Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00675/04.1BECBR-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:ACTO LICENCIAMENTO NULO; EXECUÇÃO JULGADO;
DEMOLIÇÃO EDIFICADO; PRINCÍPIO PROPORCIONALIDADE; CASO JULGADO
Sumário:1. A demolição de obras ilegais (seja por falta de licença, seja por terem sido realizadas ao abrigo de actos de licenciamento ilegais) é uma medida de “última ratio”, em sintonia com o princípio da proporcionalidade, apenas utilizável quando se revele o único meio sancionatório passível de repor a legalidade urbanística, a aferir depois de concluída a apreciação sobre a (in)viabilidade da pretensão de legalização.
2. Em sede de execução de julgados de sentença declarativa de nulidade de actos de licenciamento de construção (no caso, de um armazém) e de aprovação de alterações ao respectivo projecto de arquitectura, por, em suma, o edificado se encontrar, à luz do direito então vigente, em zona de REN, a decisão exequenda apenas terá de consistir na demolição do edificado se entretanto não ocorrer nova situação que legitimamente afaste essa consequência, o que sucede nos autos por força da modificação do quadro normativo aplicável (novo PDM).
3. A decisão recorrida, ao condenar o Executado a avaliar, em prazo fixado, da “possibilidade de legalização da obra (ou parte dela) cuja demolição é pedida na acção, aquela feita à luz do quadro legal agora aplicável, após a qual determinará se a obra será de demolir” não se afasta do regime legal do processo de execução de sentenças anulatórias ou de declaração de nulidade, o qual, no artigo 173.º do CPTA, “ab initio”, deixa margem para a renovação ou reexercício do poder administrativo, no sentido de a Administração “poder praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”, lido, no caso vertente, à luz do princípio da proporcionalidade, protector, nas suas várias vertentes (da adequação, da necessidade e da menor ingerência possível), do equilíbrio entre o interesse público concreto e os direitos e interesses dos visados.
4. O caso julgado será respeitado se, uma vez retomado o concreto procedimento, nele forem promovidas diligências e actos conducentes à prática de acto que não padeça da ilegalidade que inquinava o anterior acto licenciador declarado nulo.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução para prestação de factos ou de coisas - arts. 162.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Coimbra, no âmbito de processo executivo por si intentado contra o MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO HOSPITAL que decidiu conceder provimento parcial à presente execução – na qual se peticionou a condenação daquele a, no prazo de seis meses, demolir as obras licenciadas pelos despachos do Vereador do Pelouro da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, de 28 de Julho de 1999 e de 08 de Março de 2001, declarados nulos nos autos de AAE nº 675/04.1BECBR, e repor o terreno em que se encontrava antes do início das obras, tudo atento os artigos 173.º a 179.º do CPTA“condenando-se o Executado a, no prazo de três meses, avaliar da possibilidade de legalização da obra (ou parte dela) cuja demolição é pedida na acção, aquela feita sob à luz do quadro legal agora aplicável, após a qual determinará se a obra será de demolir”.

*

Nas respectivas alegações, o Recorrente apresentou as seguintes CONCLUSÕES que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – O Ministério Público vem pedir na acção em causa a condenação do Município de Oliveira do Hospital a, no prazo de seis meses, demolir as obras licenciadas pelos despachos do Vereador do Pelouro da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital de 28 de Julho de 1999 e de 08 de Março de 2001, declarados nulos nos autos de AAE nº 675/04.1BECBR, e repor o terreno em que se encontrava antes do início das obras, tudo atento os arts. 173º a 179º do CPTA.

2ª – Embora o Executado viesse invocar causa legítima de inexecução, o Mmº Juiz “a quo” refere a dada altura que “… o Executado não trouxe, nem sequer indicou, qualquer prova pertinente para que o Tribunal pudesse estar habilitado a reconhecer os factos alegados subjacentes às invocadas causas legítimas de inexecução. Ora, era esse seu ónus, e estando este incumprido, o Tribunal não pôde aqui considerar os aludidos factos por ausência de prova destes.

Deste modo, não se apurou aqui factualidade que constituísse causa legítima de inexecução de sentença, pelo que improcede este fundamento de oposição à presente execução aqui suscitado pelo ora Executado.”.

3ª – Ora, na decisão final, agora em crise, tendo em atenção a questão de saber em que moldes ou com que alcance se pode determinar a requerida execução do Acórdão proferido no processo principal e ainda o teor do art.106º do RJUE, o Mmº Juiz “a quo” decidiu conceder provimento parcial à presente execução, condenando-se o Executado a, no prazo de três meses, avaliar da possibilidade de legalização da obra (ou parte dela) cuja demolição é pedida na acção, aquela feita sob a luz do quadro legal agora aplicável, após a qual determinará se a obra será de demolir.

4ª – Salvo o devido respeito, não concordamos com tal decisão, por ter ocorrido um erro de julgamento na medida em que a aplicação do art. 106º do RJUE, como medida tutelar de urbanismo que é, só poderá ser aplicado em situações de obras ilegais por ausência de licenciamento, e já não quando esse licenciamento existiu e o respectivo acto foi declarado nulo, como é o caso.

5ª – Além de que só a efectiva legalização face ao novo direito aplicável determina a inutilidade superveniente da lide, o que conduzirá à extinção da instância e nunca à improcedência, seja total ou parcial do pedido, conforme foi decidido.

6ª – Ainda assim, não se pode colocar nas mãos da Administração a demolição da obra, já que é este o objecto da presente execução, e só judicialmente tal matéria deverá ser analisada decidida.

7ª – Dito de outra forma, e afastada que foi no presente caso a verificação de causa legítima de inexecução (a única situação que, a existir, poderia conduzir à improcedência da execução), o desfecho da presente acção só poderia passar pela procedência do pedido, implicando a demolição da obra atendendo à nulidade dos actos que estiveram na sua base, ou

8ª – Pela inutilidade superveniente da lide por se ter, entretanto, verificado um novo acto administrativo de licenciamento, legalizador da situação, de acordo com a lei vigente (nem que para isso fosse previamente determinada a suspensão da instância, em obediência aos seus requisitos legais, de forma a que a Administração pudesse diligenciar no sentido de se chegar a uma efectiva legalização da situação).

9ª – Entendemos, pois, que não há fundamento legal para colocar na responsabilidade do Executado a avaliação da eventual possibilidade de legalização da obra, ou parte dela, cuja demolição é aqui pedida em sede de execução de Acórdão transitado em julgado e, proferido na acção principal onde foi declarada a nulidade de dois actos administrativos, por violação das normas então vigentes, por força do art. 52º, nº 2 b) do DL nº445/91, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo DL nº250/94, de 14 de Outubro, e art. 15º do DL nº 93/90, de 19.03, a saber,

10ª – Sobre os despachos do Vereador do Pelouro da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital de 28 de Julho de 1999 e de 08 de Março de 2001, sendo que o primeiro deu o aval ou aprovou o pedido de licenciamento para a construção de um armazém na parte posterior da Zona Industrial e o segundo aprovou o pedido de alterações ao projecto de arquitectura do supra pedido de licenciamento para a construção do armazém.

11ª – Com efeito, a execução das sentenças dos tribunais administrativos de anulação/nulidade de actos administrativos consistirá na prática, pela Administração, dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto não tivesse sido praticado v. art. 173º, do CPTA e Freitas do Amaral, in “A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 1º Edição, pág. 56.

12ª – E consubstanciar-se-á sempre em três operações (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, pág. 240):
1ª – A substituição do acto anulado por outro que seja válido sobre o mesmo assunto;
2ª – A supressão dos efeitos do acto anulado, sejam eles positivos ou negativos, e,
3ª – A eliminação dos actos subsequentes do acto anulado.

13ª – Ora, na situação em análise, o que está em causa é tão só garantir o respeito por uma decisão transitada em julgada, de forma a garantir a conformidade dos actos declarados nulos com as normas do ordenamento do território que nele foram violadas.

14ª – Sendo certo que ficou definido na sentença recorrida não se estar perante uma situação passível de constituir causa legítima de inexecução de sentença, assim como se afastou a possibilidade de se ordenar a suspensão da instância executiva tendo em consideração a alteração da situação através do direito aplicável no âmbito da revisão do PDM, já encetado e, vir a ser possível proferir novo acto de licenciamento.

15ª – Segundo entendemos, só a eventual prática de novos actos de licenciamento passíveis de legalizar as correspondentes pretensões urbanísticas em face do novo direito aplicável – a existir, e que, substituíssem validamente os correspondentes actos declarados nulos – seria susceptível de se repercutir no processo executivo, extinguindo-se a instância por inutilidade superveniente da lide.

16ª – O mesmo é dizer, que nessa situação já não fazia sentido a demolição da obra/execução da sentença uma vez que fora praticado novo acto pela Administração de acordo com a lei nova vigente (PDM e REN).

17ª – Pelo exposto, pugnamos pela revogação da sentença recorrida, e sua substituição por outra que determine a condenação do Município de Oliveira do Hospital a demolir as obras licenciadas pelos supra aludidos despachos declarados nulos nos autos de AAE nº 675/04.1BECBR, e repor o terreno no estado em que se encontrava antes do início das obras, conforme o peticionado na acção.


*

A Recorrida CONTRA-ALEGOU, sustentando a improcedência do recurso e concluindo do seguinte modo:

1. A sentença recorrida não merece reparo, porquanto o Recorrente, nas suas alegações, não apresentou uma fundamentação válida, limitando-se a insistir na condenação do Recorrido a demolir a obra objeto dos atos administrativos declarados nulos no processo principal.

2. Da leitura conjugada dos artigos 176.º e 179.º do CPTA resulta que, no âmbito da execução de sentenças de anulação de atos administrativos, o tribunal pode, designadamente, “especificar - nos termos dos preceitos legais substantivos aplicáveis e com respeito pelos espaços de valoração administrativa - o conteúdo dos actos e operações necessários à execução da sentença, identificando o órgão responsável e fixando o prazo para a respectiva prática, cominando, se for caso disso, uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento" (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 9.a edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 417).

3. No entanto, o tribunal não está limitado aos termos do pedido do exequente na sua petição, nem a decidir dentro dos limites pelo mesmo balizados, "(...) nada impedindo o Tribunal de condenar a Administração em coisa diversa do que seja pedido, desde que se entenda que a execução da sentença, incluindo a renovação do acto anulado, ainda é possível e que constitui a forma legalmente adequada de execução do julgado (... )" - cfr. Acórdão do TCAS, de 16/2/2012.

