Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00455/14.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO; ENFERMEIROS; ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:1 – No âmbito do anterior CPTA, aqui aplicável, a ação administrativa comum não podia ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de um ato administrativo inimpugnável bem como da condenação na prática de ato devido em sua substituição.
2 - Assim, de acordo com o disposto no artigo 46.º do CPTA então aplicável, seguiam a forma da ação administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de atos de autoridade praticados pela Administração e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses atos de autoridade, estabelecendo o respetivo n.º 2 as pretensões que deveram obedecer a esta forma, entre outras, as anulatórias de atos administrativos e de condenação à prática de atos administrativos legalmente devidos.
Já a ação administrativa comum constituía o processo comum do contencioso administrativo na medida em que podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebia no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais
Resulta do artigo 37.º do CPTA que seguiam esta forma os processos em que não fosse formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o CPTA nem previsão contida em legislação avulsa estabelecesse um modelo especial de tramitação.
3 – O Artº 38.º do CPTA, estabelecia expressamente no seu nº 2 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável. (…)”.
Neste contexto, o direito ao recebimento do almejado suplemento remuneratório terá de se considerar como insuscetível de ser obtido por via de Ação Administrativa Comum, por contrariar o disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, pois que estamos perante uma situação em que ainda não está definido o direito pretendido pelas Autoras, que sempre pressuporia a condenação da ARSN à emissão de atos administrativos que alterassem a sua situação jurídica.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ICVBS e MSF
Recorrido 1:Administração Regional de Saúde do Norte, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório

ICVBS e MSF, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada contra a Administração Regional de Saúde do Norte IP, tendente, em síntese, a obterem o pagamento do suplemento remuneratório previsto no Artigo 4º do DL nº 122/2010, inconformadas com a Sentença proferida no TAF do Porto em 13 de julho de 2015, que julgou “verificada a exceção dilatória de erro na forma do processo”, absolvendo o “Réu da instância”, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma em 30 de setembro de 2015, concluindo (Cfr. fls. 140 a 144v Procº físico):

“1. Ao julgar procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo, por entender que a pretensão formulada pelas AA. ainda não está juridicamente definida, a decisão em apreço violou o disposto no artigo 37.º, n.º2, alínea e), co CPTA;

2. As Recorrentes são enfermeiras especialistas na área de Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica e desempenham funções de enfermeiras no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Grande Porto II – Gondomar, no regime de contrato de trabalho em funções públicas.

3. A pretensão das recorrentes ao suplemento remuneratório decorre do previsto no n.º2, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de Novembro, e da sua situação de facto reconhecida pela Recorrida;

4. In casu, a relação jurídica estabelecida entre as Recorrentes e a Recorrida ARS Norte assenta num contrato de trabalho em funções públicas, ou seja, numa relação de natureza contratual que tem na lei a específica definição do direitos e deveres das partes;

5. Assim, a pretensão formulada pelas Recorrentes na sua petição inicial integram-se no âmbito de aplicação da ação administrativa comum, prevista no artigo 37.º, n.º2, alínea e), co CPTA, pelo que não poderá proceder a exceção dilatória de erro na forma do processo;

6. Face ao exposto, a decisão em crise fez uma incorreta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das invocadas disposições legais, nomeadamente do artigo 37.º, n.º2, alínea e), co CPTA, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue que a ação administrativa comum é a forma processual adequada e, consequentemente, determine o prosseguimento dos autos.

Termos em que e nos mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a sentença que determinou a absolvição da Requerida da instância, nos termos supra propugnados, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 12 de julho de 2016 (Cfr. fls. 158 Procº físico).

A aqui Recorrida/ARSN não veio a apresentar Contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 6 de outubro de 2016 (Cfr. Fls. 165 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando aferir, designadamente, se se verificará a decidida exceção dilatória de erro na forma do processo, que determinou a absolvição do Réu da instância.

III – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
Desde logo, e no que ao “Direito” concerne, decidiu-se em 1ª Instância:
Vejamos, agora, então se ocorre a demais matéria de exceção, isto é, a caducidade do direito de ação, tendo em conta a espécie processual que as AA. escolheram para alcançar o direito que consideram dever ser satisfeito.
Como vem expressamente referido na p.i., as AA intentam, ao abrigo do artº 37º, nº2 alínea e) do CPTA, a presente ação que qualificam como “ação administrativa comum de condenação ao cumprimento de deveres de prestação” e que consideram poder ser proposta a todo o tempo.
Dispõe o nº 1 do artº 37º do CPTA que “Seguem a forma da ação administrativa comum os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial”.
Seguem, pois, a forma de ação administrativa comum, todos os processos em que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais o Código estabeleça um modelo próprio de tramitação, como sucede, p.ex. com as pretensões a que corresponda a forma de ação administrativa especial.
Como ensina o Professor Mário Aroso de Almeida in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 81, “ …O CPTA continua a entender que existem especificidades que justificam que processos como os que incidem sobre a questão da legalidade de atos administrativos não sigam os trâmites do processo comum mas obedeçam a uma tramitação especial, parcialmente distinta daquela. Por este motivo, o CPTA desenha um processo especial para estes casos, nos artigos 78º e seguintes”.
O mesmo autor in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, conclui que “…a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da administração. Quando for esse o caso, o processo segue a forma da ação administrativa especial (artigo 46°); nos restantes casos, ele deve observar a forma da ação administrativa comum (artigo 37°).”
(…)
Saber se as AA. escolheram corretamente a forma de processo legalmente prevista para efetivar o seu direito é questão a apreciar pelos termos em que a ação é deduzida e a determinar pela forma como estruturam o pedido e a respetiva causa de pedir, ou seja, os fundamentos que servem de base ao pedido formulado.
Assim, antes de mais, cabe averiguar se a situação que se pretende ver reconhecida – direito ao suplemento remuneratório previsto no nº4 do DL nº 122/2010, de 11 de Novembro - se encontra definida na norma em causa, não carecendo a sua efetivação de qualquer juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa e se tal reconhecimento não se encontra sujeito a pronúncia administrativa prévia ou se, pelo contrário, a atuação da administração pressupunha a prática de um ato administrativo.
O que as AA. pretendem é a condenação da ARSN a “Em via principal – serem os Réus condenados no pagamento, às Autoras, do suplemento remuneratório previsto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de Novembro, desde Dezembro de 2010, no valor de Eur.200,00/mês, computando-se, na presente data, o montante global em dívida, a cada uma das Autoras, em Eur.7.800,00 (sete mil e oitocentos euros); - E, em via subsidiária - serem os Réus condenados no pagamento, às Autoras, do suplemento remuneratório previsto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de Novembro, desde Janeiro de 2013, no valor de Eur.200,00Imês, computando-se, na presente data, o montante global em divida, a cada uma das Autoras, em Eur.2.800,00 (dois mil e oitocentos euros)”.
Sustentam as AA. que o seu vencimento é composto unicamente pela remuneração base e subsídio de alimentação mas, face ao preceituado no artigo 4°, do Decreto-Lei n°122/2010, de 11 de Novembro, é ainda devido às AA. o suplemento remuneratório, no montante Eur.200,00/mês, com início em Dezembro de 2010, o qual não lhes tem sido processado e pago ao contrário do que acontece com outras entidades integradas no Sistema Nacional de Saúde que têm processado o dito suplemento remuneratório e que têm a mesma categoria e que desempenham as mesmas funções das AA. Consideram, assim, que, o não pagamento do referido suplemento às Autoras constitui uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.° da Lei Fundamental.
Mais adiantam as AA. que se se entender que o suplemento remuneratório não era devido, pelo facto de se entender que a eficácia do Decreto-Lei n°122/2010 ficou condicionada à publicação da Portaria n°242/2011, de 21 de Junho, numa altura em que já vigorava a Lei do Orçamento de Estado para 2011, ainda assim, esse suplemento sempre seria exigível a partir de Janeiro de 2013.
Pretendem, pois, as AA. obter a condenação da ARSN na prática de um determinado ato que consideram ser devido, consubstanciado no pagamento de suplemento remuneratório cuja aplicabilidade consideram depender de critérios objetivos, constituindo um dever vinculado que não carece da prática de qualquer ato administrativo.
O DL 122/2010, de 11 de Novembro veio estabelece o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, identificando os respetivos níveis da tabela remuneratória única, definindo as regras de transição para a nova carreira e identificando as categorias que se mantêm como subsistentes – v. artº 1º.
Por sua vez estabelece o artº 4.º do referido diploma legal – remuneração das funções de direção e chefia – o seguinte:
