Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O ISS.IP/Fundo de Garantia Salarial, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por AMPL, tendente a impugnar o Despacho de 18 de Junho de 2013, do Presidente do Conselho de Gestão do FGS que indeferiu “o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado...”, inconformado com o Acórdão proferido em 23 de Junho de 2014, através do qual foi julgada procedente a Ação, mais condenando a “EPD (Entidade Pública Demandada), a apreciar o requerimento do A.” veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
Formula o aqui Recorrente/FGS nas suas alegações de recurso, apresentadas em 13 de Agosto de 2014, as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou a ação administrativa procedente, e, em consequência, decidiu anular o despacho de 18 de junho de 2013, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferiu ao A. o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, condenando o R. a apreciar o requerimento apresentado, com as necessárias adaptações, atendendo à norma “ad hoc” criada pela presente decisão e tendo por referência o Processo Especial de Revitalização, intentado pela entidade empregadora do A. e respetivo despacho judicial em que foi nomeado o administrador judicial provisório;
2. O âmbito objetivo do presente recurso cinge-se à questão de saber se cumpria ao tribunal estabelecer a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub judice “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório”;
3. O Tribunal “ a quo ” considerou que “ o regime jurídico estabelecido nos artigos 317º a 326º do RCT de 2004 ainda não se adaptou aos novos processos de revitalização, no entanto, o legislador dá indicações claras de que não foi sua intenção desproteger os trabalhadores cujas entidades empregadoras recorram ao PER ou ao SIREVE. A integração das lacunas da lei impõe-se face à obrigação resultante do artigo 8º n.º 1 do CC, que estabelece uma obrigação de julgar e dever de obediência à lei, o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. Estando o tribunal perante uma situação que merece a tutela do direito, atento o preceituado no artigo 336º citado, as regras jurídicas que subjazem ao PER ou ao SIREVE, os princípios de direito comunitário e a própria exigência comunitária relativa ao FGS, impõe-se a proteção jurídica dos trabalhadores quando os empregadores recorram a um PER”;
4. Ora, salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão recorrida, entendemos que o Meritíssimo Juiz “ a quo ” fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço;
5. O Estado, através da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, veio regulamentar o Fundo de Garantia Salarial, sendo que, nos artigos 318º e 324º, veio definir quais as situações abrangidas, em que são assegurados em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação e quais os meios de prova necessários para a instrução do requerimento;
6. Fazendo apelo ao elemento teleológico, nomeadamente, da norma do artigo 318º nºs 1 e 2, foi preocupação do legislador impor que, o Fundo de Garantia Salarial assegurasse em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que o empregador fosse judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que tenha iniciado o procedimento de conciliação;
7. Não tem a mínima correspondência na letra da lei a interpretação de que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório;
8. Como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº 3 do Código Civil), no sentido de referir que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que, tenha iniciado o procedimento de conciliação;
9. Com, efeito, o Tribunal “ a quo ” ao decidir que deve ser estabelecida a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub Júdice “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório encontra-se a ultrapassar a limitação imposta por Lei;
10. Só é lícito extrair um certo sentido ou alcance às normas contanto que esse mesmo sentido ou alcance tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (artigo. 9º n.º 2 do Código Civil), pois, caso contrário, não se interpreta a lei, outrossim se altera a lei por via jurisprudencial;
11. A norma do artigo 318º nºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, não pode ser aplicada analogicamente, ou interpretada extensivamente, de forma a abranger situações que extravasam a sua previsão legal, que é assegurar o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e, igualmente o pagamento dos créditos, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação;
12. Na verdade, não é possível, face à proibição decorrente do princípio da legalidade (Cfr. artigo 266º da Constituição da República Portuguesa) e da tipicidade, recorrer-se às regras gerais de interpretação e integração da lei, designadamente à reconstituição do espírito ou intenção legislativa, à unidade e harmonia do sistema jurídico, à analogia (cfr. artigo 10º, nº 3, do Código Civil) ou à “norma” que o próprio intérprete criaria, se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (id. artigo 10,º, nº 3, do Cód. Civil);
13. Em resultado da consagração legal do princípio da legalidade, nem o arbítrio judicial, nem a analogia, nem os princípios gerais de direito, nem a moral, nem o costume, poderão, em quaisquer circunstâncias, suprir lacunas que o sistema apresente, cabendo à lei, e só à lei a responsabilidade de o fazer;
14. No caso referido no artigo 318º n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, o legislador estabeleceu uma disciplina jurídica própria no que respeita aos casos em que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, pelo que inexistindo qualquer lacuna, não há que fazer apelo à analogia, designadamente aplicando a esses casos o disposto no artigo 10.º nºs 1 e 2 do Código Civil;
15. Não existe qualquer omissão de regulamentação para cujo preenchimento haja necessidade de fazer uso dos princípios decorrentes do artigo 10.º do Código Civil, sendo que, o legislador delimitou o âmbito das situações em que há lugar ao pagamento dos créditos em caso de violação ou cessação do contrato de trabalho e não em situações como a que se discute nos presentes autos;
16. A interpretação que é feita pelos Tribunais, vulgo interpretação judicial, está sujeita às regras legais sobre interpretação, não lhe cabendo, por princípio, sob a aparência da simples interpretação, o poder de criar normas;
17. Da mesma forma, considerar a posteriori, que as normas que regulamentam o Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente, a que faz referência o artigo 318º n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho se aplicam a outras situações, constituiria violação do principio da igualdade, pois, caso assim não se entendesse estar-se-ia a permitir, quiçá, que as entidades empregadoras que, nomeadamente, não tenham recorrido a um processo especial de revitalização o pudessem vir a fazer agora;
18. O referido princípio aludido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa seria violado com a aplicação retroativa da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, na medida em que permitiria, agora, que situações idênticas fossem tratadas de forma diferente, sendo certo que tal princípio impõe o tratamento das situações iguais de forma igual e das diferentes de forma diversa, na justa medida da diferença; Acresce que
19. Seria, igualmente inconstitucional a interpretação da norma do artigo 318º nºs 1 e 2 no sentido de que abrangerá, igualmente, o caso em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização, por violação do Princípio da Separação de Poderes (artigos 2.º e 111.º n.º 1 da CRP), já que corresponderia a uma substituição do Poder Legislativo, devidamente expresso e exercido de forma consciente pelos Tribunais;
20. Não basta pois sentenciar, como se fez na decisão judicial proferida, que ao tribunal cumpre estabelecer a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub Júdice “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório”;
21. A sentença recorrida deve assim, ser revogada por errada interpretação da lei, nomeadamente, dos artigos 317º e 318º n.º 1 e 2, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho; artigos 9º e 10.º do Código Civil, artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo e artigos 2.º, 13º, 111º e 266º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, em face das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a Decisão ora recorrida, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objetiva JUSTIÇA”
Em 5 de Novembro de 2014 foi proferido Despacho de admissão do Recurso Jurisdicional (Cfr. fls.156 e 157 Procº físico).
O aqui Recorrido não veio apresentar contra-alegações de Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 4 de Fevereiro de 2015 (Cfr. fls. 268 Procº físico), veio a emitir Parecer em 19 de Fevereiro de 2015, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado total provimento ao recurso jurisdicional sub judice e, consequentemente ser confirmado o douto acórdão recorrido (Cfr. fls. 170 a 172v Procº físico).
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne aos invocados erros de julgamento quanto à matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
“A) Em 11/06/2012, o Tribunal do Comércio de Lisboa proferiu o seguinte despacho, no processo nº 1008/12.9TYLSB,
“N... – Industrias da Avicultura, SA”, pessoa coletiva nº 504 500 627, com sede na A... da Quinta de SA, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, veio ao abrigo do disposto no art. 17-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intentar o presente processo especial de revitalização.
Alega estar em situação de insolvência iminente, reunindo embora as condições necessárias para a sua recuperação, estando a efetuar um plano de recuperação.
Juntou cópia dos documentos previstos no art. 24 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e requereu a nomeação do administrador judicial que indica. * O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização (art. 17-A, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
De acordo com o disposto o nº1 do art. 17-C, o processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
No caso dos autos, a requerente e o “BES, SA”, este na qualidade de credor, subscreveram em 23.05.2012 a declaração cuja cópia consta de fls. 24 dos autos (numeração do processo em suporte de papel) manifestando a sua vontade de encontrarem negociações conducentes à revitalização da devedora, por meio de um plano de recuperação.* Assim, nos termos do disposto na al. a) do art. 17-C, nomeio administrador judicial provisório da Requerida – deferindo ao pedido de nomeação desta formulado a fls. 11- o Sr. CCT, constante da lista oficial de Administradores de Insolvência de Lisboa, com domicílio na Avenida …, Lisboa.* Notifique de imediato a Requerente (art. 17-C, nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).* Notifique o Sr. Administrador judicial nomeado, sendo ainda para vir aos autos, no prazo de 8 dias, indicar o seu nº de contribuinte fiscal e o regime de tributação a que está sujeito, bem como, para os efeitos previstos no art. 32 nº3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, 24 e 22 nº2 do Decreto-lei nº 32/04 de 22/07, vir indicar os elementos necessários para a fixação da sua remuneração.* Cite os credores e outros interessados por editais e anúncio, nos termos previstos no art. 37 nº7 e 8 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para os efeitos previstos no art. 17-D nº2 do mesmo Código.* Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 38 nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* Lisboa, 11.06.2012 – ac. serv. 9 e 10, sáb. dom.