4. Ademais, a doutrina conclui igualmente que “(…) a previsão da existência de sentenças anulatórias, em que a especificação condenatória surge como última instância, constitui uma maneira adequada de assegurar a plenitude do processo de execução, permitindo soluções adequadas à diversidade das situações"(cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 400).

5. Como tal, a sentença recorrida não desrespeita a decisão transitada em julgado no caso concreto, garantindo, ao invés, a adequada execução do caso julgado, porquanto permite ao Recorrido uma correta e justa conformação do caso concreto, de acordo com o quadro legal em vigor e com o interesse público que necessariamente subjaz.

6. No âmbito do processo executivo, não importa tanto atender à pretensão do exequente, mas antes assegurar o cumprimento do decidido e da forma como tal deve ser feito de modo pleno e adequado à situação concreta.

7. O facto da sentença recorrida ter julgado a inexistência de uma situação de causa legítima de inexecução de sentença, bem como da inexistência de motivo para suspensão da instância executiva, não determina per si, em sede de execução, a condenação do Executado a demolir a obra, quando não se afastou totalmente a possibilidade de renovação dos atos declarados nulos.

8. Por outro lado, considerando o regime jurídico vigente em matéria de urbanismo, para efeitos da execução do efeito repristinatório da sentença anulatória, o Executado (ora Recorrido) dispõe ainda dos poderes de valoração que decorrem do disposto no n.º 2 do artigo 106.° do RJU-E, mesmo não se tratando, in casu, de uma construção clandestina, mas antes de uma edificação cujo licenciamento foi determinado inválido.

9. Nos termos do referido n.º 2 do artigo 106.° do RJUE, a Administração deve realizar um juízo sobre a suscetibilidade de legalização da obra antes de se decidir pela sua demolição - juízo este que consubstancia uma avaliação da conformidade da obra com as disposições legais e regulamentares em vigor -, sendo que a referida demolição da obra apenas deve ser ordenada como medida sancionatória de última ratio face à ilegalidade cometida.

10. Tal entendimento encontra-se amplamente consensualizado tanto na doutrina, como na jurisprudência [de acordo com o Acórdão do TCAN, de 17/4/2015 (citando o Acórdão também do TCAN, de 19-12-2014 que, por sua vez, se fundamenta e cita Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maças, Comentado, 2.a Edição, pág.564 a 566), a demolição da obra é entendida como uma medida de “ultima ratio que apenas deve ser utlizado quando se revele o único meio passível de repor a legalidade urbanística (princípio da proporcionalidade). (...) Por homenagem ao princípio da proporcionalidade, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade ou inviabilidade da pretensão de legalização é que poderá lançar-se mão do procedimento de demolição. Deve, assim, a ponderação sobre uma possível legalização ter lugar não apenas antes da execução do ato de demolição, como previamente à sua adoção (...)].

11. Este juízo de proporcionalidade importa especialmente no caso concreto, atendendo aos interesses que devem ser assegurados, nomeadamente a salvaguarda dos recursos públicos financeiros, bem como a garantia de empregabilidade dos trabalhadores do armazém.

12. Deste modo, o cumprimento do caso julgado anulatório pressupõe conferir-se ao interessado a possibilidade de requerer a legalização da obra, hipótese que deve ser considerada pela Administração, de acordo com critérios de proporcionalidade, necessidade e proibição do excesso, averiguando-se, de entre os meios disponíveis, qual a solução menos onerosa e lesiva dos interesses dos particulares, em conformidade com as normas de legalidade urbanística em vigor, assim se assegurando o respeito pelos princípios da legalidade material, da confiança, da segurança, da proporcionalidade e do interesse público.

13. Neste sentido, andou bem a douta sentença recorrida ao conceder ao Recorrido a possibilidade de analisar fundadamente a hipótese de legalização da (ou parte dela) cuja demolição é pedida pelo Recorrente em sede de execução do acórdão proferido no processo principal, à luz do quadro legal agora aplicável, especialmente tendo em conta as diligências já encetadas pelo Recorrido para alcançar a renovação dos atos nulos.”.

Pede que o recurso em apreciação seja considerado improcedente confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.


*
Prescindindo-se dos vistos legais, com envio prévio do projecto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
**
II – DO OBJECTO DO RECURSO
As questões a apreciar e a resolver, nos limites das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, de acordo com os artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, referem-se a erros de julgamento imputado à decisão recorrida, por falta de fundamento legal e errada e ilegal interpretação e aplicação dos normativos convocáveis, mormente dos artigos 173.º a 179.º do CPTA e artigo 106.º do RJUE.
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
A matéria de facto fixada pela Tribunal a quo é a seguinte:

A – A Contra-interessada A.M. P... & P... Lda, solicitou à Câmara Municipal de Oliveira do Hospital a aprovação de um projeto de arquitetura para a construção de um armazém, na parte posterior da Zona Industrial de Oliveira do Hospital (cf. doc. a fls. 19 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido).