“1 - O exercício, em comissão de serviço, das funções a que se referem às alíneas e) a r) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, confere o direito à remuneração correspondente à remuneração base do trabalhador, acrescida de um suplemento remuneratório de (euro) 200 para as funções de chefia e de (euro) 300 para as funções de direção, a abonar nos termos da alínea b) do n.º 3 e dos n.°s 4 e 5 do artigo 73.º da Lei n.º 12-A/2008, de 22 de Setembro, sem prejuízo das atualizações salariais gerais anuais. 2 – O disposto no número anterior é aplicável aos trabalhadores titulares de categorias subsistentes que exerçam, e enquanto o fizerem, as funções a que se refere o presente artigo (…)”.
O que significa que haverá lugar ao abono de um suplemento remuneratório de € 200 para as funções de chefia, quando se encontrem preenchidos os requisitos enunciados no artº 18º do DL nº 248/2009, de 22/9 (define o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional), isto é, as condições de exercício de funções de direção e chefia dos trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem que passam pela
Ora, saber se as AA. reúnem ou não os requisitos previstos na lei para abono do suplemento remuneratório pelo exercício das funções de chefia e, por conseguinte se se impõe a condenação da ARSN ao seu pagamento é matéria que passa, em primeira linha, pela avaliação dos casos concretos e consequente decisão da Administração, o que significa que o pedido formulado pelas AA. pressupõe a prática de atos administrativos definidores das situações jurídicas concretas das AA. para efeitos do efetivo direito ou não a serem abonadas com o dito suplemento remuneratório e por conseguinte que, a solução a dar ao caso não decorre diretamente da lei.
Nesta medida, a pretensão formulada nos presentes autos não se enquadra na previsão do artigo 37º do CPTA, nomeadamente, na invocada alínea e), dado que a mesma abrange as ações para “Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram das normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que possam ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto” e, no caso presente, não estamos perante um situação que se encontre já definida e haja uma recusa da administração em cumprir com o anteriormente definido.
Estamos perante uma situação em que ainda não está definido o direito pugnado pelas AA e que envolve a condenação da ARSN à emissão de atos administrativos que alterem, sendo caso disso, a sua situação jurídica.
Aqui chegados se impõe concluir que o pedido condenatório que vem formulado constitui um dos tipos de pretensões que poderão ser deduzidas a título principal através da ação administrativa especial, sendo neste caso, objeto do processo a pretensão condenatória e não o ato propriamente dito cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória.
E, neste caso, o meio que se mostra como adequado a alcançar a pretensão deduzida pelas AA. é o previsto nos artºs 66º a 71º do CPTA que se destina a obter a condenação na prática do ato que é considerado pelas AA. como devido.
Portanto, tendo lançado mão do meio processual comum do contencioso administrativo – a ação administrativa comum – previsto no artº 37º e ss do CPTA, teremos forçosamente que concluir que as AA. recorreram a meio impróprio desde logo porque, como se viu, o meio adequado para tal seria a ação administrativa especial.
Em face da constatação de que as AA. para fazerem valer as suas pretensões em juízo, deitaram mão de errada forma processual, é necessário indagar, nesta sede, as consequências a retirar de tal conclusão, isto é, importa determinar se é possível aproveitar os atos que foram praticados.
O erro na forma de processo constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigo 196º do CPC), porém suprível sempre que possível, mediante a convolação dos autos para a forma legal, com aproveitamento do processado que disso for suscetível – artº 193º do CPC.
A correção da forma de processo, traduzida no aproveitamento dos atos praticados e o prosseguimento do processo ocorrerá se o pedido formulado nos presentes autos se adequar à forma processual que os autos deviam seguir, atenta a causa de pedir que está na base do pedido formulado.
No caso presente, todavia, tal convolação mostra-se inútil, pois a petição inicial sempre teria que conduzir à absolvição da Instância por falta de alegação - e até de ocorrência - do pressuposto processual da ação administrativa especial na modalidade da condenação à prática de ato devido, isto é, o pedido prévio da prática do ato, apresentado pelas AA. ao Réu que perante a concreta pretensão formulada podia adotar uma de três condutas possíveis: não proferir qualquer decisão; recusar a prática do ato ou recusar a apreciação da pretensão – cfr. artº 67º do CPTA.
Tendo em conta a ausência de pressuposto legal imprescindível da ação própria para alcançar a pretensão deduzida, isto é, a apresentação de requerimento junto do R. no qual as AA. tenham formulado o seu pedido de pagamento do suplemento remuneratório que se considera ser devido – v.nº1 do artº 67º do CPTA - impõe-se a absolvição da instância por força de nulidade processual insuprível, de erro no meio processual.
Acresce que, perante a ausência do referido pressuposto legal, não é possível aferir da invocada caducidade do direito de ação já que o prazo para intentar a ação de condenação à prática de ato devido depende da situação em concreto, isto é, se houve ou não inércia da Administração, nos termos consignados nos nºs 1 e 2 do artº 69º do CPTA.”