» (cf. página 6 do PA).
B) Em 19/07/2012, o A. deu entrada na Segurança Social de um requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, constante do modelo GS 1/2012 – DGSS, nos termos a seguir transcritos «


» (cf. página 1 do PA).
C) Em 10/12/2012, no Tribunal do Comércio de Lisboa, 4º Juízo, no Processo nº 1008/12.9TYLSB, foi emitido o seguinte Anúncio «
TRIBUNAL DO COMÉRCIO DE LISBOA
4º juízo
ANÚNCIO Processo: 1008/12.9TYLSB
Processo Especial de Revitalização (CIRE)
Referencia: 2325452
Data: 10-12-2012
Publicidade de homologação do acordo
nos autos de Revitalização acima identificados
No Tribunal do Comércio de Lisboa, 4º Juízo de Lisboa, no dia 03-12-2012, ao meio dia, foi proferido despacho de homologação relativo ao acordo entre o devedor: N... - Industria de Avicultura, SA, NIF: 5…, com sede na A... da Quinta de SA, … Lisboa, com sede na morada indicada e os credores que participaram nas negociações.
Nos termos do disposto no artº 17- F, n° 6 do CIRE, a decisão de homologação do plano de recuperação vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor.
A Juiz de Direito,
Dr(a). E V
A Oficial de Justiça,
E M F » (cf. documento nº 2 junto pelo A. com a petição inicial).
D) Através do ofício da EPD., datado de 2/07/2013, o A. foi notificado do seguinte
«FUNDO DE GARANTIA SALARIAL Ex.mo(a) Senhor(a)
Nº DE IDENTIFICAÇÂO DA SEGURANÇA SOCIAL
AMPL 1…
R VC N…
LADEIRA
… C…TND
N... INDUSTRIAS
AVICULTURA S.A.
2…
ASSUNTO: FUNDO DE GARANTIA SALARIAL - Notificação
DATA: 2/7/2013
Indeferimento
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 18 de junho do 2013, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo do Garantia Salarial, fica notificado do que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho aposentado por Vª Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no artigo 324º da Lei 35/2004, de 29 do Julho
- A entidade empregadora não foi declarada insolvente, ou não houve despacho de prosseguimento de ação de recuperação de empresa, ou declaração de falência, não se encontrando preenchido o requisito previsto no n.º1 do artigo 318º da Lei 35/2004, do 29 de julho.
Mais se informa, que a partir da presente notificação tem V. Exª os prazos de:
- 15 dias úteis, para reclamar;
- 3 meses, para impugnar judicialmente.
O Diretor da Segurança Social
SMB
» (cf. páginas 13 e 14 do PA) – despacho impugnado.
IV – Do Direito
Analisemos o suscitado, em função da factualidade dada como provada.
Efetivamente, o Instituto da Segurança Social/Fundo de Garantia Salarial veio recorrer do acórdão do Coletivo de Juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou a presente ação administrativa especial procedente, por provada e, em consequência, anulou o despacho, de 18/06/2013, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferiu o requerimento do então Autor, AMPL, para o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mais tendo condenado o aqui Recorrente a apreciar o requerimento, com as necessárias adaptações, “atendendo à norma “ad hoc” criada pela presente decisão e tendo por referência o Processo Especial de Revitalização, intentado pela entidade empregadora, e respetivo despacho judicial em que foi nomeado o administrador judicial provisório”.
Da leitura das conclusões do Recurso dirigidas à apreciação deste tribunal, verifica-se que o ISS, I.P. veio imputar à decisão aqui recorrida, essencialmente erros de julgamento quanto à matéria de direito, em função da circunstância do tribunal a quo ter alegadamente violado o disposto nos artigos 317.º, 318.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, 9.º e 10.º, do Código Civil, 3.º do Código de Procedimento Administrativo e, ainda, 2.º, 13.º, 111.º e 266.º, estes últimos da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos:
DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Na realidade, o ISS, I.P., imputa ao acórdão recorrido, erro de julgamento de direito, por recurso ilegal a uma norma ad hoc, para a resolução do caso sub judice, em afronta aos critérios hermenêuticos consagrados nos artigos 9.º e 10.º, do Código Civil.
Pela clareza da decisão recorrida, entende-se transcrever o essencial da motivação “de direito” da mesma, por lapidarmente ter procedido a uma interpretação inovatoriamente consistente, sendo que para que possa ser percetível a explanação feita, importa que se faça uma leitura integral do expendido.
Estabelece o artigo 336º do Código do Trabalho (na versão da Lei 7/2009), sob a epígrafe «Fundo de Garantia Salarial » que «O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.»
O artigo 380º do mesmo Código do Trabalho, na versão anterior estabelecia que «A garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial nos termos previstos em legislação especial».
A regulamentação prevista foi feita pelos artigos 317º a 326º da Lei 35/2004, de 29/7, que ainda se mantém em vigor (cf. alínea o), do nº 6, do artigo 12º, da Lei 7/2009).
É, assim, com base em tal contexto legal que o Fundo de Garantia Salarial (FGS) vem assegurando o pagamento dos créditos dos trabalhadores.
Segundo os ensinamentos da Professora Catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa, Maria do Rosário Palma Ramalho (in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2014, 5ª edição, revista e atualizada ao Código de Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011, 2012, 2013 e 2014, Almedina, páginas 705 e 706) «O Fundo de Garantia Salarial foi instituído em 1999 [DL nº 219/99, de 15 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL nº 139/2001, de 24 de Abril. Este regime foi depois incorporado na RCT de 2004.] por exigência do direito comunitário, na diretiva sobre a proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador (Dir. 80/987/CEE, de 20 de Outubro de 1980, alterada pela Dir. 2002/74/CE, de 23 de Setembro de 2002, e refundida pela Dir. 2008/94/CE, de 22 de Outubro de 2008 – máxime arts. 3º e ss da Dir. 2008/94/CE). O objetivo deste Fundo é garantir e antecipar o pagamento dos créditos laborais, que, por motivo de insolvência ou de situação económica difícil da empresa, não possam ser pagos pelo empregador.
Uma vez que a legislação especial relativa a este Fundo, para a qual remete o art. 336º do atual Código do Trabalho, ainda não foi publicada, mantêm-se em vigor os preceitos constantes dos arts. 316º a 326º da RCT de 2004 que regulavam esta matéria no âmbito do Código do Trabalho anterior, nos termos do art. 12º nº 6 o) da Lei Preambular ao atual Código do Trabalho. Destacam-se neste regime as seguintes regras:
- o Fundo assegura o pagamento dos créditos quando o empregador seja declarado judicialmente insolvente ou nos casos em que se tenha iniciado o processo de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil, previsto no DL nº 316/98, de 20 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 201/2004, de 18 de Agosto (art. 318º nºs 1 e 2 da RCT de 2004); (…)».
Dispõe o artigo 318º, nºs 1 e 2, do RCT de 2004 que:
«1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.».
E o artigo 324º que:
«O requerimento previsto no número anterior é instruído, consoante as situações, com os seguintes meios de prova:
a) Certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo tribunal competente onde corre o processo de insolvência ou pelo IAPMEI, no caso de ter sido requerido o procedimento de conciliação;
b) Declaração, emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída;
c) Declaração de igual teor, emitida pela Inspeção-geral do Trabalho.».
A Portaria nº 473/2007, de 18 de Abril, que aprovou o modelo de requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, através do Fundo de Garantia Salarial, e a que se refere o artigo 323º, nº 2, do RCT 2004, estando em vigor, refere no seu preâmbulo que «O pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial.(…)».
Ora, no momento temporal em que foi publicada a Lei 7/2009 [citado artigo 336º], para além do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), estava em vigor o Decreto-Lei nº 316/98, de 20/10, com a redação introduzida pelo DL nº 201/2004, de 18/08 [entretanto revogado pelo artigo 23º do DL nº 178/2012, de 3/08, que instituiu o SIREVE (Sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial), a partir de 1/09/2012], no qual é referido que «Qualquer empresa em condições de requerer judicialmente a sua insolvência, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), pode requerer ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) o procedimento de conciliação regulado no presente diploma.» (artigo 1º, nº 1) e que «O procedimento de conciliação destina-se a obter a celebração de acordo, entre a empresa e todos ou alguns dos seus credores, que viabilize a recuperação da empresa em situação de insolvência, ainda que meramente iminente, nos termos do artigo 3.º do CIRE.» (artigo 2º, nº 1).
Tal significa que a redação dos artigos 317º a 326º do RCT de 2004 (Lei nº 35/2004, de 29/05) foi pensada pelo legislador em consonância com o regime consagrado no CIRE à data (DL 53/2004, de 18/03) e o próprio DL 316/98 foi alterado em conformidade através do DL 201/2004, de 18/08.
Desde 2004 e até hoje o legislador não alterou a redação dos artigos 317º a 326º do RCT 2004, mantendo tais preceitos em vigor, mas o CIRE já foi por diversas vezes alterado e o próprio DL 316/98 já se encontra revogado, face à realidade económico-financeira de Portugal dos anos recentes [Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de outubro, e DL nº 178/2012, de 3/08].
A própria Lei nº 35/2004, de 29/05, foi parcialmente revogada pela Lei nº 7/2009, de 12/02, e a legislação específica a que se refere o artigo 336º desta Lei ainda não se encontra publicada.
O Programa Revitalizar aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3/02, veio estabelecer como um dos objetivos prioritários a execução de mecanismos eficazes de revitalização de empresas viáveis nos domínios da insolvência e da recuperação de empresas.
Em consequência, foi instituído o Processo Especial de Revitalização (PER), pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que se encontra integrado no CIRE, no Título I (Disposições introdutórias), Capítulo II (Processo especial de revitalização), nos artigos 17º-A a 17º-I, e o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), pelo DL nº 178/2012, de 3/08, que revogou o DL 316/98, mas que estabeleceu um regime transitório no seu artigo 22º
[«Artigo 22.º Disposições transitórias
1 - Os procedimentos de conciliação regulados pelo Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/2004, de 18 de agosto, e cujos processos se encontrem em curso, ainda sem celebração de acordo, podem ser concluídos no regime em que foram desencadeados, nos termos e dentro dos prazos estipulados no referido diploma.
2 - Mediante requerimento da empresa, os procedimentos referidos no número anterior podem transitar para o novo regime, ficando sujeitos ao cumprimento integral dos requisitos constantes do presente diploma, nomeadamente no que respeita à observância dos prazos.»].
Ambos são processos de revitalização, sendo o primeiro acompanhado pelos tribunais e o segundo pelo IAPMEI.
Nos termos do artigo 17º-A, nº 1, do CIRE «O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.», estabelecendo o artigo 17º-B uma noção de situação económica difícil [«Para efeitos do presente Código, encontra-se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.»].
«(…) Ao conceito de situação económica difícil previsto no PER, por seu turno, pouco releva a viabilidade económica do devedor. O que importa para este efeito é a dificuldade no cumprimento das obrigações. E o que se deve entender por dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações? A situação económica difícil constitui um estádio necessariamente anterior ao da insolvência iminente e ao da insolvência atual. Na insolvência atual, o devedor encontra-se impossibilitado de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas. Na insolvência iminente, prevê-se que num futuro próximo o devedor se encontre impossibilitado de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas.
Por exclusão de partes, o devedor numa situação económica difícil não poderá estar impossibilitado de cumprir a generalidade das suas obrigações. Pode cumpri-las, ainda que com sérias dificuldades, designadamente – como exemplifica o legislador – por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito. É o caso de o devedor que tem património para responder perante as suas dívidas, mas não tem fundos suficientes e, como tal, apenas consegue extinguir as suas obrigações através de pagamentos em espécie, dações em cumprimento ou cessão de créditos ou outros direitos (o que pressupõe o acordo dos credores) ou vendendo os seus ativos a um preço abaixo do valor de mercado a fim de obter liquidez imediata.(…)» (Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER O PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, páginas 22 e 23).
Por outro lado, nos termos do artigo 2º, nº 1, DL nº 178/2012, de 3/08, «Qualquer empresa que se encontre em situação económica difícil ou numa situação de insolvência iminente ou atual, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), pode requerer a sua recuperação através do SIREVE.»
O SIREVE veio substituir o procedimento de conciliação até então previsto no DL 316/98.
O regime estabelecido nos artigos 317º a 326º, que é de 2004, não foi entretanto adaptado aos novos processos de revitalização instituídos em 2012.
Importa, assim, aferir, porque do regime de 2004 (artigos 317º a 326ª do RCT) nada resulta, se foi intenção do legislador nacional continuar a proteger os trabalhadores que tenham créditos emergentes de contratos de trabalho e que não possam ser pagos pelo empregador quando este recorra a um processo de revitalização, seja judicial, seja extrajudicial.
Vejamos, pois.
Quando foi publicada a Lei nº 7/2009 (artigo 336º que tem aplicação ao caso concreto), quer o CIRE, quer o DL 316/98, não se referiam a “situação económica difícil”, porém, quer a redação inicial do DL 316/98, quer o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), referiam-se a tal situação.
Na redação inicial do Decreto-Lei nº 316/98, de 20/10, estabelecia o artigo 2º, nº 1, que «O procedimento de conciliação destina-se a obter a celebração de acordo entre a empresa e todos ou alguns dos credores que viabilize a recuperação da empresa em situação de insolvência ou em situação económica difícil, nos termos do artigo 3º do CPEREF.».
Estabelecia o artigo 1º do CPEREF [Campo de aplicação], nº 1 que «Toda a empresa em situação económica difícil ou em situação de insolvência pode ser objeto de uma medida ou de uma ou mais providências de recuperação ou ser declarada em regime de falência» e o artigo 3º [Situação de insolvência e situação económica difícil ] que:
«1 - É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu ativo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível. 
2 - É considerada em situação económica difícil a empresa que, não devendo considerar-se em situação de insolvência, indicie dificuldades económicas e financeiras, designadamente por incumprimento das suas obrigações.».
Nessa medida, o DL nº 219/99, de 15/06 [entretanto revogado pela alínea m), do nº 2, do artigo 21º da Lei nº 99/2003, de 27/08, que aprovou o Código do Trabalho, a partir de 28/08/2004, data de entrada em vigor da Lei nº 35/2004, de 29/07, que regulamentava a citada Lei nº 99/2003], que instituiu o Fundo de Garantia Salarial, abrangia igualmente os processos de recuperação da empresa, estabelecendo no artigo 2º, nºs 1 e 2, sob a epígrafe «Situações abrangidas» que
«1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma ação nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a ação como processo de falência ou como processo de recuperação da empresa.
2 – O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior desde que iniciado o procedimento de conciliação previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 316/98, de 28 de Outubro.»
No Direito Comunitário, também a Diretiva 80/987/CEE, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, alterada pela Diretiva n.º 2002/74/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro [transposta através da Lei nº 35/2004 (cf. artigo 2º, alínea c))] já foi revogada nos termos do disposto na parte A do anexo I da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, publicada no JOUE em 28/10/2008, a partir de 17 de novembro de 2008.
Consta, assim, na Diretiva 2008/94/CE, no Capítulo I (Âmbito de Aplicação e Definições), artigo 1º, nº 1, que «A presente diretiva aplica-se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do nº 1 do artigo 2º», e no artigo 2º, nºs 1 e 4, que
«1. Para efeitos do disposto na presente diretiva, considera-se que um empregador se encontra em estado de insolvência quando tenha sido requerida a abertura de um processo coletivo, com base na insolvência do empregador, previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado-Membro, que determine a inibição total ou parcial desse empregador da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico, ou de uma pessoa que exerça uma função análoga, e quando a autoridade competente por força das referidas disposições tenha:
a) Decidido a abertura do processo; ou
b) Declarado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do ativo disponível para justificar a abertura do processo.
(…) 4. A presente diretiva não impede os Estados-Membros de alargarem a proteção dos trabalhadores assalariados a outras situações de insolvência, como a cessação de facto de pagamentos com carácter permanente, constatadas por via de processos que não os mencionados no nº 1, que estejam previstos no direito nacional.» e do artigo 11º que «A presente diretiva não prejudicará a faculdade de os Estados-Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados».
Já depois desta Diretiva, que permite aos Estados-Membros alargarem a proteção dos trabalhadores assalariados a outros processos, resulta do preâmbulo do DL 178/2012 que «No âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, encontra-se previsto um conjunto de medidas que têm como objetivo a promoção dos mecanismos de recuperação extrajudicial de devedores, ou seja, de procedimentos alternativos ao processo de insolvência, que visam a recuperação da empresa pela via não judicial, promovendo a obtenção de uma solução consensual entre a empresa em dificuldades financeiras e os respetivos credores.
Entre estas medidas, encontra-se a aprovação dos Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, publicados em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de outubro, e que constituem um instrumento de adesão voluntária destinado a promover a eficácia dos procedimentos extrajudiciais de recuperação de devedores.
Outra das medidas previstas consiste na revisão do procedimento de conciliação extrajudicial que funciona junto do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), através da introdução de alterações que contribuam para dotar este procedimento de mecanismos mais céleres, eficientes e eficazes, e que possibilitem um melhor funcionamento do procedimento, com vista a alcançar taxas de recuperação de empresas significativamente mais elevadas.
A revisão levada a cabo pelo presente diploma, que cria o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), introduz vantagens significativas para o desenvolvimento do mecanismo já existente, reforçando o seu papel enquanto instrumento fundamental numa estratégia de recuperação e viabilização das empresas em situação económica difícil. Desde logo, o SIREVE constitui um processo de revitalização acompanhado pelo IAPMEI e não pelos tribunais.
Com efeito, o SIREVE, que se enquadra no âmbito do Programa Revitalizar, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, de 3 de fevereiro, permite que, ao invés de recorrerem aos processos judiciais previstos no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), as empresas que se encontrem numa situação financeira difícil ou numa situação de insolvência iminente ou atual e os respetivos credores, que representem no mínimo 50 % do total das suas dívidas, possam optar por celebrar um acordo extrajudicial visando a recuperação e viabilização da empresa, o devedor, e que lhe permita continuar a sua atividade económica. Durante todo o procedimento do SIREVE, a empresa e os credores beneficiam de um acompanhamento por parte do IAPMEI, I. P., organismo especialmente vocacionado para o apoio à revitalização empresarial. Tal acompanhamento manifesta-se, designadamente, na emissão de um juízo técnico acerca da viabilidade da empresa e sobre a proposta de acordo extrajudicial e no envolvimento durante as negociações e elaboração do referido acordo, do qual também é subscritor. Este acordo extrajudicial constitui indubitavelmente uma vantagem muito significativa no atual difícil contexto económico-financeiro em que o tecido empresarial português se desenvolve (…)».
De todo o exposto resulta que o regime jurídico estabelecido nos artigos 317º a 326º do RCT de 2004 ainda não se adaptou aos novos processos de revitalização, no entanto, o legislador dá indicações claras de que não foi sua intenção desproteger os trabalhadores cujas entidades empregadoras recorram ao PER ou ao SIREVE, tanto mais que este último processo substituiu o procedimento de conciliação, previsto no DL 316/98, que está expressamente previsto no artigo 324º, alínea a), do RCT de 2004.
Resulta do citado artigo 336º que o FGS assegura o pagamento de créditos ao trabalhador emergentes de contrato de trabalho que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, nos termos previstos em legislação específica.
No caso concreto dos autos, a entidade empregadora do A., ao abrigo do artigo 17º-A do CIRE, intentou no Tribunal de Comércio de Lisboa, um processo especial de revitalização (PER), alegando estar em situação de insolvência iminente (alínea A) do probatório).
O A. instruiu o seu pedido junto da Segurança Social (alínea B) do probatório) com o despacho judicial que nomeou o administrador judicial provisório e ordenou a prática de outros atos, no âmbito do PER apresentado pela sua entidade empregadora (alínea A) do probatório).
Apesar do artigo 318º, nºs 1 e 2, do RCT de 2004, não se referir à situação em que o empregador recorre a um PER, não excluiu o legislador, nos termos do artigo 336º do CT (versão 2009), que o FGS deixasse de assegurar o pagamento de créditos do trabalhador, emergentes de contrato de trabalho, quando o empregador não possa pagar por motivo de insolvência ou de situação económica difícil.
Como supra se referiu uma situação económica difícil é uma realidade anterior à da insolvência iminente e ainda não é uma situação de insolvência.
No PER o empregador não é declarado judicialmente insolvente, [para efeitos do artigo 318º, nº 1, do RCT de 2004], porque a sua finalidade é precisamente impedir a insolvência do devedor através da aprovação de um plano de revitalização.
O empregador só recorre a um PER se comprovadamente se encontrar em uma de duas situações, ou se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, sendo ainda suscetível de recuperação.
Posto isto, sendo o FGS uma exigência do direito comunitário e referindo o legislador nacional que o Fundo também assegura o pagamento de créditos ao trabalhador emergentes de contrato de trabalho, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de situação económica difícil, um trabalhador de uma empresa que requeira um PER ou um SIREVE não pode ficar desprotegido, porque essa não é a intenção do legislador, mesmo não tendo ainda publicado a legislação específica a que refere no citado artigo 336º, nem ter procedido à alteração do regime constante do RCT de 2004 até à sua publicação.
Lançando mão do elemento teleológico do artigo 336º do CT, a sua finalidade é efetivamente a de proteger os trabalhadores, assegurando através do FGS o pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho.
Nos termos do artigo 9º do CC, a interpretação da lei «…não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Face às regras legais de interpretação enunciadas e ao exposto supra, a conclusão a que o tribunal chegou não podia ser outra, até porque não pode o julgador atribuir um alcance e sentido diferente ao artigo 336º que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (artigo 9º, nº 2, do CC), para além de que este preceito foi introduzido no ordenamento jurídico português cinco anos depois das normas constantes do RCT de 2004, que não se alteraram e mantêm-se em vigor.
Não acompanhando as normas do RCT de 2004 (artigos 317º a 326º) a evolução legislativa resultante da situação económico-financeira do nosso país, no que concerne aos processos de revitalização, e remetendo o artigo 336º para legislação específica, depara-se o tribunal com uma lacuna da lei que urge preencher, nos termos do artigo 10º, nº 3,do CC.
Dispõe o artigo 10º do Código Civil (CC), sob a epígrafe «Integração das lacunas da lei » que
«1 - Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2 - Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3 - Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. ».
A integração das lacunas da lei impõe-se face à obrigação resultante do artigo 8º, nº 1, do CC, que estabelece uma obrigação de julgar e dever de obediência à lei, o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
Estando o tribunal perante uma situação que merece a tutela do direito, atento o preceituado no artigo 336º citado, as regras jurídicas que subjazem ao PER ou ao SIREVE, os princípios de direito comunitário e a própria exigência comunitária relativa ao FGS, impõe-se a proteção jurídica dos trabalhadores quando os empregadores recorram a um PER (questão concreta dos autos), considerando que este processo foi instituído em 2012 e a regulamentação prevista nos artigos 317º a 326º, ainda em vigor, é de 2004.
Cumpre, assim, ao tribunal estabelecer a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub judice:
«O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei nº 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório».
Nestes termos e nos supra expostos, o despacho impugnado ao limitar-se a invocar a regulamentação de 2004 (alínea D) do probatório) para indeferir a pretensão do A. e tendo na sua posse elementos que comprovavam que a entidade empregadora do A. tinha recorrido a um PER, processo que só é aplicável a empresas que comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, não atendeu à redação do artigo 336º do CT (versão de 2009), que abrange as situações em que o empregador se encontra numa situação económica difícil.
Aqui chegados e admitindo como adequado e suficientemente justificado o inovatório entendimento adotado pelo tribunal a quo, que veio a determinar a procedência do recurso jurisdicional, pela verificação do vício de violação de lei, mostra-se o mesmo não censurável e suscetível de aqui ser ratificado, sendo que a norma ad hoc criada, em bom rigor, não constitui um verdadeiro normativo, mas antes uma descrição interpretativa, em função dos normativos aplicáveis e a aplicar, nos termos do nº 3 do Artº 10º do CC.
Como sublinhou e bem a Magistrada do Ministério Público, no seu Parecer, "a função primordial do direito é da realização da justiça no caso concreto; a justiça é, pois, o principal fim do direito e o valor supremo para a ordem jurídica e para o intérprete e aplicador do direito”, importando que se trate igualmente o que é igual, mas também que se trate desigualmente o que é substancialmente diferente.
No que concerne à interpretação normativa, e a propósito do exercício interpretativo levado a cabo pelo tribunal a quo, refere-se no Acórdão do Colendo STA, de 29 de Novembro de 2011, no Processo n.º 701/10, que:
“I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto.
II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias:
a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada];
b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema;
c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis). (...)”
A interpretação inovatória e atualista feita pelo tribunal a quo, encontra igualmente enquadramento e suporte nos Acórdãos deste TCAN de 19/04/2013, no Processo n.º 02048/12.3BEPRT e de 12/10/2012, no Processo n.º 02369/07.7BEPRT, no qual se refere, designadamente, que “(...) há que fazer uma interpretação atualista, através da qual se procede à interpretação da lei tendo em conta as realidades atuais, vigentes ao tempo da sua aplicação; tal mostra-se particularmente importante, enquanto forma de renovação interna do sistema jurídico;
Se é certo que não se podem fazer interpretações da lei ao arrepio da sua letra, não é menos verdade que se impõe atender ao sentido/espírito da norma, sob pena de se chegar a conclusões absurdas e totalmente desligadas da realidade. (...)”.
Mostrando-se que o recurso às ferramentas básicas de interpretação jurídica se mostram inconclusivas ou inoperantes, importa encontrar uma solução à luz dos limites do legalmente possível (Artº 9º CC).
Efetivamente, perante uma omissão ou uma lacuna da lei, importa regular e integrar essa lacuna, exatamente nos termos do Artº 10º CC, tal como recorreu o tribunal a quo.
Importando, em primeira linha, recorrer à analogia, aplicando-se ao caso omisso a norma aplicável aos casos análogos, nos termos do n.º 1 do Artº 10º CC, caso a solução se mostre insuficiente ou inadequada para obter a necessária interpretação, perante a inexistência de casos análogos, o n.º 3 do referido artigo, permite ao interprete gerar abstrata e concretamente a norma em falta, no cumprimento e no respeito pelo regime legal em questão, contornando a omissão com que se deparou, no pressuposto de não estar, designadamente, perante um qualquer regime excecional (art.º 11.º do Código Civil).
Na realidade, e em consonância com o decidido pelo tribunal a quo, atentos os Artº 317.º a 326.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, mostra-se que o legislador não terá pretendido diferenciar o regime legal aplicável aos créditos dos trabalhadores que se encontrem ao serviço de uma entidade em situação de insolvência quase iminente ou, numa situação económica difícil, que requeira a instauração do processo judicial de insolvência, previsto no CIRE, face ao regime aplicável aos trabalhadores de uma qualquer outra sociedade que, nas mesmas circunstâncias, opte por um procedimento diverso, recorrendo ao PER ou ao SIREVE.
A operação interpretativa levada a cabo, resultou do facto do legislador não terá procedido à necessária e expectável adaptação da Lei n.º 35/2004, de 29/07, às novas realidades consubstanciadas nos novos procedimentos de revitalização, surgidos em 2012.
Improcederá pois o recurso interposto, por se não vislumbrar, designadamente, qualquer impedimento a que se recorra a uma interpretação analógica.
Igualmente não se vislumbra que a decisão do tribunal a quo possa ter violado qualquer princípio ou outra disposição de cariz legal ou constitucional.
Acresce que as violações de cariz constitucional sempre careceriam de acrescida densificação, como resulta do entendimento reiteradamente aduzido pela jurisprudência administrativa.
Efetivamente, como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”
No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.
Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.
Não logrou pois a Recorrente ISS, I.P/FGS., no recurso interposto demonstrar a verificação de qualquer vício do Acórdão recorrido, suscetível de determinar a sua anulação ou revogação. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando o Acórdão objeto de Recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de Abril de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia |