Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00427/11.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/01/0417
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:URBANISMO; DEMOLIÇÃO
Sumário:I- A ordem de demolição de um edifício pode ser evitada se for possível proceder ao seu licenciamento. A data em que se vai proceder à legalização do edificado é a data relevante para se saber se a edificação pode ou não ser legalizável. Verificando-se que edifício em causa nos autos se encontra em área de equipamento e em área REN não pode o mesmo ser legalizado.

II- A cessação do estado de alerta emitido para a SP não faz concluir que a sua escarpa esteja em condições para que se procedam a construções na mesma. A intervenção aí efectuada, resultado do estado de alerta, teve como finalidade estabilizar a escarpa de forma a não ocorrerem mais desmoronamentos, mas tal facto não leva a que o terreno passe a estar apto para construção. A invocação do disposto no artigo 18º do RGEU, para fundamentar a demolição do edificado da Autora, não sofre assim de qualquer erro nos pressupostos de direito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Herança Jacente aberta por óbito de DMC
Recorrido 1:Município de Vila Nova de Gaia
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Herança Jacente aberta por óbito de DMC vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27 de Março de 2015, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município de Vila Nova de Gaia e onde era solicitado que deviam:
“a) ser anulados os despachos de:
- 27 de Fevereiro de 2008 do Sr. Vereador AGB que determina a cessação da utilização e a demolição do prédio da A. sito na Rua CS, 534,-R7C- 1º, da freguesia de Santa M..., Vila Nova de Gaia e o despacho de
- 27 de Outubro de 2010 da Vereadora Eng.ª Merces Ferreira que determina a tomada de posse administrativa do mesmo prédio no dia 13 de Dezembro de 2010, com a consequente demolição.
b) Em consequência deve a R. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia ser condenada a atribuir a competente licença em virtude do prédio se encontrar em condições de ser licenciado nos termos sobreditos.
Em alternativa, ser a R condenada a indemnizar a A. em valor justo, nunca inferior ao preço médio do mercado de uma habitação da mesma tipologia e que se venha a apurar em incidente de liquidação”