Vejamos:
Como se sumariou no recente acórdão deste TCAN nº 59/95.6BEBRG, de 15.07.2016, “A ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de um ato administrativo inimpugnável bem como da condenação na prática de ato devido em sua substituição (…)”

Em sede de ações administrativas principais o anterior CPTA assentava num modelo dualista, no qual coexistia a Ação Administrativa Comum e a Acão Administrativa Especial, distinguíveis consoante o peticionado respeitasse ou não ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, efetivados mediante juízos próprios do exercício da função administrativa.
Neste sentido, entre muitos, cfr. Mário Aroso de Almeida in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2. Ed., Almedina, p. 77 e ss; José Carlos Vieira De Andrade in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, p. 172 segs; Sérvulo Correia in “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, p. 23 ss.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 46.º do CPTA seguem a forma da ação administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de atos de autoridade praticados pela Administração e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses atos de autoridade, estabelecendo o respetivo n.º 2 as pretensões que deverão obedecer a esta forma, entre outras, as anulatórias de atos administrativos e de condenação à prática de atos administrativos legalmente devidos.

A ação administrativa comum constitui o processo comum do contencioso administrativo na medida em que “podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais” – cfr. Sérvulo Correia, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 22, pág. 27 – Resulta do artigo 37.º do CPTA que seguem esta forma os processos em que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o CPTA nem previsão contida em legislação avulsa estabeleçam um modelo especial de tramitação, o que sucede com as pretensões nela enumeradas a título exemplificativo, mormente com as respeitantes “ao reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo” e à “condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados.”

Importa ter presente o disposto no art.º 38.º do CPTA, e mais concretamente o seu n.º 2, que dispõe que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável. (…)”.

Efetivamente, o artigo 38.º do CPTA respeitante à ação administrativa comum, sob o título “ato administrativo inimpugnável” estabelece no seu n.º 1 que “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado”.

E adita no seu n.º 2 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.”

Ora, na primeira parte deste normativo consagra-se o entendimento jurídico segundo o qual a falta de impugnação contenciosa de um ato administrativo tido como ilegal não impede o interessado de requerer a apreciação dessa ilegalidade, em especial no âmbito de uma ação de responsabilidade civil, sendo que, neste caso, a ilegalidade do ato em causa é conhecida a título incidental e serve apenas de fundamento jurídico ao pedido de indemnização dos danos resultantes da prática do ato.

Advertindo a segunda parte deste normativo que esta apreciação da ilegalidade do ato administrativo não impugnado, assim vertida numa ação administrativa comum, nunca pode ter como finalidade obter o efeito que resultaria da anulação ou declaração de invalidade do ato, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – cfr., Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209.

Ou seja, como reiteradamente se afirmou, o artigo 38.º, n.º 2, do CPTA não permite que a ação administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável, sendo que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à ação comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do CPTA) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, sejam por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do ato, a sua eliminação da ordem jurídica.” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., p. 278.

Em síntese, o objeto da ação administrativa comum mostra-se “nomeadamente e no que aqui releva, incompatível com a figura do ato administrativo e litígio que em torno do mesmo se estabeleça, pelo que a mesma não pode ser utilizada para obter a invalidação de ato administrativo [cfr artigos. 46.º, n.º 2. al a) e 50.º e segs. do CPTA, a condenação à prática dum ato administrativo [cfr. arts. 37°, n.° 2, al e), 46.º, n.° 2. al. b), 66.º e segs. do CPTAJ ou ainda o efeito que resultaria da anulação de ato administrativo [cfr. art. 38.º, n.° 2 do CPTA], sendo que “(…) as únicas exceções a tal incompatibilidade prendem-se, por um lado, com a possibilidade de apreciação a título incidental de ilegalidade no quadro previsto no nº 1 do art. 38.° do CPTA e, por outro, com a condenação à não emissão de atos administrativos no quadro da tutela principal preventiva prevista no art. 37.º, n.º 2, al. c) do mesmo Código.” – v. Acórdão do TCAN, de 29/06/2012, proc. n.º 00090/11.0BEPRT;

Neste contexto, o direito ao recebimento do almejado suplemento remuneratório, tal como decidido em 1ª instância, terá de se considerar como insuscetível de ser obtido por via de Ação Administrativa Comum, por contrariar o disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, pois que estamos perante uma situação em que ainda não está definido o direito pretendido pelas Autoras, e que sempre pressuporia a condenação da ARSN à emissão de atos administrativos que alterassem a sua situação jurídica.

Efetivamente, como resulta do Artº 46º do CPTA então aplicável, seguem a forma de Ação Administrativa Especial os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, e que visem a condenação da Administração à prática de um ato administrativo legalmente devido (al. b) do nº 2 do Artº 46º CPTA).

É pois patente que há muito se mostra ultrapassado o prazo de 3 meses para a interposição da necessária Ação Administrativa Especial (Artº 58º nº 1 al. c) CPTA).

Mesmo considerando o prazo de um ano, previsto no Artº 69º nº 1 do CPTA, o mesmo encontra-se igualmente já esgotado quando a presente Ação foi intentada em 25 de fevereiro de 2014.

Tornado inatacável o ato em causa, a lei veda agora aos Recorrentes a possibilidade de, mediante o peticionado na presente ação, proposta, como se disse, em 25 de fevereiro de 2014, tornear a falta de impugnação contenciosa daquele ato, reabrir a discussão sobre a legalidade do mesmo, no sentido de obter por via da procedência da ação comum, os efeitos típicos resultantes da anulação de ato impugnável.

O que também vale, por identidade de razão, quando o efeito pretendido é o que resultaria da condenação na prática do ato administrativo devido – a este propósito vide, entre outros, o Acórdão do TCAS de 23.10.2014, proc. n.º 4375/08.

A não ser assim, tal corresponderia à destruição dos efeitos de ato jurídico já consolidado na ordem jurídica como se de uma verdadeira anulação se tratasse, com ofensa do caso administrativo resolvido.

Efetivamente, o artigo 38.º, n.º 2 do CPTA não permite o uso da presente ação administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação de ato inimpugnável e/ou da condenação na prática do ato administrativo devido no que concerne ao pedido de recebimento de suplemento remuneratório.

Verifica-se assim que não merece censura a decisão proferida em 1ª instância ao ter declarado a absolvição da instância da Ré ARSN, resultante da inadmissibilidade/ilegalidade da utilização da ação administrativa comum.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelas Recorrentes.

Porto, 16 de dezembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia