Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00913/04.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2005
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Dr. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:PROCEDIMENTO CAUTELAR SUSPENSÃO DE EFICÁCIA (CPTA)
REQUISITOS
CRITÉRIOS DECISÃO (ART. 120º CPTA)
MANIFESTA ILEGALIDADE DO ACTO
PERICULUM IN MORA
ÓNUS DE PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:I. Nas situações enquadradas no art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA o decretamento das providências pelo tribunal é quase automático na medida em que assente em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público e a tutela dos interesses privados, sem necessidade de fundamentar a decisão cautelar por referência aos requisitos das als. b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 120º do CPTA, mormente, no juízo de perigosidade, pese embora, no entanto, mesmo nessas situações o perigo releve, pois, a providência só pode ser pedida ou concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido.
II. Daí que a manifesta ilegalidade do acto uma vez sumariamente demonstrada impõe ou vincula o juiz a decretar a providência peticionada pelo requerente, vinculação essa que comportará pelo menos a excepção nos casos em que o requerente vá a juízo num prazo tardio e após o início da produção fáctica de efeitos do acto.
III. A "manifesta ilegalidade do acto", em princípio, só comporta vícios graves, que concretizem na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, termos em que vícios de forma em sentido amplo, por geradores de mera anulabilidade, não integram aquela previsão.
IV. Estando em causa a adopção de providências conservatórias em que a situação não tenha enquadramento na al. a) do n.º 1 do artigo em referência o CPTA prevê um distinto grupo de condições de procedência e que se mostram consagrados no art. 120º, n.ºs 1, al. b) e 2, condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir:
a) A duas condições positivas de decretamento:
- «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e
- «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito” na sua formulação negativa);
b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
V. Na análise do requisito do “periculum in mora” e quando se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76º da LPTA, ou seja, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos, sendo que, nessa ponderação, o juiz deve atender a todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou colectivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais.
VI. Incumbe ao requerente tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência porquanto inexiste a consagração duma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, termos em que o requerente do presente meio cautelar não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito e com utilização de expressões vagas e genéricas.
VII. Não tendo ficado provada qualquer situação concreta que de algum modo pudesse a vir a constituir uma situação de facto que inviabilizasse a utilidade da apreciação do litígio entre as partes na acção principal, nem tendo sido invocados quaisquer prejuízos decorrentes da execução da decisão em questão na esfera jurídica da requerente e cuja reparação fosse difícil de vir a concretizar-se não pode ter-se como verificado o requisito do "periculum in mora", tanto para mais que a conclusão da edificação pelo contra-interessado não poderá configurar-se como uma situação de facto consumado porquanto decidido no autos principais ter ocorrido licenciamento ilegal sempre em execução da decisão judicial se poderá proceder à demolição da mesma na sua totalidade ou na parte que infrinja os comandos legais assim se procedendo à reposição da legalidade e à restauração “in natura” da situação de facto não fora aquela ilegalidade.
VIII. Impendia sobre a recorrente o ónus de alegação e de prova dos requisitos necessários à concessão das providências solicitadas.
IX. Para que possa falar-se de litigância de má fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de se pôr quando se concluir que a actuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
X. A conduta da parte para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
XI. No caso a conduta da recorrente, espelhada nas suas alegações de recurso jurisdicional produzidas nos autos em sustentação de tese e pretensão que veio afirmar nos autos, não veio a ter acolhimento na decisão final, mas tal a conduta processual em presença, pese embora tenha sido inconsistente e inócua no e para o desfecho da lide, não integra ou não é enquadrável no conceito de litigância de má fé.
Data de Entrada:01/17/2005
Recorrente:V.
Recorrido 1:Câmara Municipal de Caminha
Recorrido 2:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar de Suspensão de Eficácia (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
“V…, LDA.”, sociedade comercial, com sede na Av. S. João de Deus, n.º …, concelho de Caminha, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 12/10/2004, que indeferiu a providência cautelar deduzida contra a CÂMARA MUNICIPAL DE CAMINHA e o contra-interessado A…, casado, residente na Rua Agostinho da Silva Rocha, n.º …., concelho da Maia, na qual era peticionada a suspensão de eficácia da deliberação de 19/01/2004 e que em consequência suspenda o alvará de licença emitido.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 181 e segs.), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
1.- Tal como foi dado como provado, em 31 de Julho de 2002, a entidade requerida elaborou auto de embargo e de suspensão total de obras de construção, em virtude de o prédio edificando se encontrar a ser executado em desacordo com o projecto aprovado, nomeadamente na alimetria (doc. de fls. 20 e 21 dos autos).
2.- Em consequência, foi o segundo requerido notificado para proceder à legalização da obra em causa, apresentando o respectivo projecto de aditamento, por requerimento de 4/09/02, constante de fls. 156 dos autos de processo de obras, onde apresentou a Memória Descritiva da Obra, na qual refere que:
“Atendendo à configuração do terreno, de elevada pendente, e posterior compra de terreno circundante para acerto do lote e cedência de entrada aos confrontantes, decidiram o requerente e técnico responsável pela execução da obra que, com vista a obter um melhor enquadramento da moradia face à envolvente, não havendo alinhamentos definidos, afastar do arruamento e construção, deslocando-se pela nascente cerca de 3,00 m relativamente ao projecto aprovado. Assim, face a este recuo, as cotas de soleiras foram alteradas, subindo em relação ao projecto aprovado de 3,34 m para 5,51 m tendo como referência a cota do arruamento, aumentando a cota da soleira em 2,17 m”
3.- Tal aditamento foi objecto de despacho de indeferimento proferido em 22/10/2002, com os seguintes fundamentos:
“1- De acordo com o nº 5, do art. 6º, do Regulamento do PDM, o piso inferior assumido em aditamento está longe de poder ser considerado como “cave”,razão pela qual a cércea resultante contraria a cércea para aqui definida pelo PDM /(...) – cfr. documento constante de fls. 172 dos autos de Processo de Obras já referido.