Em alegações a recorrente concluiu assim:
A) 1. A questão que se põe com o presente recurso é o de saber se o Tribunal a quo, atendeu a todos os factos, nomeadamente, a todos os documentos carreados para os autos, para que se verifiquem, ou não, os vícios alegados pela A relativamente ao despacho proferido em 27.02.2008; em caso afirmativo se o R pode ser condenado a atribuir a competente licença e, por fim, na situação de impossibilidade, se o R se constitui na obrigação de indemnizar a A, conforme o pedido na PI.;
B) O despacho de 27.02.2008, fundamenta a tomada de posse administrativa do prédio e a sua consequente demolição com a falta de licença de construção e utilização e violar o art. 18º do RGEU pela instabilidade da escarpa onde se encontra edificado;
C) conforme é dado com facto assente (ponto nº 4) em 19 de março de 2008 e, por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foram suspensas todas as iniciativas municipais para o local em causa, tal como as que diziam respeito aos procedimentos administrativos de tutela de legalidade urbanística;
D) essa intervenção veio a acontecer, pela mão do então Governo Civil do Porto, que diligenciou no sentido de tomar medidas que dotassem a escarpa e os seus moradores da segurança devida;
E) Em 30 de abril de 2009, a então Srª Governadora Civil, IN, por despacho nº 17/2009, dá por concluída a intervenção referindo que a interdição apenas se deveria manter ao uso da habitação nº 82/84 da Rua nº 2 da Escarpa da SP nada tendo a haver com a habitação dos autos (conforme doc.4 junto com a PI, o qual não foi tomado em consideração na apreciação da prova);
F) No mesmo despacho pode ler-se que foram executados todos os trabalhos identificados pelo LNEC como necessários para a diminuição do risco de pessoas e bens;
G) Em face dos trabalhos executados cai por terra um dos pressupostos e fundamentos para a posse administrativa e consequente demolição do prédio;
H) As condições alteraram, os fundamentos em consequência, deveriam ter sido alterados;
I) Tendo o Tribunal a quo decidido que o despacho de 27 de outubro de 2010 era um despacho meramente executório do de 27 de fevereiro de 2008, por alteração das circunstâncias supra referidas carecem ambos, necessariamente e sequencialmente de fundamentação uma vez que foi afastado o perigo que obstava a que o edifício fosse legalizado conforme do disposto no artigo 18º do RGEU.
J) Afastado que foi o perigo que obstava a que o edifício fosse legalizado conforme do disposto no artigo 18º do RGEU, à semelhança do que é alegado na PI no seguimento do entendimento do CEDOUA a edificação está em condições de ser legalizada, não podendo aqui ser usado como impedimento para a sua legalização o PDM até porque a edificação é muito anterior.
K) No que concerne à indemnização pedida em alternativa, esta não tem, em princípio, como fundamento a culpa, a ilicitude do R, mas sim que a A seja ressarcida pela expropriação encapotada que a edilidade pretende.
L) Afastado que está o pressuposto da falta de segurança plasmado no art. 18º do RGEU, continuar a insistir na ilegalidade e na impossibilidade de legalizar a obra, é manifestamente afastar-se do conceito de pessoa de bem pelo qual se devem pautar todos os organismos e instituições públicas do país;
M) a administração pública na sua atuação deve obedecer a princípios fundamentais, nos termos do art. 266º da CRP;
N) Até que ponto não estará o R a agir de forma ilícita e culposa ao continuar a persistir na ilegalidade do edifício, mas no entanto, continuar a receber taxas camarárias e IMI, quando alega que o imóvel é ilegal;
O) Será de direito e da mais elementar justiça ser a A. ressarcida, pelo menos, dos impostos pagos por um bem, que quem os recebe, titula de ilegal;
P) A A. tem tanto direito a ser indemnizada pelo seu imóvel, alegadamente ilegal, tanto quanto teve o R o “direito” de cobrar impostos e taxas sobre um edifício que considera ilegal;
Q) O Despacho de 27.02.2008 é nulo por falta de fundamentação adequada, por violação do disposto nos normativos nºs 1 e 2, do art.106º, nº 1 do art. 107º e nº 1, do art. 109º do RJUE, art.18º do REGEU, art.s 62º e 266º ambos da CRP.;
R) Ao assim não entender, decidindo pela improcedência dos pedidos, a decisão mostra-se violadora da alínea d), do nº 1, do art. 615º do CPC

