quanto ao IRS do ano de 1996 e de 9.5.2001- Rec. nº 25.774..
Este Tribunal tem também seguido este entendimento.
No recente acórdão de 30.5.200 - Recurso nº 3095/99 escreveu-se: “Conjugando a eficácia da alteração do critério de valorimetria a partir de 30.1.96, com a norma de direito transitório formal do artº 7º nº 2 do DL 202/96, conclui-se de que todas as avaliações do grau de deficiência já certificadas à data de 30.11.96 e subsumíveis na previsão da norma de isenção constituem actos de perícia juridicamente válidos e eficazes enquanto actos constitutivos de isenção de IRS dos rendimentos auferidos no ano de 1996.
Por outro lado, a observância do novo critério de valorimetria nas perícias pendentes em Dezembro de 1996 conjugada com a regra do artº 14º nº 7 do CIRS, parece que impõe a perda de eficácia (que não de validade, entenda-se) dos certificados de deficiência por invalidez permanente emitidos segundo o critério anterior, sendo, por isso, inaptos para constituir na esfera jurídica do contribuinte o direito subjectivo à isenção parcial e obstar à conformação do conteúdo normal da obrigação tributária reportada aos rendimentos do ano de 1996”.
Por sua vez, no Acórdão de 22/2/2000 - Recurso nº 2174/99 foi expendida a seguinte argumentação:
I. O Dec. Lei nº 202/96, de 23/10 entrou em vigor no dia 30/11/96.
Do seu Preâmbulo se conclui, sem margem para dúvidas, que anteriormente não existiam normas específicas para a avaliação de incapacidades previstas na Lei nº 9/89 : “Face à inexistência de normas específicas para avaliação de incapacidade na perspectiva desta lei, tem sido prática corrente o recurso à Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Dec. Lei nº 341/93, de 30/9, perspectivada para avaliação do dano em vítimas de acidente de trabalho e doenças profissionais, de forma a possibilitar alguma uniformização valorativa a nível nacional.
Todavia, no âmbito da avaliação de incapacidade de pessoas com deficiência, mostra-se necessário proceder à actualização dos procedimentos adoptados, nomeadamente de forma a melhor adequar a utilização da actual TNI ao disposto na Lei nº 9/89 de 2 de Maio”.
Na sequência daquele reconhecimento, este diploma continuou a tomar por base para avaliação de incapacidades a TNI, mas introduziu-lhe as adaptações que aponta no anexo I, entre elas, o coeficiente arbitrado correspondente à disfunção residual após aplicação de tais meios ( de correcção ou compensação, como próteses, ortóteses ou outras), sem limites máximos de redução dos coeficientes previstos na Tabela.
Por outro lado, cometeu a competência para a avaliação de incapacidade a juntas médicas (artºs 4º e 5º ) e criou um modelo- tipo de atestado médico por incapacidade, obrigando a constar dele, não só a percentagem de incapacidade permanente total, como dantes já acontecia, mas também as perdas ou anomalias geradoras de incapacidade, identificando-as por referência a capítulos, números e alíneas da TNI, o coeficiente atribuído a cada uma e o coeficiente restante de incapacidade.
Quer então dizer que este diploma veio estabelecer um regime novo quanto à avaliação de todas as espécies de deficiências para efeitos fiscais.
II. De acordo com o disposto no artº 14º nº 7 do CIRS, os benefícios fiscais tem de reportar-se à situação pessoal e familiar do contribuinte em 31/12 de cada ano.
Quer isto dizer que, num caso como o dos autos e sendo certo que a declaração de rendimentos é apresentada nos primeiros meses do ano seguinte, a prova exigida por lei para o gozo do respectivo benefício fiscal deve ter em conta a data de 31/12 anterior.
Isto significa que, se o Dec. Lei introduziu um regime novo para avaliação da incapacidade, ele se aplica aos rendimentos declarados em relação ao ano de 1996
Este Tribunal (TCA), tem seguido este entendimento, embora por maioria, como se pode ver, entre outros nos Acórdãos de 16.1.2001 –Rec. nº 4300/2001, de 9.10.2001 –Rec. nº 5236/2001.
Não está em causa supressão de benefício fiscal, mas apenas a fixação de critérios objectivos para a determinação da incapacidade.
Mesmo admitindo, como a jurisprudência maioritária, que o Dec. Lei 202/96 se aplica apenas aos processos de avaliação de incapacidade futuros, isso tem de ser entendido no sentido de que se não aplica aos anos de 1995 e anos anteriores, pois em Novembro de 1996 estavam já declarados esses rendimentos e emitidos os atestados médicos com base em critérios anteriores.
No caso dos autos (IRS de 1997), a mesma doutrina não pode proceder, pois que à data da entrega da declaração de rendimentos e aos rendimentos de 1997, a lei consagrava já novos critérios de avaliação.
