Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01154/03-Porto |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/08/2012 |
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Tribunal: | TCAN |
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Relator: | José Augusto Araújo Veloso |
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Descritores: | PRETERIÇÃO AUDIÊNCIA PRÉVIA PRINCÍPIO APROVEITAMENTO ACTO |
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Sumário: | I. O cumprimento do dever de audiência prévia do interessado tem de ser efectivo, facultando-lhe a real e satisfatória pronúncia sobre o projecto de decisão, e tem de ter uma capacidade conformadora da decisão definitiva, mediante a efectivação de diligências complementares requeridas e consideradas pertinentes pela administração instrutora; II. Só não será de anular o acto, por preterição de audiência prévia, se essa falta, esse incumprimento de dever, no caso concreto se degradar em formalidade não essencial;III. Com o princípio do aproveitamento do acto não se visa a sanação do mesmo, a supressão da sua ilegalidade, mas apenas a sua manutenção na ordem jurídica, tornando inoperante a força invalidante do vício que o inquina, mercê de um juízo seguro quanto à inutilidade da sua anulação.* * Sumário elaborado pelo Relator |
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Data de Entrada: | 01/13/2012 |
Recorrente: | A. ... |
Recorrido 1: | J. ... e Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Recurso Contencioso Anulação (LPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Nega provimento ao recurso jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório A. … - residente na Avenida …, Vila Real – vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 13.01.2011 – que no recurso contencioso de anulação intentado por J. … contra a Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição [Vila Real], em que ela figura como recorrida particular, decidiu assim: Julgar improcedente a matéria de excepção invocada nos autos, com referência à inadmissibilidade do recurso por ter havido preterição de recurso hierárquico necessário e extemporaneidade do presente recurso; Julgar não verificado o invocado vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei com referência ao disposto no artigo 5º nº 2 alínea c) do DL nº204/98 de 11.05, e aos princípios da igualdade, da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da justiça e da imparcialidade, bem como o invocado vício de desvio de poder; Julgar verificado o apontado vício de forma por falta de audiência prévia e, em consequência, anula-se a decisão recorrida referida em 13 da matéria de facto apurada, dando-se, assim, provimento ao presente recurso, com todas as legais consequências. […] Conclui assim as suas alegações: 1- A decisão do Júri foi tomada em 29.08 [acta nº4 do Júri], e tal classificação foi remetida ao recorrente que a recebeu em 03.09; 2- Nessa data, o recorrente requereu ao Júri cópia de vários documentos, destinados a apreciar tal classificação [ver o documento 4, junto com a petição de recurso contencioso]; 3- Como resulta do PA apenso, e do documento 5 junto com a petição de recurso contencioso, o Júri enviou ao concorrente todos os elementos que foram por ele solicitados; 4- Nenhum outro requerimento apresentou o recorrente; 5- O recorrente foi ouvido, pois, antes da decisão final, resultando assim cumpridos os artigos 100º e 101º do CPA; 6- Inexistindo tal vício, deve manter-se a decisão impugnada. Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público não se pronunciou. De Facto São os seguintes os factos que foram considerados provados na sentença recorrida: 1- Por Aviso publicado no Diário da República [III Série, nº168, de 23.07.2003] foi tornado público que, por deliberação da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, e aprovada em Assembleia de Freguesia a 25.06.03, foi determinada a abertura de concurso interno de acesso geral para preenchimento de um lugar de chefe de secção, área administrativa, do quadro de pessoal dessa Junta de Freguesia, aprovado em 07.06.2002 e publicado no Diário da República [2ª série, nº167, de 22.06.2002] [folhas 14-15 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 2- Do Aviso consta, além do mais, que: “... 