Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00427/11.2BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 05/01/0417 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Joaquim Cruzeiro |
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Descritores: | URBANISMO; DEMOLIÇÃO |
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Sumário: | I- A ordem de demolição de um edifício pode ser evitada se for possível proceder ao seu licenciamento. A data em que se vai proceder à legalização do edificado é a data relevante para se saber se a edificação pode ou não ser legalizável. Verificando-se que edifício em causa nos autos se encontra em área de equipamento e em área REN não pode o mesmo ser legalizado. II- A cessação do estado de alerta emitido para a SP não faz concluir que a sua escarpa esteja em condições para que se procedam a construções na mesma. A intervenção aí efectuada, resultado do estado de alerta, teve como finalidade estabilizar a escarpa de forma a não ocorrerem mais desmoronamentos, mas tal facto não leva a que o terreno passe a estar apto para construção. A invocação do disposto no artigo 18º do RGEU, para fundamentar a demolição do edificado da Autora, não sofre assim de qualquer erro nos pressupostos de direito.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | Herança Jacente aberta por óbito de DMC |
Recorrido 1: | Município de Vila Nova de Gaia |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Herança Jacente aberta por óbito de DMC vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27 de Março de 2015, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município de Vila Nova de Gaia e onde era solicitado que deviam: “a) ser anulados os despachos de: - 27 de Fevereiro de 2008 do Sr. Vereador AGB que determina a cessação da utilização e a demolição do prédio da A. sito na Rua CS, 534,-R7C- 1º, da freguesia de Santa M..., Vila Nova de Gaia e o despacho de - 27 de Outubro de 2010 da Vereadora Eng.ª Merces Ferreira que determina a tomada de posse administrativa do mesmo prédio no dia 13 de Dezembro de 2010, com a consequente demolição. b) Em consequência deve a R. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia ser condenada a atribuir a competente licença em virtude do prédio se encontrar em condições de ser licenciado nos termos sobreditos. Em alternativa, ser a R condenada a indemnizar a A. em valor justo, nunca inferior ao preço médio do mercado de uma habitação da mesma tipologia e que se venha a apurar em incidente de liquidação” Em alegações a recorrente concluiu assim: A) 1. A questão que se põe com o presente recurso é o de saber se o Tribunal a quo, atendeu a todos os factos, nomeadamente, a todos os documentos carreados para os autos, para que se verifiquem, ou não, os vícios alegados pela A relativamente ao despacho proferido em 27.02.2008; em caso afirmativo se o R pode ser condenado a atribuir a competente licença e, por fim, na situação de impossibilidade, se o R se constitui na obrigação de indemnizar a A, conforme o pedido na PI.; B) O despacho de 27.02.2008, fundamenta a tomada de posse administrativa do prédio e a sua consequente demolição com a falta de licença de construção e utilização e violar o art. 18º do RGEU pela instabilidade da escarpa onde se encontra edificado; C) conforme é dado com facto assente (ponto nº 4) em 19 de março de 2008 e, por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foram suspensas todas as iniciativas municipais para o local em causa, tal como as que diziam respeito aos procedimentos administrativos de tutela de legalidade urbanística; D) essa intervenção veio a acontecer, pela mão do então Governo Civil do Porto, que diligenciou no sentido de tomar medidas que dotassem a escarpa e os seus moradores da segurança devida; E) Em 30 de abril de 2009, a então Srª Governadora Civil, IN, por despacho nº 17/2009, dá por concluída a intervenção referindo que a interdição apenas se deveria manter ao uso da habitação nº 82/84 da Rua nº 2 da Escarpa da SP nada tendo a haver com a habitação dos autos (conforme doc.4 junto com a PI, o qual não foi tomado em consideração na apreciação da prova); F) No mesmo despacho pode ler-se que foram executados todos os