Em face do que ficou dito, entende-se que bem andou a A. Fiscal ao exigir aos recorrentes a prova da sua incapacidade, em conformidade com o Dec. Lei. 202/96, pois, se o não fizesse, estaria ela própria a infringir a Lei.
E parece-nos que bem actuou também a AF, ao não dar relevância à declaração confirmativa do atestado médico anteriormente emitido, pois que, em qualquer dos casos, a incapacidade não estava avaliada pelos novos critérios legais pelo que não poderia servir de prova para efeitos do benefício fiscal em causa.
5.3.4. A aceitar-se a tese dos recorrentes e da jurisprudência acima referida sem esta correcção, significaria que em todos os casos em que estivesse já fixada incapacidade permanente, a Administração Fiscal não poderia exigir outro atestado médico em conformidade com a nova lei.
Assim, um atestado médico emitido de 1995 (é o caso dos autos), por exemplo, serviria para justificar o benefício fiscal em todos os anos posteriores e enquanto a lei o consagrasse, uma vez que estava já concretizado o processo de avaliação à data do citado Dec. Lei e este só se aplicaria aos processos de avaliação concluídos após a sua entrada em vigor.
Para além do mais, este entendimento daria lugar a que houvesse benefícios fiscais vitalícios e, por outro lado, constituiria nítida desigualdade em relação a contribuintes, permitindo que a uns fosse considerada a possibilidade de correcção da deficiência e a outros não, conforme a avaliação da incapacidade tivesse ocorrido antes ou posteriormente ao Dec. Lei nº 202/96.
5.3.5. Nas suas conclusões 27ª e seguintes os recorrentes defendem que o artº 14º, nº 7 do CIRS não tem aplicação no caso em apreço, pois a situação pessoal e familiar ali referida apenas tem a ver com o estado civil do sujeito passivo e com o número de membros do agregado familiar, de modo algum abrangendo tal preceito as situações de deficiência dos sujeitos passivos.
E isto porque tal preceito ao integrar as regras de incidência do CIRS, nunca terá aplicação aos rendimentos respeitantes a benefícios fiscais, dado que estes são rendimentos isentos nos termos do EBF, os quais, por via disso, passam à margem das regras de incidência (reais e pessoais) estabelecidas no CIRS.
Salvo o devido respeito, porém, parece-nos que os recorrentes carecem de razão.
Com efeito, “o nº 7 contém uma norma destinada a solucionar problemas levantados pela sucessão de estados pessoais (maioridade, emancipação, idade, frequência de graus escolares, cumprimento de serviço militar ou cívico, inaptidão para o trabalho, sujeição a tutela) ou familiares (parentesco ou afinidade, estado civil) no decurso do mesmo ano fiscal, esclarecendo qual é o momento a que deve atender-se para a determinação do estado pessoal e familiar fiscalmente relevante” - André Salgado de Matos- Código do IRS Anotado , 1999, pág. 198.
Portanto, quando a lei refere “situação pessoal” não se reporta apenas a estado civil, mas a todo um conjunto de circunstâncias pessoais referentes ao sujeito passivo.
E, obviamente, os benefícios fiscais referentes a determinado ano hão- de ter em atenção a situação pessoal (ou familiar) referente a esse ano.
Embora os pressupostos da isenção não constem do CIRS, uma vez que a isenção se reporta a anos fiscais, há - de ser respeitado o referido no artº 14º nº 7 citado no que se refere a rendimentos sujeitos a IRS.
No caso em apreço, se a lei passou a consagrar novos critérios na avaliação de incapacidade, a isenção só abrangerá os casos que se integrem na avaliação efectuada de acordo com tais critérios.
5.3.6. Concluímos então, afirmando que, no âmbito do IRS de 1997, e porque em 1977 estava já em vigor o Dec. Lei nº 202/96, o contribuinte que pretendesse beneficiar da sua situação de deficiente, deveria, atento o que dispõe o artº 14º nº 7 do CIRS, sujeitar-se à avaliação da sua incapacidade de acordo as normas daquele diploma, apresentando perante a A.F. a respectiva prova também de acordo com a lei, sob pena de, não fazendo não poder gozar desse benefício fiscal.
Uma vez que os recorrentes não actuaram conforme ficou descrito, bem andou a A.F. ao não atender as deficiências invocadas para efeitos de benefícios fiscais, pelo que improcedem as conclusões das alegações”.
Conforme acima referido, a matéria do presente recurso é a mesma da decisão transcrita, pelo que se entende dever ser a mesma a decisão agora a tomar.
Significa isto então que improcedem todas as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.
6. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida com a consequente improcedência da impugnação.
Custas pelos recorrentes com cinco UC de taxa de justiça.
Porto, 01 de Julho de 2004
João António Valente Torrão
Moisés Moura Rodrigues
Dulce Manuel Conceição Neto |