B – Em 16 de Julho de 1999, a Contra-interessada requereu a aprovação dos projetos de especialidades, o que foi aprovado por despacho de 18 de Julho de 1999 (cf. docs. a fls. 58 e 108v do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

C – A Contra-interessada em 27 de Dezembro de 2000 solicitou a alteração ao projeto, o que foi aprovado por despacho de 08.03.2001 (cf. docs. a fls. 65 e 107 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

D – Por Acórdão deste Tribunal, datado de 27.04.2012, transitado em julgado foram declarados nulos os atos consubstanciados nos despachos referidos nas duas alíneas anteriores (cf. fls. 1125 a 1137 dos autos do Proc. n.º 675/04.1BECBR-B).

E – Em ofício dos serviços do MP deste Tribunal, datado de 19.09.2012, dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, foi a este solicitada a informação se havia dado “[…] cumprimento ao dever de executar a sentença proferida na acção que os presentes autos acompanham (675/04.1BECBR) e que declarou nulos os despachos do vereador do pelouro da Câmara Municipal de oliveira do Hospital de 28 de Julho de 1999 e 8 de Março de 2001, enviando os pertinentes documentos comprovativos […]” (cf. doc. a fls. 12 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F – Em ofício assinado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal datado de17.10.2012, em resposta ao ofício referido na alínea anterior, dá-se nota da revisão em curso do PDM de Oliveira do Hospital (cf. doc. a fls. 13 dos autos em proc. fls. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G – A petição inicial que deu início ao presente processo deu entrada neste Tribunal em 22.03.2013 (cf. fls. 2 a 14 dos autos em proc. fls.).

H – O Plano Diretor Municipal de Oliveira do Hospital revisto, foi publicado em DR II Série, n.º 189, de 01.10.2014.

I – A Contra-interessada foi declarada insolvente por sentença do Tribunal de Comarca de Coimbra – Instância Central, Secção de Comércio, datada de06.11.2014, transitada em julgado em 04.12.2014 (cf. doc. a fls. 125 a 135 dos autos do proc. fls. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

*

A convicção do Tribunal assentou nos elementos juntos aos autos.

Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.”.

**
2. DIREITO

Importa, nesta sede, apreciar os fundamentos do presente recurso, dentro do thema decidendum delimitado pelas respectivas conclusões, mais propriamente, aferir se assiste razão à Recorrente quando imputa à decisão recorrida erro de julgamento, por falta de fundamento legal e errada e ilegal interpretação e aplicação dos normativos convocáveis, nomeadamente dos artigos 173.º a 179.º do CPTA e artigo 106.º do RJUE.

O que passa por saber em que moldes ou com que alcance se pode ou podia o julgador determinar a requerida execução do Acórdão exequendo proferido no processo principal.

Vejamos.

A decisão recorrida foi proferida em processo executivo, destinado à execução de sentença de anulação (no caso, de declaração de nulidade) de dois actos administrativos (despacho do Vereador do Pelouro da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital de 28 de Julho de 1999 que aprovou o pedido de licenciamento para a construção de um armazém na parte posterior da Zona Industrial e despacho do mesmo autor de 08 de Março de 2001 que aprovou o pedido de alterações ao respectivo projecto de arquitectura) por violação, como se retira da factualidade assente, ainda que por remissão para o teor sentença exequenda, de normas então vigentes, a saber: - o artigo 11.º do Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Industrial de Oliveira do Hospital, pelo facto de a obra licenciada se encontra em zona de protecção; - o artigo 45.º do Regulamento do PDM de Oliveira do Hospital dado em espaço de floresta apenas ser permitido o desenvolvimento de acções ligadas à actividade florestal, sendo interdita a construção do armazém em causa; - e o artigo 4.º n.º 1 do DL nº 93/90, de 19.03, porquanto o edifício em causa se encontra implantado em zona REN.

Na instância executiva, o Recorrente peticionou a condenação do Município recorrido a, no prazo de seis meses, demolir as obras licenciadas pelos despachos do Vereador do Pelouro da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital de 28 de Julho de 1999 e de 08 de Março de 2001, declarados nulos nos autos de AAE nº 675/04.1BECBR, e repor o terreno em que se encontrava antes do início das obras, tudo atento os artigos 173º a 179º do CPTA.

A decisão recorrida concedeu provimento parcial à presente execução “condenando-se o Executado a, no prazo de três meses, avaliar da possibilidade de legalização da obra (ou parte dela) cuja demolição é pedida na acção, aquela feita sob à luz do quadro legal agora aplicável, após a qual determinará se a obra será de demolir”.

Para o efeito, baseou-se em fundamentação do Acórdão do TCAN, de 27.05.2011, proferido no proc. 00516-A/03 – Coimbra, in http://www.dgsi.pt, sobre a problemática dos autos – a dos limites do caso julgado de sentenças anulatórias ou de declaração de nulidade, face a situações, como a dos autos, em que está em causa a demolição de obras passíveis de legalização à luz de novo quadro jurídico, entretanto entrado em vigor – o qual, citando a inerente legislação, jurisprudência e doutrina, mormente em sede de direito urbanístico, se sintetiza por recurso ao respectivo sumário:
“I. A demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade.
II. Tal poder de escolha funciona todavia na base de um pressuposto vinculado já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras em virtude destas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
III. A declaração judicial de nulidade de uma licença de construção faz impender sobre a Administração um especial dever de actuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer.
IV. O juízo quanto à viabilidade da legalização do edificado, a empreender obrigatoriamente pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística actual.
V. É que a actuação apenas terá de consistir na demolição do edificado na medida em que uma nova situação não venha legitimamente afastar essa consequência, sendo que essa nova situação poderá advir da alteração da situação no plano dos factos com realização de trabalhos de correcção e/ou de alteração, ou da emissão de novo(s) acto(s) administrativo(s) no âmbito dos procedimentos urbanísticos e suas consequentes conformações em termos de pressupostos, ou ainda através da modificação do quadro normativo aplicável, na certeza de que o caso julgado será respeitado se, uma vez retomado o procedimento, nele forem desenvolvidos diligências e actos que não revelem padecer da ilegalidade que inquinava o acto licenciador antecedente declarado nulo.
VI. Os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão judicial que se executa.”.

O Recorrente insurge-se contra esta decisão dado, na sua perspectiva, os normativos processuais relativos à execução de julgados – artigos 173º a 179º do CPTA – impedirem a decisão proferida, não concedendo qualquer margem ao julgador executivo, fora do plano de execução especifica do peticionado na presente acção, antes lhe impondo julgar improcedente a acção por verificação de causas legitimas de inexecução ou julgá-la procedente caso constate o não cumprimento voluntário pela Administração do decidido na respectiva sentença exequenda, impondo a demolição do armazém já identificado e a reposição do terreno ao estado em que se encontrava antes do início das obras.

Diga-se já não assistir razão ao Recorrente, concordando-se com o julgador a quo quando, assumindo os fundamentos do citado Acórdão que transcreve, e tendo presente o disposto no artigo 106.º do RJUE que igualmente transcreve, conclui que in casu se encontra amplamente consensualizado tanto na doutrina como na jurisprudência, a natureza de última ratio da demolição de obras ilegais (seja por falta de licença, seja por terem sido realizadas ao abrigo de actos de licenciamento ilegais) apenas utilizável quando se revele o único meio passível de repor a legalidade urbanística, ou seja, depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade ou inviabilidade da pretensão de legalização.

Tudo em prol, desde logo, do princípio da proporcionalidade, protector, nas suas várias vertentes, do equilíbrio entre o interesse público concreto e os direitos e interesses dos visados e em conformidade com o regime legal do processo de execução de sentenças anulatórias ou de declaração de nulidade que deixa margem para a renovação ou reexercício do poder administrativo ou seja para a possibilidade de a Administração, em sede de execução de tais sentenças, praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado (cfr. artigo 173.º do CPTA, ab initio).

Vejamos melhor, transcrevendo-se alguns excertos/fundamentos que se acompanham, considerados aplicáveis aos autos, com as devidas adaptações, do Acórdão do TCAN de 27.05.2011 que se debruçou sobre situação idêntica à dos autos, legitimadores da solução encontrada pela decisão ora recorrida e, consequentemente, da improcedência dos argumentos/conclusões apresentados pela ora Recorrente, evitando-se, assim, repetições inúteis para e na economia do julgamento da causa.

Assim, consignou-se no referido Acórdão do TCAN o seguinte:
“(…)
V. Temos, por outro lado, que o caso julgado firmado pela decisão judicial exequenda delimita os poderes de pronúncia do juiz de execução.
Com efeito, dado a execução da decisão judicial anulatória passar pela prática pela Administração de todos os actos jurídicos e operações materiais que se tomem necessários à reintegração da ordem jurídica violada o âmbito dessa actividade e da actividade de controlo exercido pelo tribunal quanto à actuação/omissão daquela está condicionada ou reconduz-se pelo âmbito definido pelo caso julgado decorrente daquela decisão judicial e respectivos limites [cfr. Acs. STA de 02.07.2008 (Pleno) - Proc. n.º 01328A/03, e de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09in: «www.dgsi.pt/jsta»].
É que os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão que se executa, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório encontra-se circunscrita à(s) ilegalidade(s) que ditou(aram) o fundamento de invalidade do acto (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821Ain: «www.dgsi.pt/jsta»- no mesmo sentido, ainda Ac. STA/Pleno de 29.01.1997 - Proc. n.º 27517 in: Apêndice DR de 28.05.1999, págs. 165 e segs.), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, desta feita, a que a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto daquelas mesmas ilegalidades (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821A, de 02.07.2008 - Proc. n.º 01328A/03, Ac. STA/Secção de 30.09.2010 - Proc. n.º 01388A/03 in:«www.dgsi.pt/jsta»).
Resulta, aliás, do decidido pelo Ac. do STA/Pleno de 15.11.2006 [Proc. n.º 01A/02 in: «www.dgsi.pt/jsta»], proferido por referência já às execuções tramitadas no âmbito do CPTA, que o “… processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes …” [cfr., no mesmo sentido, Ac. do STA de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09 atrás citado; vide ainda M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 1082 e segs.].
Quer isto dizer que o critério pelo qual havemos de aferir se a decisão judicial anulatória foi ou não devidamente executada é o do âmbito das ilegalidades que conduziram à invalidação do acto não sendo de modo algum exigível ou imposto a prolação de um novo acto que dê satisfação ao interesse final subjacente à pretensão anulatória do A./requerente.
Tal significa, além disso, que o respeito pelo caso julgado não fica abalado se a Administração, em execução da decisão judicial anulatória, retome o procedimento, desenvolva os actos e diligências legal e judicialmente impostos no caso e prolate decisão que seja similar à anterior desde que expurgada das ilegalidades que inquinavam a antecedente.
Mas poderá dar-se a situação da execução da decisão judicial anulatória não poder passar pelo simples retomar do procedimento [seja por impossibilidade fáctica e/ou jurídica, seja em decorrência e observância dos próprios limites do caso julgado firmado na ordem jurídica], podendo impor-se, então, por exemplo, a abertura e desenvolvimento dum novo procedimento ou a reabertura de outros procedimentos conexos como meios, nessa situação, de execução do julgado em estrito respeito do caso julgado anulatório que se formou considerando as ilegalidades que ditaram a invalidação contenciosa do acto.

VI. Note-se, ainda, que em sede de pronúncia no âmbito da execução de julgado anulatório o juiz, em termos da reposição da legalidade e reconstituição da situação conforme com aquele julgado, deve ter em atenção na sua análise todas as circunstâncias relevantes ocorridas e isso independentemente do momento em que aquelas circunstâncias se possam ter produzido (cfr. Acs. STA/Pleno de 03.05.2007 - Proc. n.º 030373A, de 07.04.2011 - Proc. n.º 0601/10 in: “www.dgsi.pt/jsta”), na certeza de que aquela pronúncia jurisdicional [que fixa os actos e operações enquanto actos devidos no quadro da execução da decisão anulatória], constitui uma pronúncia condenatória [cfr. art. 176.º, n.º 3 do CPTA] na qual o julgador não está “… vinculado aos limites dentro dos quais o exequente balizou a execução …”, nada o “… impedindo … de condenar a Administração em termos diferentes daqueles que foram preconizados pelo exequente na petição apresentada …” [cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 1137/1138; Acs. STA de 22.03.2007 e de 18.09.2008 (Pleno) - Proc. n.º 24690-A (onde se sustentou que “… nada impede que o Tribunal condene a Administração a renovar o acto anulado - se entender que a renovação do acto ainda é possível e que tal constitui a forma legalmente adequada de execução do julgado - mesmo que o Exequente haja entendido que essa renovação é inútil ou impossível …”, sendo que ao “… fazê-lo não está a condenar em objecto diverso do pedido porque este era o da execução do julgado anulatório e tal foi deferido, ainda que de forma diferente da que vinha requerida ambos in: «www.dgsi.pt/jsta»].

VII. Fixadas que se mostram as notas de enquadramento quanto ao primeiro plano atrás delineado importa, então, focalizar a nossa atenção na e para as implicações que o bloco de legalidade urbanístico vigente aporta à concreta questão que constitui objecto de litígio, mormente, em que termos se terá de processar a execução de decisão judicial que haja anulado acto de licenciamento de construção e quais os limites, poderes envolvidos, modo de exercício e fixação dos actos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade.