trabalhos identificados pelo LNEC como necessários para a diminuição do risco de pessoas e bens; G) Em face dos trabalhos executados cai por terra um dos pressupostos e fundamentos para a posse administrativa e consequente demolição do prédio; H) As condições alteraram, os fundamentos em consequência, deveriam ter sido alterados; I) Tendo o Tribunal a quo decidido que o despacho de 27 de outubro de 2010 era um despacho meramente executório do de 27 de fevereiro de 2008, por alteração das circunstâncias supra referidas carecem ambos, necessariamente e sequencialmente de fundamentação uma vez que foi afastado o perigo que obstava a que o edifício fosse legalizado conforme do disposto no artigo 18º do RGEU. J) Afastado que foi o perigo que obstava a que o edifício fosse legalizado conforme do disposto no artigo 18º do RGEU, à semelhança do que é alegado na PI no seguimento do entendimento do CEDOUA a edificação está em condições de ser legalizada, não podendo aqui ser usado como impedimento para a sua legalização o PDM até porque a edificação é muito anterior. K) No que concerne à indemnização pedida em alternativa, esta não tem, em princípio, como fundamento a culpa, a ilicitude do R, mas sim que a A seja ressarcida pela expropriação encapotada que a edilidade pretende. L) Afastado que está o pressuposto da falta de segurança plasmado no art. 18º do RGEU, continuar a insistir na ilegalidade e na impossibilidade de legalizar a obra, é manifestamente afastar-se do conceito de pessoa de bem pelo qual se devem pautar todos os organismos e instituições públicas do país; M) a administração pública na sua atuação deve obedecer a princípios fundamentais, nos termos do art. 266º da CRP; N) Até que ponto não estará o R a agir de forma ilícita e culposa ao continuar a persistir na ilegalidade do edifício, mas no entanto, continuar a receber taxas camarárias e IMI, quando alega que o imóvel é ilegal; O) Será de direito e da mais elementar justiça ser a A. ressarcida, pelo menos, dos impostos pagos por um bem, que quem os recebe, titula de ilegal; P) A A. tem tanto direito a ser indemnizada pelo seu imóvel, alegadamente ilegal, tanto quanto teve o R o “direito” de cobrar impostos e taxas sobre um edifício que considera ilegal; Q) O Despacho de 27.02.2008 é nulo por falta de fundamentação adequada, por violação do disposto nos normativos nºs 1 e 2, do art.106º, nº 1 do art. 107º e nº 1, do art. 109º do RJUE, art.18º do REGEU, art.s 62º e 266º ambos da CRP.; R) Ao assim não entender, decidindo pela improcedência dos pedidos, a decisão mostra-se violadora da alínea d), do nº 1, do art. 615º do CPC O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo concluído: 1. Considerando que o objecto do recurso facilmente se apreende que nenhuma ilegalidade ou irregularidade substancial ou formal é assacada ao Acórdão sob censura. 2. Confrontada agora com a decisão que lhe é desfavorável vem a Recorrente interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” insistindo que o Acórdão recorrido não apreciou adequadamente, entre outras, a violação do artigo 18º do R.G.E.U., todavia, sem qualquer razão, dado que a Recorrente reconhece e aceita a natureza clandestina do prédio sobre o qual recaiu a ordem de cessação de utilização e de demolição aqui em questão. 3. Sendo certo que os pressupostos e fundamentos implícitos ao acto de 27.02.2008 que determinaram a cessação de utilização e a demolição do prédio aqui em apreço foram o prédio ter sido construído sem a necessária licença municipal e não ser possível a sua legalização e estes fundamentos mantêm-se, mesmo depois do fim da situação de alerta. 4. A ilegalidade da construção em causa e a insusceptibilidade de legalização são fundamentos que não dependiam, nem dependem, muito menos se alteraram com os trabalhos realizados na Escarpa, dado que aquela edificação viola ainda o disposto no artigo 15º do Regulamento do P.D.M. então em vigor, por se encontrar em área classificada como de equipamento. 5. Actualmente este impedimento regulamentar ainda se mantém, pois, no P.D.M. em vigor, o terreno onde se encontra implantado o prédio da Apelante está classificado como “Área Verde de Enquadramento Paisagístico”, onde não é possível construção. 