6) Os requisitos gerais de admissão a concurso são os constantes do artigo 29º nº2 do DL nº204/98, sendo os especiais a posse da categoria de assistente administrativo especialista com a classificação de serviço não inferior a Bom. 7) Os métodos de selecção a utilizar são a avaliação curricular e a entrevista profissional de selecção. 8) Os critérios objecto de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção e, bem assim, o sistema e fórmulas de classificação dos candidatos constam expressamente da acta nº1, aprovada pelo júri do concurso na sua primeira reunião, a qual será facultada aos candidatos sempre que solicitada. 9) A ordenação dos candidatos aprovados é feita de harmonia com a classificação final, resultando esta da média aritmética simples das classificações obtidas em ambos os métodos de selecção. ... 13) A relação de candidatos e a lista de classificação final serão publicitadas nos termos conjugados do artigo 33º nº2 e dos nºs 1 e 2 do artigo 34º, bem como nos termos dos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo38º e dos nºs 1, 2 e 5 do artigo 40º do DL nº204/98, de 11 de Julho. 14) O júri tem a seguinte composição: O Presidente – I. …. Vogais efectivos: M. …. A. …. Vogais suplentes: AP. …. JM. … [folhas 14-15 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 3- Em 27.06.2002, tal como se alcança da acta nº1 [que consta de folhas 19-20 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido] o Júri reuniu, tendo deliberado o seguinte: “... 1) Avaliação Curricular [AC] - a sua classificação será obtida através da ponderação seguinte: 1.1- Experiência Profissional [EP] - será entendida como a avaliação, na escala de 0 a 20 [apresentação curricular – 3 valores, desempenho de chefias relativas à categoria – 2 valores, desempenho de funções – 5 valores, louvores – 3 valores, publicações, artigos, livros ou outros relativos às Autarquias – 2 valores], da actividade descrita no currículo profissional apresentado, tendo como referência a área funcional e as funções efectivamente exercidas cujo conteúdo se enquadra na referida área e tendo em conta funções exercidas nas autarquias. 1.2- Formação Profissional [FP]: Curso até uma semana ou até 30 horas – 1 ponto; Curso até um mês ou até 120 horas – 2 pontos; Curso de mais de um mês ou mais de 120 horas – 3 pontos. No caso de não ser indicada a duração do curso nos respectivos certificados, será atribuída a pontuação mínima. Na ausência de certificado, não será o curso considerado. 1.3- Habilitações literárias [HL]: Habilitações mínimas exigidas – 18; Habilitações superiores exigidas – 20. AC = [5 x EP] + [ 2 x FP] + [ 3 x HL] 10 1.4- A entrevista profissional de selecção destina-se a avaliar, num relação interpessoal e de forma objectiva e sistemática, as aptidões profissionais e profissionais dos candidatos, versando sobre responsabilidade, sentido de organização, interesse e motivação profissional, capacidade de relacionamento e conhecimento dos problemas e tarefas do conteúdo funcional do lugar a prover. 1.5- A classificação final resultará da média aritmética ponderadas as classificações obtidas em cada um dos métodos de selecção através da seguinte forma: CF = AC + EPS 2 em que: CF – Classificação final AC – Avaliação curricular EPS – Entrevista profissional de selecção 1.6- Considerar-se-ão reprovados os candidatos que obtiverem na classificação final nota inferior a 9,5 valores. ... 2) A lista de candidatos admitidos bem como a lista de classificação final contendo a respectiva graduação será feita nos termos dos artigos 33º, 34º e 40º do DL nº204/98, de 11 de Julho, e afixados para consulta no edifício da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição. ...” [folhas. 19-20 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 4- Tal como consta da acta nº2, foram admitidos a concorrer ao concurso referido em 1 os seguintes candidatos: - A. … - J. … [folhas 21 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 5- Em 19.08.2003, tal como se alcança da acta nº3 [que consta de folha 22 dos presentes autos, cujo teor se dá por reproduzido] o Júri reuniu, tendo deliberado marcar as entrevistas aos candidatos para dia 27.08.2003, pelas 16H00 [folha 22 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 6- Em 29.08.2003, tal como se alcança da acta nº4 [que consta de folha 23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido] o Júri reuniu, tendo deliberado o seguinte: “... A. …eia obteve: 1- Experiência Profissional – 14,5 valores assim distribuídos: Apresentação curricular – 1,5 valores Desempenho de chefias relativas à categoria – 0 valores, Desempenho de funções – 5 valores Experiência Profissional Autárquica – 5 valores Louvores – 3 valores Publicações – artigos, livros ou outros (relativos às Autarquias) – 0 valores 2-– Formação Profissional – 1 valor 3- Habilitações Literárias – 14 valores Assim: A/C = EP x 5 + FP x 2 + HL x 3 10 A/C = 14,5 x 5 + 1 x 2 + 14 x 3 = 7,25 + 0,2 + 4,2 = 11,65 10 4- Entrevista Profissional de Selecção - Conclui-se que ambos os candidatos mostraram motivação profissional e conhecimentos muito semelhantes, embora seja de realçar a persistência nas funções da candidata A. … pelo que atribuímos a nota de dez valores a cada candidato. CF = AC + EPS = 11,65 + 10 = 10,825 2 2 J. … obteve: 1- Experiência Profissional – 6,4 valores assim distribuídos: Apresentação curricular – 1,4 valores Desempenho de chefias relativas à categoria – 0 valores, Desempenho de funções – 5 valores Experiência Profissional Autárquica – 0 valores Louvores – 0 valores Publicações – artigos, livros ou outros [relativos às Autarquias] – 0 valores 2- Formação Profissional – 7 valores 3- Habilitações Literárias – 14 valores Assim: A/C = EP x 5 + FP x 2 + HL x 3 10 A/C = 6,4 x 5 + 7 x 2 + 14 x 3 = 3,2 + 1,4 + 4,2 = 8,8 10 4- Entrevista Profissional de Selecção – Conclui-se que ambos os candidatos mostraram motivação profissional e conhecimentos muito semelhantes, embora seja de realçar a persistência nas funções da candidata A. … pelo que atribuímos a nota de dez valores a cada candidato. CF = AC + EPS = 8,8 + 10 = 9,4 2 2 Nesta conformidade vai ser elaborada a lista classificativa dos candidatos que será afixada na sede desta Junta de Freguesia e mandada publicar no Diário da República III Série aviso de nomeação do candidato mencionado no referido concurso em primeiro lugar, em obediência ao artigo 11º do DL nº427/89...” [folha 23 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 7- Com data de 29.08.2003, foi elaborado o AVISO [que consta de folha 91 do PA apenso] subscrito pelo Presidente da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição nos seguintes termos: AVISO Torna-se público a lista de classificação no concurso de chefe de secção desta Junta de Freguesia, de acordo com o aviso publicado em Diário da República III Série nº168 de 23 de Julho de 2003A. …----- 10,825 valores J. …----- 9,4 valores [folha 91 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 8- Em 03.09.2003, o recorrente recebeu a comunicação que lhe foi dirigida pela Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição nos seguintes termos: “... Nos termos do nº1 do artigo 40º do DL nº204/98, de 11 de Julho, se leva ao conhecimento de V. Ex.ª, a lista de classificação final que contém a graduação dos candidatos, ao concurso interno de acesso para um lugar de chefe de secção, homologada pelo Júri, acta nº4 de 29 de Agosto de 2003. A. …----- 10,825 valores J. …----- 9,4 valores [folhas 97 a 99 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 9- Na sequência de requerimento do agora recorrente, de 04.09.2003, e deliberação do Júri de 08.09.2003, foram enviadas ao recorrente [que as recebeu em 10.09.2003] as actas de 1 a 4 relativas ao concurso descrito nos autos [folhas 101-107 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 10- Dou por reproduzido o teor da acta nº8 relativa à reunião da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição que teve lugar no dia 29.08.2003 [junta a folhas 62 dos presentes autos]; 11- Dou por reproduzido o teor da acta nº9 relativa à reunião da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição que teve lugar no dia 25.09.2003 [junta a folhas 118-117 do PA apenso]; 12- Com data de 18.09.2003, foi elaborado o AVISO que consta de folha 111 do PA apenso, subscrito pelo Presidente da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição nos seguintes termos: AVISO Para os devidos efeitos se faz público que, por deliberação de 18 de Setembro de 2003, se procedeu à nomeação para um lugar de chefe de secção do candidato a seguir mencionado, no concurso referido em epígrafe e cuja lista de classificação final foi afixada nesta Junta de Freguesia, através de aviso de 29 de Agosto de 2003, A. …. Em obediência ao estabelecido no artigo 11º do referido DL nº427/89, deverá o candidato apresentar-se para aceitar o lugar, no prazo de 20 dias a contar da publicação do respectivo aviso no Diário da República [isento de visto pelo Tribunal de Contas – artigo 114º do DL nº98/97, de 26 de Agosto]...” [folha 111 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido];Concurso interno geral de acesso para chefe de secção Nomeação [nos termos do DL nº204/98, de 11 de Julho] 13- Este Aviso foi publicado no Diário da República [III Série, nº227 de 01.10.03] [folha 119 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido]; 14- O recorrente intentou o presente recurso contencioso de anulação em 04.11.2003 [folha 2 dos presentes autos]. Nada mais foi dado como provado. De Direito I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1. II. J. …, candidato classificado em 2º lugar no concurso interno de acesso geral destinado ao preenchimento de um lugar de chefe de secção, da área administrativa, do quadro de pessoal da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição [JFNSC], Vila Real, intentou recurso contencioso no então TAC do Porto [Tribunal Administrativo de Círculo] pedindo que fosse declarada nula, ou anulada, a decisão que homologou a lista de classificação final dos candidatos. Para tal, articulou que a decisão administrativa recorrida carecia da devida fundamentação, violava o disposto no artigo 5º nº2 alínea c) do DL nº204/98, de 11.05, padecia de desvio de poder, preteriu o dever de audiência prévia, e desrespeitava os princípios da igualdade, da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da imparcialidade. Em sede de contestação, foram suscitadas as questões prévias da inadmissibilidade e da intempestividade do recurso contencioso de anulação. O agora TAF, em sede de decisão final, julgou improcedentes as duas questões prévias e os vários vícios imputados ao acto recorrido, excepto um: preterição do dever de audiência prévia do recorrente. Com base nesta ilegalidade, foi anulada a decisão administrativa referida no ponto 13 da matéria de facto provada. A recorrida particular, agora como recorrente, vem discordar da procedência do vício de preterição de audiência prévia, qualificando de errado o julgamento de direito realizado pelo TAF. Ao conhecimento deste erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional. Assim, não está em causa o julgamento de facto, nem, tão pouco, o julgamento de direito feito pelo TAF relativamente às duas questões prévias e aos demais vícios conhecidos e considerados improcedentes. III. A factualidade dada como provada na sentença recorrida é pacificamente aceite pela ora recorrente, quer na sua fidelidade quer na sua suficiência. Será, pois, a partir desse julgamento de facto que devemos apreciar e decidir o mérito do erro de julgamento de direito que ela invoca. Vejamos. Em 29.08.2003, o júri do concurso reuniu para classificar os dois candidatos à vaga de chefe de secção. O que fez, procedendo à sua respectiva classificação em cada um dos itens da avaliação curricular, e da entrevista profissional de selecção. Atribuiu à candidata A. … a classificação final de 10,825, e ao candidato J. … a classificação final de 9,4. Após esta notação final, diz a respectiva acta que, nessa conformidade, vai ser elaborada a lista classificativa de candidatos, que será afixada na sede da Junta de Freguesia, e vai ser mandado publicar, no Diário da República, aviso de nomeação do candidato classificado em primeiro lugar… Em 03.09.2003, a JFNSC comunicou ao candidato J. … que nos termos do artigo 40º do DL nº204/98, de 11.07, lhe dava conhecimento da lista de classificação final dos candidatos, homologada pelo júri conforme acta de 29.08.2003… Em 10.09.2003, e a solicitação sua, foram enviadas ao candidato J. … cópias das actas nº1 a nº4 relativas ao concurso. Em 01.10.2003, foi publicado no Diário da República [III série, nº227] aviso referente à nomeação da candidata A. …, como primeira classificada, para o lugar de