VIII.E neste quadro doutrina e jurisprudência vêm fazendo e perfilhando entendimento que se mostra consensualizado.
Com efeito, a este propósito refere M. Aroso Almeida, reportando-se às situações de admissibilidade de actos impositivos de execução de efeito repristinatório, que se afigura “… de admitir que a circunstância objectiva de ter havido um acto ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele acto é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstracta da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte. A circunstância de a Administração ser corresponsável pela situação ilegal, por ter contribuído para a lesão do interessado, constitui um evidente factor delimitador dessa eventual discricionariedade. Por conseguinte, se, à partida, o poder de intervenção sobre construções clandestinas envolvia um espaço de apreciação discricionária quanto ao an, a circunstância da anulação do acto no qual se baseava a situação constitui a Administração numa verdadeira obrigação de agir para com o recorrente que obteve a anulação daquele acto.
Isto deve-se ao facto, …, de não estar, aqui, em causa o normal exercício, por parte da Administração, dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais, mas o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação. …Justifica-se, por isso, que, neste contexto, se acentue o dever de a Administração actuar relativamente às situações que ela própria criou através da adopção de um acto administrativo ilegal. Sobre ela recai, nesses casos, um dever qualificado de intervenção, uma vez que já não se trata de cumprir uma obrigação pública genérica de pôr cobro aos ilícitos que outros cometem, mas de eliminar um ilícito público, imputável a si própria...” (in: ob. cit., pág. 510/512).
E continua aquele Professor “… no que, entretanto, se refere à determinação do concreto conteúdo das medidas a adoptar, a execução do efeito repristinatório da anulação apenas exige a demolição na medida em que outra definição não a venha legitimamente afastar. Ao lado da demolição - ou seja, ao lado da execução do efeito repristinatório, que a sentença anulatória, à partida, reclama - permanecem, assim, intactos os poderes de valoração de que a Administração disporia mesmo que a construção tivesse sido, ab initio, clandestina e não tivesse sido, pois, edificada ao abrigo de uma licença inválida. Com o que se transita para o plano da redefinição da situação, no (re)exercício de poderes autónomos de definição jurídica, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da sentença de anulação. Por conseguinte, se o acto puder e dever ser renovado, é isso, naturalmente, que a Administração deve fazer. Dependendo do caso concreto, pode ser que a simples realização de obras de adaptação baste para assegurar, entretanto, a legalidade da construção. A emissão, nesse caso, de uma ordem de demolição seria incompatível com o princípio da proporcionalidade e com a própria Bestandsgarantie inerente ao direito de propriedade, devendo a Administração dar ao interessado a possibilidade de requerer a legalização da construção e, nessa perspectiva, escolher, de entre as correcções indispensáveis, mas suficientes para repor a legalidade, aquela que para ele seja menos onerosa, de acordo com os critérios de aptidão, necessidade e proibição do excesso que decorrem do princípio da proporcionalidade.
Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a legalização não seja possível. Por via de regra, a Administração deve, assim, na sequência da anulação, mandar notificar de imediato o proprietário do prédio para que proceda à demolição ou, sendo isso possível, requeira a sua legalização. Na primeira das hipóteses, a imposição à Administração do dever de proceder, ela própria, à demolição poderá ser pedida pelo recorrente no processo impugnatório ou, se necessário, no processo de execução da sentença de anulação. Neste último caso, o recorrente terá a oportunidade de acompanhar os ulteriores desenvolvimentos do eventual procedimento de legalização. Se, no entanto, ele não vier a ser desencadeado ou não tiver seguimento, ele poderá exigir, no processo de execução de sentença, que o tribunal fixe o prazo razoável dentro do qual a Administração deve proceder à demolição, sem prejuízo ainda, dentro do mesmo prazo, da eventual legalização do edificado. Se a Administração nada fizer dentro do prazo fixado, o recorrente será indemnizado pelo facto de a construção não ter sido demolida, sem que, para esse efeito, possa já relevar a possibilidade da sua legalização.
Deste modo se parece conseguir a mais adequada conciliação dos valores que, neste domínio, se defrontam: o da segurança jurídica e da protecção da confiança do proprietário, e o da tutela da legalidade material e dos direitos e interesses do recorrente que obteve a anulação. No pressuposto, desde o início assumido, de que, nos casos em que deva ter lugar, a demolição ainda se inscreve na execução do efeito repristinatório da anulação, mediante a qual cumpre remover a situação de perturbação criada pelo acto que foi anulado, na medida em que ele não venha a ser renovado nem objecto de medidas alternativas …” (in: ob. cit., págs. 512/514).

IX. Na mesma linha de entendimento sustentam Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira que “… a demolição das operações urbanísticas efectuadas ao abrigo de actos administrativos nulos não pode deixar de ser uma ultima ratio; isto é, a demolição só deverá ser determinada quando não for possível manter a operação urbanística…”, fundando tal posicionamento, por um lado, no facto de que “… não há, nas leis urbanísticas, nenhuma norma que determine a demolição como consequência necessária da existência de um acto administrativo nulo …” e, por outro, no princípio da proporcionalidade “… que exige que a Administração, na prossecução do interesse público, eleja, de entre os meios disponíveis, aqueles que lesem menos intensamente os interesses lesados com a declaração (administrativa ou judicial) de nulidade …”, fazendo apelo ainda ao regime legal inserto no n.º 2 do art. 106.º do RJUE por maioria de razão mesmo para as situações de operações urbanísticas realizadas com base em actos nulos (em “O regime da nulidade dos actos administrativos de gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticasin: Revista do CEDOUA, Ano II, 2, págs. 18, 19 e segs.).
E os referidos Autores reportando-se às situações em que a legalização das operações urbanísticas só será possível mediante a alteração da situação de facto ou a alteração do direito aplicável vêm defender que ainda assim aquela legalização é possível, nomeadamente, em termos factuais “… através da realização de trabalhos de correcção ou de alteração (v.g. demolições parciais) …” ou em termos de alteração do quadro legal aplicável quando se esteja perante “… violação de normas de planos municipais cujo conteúdo tenha sido determinado no exercício de uma discricionariedade de planificação” e não quando “… estejam em causa situações de nulidade decorrentes de violação de normas que têm subjacente a vinculação situacional dos solos e de violação de normas de planos municipais que estabelecem restrições decorrentes de standards urbanísticos …”, bem como “… pode resultar da suspensão do plano (que só poderá ser decidida no âmbito de um procedimento de alteração ou de revisão) ou da sua alteração ou revisão…” (in: loc. cit., págs. 22/23) (cfr., nesta mesma linha, Fernanda Paula Oliveira in: “Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão”, CEJUR, Março 2010, págs. 256/257).

X. Uma vez convocada a dirimir litígios nos quais se discutia nomeadamente esta questão a jurisprudência tem ela também vindo a emitir posicionamento uniforme. Assim, em recente acórdão do STA de 07.04.2011 (Proc. n.º 0601/10 in: «www.dgsi.pt/jsta») considerou-se que a … demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo ...e que esse “poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis ...” [cfr. também Acs. do STA de 30.09.2009 - Proc. n.º 0210/09 (citado e reproduzido na decisão judicial aqui recorrida), de 24.03.2011 - Proc. n.º 090/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»] na certeza de que o … juízo de viabilidade de legalização, a empreender obrigatoriamente pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística actual, pois não faria qualquer sentido que a Administração reportasse esse juízo de possibilidade de legalização a diplomas legais ou regulamentares já erradicados da ordem jurídica …”.
Extrai-se da argumentação/fundamentação explanada no citado acórdão daquele Tribunal de 07.04.2011 que a sua jurisprudência sobre esta matéria “… tem considerado que a demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e que o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo (Acs. de 07.10.2009 - Rec. 941/08, de 24.09.2009 - Rec. 656/08, de 09.04.2003 - Rec. 09/03, e de 19.05.1998 - Rec. 43.433).
Mas, como se aponta neste último aresto, esse poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar «se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade», pelo que «nesta última hipótese a decisão no sentido da demolição surge como vinculada».
Assim se decidiu igualmente no citado Ac. de 24.09.2009, afirmando-se que «a emissão do juízo de viabilidade de legalização de construção não licenciada tem de anteceder a prática do acto de demolição», em ordem a que a Administração não imponha aos particulares sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para atingir os seus fins de conformação da legalidade urbanística, não determinando a demolição das obras ilegais de modo automático e irreversível sem que previamente averigúe da possibilidade de legalização das mesmas.
Em anotação ao acórdão de 19.05.1998, nos CJA, n.º 19, págs. 37 e segs., Carla Amado Gomes afirma mesmo que não há sequer discricionariedade optativa na escolha do procedimento a adoptar - de demolição ou de legalização -, salientando que o procedimento que a Administração deverá instaurar é, obrigatoriamente e em primeira linha, o de legalização, em atenção ao princípio de proporcionalidade, na lógica do menor sacrifício exigível aos particulares, e que «este princípio, a que está desde logo constitucionalmente vinculada, limita num primeiro momento a opção pela demolição, impondo uma verificação prévia das possibilidades de conformação da obra realizada com os cânones da legalidade urbanística».
Esta Autora chama à colação, em conforto deste entendimento, o teor do art. 106.º do RJUE (…), que atribui ao Presidente da Câmara o poder de ordenar a demolição «quando for caso disso», prevendo igualmente que «a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada».
E anota, inclusivamente, que nem sequer a opção entre legalizar ou demolir, findo o procedimento de legalização, consubstancia uma verdadeira discricionariedade na medida em que a Administração se encontra, então, confrontada com a necessidade de prolação de uma decisão administrativa naturalmente apoiada em estudos e normas técnicas.
A liberdade de escolha do órgão administrativo será praticamente inexistente pois que a decisão correcta em termos técnicos só pode ser uma: «ou a obra pode subsistir (com ou sem alterações ditadas em função da avaliação técnica...), ou deve ser demolida. Tertium non datur».…
Ora, o referido «juízo de viabilidade de legalização da construção não licenciada», pressuposto vinculado de que falam os arestos deste STA atrás citados, e que deve anteceder a opção demolição/legalização, terá naturalmente que reportar-se ao quadro normativo legal e regulamentar actual, existente à data da emissão de tal juízo.
Não faria, na verdade, qualquer sentido que a Administração reportasse esse juízo de possibilidade de legalização a diplomas legais ou regulamentares já erradicados da ordem jurídica. Seria um perfeito e completo absurdo.
O juízo de viabilidade de legalização, a empreender obrigatoriamente pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística actual. Dito de outro modo, esse juízo de viabilidade será positivo se positiva for a resposta à pergunta seguinte: no momento actual a construção era legalmente viável?
E importa referir que o juízo a empreender é um juízo de viabilidade, não consubstanciando qualquer decisão definitiva sobre o licenciamento que, obviamente, poderá vir a ser recusado. Como se afirma no Ac. do Pleno do STA de 29.11.2006 - Rec. 633/04, «para obstar à demolição não se exige uma decisão definitiva sobre a legalização, bastando que se possa concluir que as obras são susceptíveis de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização» …”.

Considerando todo atrás exposto, nada há, como já se disse, a censurar à decisão recorrida, uma vez que a mesma, assumindo os argumentos transcritos, julgou e decidiu em conformidade com a lei e o direito.

Na verdade, considerando a entrada em vigor de nova legislação, nomeadamente do novo PDM de Oliveira do Bairro, passível de legalizar o armazém em causa, no todo ou em parte, designadamente por já não estar inserido em área de REN, justifica-se e enquadra-se nos limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias ou de declaração de nulidade de actos administrativos, quer quanto ao efeito preclusivo, quer quanto ao efeito conformador, a convocação do reexercício do poder administrativo, no sentido de imposição à Administração executada, antes do recurso à medida mais drástica de eventual demolição do armazém, o ónus de, fundadamente, e em prazo fixado, aferir se a obra em questão é passível de legalização – só após tal juízo administrativo de conformidade com a legalidade, agora vigente, se podendo “formular um juízo sobre a eventual e peticionada demolição, questão a aferir em ulterior momento processual se tal vier a ser necessário.”.

Improcedem assim os fundamentos de impugnação da decisão recorrida e, em consequência, o presente recurso.


****
IV – DECISÃO
Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.

Sem custas (isenção do Ministério Público – artigo 4.º/1-a) do RCP).

Notifique. DN.

Porto, 18 de Dezembro de 2015
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Frederico Macedo Branco