6. Além disso e não obstante os trabalhos efectuados, a instabilidade da Escarpa da SP mantém-se, a Escarpa contínua perigosa e inapta para a construção, uma vez que os trabalhos executados não dispensam a realização de trabalhos englobados num projecto de estabilização global, fora do âmbito da situação de Alerta. 7. Por isso, ainda que o terreno onde se encontra edificado o prédio da Recorrente fosse estável e permitisse cumprir com as normas do R.G.E.U. – o que não se concede – sempre a construção seria ilegalizável, por incumprimento das normas do P.D.M. e do regime jurídico da R.E.N., pelo que, não existir qualquer erro nos pressupostos da decisão impugnada por violação do artigo 18º do R.G.E.U. 8. Nesta matéria o Tribunal “a quo” decidiu em conformidade, aplicando correctamente a lei e os regulamentos, na medida em que, na situação sub judice, inexiste qualquer alteração dos pressupostos e dos fundamentos subjacentes ao acto administrativo proferido em 27.02.2008, nada havendo a censurar. 9. Também não se verifica a violação dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E., uma vez que a ordem de demolição por falta de licença não padece de qualquer vício, tendo sido profundamente ponderada e objecto de análise atenta, tendo o aqui Recorrido concluído pela insusceptibilidade de legalização da por demais falada construção. 10. Ademais, a construção em apreço não é legalizável, porque violava o disposto no artigo 41º do Regulamento do Plano Director Municipal, pois, encontrava-se em área classificada como Reserva Ecológica Nacional. 11. Actualmente, com a revisão do P.D.M. a construção da Apelante integra a “Área Verde de Enquadramento Paisagístico”. 12. E, de acordo com a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do Município de Vila Nova de Gaia, a construção da Recorrente encontra-se implantada no sistema “Escarpa”. 13. Por isso, independentemente dos trabalhos realizados no âmbito do alerta da Governo Civil do Porto terem diminuído o risco de deslizamento de terras e rochas na Escarpa da SP, a decisão de cessação de utilização e demolição do prédio em apreço sempre seria irreversível, na medida em que foi determinada em estrito cumprimento da lei, mormente, dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E., além de que corresponde ao exercício de um poder vinculado. 14. Por sua vez, ao contrário do que sustenta a Recorrente, o acto administrativo datado de 27.10.2010 não se trata de um novo acto, mas de um mero acto de execução, que não contém outros efeitos jurídicos que não sejam a mera concretização ou desenvolvimento da estatuição jurídica contida no acto executado (o acto de 27.02.2008). 15. Além disso, tal acto não excede os limites do acto executado, nem lhe são imputados quaisquer vícios autónomos pelo que é inimpugnável, nos termos do art. 151º do C.P.A. (à contrário) – tal como decidiu o tribunal “à quo”. 16. Já quanto à pretensão de condenação do Recorrido atribuir licença de construção ao prédio da Apelante aqui em apreço, tal pretensão não pode merecer acolhimento na medida em que o acto de licenciamento sempre estaria sujeito a prévia apresentação de um processo de legalização, cujo impulso dependia da Apelante. 17. No entanto, a Recorrente não identifica um único processo de licenciamento ou requerimento que tenha apresentado junto dos serviços do daqui Recorrido a solicitar o licenciamento, a legalização ou a emissão de licença para o prédio que identifica, nem tão-pouco, concretiza, qualquer omissão de decisão ou recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto devido, pelo que não se verificam os pressupostos legais exigidos no art. 67º do C.P.T.A. 18. Seja como for, o Tribunal não é competente para determinar a atribuição de licença ao prédio da Recorrente. 19. Já quanto à obrigação do Recorrido indemnizar a Apelante, importa referir que sendo legais os actos impugnados não é devida qualquer indemnização à Recorrente. 20. O decurso do tempo não tem a virtualidade de legalizar a construção em causa nem lhe confere qualquer direito a indemnização, tanto mais que o aqui Recorrido ao proferir o acto impugnado, agiu legalmente, sendo, por isso, licita a sua conduta. 