4.- Face a tal indeferimento o segundo requerido apresentou um segundo aditamento ao projecto de arquitectura inicial, alterando a tipologia da moradia em causa, “eliminando-lhe um piso habitável e passando este a ser somente um terraço (...)” - cfr. documento de fls. 186.
5.- O qual foi objecto da informação constante de fls. 194 dos autos de processo de obras que referia que “O aditamento agora apresentado, no sentido de “ultrapassar” as questões relativas à cércea, (decorrentes de uma leitura “à letra” do texto do art. 6º nº 5 do regulamento do PDM), alivia a ocupação ao nível do ultimo piso que deixa de ter funções habitacionais e se comporta como área de estar (lazer), sobre cobertura em terraço. Atendendo aos antecedentes, à qualidade arquitectónica da proposta e à sua adequação às características particulares do local, considera-se aceitável a alternativa encontrada, já que se aproxima do “texto” em causa”.
6.- Por informação complementar constante de fls. 195, foi o mesmo aditamento INDEFERIDO, com o seguinte fundamento:
“Volumetricamente, parece-nos que a solução final não está muito diferente da solução original, alterando-se unicamente a atribuição funcional ao nível do último piso projectado. Este é seguramente o aspecto mais importante e que mais inconvenientes poderá trazer ao nível da ocupação pretendida.
Ainda que, efectivamente, a solução seja de algum interesse e a sua presença possa sair minimizada pela linguagem adoptada (alguma leveza), julga-se conveniente uma avaliação mais eficaz.
Recomenda-se que sejam anexados elementos desenhados que permitam avaliar as capacidades construtivas dos terrenos localizados em cotas superiores, bem como levantamento (com cotas) mais abrangentes e perfis de forma a se ter uma leitura completa de eventuais prejuízos decorrentes da alteração da cota de soleira.
Para já, recomenda-se o indeferimento nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 24º do DL 555/99 de 16 de Dezembro, alterado pelo DL 177/01 de 4 de Junho”.
7.- Face a este indeferimento, o segundo requerido, por requerimento de 1/07/2003, constante de fls. 200/2 dos autos de processo de obras veio “apresentar elementos desenhados, elucidativos sobre as cotas superiores dos terrenos envolventes e da sua influência altimétrica nas futuras construções, para o que apresentou a Memória Descritiva constante de fls. 207, com o seguinte teor:
“Vem a presente memória descritiva e desenhos juntos em cumprimento ao solicitado no ofício 763/50 dessa Exma. Câmara, no intuito de apresentar elementos mais elucidativos referente às cotas existentes no local de intervenção e as cotas dos terrenos envolventes assim como uma previsão da sua influência na altimetria de futura construções vizinhas.
Em anexo apresenta-se uma planta com o levantamento envolvente mais alongado, onde se demarcou o caminho de servidão a norte que de momento não se tem percepção no local mas é um direito adquirido para serventia dos terrenos interiores no qual se poderá constituir através de plantas antigas para melhor elucidação do cadastro, demarcou-se uma parcela de terreno autónomo contígua a nascente ao local de intervenção de pertença do requerente, com uma área de 280.00 m2 e registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 011752/070400, e com o artigo 1331, parcela essa destinada a terreno de pinhal que obriga que as futuras construções sejam efectuadas mais afastadas da propriedade do requerente e numa cota de implantação mais elevada.
Conforme se poderá apreciar nos perfis, a intervenção apresentada e em curso não vai criar qualquer inconveniente de vistas, de salubridade ou de qualquer espécie as futuras construções que venham a edificar-se nos terrenos posteriores (nascente) em virtude de se situarem em cotas de terreno superior à da implantação apresentada”.
8.- O que mereceu por parte da requerida Câmara Municipal a seguinte informação constante de fls. 214 dos autos de processo administrativo de obras:
“1. Face aos documentos agora anexados, que incluem um perfil esclarecedor da relação altimétrica da construção com os terrenos localizados a cotas superiores, somos de parecer que a alteração introduzida poderá não trazer quaisquer inconvenientes para uma futura ocupação da área envolvente.
2. Recomenda-se a aceitação da versão de alterações.
3. Porque disso se trata (projecto de alterações), deverá juntamente com os elementos a apresentar na fase de apreciação dos projectos de especialidades, completar o processo com os elementos previstos pela portaria 1110/01 de 19 de Setembro, nomeadamente:
a) desenhos cotados;
b) pormenores construtivos;
c) quadro sinóptico anexo à memória descritiva”.
9.- Ao caso dos autos é aplicável o disposto no artigo 6º, nº 5, 6 e 8 do Plano Director Municipal de Caminha, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 158/95, de 19/11, o qual impõe para a construção em causa um número máximo de pisos de r/c + 1 e um coeficiente de ocupação do solo de 0,50, sendo a cércea prevista para o local, de 0,50.
10.- A obra em questão foi considerada como violadora do PDM previsto para o local, motivo pelo qual, mesmo após apresentação de aditamento, foi objecto do indeferimento atrás referido, constante de fls 195, com base no disposto no artigo 24º, nº 1, al. a) do DL nº 555/99, de 16/12.
11.- A requerida Câmara Municipal sujeitou a aprovação do pedido de licenciamento à apresentação de um estudo da envolvente do prédio, o qual foi apresentado pelo 2º requerido.
12.- No entanto, tal estudo nunca pode ser fundamento, como foi, para viabilizar um aumento da cota ou da cércea prevista para o local.
13.- Dispõe o artigo 21º, nº 1 do PDM de Caminha que:
“1- Nos casos que pela sua localização e envolvente imediata, e desde que aprovados por estudo de enquadramento que o justifique, é possível ultrapassar o COS máximo, mas sem que seja ultrapassada a cércea máxima prevista.”
14.- é a própria requerida Câmara Municipal que indefere o pedido de licenciamento por violação do PDM, nos termos do disposto no art. 24º, nº 1, al. a) do DL nº 555/99, de 16/12.