chefe de secção posto a concurso. São estes os factos relevantes para a aferição do invocado erro de julgamento de direito. Ora bem. O artigo 267º nº5 da CRP dispõe que o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará […] a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, sendo que a doutrina se vem dividindo sobre a natureza deste direito de participação, nomeadamente se ele configura um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais [ver Sérvulo Correia, “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento”, Cadernos de Ciência de Legislação, 9/10, Janeiro-Junho de 1994, páginas 156-157; Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1996, páginas 426 e seguintes; Marcelo Rebelo de Sousa, “Regime do Acto Administrativo”, Direito e Justiça, volume VI, 1992, página 45; e David Duarte, Procedimentalização, Participação, e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, 1996, páginas 143 e seguintes; Freitas do Amaral, “Fases do procedimento decisório de 1º grau”, Direito e Justiça, volume VI, 1992, página 32; Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Universidade Católica Editora, 1995, páginas 511 e seguintes; José Manuel dos Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição actualizada e aumentada, página 352]. Certo é que estamos perante uma imposição constitucional, que o legislador ordinário terá de densificar, e que as entidades públicas, na sua aplicação do direito, não poderão olvidar, pois que a validade das leis e actos do Estado, e de todos os demais actos das entidades públicas, depende da sua conformidade com a Constituição [ver artigo 3º nº3 e 266º nº2 da CRP]. Tal imposição constitucional, densificada nos artigos 100º a 105º do CPA, surge, assim, como comando impositivo para a Administração Pública, e apenas poderá deixar de ser cumprida, quando pertinente, nos casos expressamente fixados, ou permitidos, pelo artigo 103º do CPA. O cumprimento deste dever de ouvir o interessado antes de ser tomada a decisão administrativa definitiva, deve consubstanciar uma audição efectiva, e não o cumprimento de mera formalidade balofa e inconsequente. Por isso mesmo a lei exige que, quando no desenho de audiência escrita, seja concedido ao interessado prazo não inferior a dez dias para se pronunciar, lhe sejam fornecidos todos os elementos necessários, de facto e de direito, para conhecer os aspectos relevantes para a decisão, e lhe seja facultada a consulta do processo administrativo [artigo 101º do CPA]. E permite que, na resposta, o interessado não só se pronuncie sobre as questões objecto do procedimento, mas também requeira as diligências complementares que considere pertinentes, requerimento esse que o respectivo instrutor deverá ter em consideração [101º nº3 e 104º do CPA]. Não há dúvida, pois, que o cumprimento do dever de audiência prévia tem de ser efectivo para o administrado, facultando-lhe a real e satisfatória pronúncia sobre o projecto de decisão, e tem de ter uma capacidade conformadora da decisão definitiva, mediante a efectivação de diligências complementares requeridas e consideradas pertinentes pela administração instrutora. A preterição dessa obrigação de audiência prévia, por parte da administração, segundo a corrente dominante na jurisprudência, leva à anulação do respectivo acto administrativo [artigo 135º do CPA, em articulação com o artigo 133º do mesmo código]. Também jurisprudência dominante vem entendendo que só não será de decretar a anulabilidade do acto, por preterição de audiência prévia, se essa falta, esse incumprimento de dever, no caso concreto se degradar em formalidade não essencial. Então, entrará em acção o princípio do aproveitamento dos actos, que em nome da economia dos actos públicos dá voz moderna ao antigo aforismo utile per inutile non vitiatur. Para que tal aconteça terá de se demonstrar que a decisão do procedimento administrativo não podia ser outra, mesmo que tivesse sido devidamente cumprido o dever de audiência prévia. Só então o seu incumprimento se degradará em mera irregularidade procedimental [ver, entre outros, AC STA de 27.04.1995, Rº34743; AC STA de 28.05.1996, Rº33082; AC STA de 11.02.1998, Rº40404; AC STA de 17.06.1999, Rº37667; AC STA de 23.09.1999, Rº40842; AC STA de 23.01.2001, Rº45967; AC STA de 07.11.2001, Rº38983; AC STA de 13.02.2002, Rº48403; AC STA de 12.11.2003 [Pleno], Rº41291; AC STA de 22.05.2007, Rº0161/07; AC STA de 11.10.2007, Rº01521/02; AC STA de 18.10.2007 [Pleno], Rº0473/07; AC STA de 28.10.2009, Rº0121/09; AC STA de 04.11.2009, Rº165/09; AC STA de 02.12.2009, Rº36/08; AC STA de 26.10.2010, Rº0473/10; AC STA de 18.11.2010 [Pleno], Rº0855/09; AC STA de 14.04.2011 [Pleno], Rº0473/10; AC STA de 06.09.2011, Rº0787/10; e o AC STA de 06.10.2011, Rº0272/11. Na doutrina, ver Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 307 e seguintes; Rui Machete, A Relevância Processual dos Vícios Procedimentais no Novo Paradigma da Justiça Administrativa, Separata da Revista do Ambiente e Ordenamento do Território, 2006, nº13, páginas 30 e seguintes; Afonso Queiró, RLJ, Ano 117, páginas 148 e 149]. Na verdade, não devem ser tomadas decisões sem alcance real para o impugnante, por ele não poder extrair qualquer sentido útil da anulação do acto administrativo, e isto porque a economia de meios, correspondendo a uma dimensão insofismável do interesse público, é um valor jurídico em si mesma. E note-se que com o princípio do aproveitamento do acto não se visa a sanação do acto, ou a supressão da sua ilegalidade, mas apenas a sua manutenção na ordem jurídica, tornando inoperante a invalidade, melhor, a força invalidante do vício que o inquina, mercê de um juízo seguro quanto à inutilidade da sua anulação. O aproveitamento do acto administrativo proferido com violação do dever de audiência prévia apenas será de realizar, portanto, e em princípio, quando em termos de direito o sentido do acto surgir como vinculado para o órgão administrativo decisor, e quando em termos de facto o interessado não dispuser de qualquer elemento novo que, uma vez ponderado ou instruído pudesse ter influenciado o sentido da decisão administrativa que foi tomada sem o ouvir. O princípio do aproveitamento do acto apenas deverá ser usado em situações nas quais não se suscitem quaisquer dúvidas acerca da irrelevância do exercício do direito de audiência prévia na conformação do conteúdo decisório do acto. Voltemos ao caso em recurso. Nele, para além da norma constitucional e da lei ordinária supra citadas, temos, ainda, a norma específica contida no artigo 38º do DL nº204/98, de 11.07, aplicável a este concurso público, segundo a qual terminada a aplicação dos métodos de selecção, o júri elabora, no prazo máximo de 10 dias úteis, a decisão relativa à classificação final e ordenação dos candidatos e procede à respectiva audição no âmbito do exercício do direito de participação dos interessados, notificando-os para, no prazo de 10 dias úteis, contados nos termos do artigo 44º, dizerem, por escrito, o que se lhes oferecer. O júri do concurso devia, pois, dar cumprimento a este preceito específico, na linha da lei geral e da imposição constitucional. E não o fez. Efectivamente, a comunicação que foi feita ao candidato J. …, em 03.09.2003, foi realizada nos termos do artigo 40º do DL nº204/98, e não nos termos do seu artigo 38º, ou seja, foi uma comunicação já de decisão definitiva, e não de um mero projecto de decisão visando a audição prévia do candidato classificado. E, do mesmo modo, o pedido de cópias das actas nº1 a nº4 do júri, por ele efectuado, não se traduz em qualquer exercício do direito de audiência prévia, antes pelo contrário, tudo aponta para que seja uma diligência do candidato no sentido de preparar reacção à decisão definitiva que lhe foi comunicada. A verdade é que não sendo grande a diferença de classificação final que separa os dois candidatos, nada garante que uma pronúncia do segundo classificado, em audiência prévia, não tivesse contribuído para alterar a classificação, e, com ela, a graduação no concurso. A presente situação não é, assim, isenta de dúvidas acerca da irrelevância do exercício do direito de audiência prévia, o que por si mesmo arreda, tal como vimos, a possibilidade de aproveitamento do acto impugnado. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida. Assim se decidirá. Decisão Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida.Custas pela recorrente, nos mínimos legais. D.N. Porto, 08.03.2012 Ass. José Augusto Araújo Veloso Ass. Fernanda Brandão Ass. Antero Pires Salvador |