21. Por outro lado, não se mostram verificados os requisitos da responsabilidade civil extra-contratual, por falta do pressuposto da ilicitude. 22. Seja como for, o prédio em questão não é propriedade exclusiva da Apelante, além de que o terreno onde aquela edificação está implantada é propriedade do Estado, logo insusceptível de aquisição por usucapião. 23. Por outro lado, a Recorrente não invocou, nem sequer fez qualquer prova de danos que pretendia ver ressarcidos. 24. Em face do que fica dito, é patente que o Acórdão recorrido apreciou e decidiu de forma detalhada todas as questões que se impunham resolver, tendo em consideração todos os elementos de prova carreados para os autos. A decisão recorrida teve em consideração todos os aspectos jurídicos da causa, assim como apreciou de forma irrepreensível e de acordo com o seu prudente critério e arbítrio todos os documentos carreados para os autos, inexistindo qualquer nulidade, muito menos a invocada pela Apelante. 25. Tando mais que, a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., ocorre quando o Tribunal “a quo” não tomou conhecimento de uma questão que deveria resolver, o que não sucede na situação sub judice, dado que o Acórdão sob censura apreciou e decidiu de forma justa e perfeita todas as questões que se impunham resolver. 26. Inexiste, por isso, qualquer fundamento legal para a revogação da Acórdão ora em crise, porquanto não ocorre qualquer causa que justifique a anulação daquele aresto. 27. Tendo em consideração a matéria dada como provada e a fundamentação da decisão recorrida, pode-se concluir que o Tribunal “a quo” bem andou, fazendo a correcta interpretação e enquadramento legal dos factos, mormente, dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E. e do artigo 18º do R.G.E.U. 28. Em suma, é inegável que o Tribunal “a quo” decidiu como se impunha, inexistindo qualquer erro de apreciação ou de julgamento, nada havendo a censurar no Acórdão recorrido, pelo que deverá improceder o presente recurso. O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida. As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: — se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado e não se encontram presentes pressupostos que fundamentem ocorrer responsabilidade civil extracontratual do Estado. 2– FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – DE FACTO Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual: 1) Por ofício de 23.01.2008 foi DMC notificado da intenção de se ordenar a cessação da utilização e da subsequente demolição do edifício situado na Rua CS, n.º r/c e 1º em Santa M..., nos termos constantes de fls. 5 e 6 do p.a. 2) DMC pronunciou-se nos termos constantes de fls. 23 a 28 do p.a.. 3) Por despacho de 27 de fevereiro de 2008 do Vereador AGB foi ordenada a cessação da utilização indevida da edificação sita na Rua CS, n.º 534 r/c e 1º da freguesia de Santa M... por não ter a licença administrativa em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 109º do DL 555/99, de 16 de dezembro, bem como, no prazo de 30 dias, a demolição total do edifício construído e reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data da respetiva construção nos termos constantes de fls. 30 a 33 do p.a. que aqui se consideram reproduzidos. 4) Por despacho de 19 de março de 2008 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia foi determinada a suspensão de todas as iniciativas municipais para o local em causa, nomeadamente as respeitantes aos procedimentos administrativos de tutela da legalidade urbanística em curso, com vista a colaborar, coordenadamente, com o Ministério da Administração Interna na intervenção que lá venha a ser produzida (fls. 50 a 52 do p.a.). 5) Por despacho de 27 de outubro de 2010 da Vereadora Eng. MF foi determinada a posse administrativa do imóvel, com vista à sua demolição (fls. 59 a 61 do p.a.). 6) Em novembro de 2006, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) elaborou o relatório de fls. 112 a 129 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sobre a “Reavaliação das Condições de Estabilidade da Escarpa da SP (Gaia) Após o Escorregamento de 24 de setembro de 2006”. 3 – DE DIREITO Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA. |