15.- Face a este fundamento, o posterior deferimento do mesmo pedido só pode suceder caso seja afastada a violação em causa contudo, tal não pode proceder, na medida em que, esse estudo nunca pode justificar um aumento da cércea ou da cota da construção, como é o caso dos autos – cfr. art. 21º do RPDM de Caminha, supra citado.
16.- Pelo que, salvo sempre o devido respeito, pela análise cuidada dos documentos constantes do processo administrativo, impunha-se a procedência da presente providência.
17.-A manutenção da realização da obra em causa até à decisão a ser proferida no processo principal acarretará ainda maiores prejuízos em caso de procedência desta, na medida em que a obra executada ilegalmente terá de ser demolida, o que será tanto mais dispendioso quanto mais evoluir a construção.
18.- A douta decisão ora recorrida violou, assim, por errada interpretação o disposto nos artigos 6º, 21º, e 27º do Regulamento do Plano Director Municipal, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 158/95, de 19/11, artigo 24º, n.º 1, al. a) do DL n.º 555/99, de 16/12. (…).”
O ente público demandado, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 243 e segs.) nas quais sustenta, em suma, o improvimento do recurso e a condenação da recorrente como litigante de má-fé.
Idêntico posicionamento foi manifestado pelo contra-interessado, aqui ora recorrido, conforme se infere das contra-alegações insertas nos autos (cfr. fls. 235 e segs.), nas quais conclui igualmente pela manutenção do julgado e condenação da recorrente como litigante de má-fé e indemnização em seu favor a fixar pelo Tribunal mas em montante nunca inferior a € 5000,00.
O M.m.º Juiz “a quo” sustentou a decisão recorrida nos termos constantes do despacho de fls. 304 dos autos.
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146º e 147º ambos do CPTA nada veio apresentar ou requerer (cfr. fls. 322 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4ª edição, pág. 391).
As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, a determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao rejeitar a providência cautelar peticionada violou ou não os arts. 06º, 21º e 27º do Regulamento do Plano Director Municipal de Caminha (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 158/95, de 29/11 e não de 19/11 como certamente por lapso é referido em sede de alegações) e 24º, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 555/99, de 16/12 [cfr. conclusões supra reproduzidas].
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) O 2º Requerido é proprietário de uma moradia familiar em construção num terreno, também sua propriedade, sito no lugar do Alto da veiga, freguesia de Seixas, concelho de Caminha, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo … e descrito na conservatória do registo predial de Caminha sob o nº. …, com a área de 810 m2 (doc. de fls. 14 a 16 dos autos);
II) A construção da moradia familiar, foi objecto de um projecto de obras – nº. …/2000 -, aprovado pela entidade requerida, em 2001-01-10, tendo sido emitido o alvará de licença de construção nº. …/2001, em 28 de Novembro de 2001, e licenciava a construção de uma habitação, com dois pisos, com a área de construção de 408 m2 (doc. de fls. 103 dos autos);
III) Em 31 de Julho de 2002, a entidade requerida elaborou auto de embargo e de suspensão total de obras de construção, em virtude de o prédio edificando se encontrar a ser executado em desacordo com o projecto aprovado, nomeadamente na altimetria (doc. de fls. 20 e 21 dos autos);
IV) O projecto da moradia foi objecto de alterações que foram aprovadas em 19/01/2004, tendo sido emitido o respectivo alvará, com o nº. …/2004, em 18/02/2004, o qual define a área de implantação do edifício em 296,80 m2, correspondente a dois pisos, fixando-se o COS em 0,272 (doc. de fls. 29 e 105 dos autos);
V) O 2º Requerido possui licença de construção válida até 18/05/2005 (doc. de fls. 111 dos autos);
VI) Nos termos do Plano Director de Caminha, o referido terreno está situado numa zona de espaço urbanizável H2;
VII) Tendo como referência a cota do arruamento, as cotas de soleira do edifício construído fixaram-se em 5,51 metros, tendo a mesma aumentado em 2,17 metros relativamente ao projecto inicialmente aprovado;
VIII) O projecto aprovado pela 1ª Requerida licencia uma moradia familiar de r/c e 1º andar, sem cave;
IX) Para efeitos de construção do edifício objecto e licenciamento, foi tida em conta pela entidade requerida a área do terreno referido supra em I), de 810 m2;
X) A construção do edifício esteve parada durante cerca de ano e meio, após o embargo administrativo, tendo sido reiniciada em Fevereiro de 2004.
XI) Resulta ainda da decisão recorrida em sede de decisão de facto que “(…) Com interesse para a decisão a proferir nestes autos, nada mais se provou. (…).”
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
Invoca a recorrente, como fundamento material de recurso, que a decisão recorrida contraria o que decorre dos arts. 06º, 21º e 27º do Regulamento do Plano Director Municipal de Caminha (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 158/95, de 29/11) e 24º, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 555/99, de 16/12
Para a análise da bondade da decisão em recurso importa efectuar uma prévia incursão no actual regime de contencioso administrativo, em especial, em matéria dos procedimentos cautelares, mormente, dos seus critérios de decisão, dos seus pressupostos ou requisitos para a sua decretação.
Os procedimentos cautelares vêm regulados, com autonomia, no Título V do CPTA (cfr. arts. 112º e segs.), nele estando abrangidos os processos cautelares de natureza conservatória, como se nos afigura estarmos em presença nestes autos.
Note-se, no entanto, que a distinção entre providências conservatórias e antecipatórias não é questão isenta de alguma dificuldade.
Como doutamente se sustentou no Ac. STA de 24/11/2004 - Proc. n.º 1011/04 (in: «www.dgsi.pt/jsta») “(…) tomando como exemplo a suspensão de eficácia de um acto administrativo e sendo inquestionável que, quer o Legislador (vide, a “Exposição de Motivos” do CPTA) quer a doutrina (…), a qualificam como conservatória, não é menos certo que, porém, tal providência, se concedida, não deixa de se consubstanciar, de alguma maneira, numa antecipação provisional de certos efeitos da decisão definitiva a proferir no processo principal.