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo concluído:
1. Considerando que o objecto do recurso facilmente se apreende que nenhuma ilegalidade ou irregularidade substancial ou formal é assacada ao Acórdão sob censura.
2. Confrontada agora com a decisão que lhe é desfavorável vem a Recorrente interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” insistindo que o Acórdão recorrido não apreciou adequadamente, entre outras, a violação do artigo 18º do R.G.E.U., todavia, sem qualquer razão, dado que a Recorrente reconhece e aceita a natureza clandestina do prédio sobre o qual recaiu a ordem de cessação de utilização e de demolição aqui em questão.
3. Sendo certo que os pressupostos e fundamentos implícitos ao acto de 27.02.2008 que determinaram a cessação de utilização e a demolição do prédio aqui em apreço foram o prédio ter sido construído sem a necessária licença municipal e não ser possível a sua legalização e estes fundamentos mantêm-se, mesmo depois do fim da situação de alerta.
4. A ilegalidade da construção em causa e a insusceptibilidade de legalização são fundamentos que não dependiam, nem dependem, muito menos se alteraram com os trabalhos realizados na Escarpa, dado que aquela edificação viola ainda o disposto no artigo 15º do Regulamento do P.D.M. então em vigor, por se encontrar em área classificada como de equipamento.
5. Actualmente este impedimento regulamentar ainda se mantém, pois, no P.D.M. em vigor, o terreno onde se encontra implantado o prédio da Apelante está classificado como “Área Verde de Enquadramento Paisagístico”, onde não é possível construção.
6. Além disso e não obstante os trabalhos efectuados, a instabilidade da Escarpa da SP mantém-se, a Escarpa contínua perigosa e inapta para a construção, uma vez que os trabalhos executados não dispensam a realização de trabalhos englobados num projecto de estabilização global, fora do âmbito da situação de Alerta.
7. Por isso, ainda que o terreno onde se encontra edificado o prédio da Recorrente fosse estável e permitisse cumprir com as normas do R.G.E.U. – o que não se concede – sempre a construção seria ilegalizável, por incumprimento das normas do P.D.M. e do regime jurídico da R.E.N., pelo que, não existir qualquer erro nos pressupostos da decisão impugnada por violação do artigo 18º do R.G.E.U.
8. Nesta matéria o Tribunal “a quo” decidiu em conformidade, aplicando correctamente a lei e os regulamentos, na medida em que, na situação sub judice, inexiste qualquer alteração dos pressupostos e dos fundamentos subjacentes ao acto administrativo proferido em 27.02.2008, nada havendo a censurar.
9. Também não se verifica a violação dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E., uma vez que a ordem de demolição por falta de licença não padece de qualquer vício, tendo sido profundamente ponderada e objecto de análise atenta, tendo o aqui Recorrido concluído pela insusceptibilidade de legalização da por demais falada construção.
10. Ademais, a construção em apreço não é legalizável, porque violava o disposto no artigo 41º do Regulamento do Plano Director Municipal, pois, encontrava-se em área classificada como Reserva Ecológica Nacional.
11. Actualmente, com a revisão do P.D.M. a construção da Apelante integra a “Área Verde de Enquadramento Paisagístico”.
12. E, de acordo com a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do Município de Vila Nova de Gaia, a construção da Recorrente encontra-se implantada no sistema “Escarpa”.
13. Por isso, independentemente dos trabalhos realizados no âmbito do alerta da Governo Civil do Porto terem diminuído o risco de deslizamento de terras e rochas na Escarpa da SP, a decisão de cessação de utilização e demolição do prédio em apreço sempre seria irreversível, na medida em que foi determinada em estrito cumprimento da lei, mormente, dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E., além de que corresponde ao exercício de um poder vinculado.
14. Por sua vez, ao contrário do que sustenta a Recorrente, o acto administrativo datado de 27.10.2010 não se trata de um novo acto, mas de um mero acto de execução, que não contém outros efeitos jurídicos que não sejam a mera concretização ou desenvolvimento da estatuição jurídica contida no acto executado (o acto de 27.02.2008).
15. Além disso, tal acto não excede os limites do acto executado, nem lhe são imputados quaisquer vícios autónomos pelo que é inimpugnável, nos termos do art. 151º do C.P.A. (à contrário) – tal como decidiu o tribunal “à quo”.
16. Já quanto à pretensão de condenação do Recorrido atribuir licença de construção ao prédio da Apelante aqui em apreço, tal pretensão não pode merecer acolhimento na medida em que o acto de licenciamento sempre estaria sujeito a prévia apresentação de um processo de legalização, cujo impulso dependia da Apelante.
17. No entanto, a Recorrente não identifica um único processo de licenciamento ou requerimento que tenha apresentado junto dos serviços do daqui Recorrido a solicitar o licenciamento, a legalização ou a emissão de licença para o prédio que identifica, nem tão-pouco, concretiza, qualquer omissão de decisão ou recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto devido, pelo que não se verificam os pressupostos legais exigidos no art. 67º do C.P.T.A.
18. Seja como for, o Tribunal não é competente para determinar a atribuição de licença ao prédio da Recorrente.
19. Já quanto à obrigação do Recorrido indemnizar a Apelante, importa referir que sendo legais os actos impugnados não é devida qualquer indemnização à Recorrente.
20. O decurso do tempo não tem a virtualidade de legalizar a construção em causa nem lhe confere qualquer direito a indemnização, tanto mais que o aqui Recorrido ao proferir o acto impugnado, agiu legalmente, sendo, por isso, licita a sua conduta.
21. Por outro lado, não se mostram verificados os requisitos da responsabilidade civil extra-contratual, por falta do pressuposto da ilicitude.
22. Seja como for, o prédio em questão não é propriedade exclusiva da Apelante, além de que o terreno onde aquela edificação está implantada é propriedade do Estado, logo insusceptível de aquisição por usucapião.
23. Por outro lado, a Recorrente não invocou, nem sequer fez qualquer prova de danos que pretendia ver ressarcidos.
24. Em face do que fica dito, é patente que o Acórdão recorrido apreciou e decidiu de forma detalhada todas as questões que se impunham resolver, tendo em consideração todos os elementos de prova carreados para os autos. A decisão recorrida teve em consideração todos os aspectos jurídicos da causa, assim como apreciou de forma irrepreensível e de acordo com o seu prudente critério e arbítrio todos os documentos carreados para os autos, inexistindo qualquer nulidade, muito menos a invocada pela Apelante.
25. Tando mais que, a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., ocorre quando o Tribunal “a quo” não tomou conhecimento de uma questão que deveria resolver, o que não sucede na situação sub judice, dado que o Acórdão sob censura apreciou e decidiu de forma justa e perfeita todas as questões que se impunham resolver.
26. Inexiste, por isso, qualquer fundamento legal para a revogação da Acórdão ora em crise, porquanto não ocorre qualquer causa que justifique a anulação daquele aresto.
27. Tendo em consideração a matéria dada como provada e a fundamentação da decisão recorrida, pode-se concluir que o Tribunal “a quo” bem andou, fazendo a correcta interpretação e enquadramento legal dos factos, mormente, dos artigos 106º e 109º do R.J.U.E. e do artigo 18º do R.G.E.U.
28. Em suma, é inegável que o Tribunal “a quo” decidiu como se impunha, inexistindo qualquer erro de apreciação ou de julgamento, nada havendo a censurar no Acórdão recorrido, pelo que deverá improceder o presente recurso.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado e não se encontram presentes pressupostos que fundamentem ocorrer responsabilidade civil extracontratual do Estado.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1) Por ofício de 23.01.2008 foi DMC notificado da intenção de se ordenar a cessação da utilização e da subsequente demolição do edifício situado na Rua CS, n.º r/c e 1º em Santa M..., nos termos constantes de fls. 5 e 6 do p.a.

2) DMC pronunciou-se nos termos constantes de fls. 23 a 28 do p.a..

3) Por despacho de 27 de fevereiro de 2008 do Vereador AGB foi ordenada a cessação da utilização indevida da edificação sita na Rua CS, n.º 534 r/c e 1º da freguesia de Santa M... por não ter a licença administrativa em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 109º do DL 555/99, de 16 de dezembro, bem como, no prazo de 30 dias, a demolição total do edifício construído e reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data da respetiva construção nos termos constantes de fls. 30 a 33 do p.a. que aqui se consideram reproduzidos.

4) Por despacho de 19 de março de 2008 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia foi determinada a suspensão de todas as iniciativas municipais para o local em causa, nomeadamente as respeitantes aos procedimentos administrativos de tutela da legalidade urbanística em curso, com vista a colaborar, coordenadamente, com o Ministério da Administração Interna na intervenção que lá venha a ser produzida (fls. 50 a 52 do p.a.).

5) Por despacho de 27 de outubro de 2010 da Vereadora Eng. MF foi determinada a posse administrativa do imóvel, com vista à sua demolição (fls. 59 a 61 do p.a.).

6) Em novembro de 2006, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) elaborou o relatório de fls. 112 a 129 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sobre a “Reavaliação das Condições de Estabilidade da Escarpa da SP (Gaia) Após o Escorregamento de 24 de setembro de 2006”.