(…) O já exposto leva-nos a relativizar a classificação das providências cautelares entre conservatórias de antecipatórias, tanto mais que, por vezes, se verifica uma sobreposição entre as funções conservatória e antecipatória.
(…) De qualquer maneira, o que importa aqui assinalar é que não é pela simples circunstância de uma determinada providência cautelar antecipar certos efeitos da decisão definitiva que, sem mais, se deva concluir que nos encontramos perante uma providência antecipatória.
(…) Ora, temos para nós que a providência será conservatória quando o interessado pretenda manter ou conservar um direito, ou seja, aqui o que se almeja é manter o statu quo, procurando que ele se não altere.
Por sua vez, a providência será antecipatória quando o interessado vise “alterar o statu quo”, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente. (…).” [cfr. ainda Ac. do STA de 13/01/2005 - Proc. n.º 1273/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»; vide ainda sobre esta temática Dr.ª Isabel Celeste M. Fonseca in: “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura)”, págs. 66 a 68].
Daí que à luz destes ensinamentos e analisada a pretensão em presença temos que concluir pela natureza conservatória das providências requeridas pela ora recorrente.
Para além disto, sendo uma providência cautelar entre as outras previstas no CPTA a mesma depende da verificação dos requisitos gerais previstos e enunciados no art. 120º do CPTA.
Nesta sede, importa distinguir e escalpelizar os critérios de ponderação da necessidade, adequação e equilíbrio das providências cautelares cujo decretamento se requer.
Como é sustentado pela doutrina que sobre o normativo já se foi produzindo [cfr. entre outros, Prof. J. C. Vieira de Andrade, in: ob. cit., págs. 299 e segs.; Prof. Mário Aroso de Almeida in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista e actualizada, págs. 293 e segs., em especial, págs. 298 a 303; Prof. João Caupers in: “Introdução ao Direito Administrativo”, 7ª edição, págs. 372 e segs.; Prof. Colaço Antunes em “Brevíssimas notas sobre a fixação duma summa gravaminis no processo administrativo” in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004, págs. 91 e 92; Dra. Isabel Celeste M. Fonseca in: ob. cit., págs. 65 e segs.; Dra. Carla Amado Gomes em “O Regresso de Ulisses: um olhar sobre a reforma da justiça cautelar administrativa” in: “Cadernos Justiça Administrativa” n.º 39, págs. 04 e segs.], importa autonomizar, desde logo, as situações em que se trate de providências dirigidas contra actos manifestamente ilegais, por si ou por referência a actos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra actos de aplicação de normas já anulados [cfr. art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA].
Neste tipo de situações o seu decretamento é quase automático na medida em que assente em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade – a Administração não deve praticar tais actos) e a tutela dos interesses privados (particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada).
Segundo é defendido pelo Prof. Vieira de Andrade (in: ob. cit., pág. 298) quanto a este tipo de situações “(...) o juiz deve (...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível’ ou ‘justificada’ a cautela que é solicitada.
Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que em termos provisórios a solução pretendida.
Note-se, porém, que a lei não refere este requisito para a adopção da providência cautelar, quando seja evidente a procedência da pretensão formulada [alínea a) do n.º 1 do art. 120º]. (...).”
E conclui o citado autor “(...) nesse caso, o tribunal está dispensado de fundamentar a sua decisão no juízo de perigosidade – no entanto, mesmo nessas situações o perigo releva, na medida em que a providência só pode ser pedida ou concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido. (...)”.
Tal como é doutrinado pelo Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) se o tribunal considerar preenchida a previsão do art. 120º, n.º 1, alínea a), ele concede a providência sem mais indagações. Não intervém o disposto no n.º 2 e nem sequer há que atender ao critério do periculum in mora, a que fazem apelo as alíneas b) e c) do n.º 1. É a situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, que, em situações de manifesta procedência da pretensão material do requerente, vale por si só. (...) a alínea a) do n.º 1 não prevê requisitos de cujo preenchimento dependa, em circunstâncias normais, a concessão de quaisquer providências. Pelo contrário, o que a alínea a) do n.º 1 faz é estabelecer que, em situações excepcionais, qualquer providência deve ser atribuída sem necessidade do preenchimento dos requisitos normais. O artigo 120º, n.º 1, alínea a), contém, assim, uma norma derrogatória, para situações excepcionais, do regime de que depende a concessão de providências cautelares em circunstâncias normais, cujo sentido e alcance é afastar, para essas situações, a normal aplicação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 120º (...).” (sublinhados nossos) (vide ob. cit., págs. 298 e 299).
Refere ainda aquele mesmo Professor que “(...) no que à suspensão de eficácia de actos administrativos diz respeito «dar relevância, em sede cautelar, aos eventuais indícios de ilegalidade do acto implica afastar a ideia de que a execução de quaisquer actos praticados em certos domínios é, por definição, de interesse público. Pelo contrário, desde logo nos casos de invalidade ostensiva do acto, o fumus boni iuris justifica, sem mais dificuldades e seja qual for o domínio de matérias a que o acto diga respeito, a imediata suspensão judicial da sua eficácia, que nesse caso não se pode considerar lesiva do interesse público. Deste modo se admite a atribuição, no caso concreto, da providência cautelar, mesmo relativamente a decisões administrativas que, em abstracto, seria de presumir que, pela natureza dos interesses que visam proteger, careceriam de urgente execução.” (vide ob. cit., pág. 295).
Nas palavras da Dra. Isabel Fonseca na previsão do art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA “(...) sem que haja necessidade de invocar o periculum in mora, o juiz decreta a providência solicitada se considerar «evidente a procedência da pretensão» formulada no processo principal (...)”(vide ob. cit., pág. 65) (sublinhados nossos).
A ilegalidade ostensiva justifica, por conseguinte, que o juízo de proporcionalidade quanto à decisão de emissão da medida cautelar se constranja perante a exigência da célere reposição da legalidade.
Nestes termos, a manifesta ilegalidade do acto, uma vez sumariamente demonstrada, impõe ou vincula o juiz a decretar a providência peticionada pelo requerente ainda que existam contra-interessados, vinculação essa que comportará pelo menos a excepção nos casos em que o requerente vá a juízo num prazo tardio e após o início de produção fáctica de efeitos do acto e que será sempre superior a um ano por confronto com o prazo limite de impugnação de actos anuláveis para o MºPº [cfr. art. 58º, n.º 2, al. a) do CPTA] (cfr. Dra. Carla Amado Gomes, in: loc. cit., pág. 08).
Importa, todavia, precisar o conceito de “manifesta ilegalidade”.
Tal como se decidiu no acórdão deste mesmo TCA Norte de 20/01/2005 - Proc. n.º 1314/04.6BEPRT (in: «www.dgsi.pt/jtcn») “(…) Na situação contemplada na alínea a) do n.º 1 do art. 120º o fumus boni iuris adquire a máxima intensidade, pois a providência é automaticamente concedida sem necessidade de atender ao periculum in mora e à ponderação de interesses públicos e privados. Trata-se de providências dirigidas contra “actos manifestamente ilegais”, por si ou por referência a actos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes, e contra actos de aplicação de normas já anuladas. Nas situações de manifesta, ostensiva e grave ilegalidade, sumariamente demonstrada, que evidencie a procedência da acção principal, é imperioso repor rapidamente a legalidade, ainda que haja interessados particulares a pugnar pela sua manutenção. Dispensa-se a ponderação de interesses públicos e privados e o juízo de proporcionalidade quanto à decisão da providência porque o critério da evidência da pretensão principal incorpora já a salvaguarda de tais interesses, do interesse público, porque a Administração não pode praticar actos ilegais, e dos interesses particulares, porque têm direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada.
O juízo sobre a evidência da pretensão principal em face da manifesta ilegalidade do acto impugnado, uma situação excepcional perante as situações que normalmente justificam as providências cautelares, é ainda mais excepcional quando a ilegalidade do acto impugnado deriva de vícios formais. É que as ilegalidades verificadas nos elementos formais ou extrínsecos do acto administrativo, susceptíveis de produzir invalidade, podem não conduzir necessariamente à sua anulação, quer por ser um vício irrelevante no caso concreto, quer por ser possível o seu aproveitamento pelo juiz.
Em princípio, só quanto aos vícios graves, aqueles que concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso que implicam a nulidade do acto, é possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal. Já quanto à violação de preceitos de forma em sentido amplo, que inclui a forma propriamente dita e o procedimento, que seja cominada com a anulabilidade nem sempre a preterição da forma conduz à anulação. Existem vícios formais com potência invalidante que, pela menor importância da forma ou por motivos de economia de actos públicos, possibilitam ao juiz recusar a anulação, declarando a irrelevância do vício, ou realizar o aproveitamento do acto. No primeiro caso, o acto não será anulado se o juiz comprovar que no caso concreto foram alcançados os fins específicos que o preceito violado visava alcançar. Esta é a posição sufragada pela generalidade da doutrina e jurisprudência portuguesa que considera «formalidades não essenciais», aquelas cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigi-las, e que, para este efeito, serve para distinguir “vícios essências” de “vícios não essenciais”, conforme impliquem, ou não, a anulação do acto. No segundo caso, se a decisão tomada corresponde à solução imposta pela lei para o caso concreto, o que só se pode saber nos actos vinculados, o juiz pode conservar o acto administrativo, uma vez que não existem dúvidas que um administrador normal e razoável o irá repetir com o mesmo conteúdo (…)” (cfr. neste sentido, Acs. do TCA Norte de 16/09/2004 - Proc. n.º 764/04.2BEPRT, de 16/12/2004 - Proc. n.º 467/04.8BECBR, de 03/03/2005 - Proc. n.º 687/04.5BEVIS todos in: «www.dgsi.pt/jtcn»).
Refira-se, aliás, o a este propósito sustentado pelo Prof. Colaço Antunes (in: loc. cit., pág. 93) “(…) presume-se o fumus do recorrente, numa primeira análise, a exigir, apesar da evidência da pretensão (artigo 120º/1/a do C.P.T.A.), um juízo de probabilidade qualificado (sobretudo nos actos e natureza prestacional); isto é, que o acto pareça claramente ilegal (nulidade ou inexistência do acto, artigo 120º/1/a) ou seja manifestamente evidente a existência de um direito ou interesse legalmente protegido (…).” (sublinhados nossos).
Tecidos estes considerandos de enquadramento jurídico, mormente, quanto ao âmbito da previsão do art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA e dado a recorrente haver deduzido o presente procedimento cautelar invocando o referido normativo (cfr. cabeçalho da petição inicial), cumpre, agora, reverter para o caso vertente e avaliar da procedência da argumentação expendida pela recorrente no presente recurso jurisdicional, sendo certo que, conforme constitui jurisprudência uniforme o objecto do recurso jurisdicional é sempre a decisão judicial recorrida (cfr. art. 676º, n.º 1, do CPC) e não o acto administrativo (ou omissão do mesmo) objecto de impugnação no processo judicial (principal ou cautelar), o que implica a obrigação para quem a queira discutir ou questionar de invocar os motivos da sua discordância em relação aos fundamentos e argumentos invocados e à interpretação dos preceitos aplicáveis que foi por ela adoptada, de molde a permitir ao tribunal superior apreciá-las, pois, no recurso jurisdicional, não pode o recorrente limitar-se a repetir os argumentos anteriormente aduzidos e com que visara demonstrar a ilegalidade daquele acto, tendo antes o ónus de expor as suas razões de discordância relativamente à solução encontrada na decisão judicial recorrida, atacando os fundamentos em que a mesma assentou.
Diga-se, desde já, que analisando as alegações de recurso jurisdicional produzidas pela recorrente esta, salvo melhor opinião, não cumpriu devida e satisfazmente aquele ónus tanto mais que assaca à decisão judicial recorrida os vícios de ilegalidade que havia imputado ao acto administrativo cuja suspensão de eficácia tinha peticionado, reiterando o posicionamento expresso no articulado inicial e que não mereceu acolhimento na sentença recorrida, sem que a esta assacasse vícios próprios, mormente, em termos de incumprimento dos critérios de decisão cautelar vertidos no art. 120º do CPTA.
Nessa medida, teria de improceder o recurso jurisdicional.
Todavia, ainda que tal se não entenda e se considere que com a argumentação expendida a recorrente assaca à sentença em crise a infracção ao comando expresso no art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA porquanto se trataria duma situação em que, alegadamente, haveria manifesta ilegalidade do acto administrativo suspendendo, temos que também terá de ser julgado improcedente o presente recurso jurisdicional.
Com efeito, confrontada a factualidade alegada pela recorrente no seu requerimento inicial com a factualidade lograda provar nos autos pela mesma e que se mostra supra fixada, factualidade essa relativamente à qual a recorrente não deduziu qualquer impugnação em sede do presente recurso, temos que em termos informatórios e sumários não se mostra minimamente demonstrada a manifesta ilegalidade assacada ao acto licenciador que funde a decretação da medida cautelar nos termos do art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA.
É que a recorrente sustentava que no caso a edificação do contra-interessado não cumpria o PDM de Caminha pois tinha três pisos (cave, r/c e 1º andar) o que infringia o índice de área urbanizável (H2 – r/c e 1º andar), bem como violava o COS que seria de 0,50 e ainda a implantação não respeitava a cota soleira que seria de 0,50m.
Ora a mesma como é referido na decisão recorrida não cumpriu o ónus de alegação e o ónus probatório que sobre a mesma recaía em termos de demonstrar que, no caso concreto, se verificava uma situação fáctica subsumível a ilegalidade manifesta.
Nada da factualidade provada nos permite concluir, segundo um juízo perfunctório e sumário que nesta sede cumpre efectuar, pela ocorrência ou preenchimento “in casu” de qualquer das ilegalidades atribuídas ao acto licenciador, valendo aqui os considerandos tecidos na decisão recorrida que aqui se secunda.
Improcede, por conseguinte, a argumentação da recorrente nesta sede.
Estando, todavia, em causa a adopção de providências conservatórias em que a situação não tenha enquadramento na al. a) do n.º 1 do art. 120º o CPTA prevê um distinto grupo de condições de procedência e que se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. b) e 2 do citado artigo, condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir:
a) A duas condições positivas de decretamento:
- «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e
- «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito”) – avaliação, em termos sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou da(s) ilegalidade(s) que o mesmo invoca e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
Afirma a Dra. Carla Amado Gomes que fora das situações da alínea a) quando se requeira a concessão de providência conservatória ou antecipatória [alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 120º] “(...) O legislador elegeu aqui o critério de apreciação da necessidade de tutela em função da procedibilidade da pretensão cautelar.
Por outras palavras, a par da urgência do decretamento da providência, justificada pelo periculum in mora – observável em ambos os casos -, há que aferir:
- Estando em causa a paralisação dos efeitos duma actuação administrativa, o fumus non malus da pretensão do requerente, ou seja, a não manifesta falta de fundamento desta;
- Estando em causa a propulsão de efeitos gerada pela inacção ou actuação administrativa ilegal, o fumus boni iuris da pretensão do requerente, ou seja, a procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório proferido.” (vide in: loc. cit., pág. 09).
Quanto ao requisito do “periculum in mora” o mesmo traduz-se nas palavras do legislador no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar [ou ver reconhecidos] no processo principal”.
As providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela.
Pretende-se combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica (cfr. Prof. Antunes Varela e Drs. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in: “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 23).
Nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado.
Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco de infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério deixa, pois, de ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal.
Note-se que a redacção, quer da alínea b), quer da alínea c), do n.º 1 do artigo 120º é diferente daquela que, para a atribuição de providências cautelares não especificadas em processo civil, consta do artigo 381º, n.º 1 do CPC, que é mais exigente, ao falar de uma “lesão grave e dificilmente reparável” (...). Assume-se, pois, aí, que nem todos os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação justificam a adopção de providências cautelares, mas só aqueles que, pela sua gravidade, a jurisprudência venha a seleccionar, para o efeito de considerar dignos de tutela preventiva. Não é assim em contencioso administrativo.” (vide ob. cit., págs. 299 e 300).
Nesta sede, em que se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76º da LPTA, ou seja, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos (cfr., Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 299; Prof. Mário Aroso de Almeida in: ob. cit., pág. 297).
Importa, ainda, ter presente que devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou colectivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais.
Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo de fundado receio há-se corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível» ou justificada a cautela que é solicitada.” (vide ob. cit., pág. 298).
Quanto ao requisito positivo de procedência do “fumus boni iuris” o CPTA opta por efectuar uma distinção em função da providência cautelar ser conservatória ou antecipatória, estabelecendo que ela deve ser mais facilmente decretada no primeiro caso do que no segundo, distinção essa que, no entanto, poderá ser susceptível de gerar, como supra aludimos, equívocos em certas situações concretas quanto à sua caracterização e que se avolumarão com a possibilidade de cumulação de pedidos nos processos cautelares.
Nesta sede importa ter presente uma das alterações significativas introduzidas no novo contencioso administrativo em matéria cautelar e que se prende com enorme relevância conferida a este requisito.
Segundo refere o Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) elimina-se, sem deixar dúvidas, um dos corolários mais perversos do dogma autoritário da «presunção de legalidade do acto administrativo», quando se passa a reconhecer e a conferir até relevo fundamental ao fumus boni iuris. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» acto administrativo.” (vide ob. cit., pág. 299).
Assim, se estivermos perante uma providência conservatória, com a qual se pretende manter o “statu quo” [cfr. art. 120º, n.º 1, al. b) do CPTA], o requisito ora em análise é mais suave, porquanto surge-nos na sua formulação negativa, ou seja, se não for “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Atente-se que se para o decretamento da providência conservatória não se impõe uma indagação exaustiva da existência do direito invocado pelo requerente ainda assim é manifesto que tal decretamento não pode ter lugar se não forem recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança de tal direito, pois, só perante a existência de tais elementos de prova será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.
Já no caso de estarmos na presença duma providência antecipatória, com a qual se visa alterar o “statu quo” antecipando aquilo que seria o desfecho do processo principal [cfr. art. 120º, n.º 1, al. c) do CPTA], a providência só será concedida quando seja de admitir que é “(...) provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, pois, aqui o critério do “fumus boni iuris” intervém na sua formulação positiva (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 300).
É, assim, que se o requerente visa, ainda que a título provisório, que o estado das coisas se alterem em seu favor sobre o mesmo impende o ónus de fazer prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida ou que irá formular no processo principal, valendo aqui os critérios consagrados pela doutrina do processo civil sobre a apreciação perfunctória da aparência de bom direito a que o juiz deve proceder no âmbito dos processos cautelares.
Entende a Dra. Isabel Celeste Fonseca que “(...) esta nuance na apreciação do critério do fumus boni iuris tem como objectivo facilitar a decretação de medidas simplesmente conservatórias – pois só uma forte aparência de falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal (ou uma evidente circunstância que obste ao conhecimento de mérito da causa) pode obstar ao seu deferimento – e exigir uma apreciação mais profunda e intensa da causa quando é solicitada a emissão de uma medida antecipatória. Deste modo se tenderá a evitar o seu errado decretamento.” (vide ob. cit., pág. 66).
O preenchimento das als. b) ou c) do n.º 1 do art. 120º do CPTA colocam o requerente numa posição de partida favorável à obtenção da providência, mas a verificação de tais requisitos carece ainda de ser complementada pelos requisitos ou pressupostos previstos no n.º 2 do aludido normativo legal, o qual introduz aquilo já foi denominado pela doutrina como “cláusula de salvaguarda”.
Aos referidos critérios positivos de verificação da necessidade da providência e sua decisão acrescem, por conseguinte, ainda o pressuposto ou requisito negativo da ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio em termos de proporcionalidade da decisão de concessão ou recusa tal como se mostra previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 120º do CPTA.
Como é sustentado pelo Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) o artigo 120º, n.º 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses, públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do requerente, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que «os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
Abandona-se, assim, a tradição, forjada no âmbito da aplicação do instituto da suspensão de eficácia de actos administrativos, de se ponderarem separadamente os pressupostos de que dependia a concessão da providência e em valor absoluto os riscos para o interesse público que dessa concessão poderiam advir. A justa composição dos interesses em jogo passa, pelo contrário, a exigir que o tribunal proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos) com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente.” (vide ob. cit., pág. 293).
Temos, por conseguinte, que o juiz cautelar, fora da situação excepcional prevista no art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA, mesmo verificados os requisitos ou pressupostos positivos supra aludidos deve recusar a concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende obviar ou evitar com a providência.
Tal superioridade, nas palavras do Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) há-de estabelecer-se tendo em consideração a possibilidade de evitar ou atenuar os prejuízos causados pela concessão através de contra-providências (...) artigo 120º, n.º 2, in fine (...)”(vide ob. cit., pág. 302), sendo que na ponderação a efectuar-se ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença.
Não consagra a lei qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que, como é defendido por este Professor “(...) não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. (...) o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.” (vide ob. cit., pág. 303).
Importa, por fim, ter presente que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que da conjugação dos arts. 112º, n.º 2, al. a), 114º, n.º 3, als. f) e g), 118º, 120º todos do CPTA não se mostra consagrada uma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, termos em que o requerente do presente meio cautelar não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente (cfr. arts. 114º CPTA e 264º, n.º 1 do CPC), bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos, não podendo o tribunal substituir-se-lhe, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo (cfr. art. 664º, 2ª parte do CPC).
Tal ónus só não será actuante perante os factos notórios ou de conhecimento geral como resulta do art. 514º do CPC.
Face a estes considerandos de enquadramento necessários para continuação da análise de fundo do presente recurso cumpre, agora, improcedente que se mostra a decretação da providência à luz da al. a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA aferir da verificação no caso dos requisitos previstos nos n.ºs 1, al. b) e 2 do mesmo normativo.
Tendo presentes os referidos considerandos e a factualidade apurada nos autos temos para nós que, no caso vertente, também não estão reunidos os demais requisitos para o decretamento das providências requeridas à luz daquele normativo e o presente recurso jurisdicional está integralmente votado ao fracasso.
Com efeito, mesmo a admitir que ocorre ou se verifica no caso concreto o requisito da aparência do bom direito (“fumus boni iuris”) na sua vertente de não ser manifesta a falta de fundamento ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, conforme reclama a recorrente, o que não se concede, esta não alegou e muito menos provou qualquer factualidade na qual se possa estribar o outro requisito necessário para a decretação da providência, ou seja, o do receio da constituição duma situação de facto consumado ou da ocorrência de prejuízos de difícil reparação (“periculum in mora”).
Com efeito, analisado o articulado inicial, mormente, seus artigos 42º a 45º, bem como a factualidade lograda apurar e provar pela requerente [cfr. n.ºs I) a X)], temos que não se mostra no caso concreto configurada qualquer situação fáctica donde se possa concluir pela existência, por um lado, de risco fundado da constituição de uma situação de facto consumado mercê de haver receio fundado de que se a providência for recusada se tornará impossível a reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade uma vez decidido o processo principal com decisão favorável à pretensão da requerente, e, por outro, da provável existência de risco de ocorrência de prejuízos de difícil reparação, mormente, por a sua reintegração no plano dos factos se perspectivar difícil ou por haver prejuízos para os interesses da requerente ou de outros, já produzidos ou a produzir ao longo do tempo, e cuja reintegração da legalidade não é possível reparar ou reparar integralmente.
Não foi ou ficou provada qualquer situação concreta que de algum modo pudesse a vir a constituir uma situação de facto que inviabilizasse a utilidade da apreciação do litígio entre as partes na acção principal, nem foram invocados quaisquer prejuízos decorrentes da execução da decisão em questão na esfera jurídica da requerente e cuja reparação fosse difícil de vir a concretizar-se, tanto para mais que a conclusão da edificação pelo contra-interessado não poderá configurar-se como uma situação de facto consumado porquanto decidido no autos principais ter ocorrido licenciamento ilegal sempre em execução da decisão judicial se poderá proceder à demolição da mesma na sua totalidade ou na parte que infrinja os comandos legais assim se procedendo à reposição da legalidade e à restauração “in natura” da situação de facto não fora aquela ilegalidade.
A requerente limitou-se, por um lado, a alegar realidade meramente conclusiva, e, por outro lado, não provou qualquer realidade factual integradora do requisito em questão, como lhe incumbia, já que a mesma nenhuma prova documental, testemunhal ou outra legalmente admissível requereu e/ou apresentou que permitisse ao Sr. Juiz “a quo” fixar e considerar provada outra factualidade tida por relevante.
Daí que tenha sido afirmado na decisão recorrida, em sede de julgamento de facto, que “(...) Com interesse para a decisão a proferir nestes autos, nada mais se provou. (...).”
Com tal comportamento a requerente inviabilizou a possibilidade do Tribunal poder formar um juízo de prognose que lhe permitisse concluir, com segurança, que, uma vez obtida sentença favorável com provimento dos autos principais, a situação futura que virá a existir seja a de que tal sentença vir a mostrar-se inútil por se haver consumado uma situação de facto incompatível com ela ou que, entretanto, ocorreram ou se produziram prejuízos de difícil reparação que obstam à reintegração específica da esfera jurídica da mesma.
Impendia sobre a recorrente o ónus de alegação e de prova dos requisitos necessários à concessão das providências solicitadas, pelo que não o tendo feito terá de improceder a sua pretensão e, nessa medida, a decisão recorrida de indeferimento das providências peticionadas terá de manter-se com base na fundamentação aqui ora expendida porquanto não infringe o regime legal vertido no art. 120º do CPTA.
Nessa medida, não demonstrado e provado o requisito do “periculum in mora” temos que se torna ocioso ou inútil a análise dos demais requisitos exigidos legalmente para o decretamento da presente providência, mormente, mostram-se inócuas as conclusões formuladas nas alegações da recorrente quanto ao destino a que está votada a pretensão formulada pela mesma nos autos “sub judice” porquanto o pedido cautelar de suspensão de eficácia sempre teria de ser indeferido por ausência de verificação dos requisitos cumulativos para a sua decretação.
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DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ
Os requeridos, aqui ora recorridos, vieram peticionar a condenação da requerente como litigante de má fé nos termos e pelos fundamentos vertidos nas respectivas contra-alegações.
Esta notificada das mesmas nada veio dizer ou declarar.
Cumpre decidir.
Estabelece o art. 456º do C.P.C. que:
"1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, é admitido recurso em grau, da decisão que condene por litigância de má fé".
Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 08º do CPTA, 266º e 266º-A do C.P.C., para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
Daí que no caso de alguma das partes num litígio actuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a acção da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má fé e impor-se-á então a sua condenação como litigante de má fé.
Para que possa falar-se de litigância de má fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de pôr quando se concluir que a actuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
Decorre do exposto que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
A propósito escreveu Prof. J. Alberto dos Reis (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 263) que "(...) não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (...)" e, ainda, que a "(...) simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir".
Neste sentido tem decidido o S.T.J., sendo que entre a jurisprudência daquele Venerando Tribunal, temos o acórdão de 11/04/2000 - Revista n.º 212/00, 1ª, onde se escreveu que "(...) a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa".
Também o STA no seu acórdão de 18/10/2000 (Proc. n.º 46.505 - in: «www.dgsi.pt/jsta») sustentou que “A multa por litigância de má fé destina-se a sancionar aqueles casos em que as partes, tendo agido com dolo ou negligência grosseira, tenham incorrido nalguma das interacções tipificadas na alínea a) a d) do n .º 2 do art. 456º do CPC”, sendo no seu sumário se pode ler ainda que “A liberdade que orienta as partes ao nível da defesa dos seus direitos tem como pressuposto o necessário conhecimento da justiça das suas pretensões; (…) A sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não se subscreve no conceito de lide dolosa.”
Assim, se formos colocados ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se.
É que o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente.
No caso "sub judice" a conduta da requerente, aqui ora recorrente, espelhada nas suas alegações de recurso jurisdicional produzidas nos autos em sustentação de tese e pretensão que veio afirmar nos autos, não veio a ter acolhimento na decisão final pelas razões atrás expostas.
Todavia, tal a conduta processual em presença, pese embora tenha sido inconsistente e inócua no e para o desfecho da lide, não integra ou não é enquadrável no conceito de litigância de má fé e, nessa medida, improcedem os pedidos de condenação da mesma fundados naquele instituto, valendo aqui os considerandos supra tecidos quanto ao enquadramento deste instituto e os que se mostram vertidos em sede da decisão recorrida na parte respeitante à improcedência do pedido de condenação em litigância de má fé.
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4. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de indeferimento das providências cautelares requeridas.
Custas a cargo da requerente, aqui recorrente, com redução a metade da taxa de justiça [cfr. arts. 73º-A, n.º 1, 73º-E, als. a) e f), 18º, n.º 2 todos do CCJ e 189º do CPTA].
Não se evidência dos autos a existência de litigância de má fé à luz do disposto nos arts. 456º e seguintes do CPC, pelo que nos abstemos de qualquer condenação fundada naquele instituto.
Notifique-se. D.N.
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Porto, 2005/03/10
Ass. Carlos Carvalho
Ass. Jorge Miguel B. Aragão Seia
Ass. Lino José B. R. Ribeiro