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- O recorrente na sua conclusão R) vem referir que: “ ao assim não entender, decidindo pela improcedência dos pedidos, a decisão mostra-se violadora da alínea d), do nº 1, do art. 615º do CPC”. Ou seja, o recorrente vem invocar nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
De acordo com a alínea d) do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando: “ o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
No caso em apreço não vemos, nem vêm invocadas, quaisquer questões que o Tribunal a quo tenha deixado de apreciar. O recorrente veio solicitar que fossem anulados dois despachos emitidos pelo Réu e em alternativa solicitou a atribuição de indemnização pela demolição do seu edifício. Estas questões foram abordadas e decididas, não se vendo que ocorra qualquer omissão de pronúncia. Não é, como refere o recorrente, pelo facto de se ter decidido pela improcedência dos pedidos que ocorre a referida omissão de pronúncia. Assim, sem necessidade de mais considerações, e por falta de substanciação, conclui-se não proceder a nulidade invocada.

II- Está em causa nos autos a legalidade do despacho de 27 de Fevereiro de 2008 e nos termos do qual foi ordenada a cessação da utilização indevida da edificação sita na Rua CS, n.º 534, r/c e 1º da Freguesia de Santa M....
O recorrente também vinha impugnar o acto de 27 de Outubro de 2010, acto este onde foi determinada a posse administrativa do imóvel com vista à sua demolição. No Despacho Saneador foi tal acto considerado inimpugnável, por ser um mero acto de execução, não lhe tendo sido imputados vícios autónomos. Não está em causa neste recurso a apreciação desta decisão.
No que se refere ao acto de 27 de Fevereiro de 2008 veio recorrente sustentar que o Tribunal a quo, na sua apreciação, não teve em conta a decisão do Governo Civil de 30 de Abril de 2009 e que determinou a cessação da situação de alerta, e o facto de terem sido executadas as obras necessárias à diminuição do risco para pessoas e bens do local em causa.
Afastado que foi o perigo nada obstava a que o edifício fosse legalizado conforme o disposto no artigo 18º do RGEU.
Refere-se na decisão recorrida o seguinte:
In casu, por despacho de 27.02.2008 do Senhor Vereador da CMVG, AGB, foi ordenada a cessação da utilização e a demolição do prédio da A., sito na Rua CS, n.º 534, R/C, 1º da freguesia de Santa M..., Vila Nova de Gaia.
Tal decisão foi proferida por a edificação em causa ter sido “erigida sem licença municipal” e por não ser “suscetível de legalização.”
É, como vimos, inequívoco que o prédio em causa foi construído sem licença municipal.
Considerou-se, no ato impugnado, que legalização da edificação em causa não era possível “por violar o disposto no n.º 1 do artigo 15. º do Regulamento do Plano Diretor Municipal, uma vez que se situa em área qualificada como de equipamento não sendo permitido por isso outro uso, que não o de equipamento e por violar o art.º 18º do RGEU uma vez que conforme é explicado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em relatórios elaborados, o maciço adjacente à escarpa se encontra fortemente diaclasado e descomprimido, tendo o processo de diaclasamento conduzido à fragmentação em grandes blocos, alguns praticamente soltos e muitos em condições de equilíbrio extremamente precárias, ou embora edificada a meia encosta, em plataformas criadas à custa de escavações de zonas alteradas do maciço e de depósitos de vertentes e de aterros feitos, com certeza em condições deficientes, com os materiais resultantes da escavação, contribuindo para agravar as condições de estabilidade de toda a escarpa, podendo conduzir ao colapso do terreno em certas zonas, pelo que o terreno não se apresenta estável e suficientemente firme, por natureza ou por consolidação artificial, não apresentando assim as condições mínimas exigíveis nos termos do referido artigo 18.º para a edificação.
Por esse motivo, aliás, nos últimos dez anos, o executivo não permitiu qualquer intervenção nesse mesmo local (...).
Acresce que, no âmbito das ações de vistoria e peritagem à Escarpa da SP, na sequência do supra referido acidente, a Câmara Municipal recebeu um relatório do LNEC cujas conclusões apontam inexoravelmente para a necessidade de desalojamento imediato de um conjunto de edificações nela erigidas, entre as quais a de que V. Ex. ª é proprietário, de forma a garantir a segurança de pessoas e bens (...).
Atenta a necessidade de defender a integridade e segurança dos moradores nesta zona, sem prejuízo das questões de âmbito da Proteção Civil, as referidas edificações deverão ser, por isso, desocupadas e subsequentemente demolidas pelo respetivo proprietário e reposto o terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início da respectiva construção, nos termos do artigo 106.º do mesmo diploma legal».

E tendo o LNEC concluído que o terreno da Escarpa da SP é instável e perigoso, e que o risco existente de mobilização dos terrenos não se afigura aceitável para as pessoas e os bens presentes no local (pág.22 do relatório do LNEC), tem de se concluir que as construções nele implantadas, como a da A., são construções em perigo, por melhor construídas que se apresentem.
….
Que o referido terreno é instável resulta desde logo, da consideração da derrocada verificada em 24 de setembro de 2006. Se já houve uma derrocada, e sendo aquele terreno instável, outras se poderão seguir, conforme se retira daquele citado relatório.
Assim sendo, entendemos não existir qualquer erro nos pressupostos da decisão impugnada a entender que ocorre violação do artigo 18.º do RGEU.
Note-se que, como resulta do princípio do tempus regit actum, a legalização do prédio da A encontra-se subordinada ao quadro legal vigente à data em que se coloca a questão da respetiva legalização, o que, in casu, inequivocamente inviabiliza qualquer possibilidade de legalização, como foi considerado pelo R.
Importa também salientar que o Réu teve o cuidado de verificar previamente à emanação da ordem de demolição do prédio que o mesmo era insuscetível de legalização, donde decorre que apenas lançou mão da ordem de demolição, como sendo a última ratio em matéria de legalidade urbanística, com o que agiu em conformidade com o princípio da proporcionalidade e de acordo com o que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo sobre esta questão.
Assim sendo, entendemos que o despacho impugnado não traduz nenhuma violação ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 106º e 109º, n.º1 do RJUE.
Diga-se, desde já, que o assim decidido é para manter.
O art.º 106.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção ada pelo Lei n.º 69/2007, de 4 de Setembro, em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “demolição da obra e reposição do terreno” refere o seguinte:

1- O Presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.

2-A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.

3-A ordem de demolição ou reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.

4- Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infractor.
Ou seja, a ordem de demolição de um edifício pode ser evitada se for possível proceder o seu licenciamento. Estamos perante o afloramento do princípio da proporcionalidade uma vez que se um edifício pode ser legalizado não fazia sentido proceder à sua demolição para depois vir a solicitar a construção de um novo nas mesmas circunstâncias.
Como referem Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, in, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2ªa edição, pág. 565: “ por homenagem ao princípio da proporcionalidade, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade ou inviabilidade da pretensão de legalização é que poderá lançar-se mão do procedimento de demolição. Deve, assim, em qualquer caso, a ponderação sobre uma possível legalização ter lugar não apenas antes da execução do acto de demolição, como previamente à sua adopção (cfr. Carla Amado Gomes, “ Embargos e demolições: entre a vinculação e a discricionariedade”, in, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 19, pp.39 e sgs.).
Ver, neste sentido, Acórdão do STA, proc. n.º 0601/10, de 07-04-2011 quando refere:
I – A demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo.
No caso em apreço nos autos o recorrente foi notificado para, no prazo de 15 dias, proceder à cessação de utilização do edifício sito na Rua CS n.º 534 r/c e 1º andar, e para no prazo de 30 dias, proceder à demolição total do edifício construído e reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data da respectiva construção.
As razões constantes da informação e que fundamentaram o acto baseiam-se no facto de o edifício não ter licença de construção, e de não ser legalizável atento o disposto no artigo 15º, n.º 1, do PDM, uma vez que se situa em área qualificada como de equipamento e com base no artigo 18º do RGEU, dado que o maciço adjacente à escarpa se encontra fortemente diaclasado e descomprimido, como se refere em relatório elaborado pelo LNEC. Vem ainda referido no acto impugnado que o edifício se encontra em área REN.
Não há dúvidas que o edifício alvo do despacho impugnado foi construído sem licença. É um dos fundamentos do acto ora em crise e não foi impugnado.
Por seu lado, refere-se no acto impugnado que a edificação se encontra em área de equipamento e em área REN, pelo que não é possível a sua legalização. Na verdade quando da legalização de um determinado edifício, este, à data dessa legalização tem de estar de acordo com as normas urbanísticas em vigor nessa mesma data. Não está em causa saber há quanto tempo se encontra construído o edifício e se quando se iniciou a sua construção a mesma poderia ser legalizável. A data da legalização do edificado é a data relevante para se saber se a edificação pode ou não se legalizável. Consta do acto impugnado que o edifício se encontra em área de equipamento e em área REN (ver informação da entidade recorrida, proc. n.º 617FU/2008 Santa M... de 26-02-2008, em que se baseou o acto recorrido), razão pela qual não pode ser legalizada. Esta questão não vem posta em crise.
O facto de a zona em causa se integrar em zona de equipamento e REN leva a que não possa ser legalizada a construção referida.
Refere ainda o despacho recorrido que o mesmo não pode se legalizado por violação do artigo 18º do RGEU. Refere este artigo que:
As fundações dos edifícios serão estabelecidas sobre terreno estável e suficientemente firme, por natureza ou por consolidação artificial, para suportar com segurança as cargas que lhe são transmitidas pelos elementos da construção, nas condições de utilização mais desfavoráveis”.
Resultado de um desmoronamento ocorrido na zona onde se encontra o edifício em causa nos autos, em 2006, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil procedeu a uma reavaliação das condições de estabilidade da escarpa da SP, tendo concluído que: “ há riscos significativos para pessoas e bens ocupantes da Escarpa da SP” e propôs a implementação de diversas medidas de contenção.
Foi com base neste estudo que vem referido no acto impugnado a invocação do disposto no artigo 18º do RGEU. Com base no desmoronamento ocorrido e resultado do referido no estudo do LNEC foi declarado o estado de alerta para a zona pela Governadora Civil do Porto. Por seu lado em 2008 foi, por despacho do Município recorrido, determinada a suspensão de todas as iniciativas municipais para o local em causa, nomeadamente as respeitantes aos procedimentos administrativos de tutela da legalidade urbanística em curso, com vista a colaborar, coordenadamente, com o Ministério da Administração Interna na intervenção que lá venha a ser produzida (n.º 4 da matéria de facto dada como provada).
Tendo em atenção o exposto não se vê que o acto ora impugnado sofra de qualquer dos vícios invocados, nomeadamente o de falta de fundamentação. O despacho encontra-se suficientemente fundamentado compreendendo o recorrente perfeitamente o que estava em causa, até pela forma como intentou a presente acção. O despacho impugnado baseou-se no parecer datado de 26 de Fevereiro de 2008 e emitido no proc. 61/FU/2008- Santa M..., constando do mesmo as razões de facto e de direito que levaram a tomar tal posição.
Vem, no entanto, o recorrente, e é com base nesta argumentação que vem fundamentar o seu recurso, que o estado de alerta emitido pela Governadora Civil cessou em 30 de Abril de 2009, tendo o local ficado consolidado devido às obras aí realizadas. Por seu lado só estaria interdita a ocupação e uso da habitação n.º 82/84.
Em primeiro lugar é de referir que a cessação do estado de alerta não faz concluir que a escarpa da SP esteja em condições para que se procedam a construções na mesma. O que vem referido na cessação do estado de alerta é que foram executadas as obras necessárias e identificadas pelo LNEC, para a diminuição do risco para pessoas e bens. Não se pode concluir desta cessação de alerta que os terrenos em causa passaram a ser aptos para a construção, como parece fazer crer o recorrente.
Aliás, no próprio despacho de cessação de alerta, vem referido que “ os trabalhos executados não dispensam a realização de uma campanha de prospecção complementar e de um projecto de estabilização global, medidas estas que caem fora do âmbito da situação alerta…O Governo Civil do Porto manterá os inclinómetros e promoverá a colocação de células de carga para monotorização, pelo LNEC, da estabiliza da SP”. Ou seja, a intervenção efectuada teve como finalidade estabilizar a escarpa de forma a não ocorrerem mais desmoronamentos, mas tal facto não leva a que o terreno passe ser apto para construção. Aliás esta é uma conclusão descontextualizada tendo em atenção a situação em causa. Assim sendo, a invocação do disposto no artigo 18º do RGEU para fundamentar a demolição do edificado da Autora não sofre de qualquer erro nos pressupostos de direito.
Pelo exposto, concluímos que não podem proceder estas conclusões do recorrente.
De acrescentar que mesmo que os terrenos em causa pudessem ter ficado aptos para a construção, sempre o edifício do recorrente não poderia ser legalizado por violação do PDM e da área REN, como já verificámos.
Nas suas conclusões K) a R) vem a recorrente colocar em causa decisão recorrida quanto ao pedido de indemnização solicitado em alternativa.
Na decisão recorrida conclui-se que não se verificam os pressupostos para que a recorrente possa vir a ser indemnizada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, uma vez que falta o pressuposto relativo à ilicitude.
O Município actuou no âmbito dos poderes vinculados e não lhe restava outra solução a não ser mandar demolir o edificado construído ilegalmente e não passível de legalização.
Na sua conclusão K) vem a recorrente sustentar que o pedido indemnizatório não tem, em princípio, como fundamento a ilicitude ou a culpa, mas vem antes solicitar o ressarcimento pela expropriação encapotada que a edilidade pretende.
Vem ainda referir que a entidade recorrida está a agir ilícita e culposamente por insistir na ilegalidade do edifício e que deverá ser ressarcida pelos impostos e taxas camarárias que paga.
Estas questões levantadas pela recorrente não vêm referidas na petição inicial, são questões novas, pelo que não podem ser alvo de apreciação no presente recurso.
Quanto à questão da indemnização, verifica-se que, acordo com o artigo 9º do Decreto-Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, aplicável ao caso dos autos, “consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Traduz-se assim em comportamento ilícito as acções ou omissões das entidades públicas que infrinjam regras técnicas ou deveres objectivos de cuidado.
A ilicitude surge como a violação de um direito de outrem ou violação da lei que protege interesses alheios. A conduta será ilícita na medida em que o sujeito podendo ter actuado correctamente, agiu de forma diferente violando direitos ou interesses de outro legalmente protegidos. Não basta a prática de um facto lesivo de um interesse de outrem para que seja obrigado a reparar o dano. A lesão de interesses alheios só obriga a indemnizar se a conduta for contrária a uma norma destinada a proteger o interesse subjectivo de outrem ou a uma norma genérica de protecção de interesses alheios. Não existe, portanto, ilicitude quando o comportamento do agente, apesar da lesão de bens jurídicos, não prossiga qualquer fim proibido por lei (Acórdão deste Tribunal proc. n.º 02926/09.7BEPRT, de 19-11-2015).
Ora, no caso dos autos verifica-se que o recorrente construiu um edificado sem licença num local onde não pode ser legalizado. Estava ainda a construção edificada em zona sensível. Perante tais factos não restava outra alternativa à entidade demandada a não ser fazer cessar a ilicitude em que se encontrava a edificação em causa. Este seu comportamento de mandar demolir o edificado ilegal e ilegalizável, não pode, obviamente, ser considerado, ilícito, nem muito menos culposo, não merecendo assim a decisão recorrida a censura que lhe vem imputada.

Por todo o exposto tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada. Improcede assim a nulidade da decisão recorrida e o alegado erro de julgamento e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.

3 – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
Notifique.

Porto, 1 de Julho de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco