Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00382/13.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:APOSENTAÇÃO. DOCENTE EM MONODOCÊNCIA.
Sumário:
I) – A Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, instituiu um regime especial de aposentação para educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que concluíram o curso de Magistério Primário e de Educação de Infância em 1975 e 1976.
II) – A categoria lógico-jurídica que o legislador pretendia alcançar corporiza-se nesses particulares casos – tão só - não cabendo interpretação extensiva que estenda o regime a docente que concluiu o curso de Magistério Primário em 1973.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AMM
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações, I. P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AMM (Cantanhede), interpõe recurso de decisão do TAF de Coimbra, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra Caixa Geral de Aposentações, I. P. (Lisboa).
Conclui o recorrente da seguinte forma:
1 - Não resultando dos autos provado qualquer outro facto em sentido contrário, deverá ser dado igualmente como provado, que «Foi precisamente devido ao regresso dos professores ´´retornados´´ das ex-colónias que o A não teve colocação no ensino entre 01/01/1978 e 31/01/1980, o que o obrigou a exerceu outra actividade fora do ensino.»
2 - Atendendo aos fundamentos que estiveram subjacentes á criação da Lei 77/2009, não poderá de alguma forma concluir-se que com a mesma o legislador quisesse favorecer os docentes que terminaram o curso em 1975 e 1976, em detrimento dos outros docentes que tinham acabado o curso nos anos anteriores e que á data da passagem á aposentação reuniam os mesmos requisitos de anos de serviço e idade.
3 - O que a Lei 77/2009 pretende é exigir que seja aplicada apenas a professores do ensino do 1º ciclo em regime de monodocência que tenham concluído o curso antes de 1975 ou 1976.
4 - Seria ilegal, injusto e imoral que, ao brigo da lei 77/2009, fosse reconhecido o direito á aposentação a um docente que tivesse terminado o curso em 1975 ou 1976 com 34 anos de serviço, e não fosse reconhecido esse direito relativamente a um professor que terminou o curso em data anterior e tivesse mais de anos de serviço, como é o caso sub Júdice.
5 - Qualquer outro entendimento que exclua professores que concluíram o curso do magistério primário em data anterior a 1975, tenham lecionado em regime de monodocência e tenham sido preteridos na colocação para dar lugar aos professores retornados das ex-colónias (como é o caso do Autor) não tem, face ao disposto no artigo 9 do CC, qualquer cabimento legal.
6 – Ao decidir em sentido contrário, não reconhecendo ao Autor o direito á aposentação ao abrigo da Lei 77/2009 de 13/08, a douta sentença recorrida violou assim o disposto nos n.ºs 1 e 2 da referida Lei.
7 - Caso assim não se entenda, i.e. que o regime da Lei 77/2009 se aplica aos professores que concluíram o curso do magistério primário em data anterior a 1795/1976, será então forçoso concluir que, contrariamente ao vertido na douta sentença de que se recorre, o regime criado por esta lei viola o princípio da boa-fé vertido no artigo 6º A do CPA (na redação em vigor á data do Despacho recorrido), na medida em que o Autor e todos os professores em igualdade de condições com este, contavam com o regime excecional criado por esta Lei para se aposentarem.
8 - O espirito que esteve subjacente á criação da Lei 77/2009 não foi única e exclusivamente a proteção dos professores que nos anos de 1975/1976 foram preteridos para dar lugar aos professores retornados das ex-colónias, mas a todos aqueles que nos anos seguintes (78/79/80) também não tiveram colocação no ensino publico, em virtude da colocação de tais professores retornados, como foi o caso do Autor, assim como não foram só os professores que concluíram os seus cursos em 75/76 que foram preteridos para dar lugar aos professores retornados das ex-colónias, mas todos os professores do ensino básico em regime de monodocência, inclusive alguns daqueles que acabaram o seu curso antes de 1975, como foi o caso do Autor.
9 - Pelo que, do mesmo modo, caso não se entenda que o regime da Lei 77/2009 se aplica aos professores que concluíram o curso do magistério primário em data anterior a 1795/1976, teremos então de concluir que, contrariamente ao vertido na douta sentença de que se recorre, o regime criado por lei 77/2009 viola os princípio da igualdade e legalidade vertidos nos artigos 5º e 6º do CPA (na redação em vigor á data do Despacho recorrido), na medida em que o Autor e todos os professores em igualdade de condições com este, contavam com o regime excecional criado por esta Lei para se aposentarem, já que outros com menos anos de carreira e de idade tiverem direito a se aposentar.
10 – é de concluir que o Autor preenche os requisitos de que a lei 77/2009 faz depender o direito á aposentação, devendo o mesmo ser-lhe reconhecido.
11 – A douta sentença violou o disposto no n.º 1e 2 da Lei 77/2009 de 13/08.
12 – Quando assim não se entenda, terá necessariamente de se concluir que a Lei 77/2009 viola, entre outras disposições, o disposto nos artigos 5º, 6º e 6º A do CPA na redação em vigor á data em que foi proferido o despacho recorrido, devendo reconhecer-se, ainda que por via de uma interpretação extensiva, que a Lei 77/2009 terá necessariamente de ser aplicável, não só aos docentes que concluíram o curso do Magistério primário em 1975 e 1976, mas todos aqueles que concluíram o mesmo curso em data anterior.
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A recorrida contra-alegou, dando em conclusões:
A. A CGA considera que o recurso interposto não merece provimento, tendo a Sentença feito uma correta interpretação e aplicação da lei, assim como dos factos submetidos a juízo.
B. O disposto na Lei n.º 77/2009, de 13/08, não é aplicável ao Recorrente, pois, como resulta quer da epígrafe da referida Lei quer do objeto do diploma definido no seu artigo 1.º, é condição substancial para a aplicação da referida Lei n.º 77/2009 a de o docente, que se encontre nas condições legais, ter concluído o curso do Magistério Primário e de Educação de Infância nos anos de 1975 ou 1976.
C. O que não é o caso do Recorrente, que, de acordo com o ponto 2) dos Factos Assentes, concluiu o curso do Magistério Primário em 1973.
D. Por outro lado, em 2012-05-30, data requerida pelo impetrante para a sua aposentação (nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, na redação então em vigor), aquele não perfazia 58 anos e 6 meses de idade, pelo que não pôde beneficiar do regime especial de aposentação previsto no artigo 5.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29/12.
E. Pelo que, como bem conclui a Sentença recorrida, o despacho impugnado não padece dos vícios invocados pelo ora Recorrente.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer, no sentido de não provimento do recurso.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
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Os factos, elencados como provados na decisão recorrida:
1. O Autor nasceu no dia 29 de Maio de 1955 (cf. cartão de cidadão a fls. 42 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
2. O Autor concluiu o Magistério Primário em 21 de Julho de 1973 (cf. registo biográfico a fls. 128 do processo administrativo para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
3. O Autor iniciou funções no dia 1 de Outubro de 1973, na categoria de professor do primeiro ciclo (cf. documento a fls. 40 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
4. No dia 30 de Maio de 2012 o Autor apresentou um pedido de aposentação, ao abrigo do artigo 2.º ponto 1 da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, com início na mesma data (cf. pedido a fls. 24 a 33 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 10 de Dezembro de 2012 a Entidade Demandada enviou ao Autor ofício para se pronunciar em sede de audiência prévia (cf. ofício a fls. 34 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
6. No dia 20 de Dezembro de 2012 o Autor pronunciou-se em sede de audiência prévia (cf. requerimento a fls. 35 a 39 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
7. No dia 25 de Fevereiro de 2013 a Entidade Demandada indeferiu o pedido de aposentação do Autor nos seguintes termos:
“(…) Com referência ao requerimento apresentado em 2012-05-30, informo V. Exa. que o mesmo foi indeferido, por despacho de 2013-02-25, da Direção da CGA, (delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, n.º 250 de 2011 -12-30), com os seguintes fundamentos:
O disposto na Lei 77/2009, de 13/09, que invoca, não lhe é aplicável. Com efeito, o referido normativo institui um regime especial de aposentação para educadores de infância e professores do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que concluíram o curso de Magistério Primário e de Educação de Infância em 1975 e 1976, que não foi o seu caso;
Em 2012/05/30, data que mencionou para a produção de efeitos, não perfazia 58 anos e 06 meses de idade, pelo que não pode beneficiar da al. a) do art.º 5º do DL 229/2005
A resposta à audiência prévia nada acrescenta de relevante.
Se, aquando do envio à CGA do pedido de aposentação, tiver sido suspenso qualquer pagamento por dívida de contagem de tempo para efeito de aposentação/sobrevivência, deverá, após a receção do presente ofício, ser imediatamente reiniciado o pagamento dessa dívida (…)”
(cf. ofício a fls. 11 dos autos em processo físico para onde se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
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O mérito da apelação
I) – Quanto aos factos:
Entende o recorrente que “Não resultando dos autos provado qualquer outro facto em sentido contrário, deverá ser dado igualmente como provado, que «Foi precisamente devido ao regresso dos professores ´´retornados´´ das ex-colónias que o A não teve colocação no ensino entre 01/01/1978 e 31/01/1980, o que o obrigou a exerceu outra actividade fora do ensino.»” [certamente que quereria escrever “exercer”, e não “exerceu”]
Sem razão.
O alegado circunstancialismo foi levado ao art.º 28º da p. i.
A ré apenas aceitou expressamente alguma da matéria constante da p,. i., que não a presente, impugnando o demais (cfr. artºs. 1º e 2º da contestação).
Não vigora cominatório (semi-pleno).
É de impossível alicerce pretender que se dê provado o alegado por “não resultando dos autos provado qualquer outro facto em sentido contrário”; quando assim, como no caso, não resultando provado o que se almeja provar, na ausência de sentido contrário, retirar-se-ia também o sentido oposto.
A afirmação, de eterno retorno, anula-se por ela própria.

I) – Quanto ao direito:
O tribunal “a quo” julgou improcedente a acção.
Na solução alcançada, fundamentou:
«(…)
O Autor vem pelo presente meio processual impugnar judicialmente o ato datado de 25 de Fevereiro de 2013, que indeferiu o pedido de aposentação do Autor, por não considerar preenchidos os requisitos previstos na Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto.
Vejamos,
A Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, veio criar um regime especial de aposentação para educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que tivessem concluído o curso de Magistério Primário e de Educação de Infância em 1975 e 1976, que não se encontrassem abrangidos pelo disposto na alínea b) do n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro. De acordo com o artigo 2.º deste diploma legal “Os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência abrangidos pela presente lei podem aposentar-se tendo, pelo menos, 57 anos de idade e 34 anos de serviço, considerando-se, para o cálculo da pensão, como carreira completa 34 anos de serviço. 2 - Por cada ano de serviço além dos 34 anos, a contagem da idade mínima para aposentação é bonificada em 6 meses, até ao máximo de 2 anos. 3 - Sem prejuízo dos números anteriores, a aposentação pode ser antecipada para os 55 anos de idade, sendo a pensão calculada nos termos gerais e reduzida em 4,5 % do seu valor por cada ano de antecipação em relação à idade legal de aposentação estabelecida no n.º 1”. Por seu turno, este diploma veio alterar o artigo 5.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro, que passou a ter a seguinte redação, “Sem prejuízo das modalidades previstas no Estatuto da Aposentação, os educadores de infância e os professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência podem aposentar-se: (…) b) Até 31 de Dezembro de 2010, desde que, possuindo, em 31 de Dezembro de 1989, 13 ou mais anos de serviço docente, tenham, pelo menos, 52 anos de idade e 32 anos de serviço, considerando-se para o cálculo de pensão como carreira completa 32 anos de serviço”.
Da Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 663/X, que esteve na origem da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, resultou que “(…) no caso dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência, que à data da transição para a nova estrutura de carreira tivessem 14 ou mais anos de serviço, tanto o Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, como o Decreto-Lei 1/98, de 2 de Janeiro, onde constava o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, instituíam um regime especial de aposentação mediante o qual, os visados, poderiam aposentar-se, com pensão por inteiro, com 32 anos de serviço e, pelo menos, 52 anos de idade. Ora, este regime especial de aposentação justificou que, no âmbito do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro, se fizesse prever um regime transitório que estabelecesse, para os educadores de infância e os professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público, em regime de monodocência, a possibilidade de aposentação «até 31 de Dezembro de 2010, desde que, possuindo 13 ou mais anos de serviço docente à data de transição para a nova estrutura de carreira, tenham, pelo menos, 52 anos de idade e 32 anos de serviço, considerando-se, para o cálculo de pensão, como carreira completa de 32 anos de serviço». Contudo, este regime transitório não considerou o especial contexto histórico vivido nos anos lectivos de 1975/1976 e 1976/1977, com o regresso de um número significativo de professores das ex-colónias (integrados no designado quadro geral de adidos) e a consequente alteração excepcional no regime de colocação de professores. Ou seja, por força da colocação obrigatória dos professores regressados das ex-colónias, muitos professores viram adiado o início da sua carreira e, deste modo, foram penalizados na contagem de anos de serviço para efeitos deste regime especial de aposentação. Tal situação provocou assim grandes disparidades, quanto aos regimes de aposentação, permitindo que professores do mesmo ano de curso sejam beneficiados por diferença de meses”.
Nestes termos, o regime estabelecido pela Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto pretendeu criar um regime especial de aposentação para os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico que concluíram o curso de magistério primário e de educação de infância em 1975 e 1976, com o objetivo de eliminar, no âmbito dos regimes transitórios de aposentação, uma situação de desigualdade resultante de circunstâncias extraordinárias. Conforme, de resto, resulta do Acórdão do TCA-N, de 19 de Novembro de 2015, processo n.º 00264/13.0BEBRG: “A correção da referida “situação de desigualdade” (entre estes professores e os colegas abrangidos pelo regime Decreto-Lei n.º 229/2005) foi vertida no artigo 2.º da Lei n.º 77/2009, cujo n.º 1 veio permitir a aposentação dos educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência (que concluíram o curso de Magistério Primário em 1975 e 1976) com 57 anos de idade e 34 anos de serviço (relembre-se que ao abrigo do citado Decreto-Lei n.º 229/2005, os professores do 1.º ciclo em regime de monodocência aí abrangidos puderam aposentar-se com 52 anos de idade e 32 anos de serviço)”.
A partir da entrada em vigor do referido diploma legal os docentes em regime de monodocência passaram a dispor de, além da modalidade de aposentação antecipada prevista no artigo 37°-A do Estatuto da Aposentação, outras quatro formas de se aposentarem antecipadamente. Conforme melhor resulta do Acórdão do 19 de Dezembro de 2014, processo n.º 00862/13.1BECBR, os professores passaram a poder aposentar-se antecipadamente da seguinte forma: “(i) Artigo 5.º, n.º 7, alínea a), do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro (diploma que reviu os regimes que consagram para determinados grupos de subscritores da Caixa Geral de Aposentações desvios às regras previstas no Estatuto da Aposentação em matéria de tempo de serviço, idade, aposentação e fórmula de cálculo das pensões, por forma a compatibilizá-los com a convergência do regime de protecção social da função pública e regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto e Decreto-Lei n.º 287/2009, de 8 de Outubro), nos termos do qual os docentes em regime de monodocência podem aposentar-se até 31 de Dezembro de 2021, desde que tenham a idade e o tempo de serviço estabelecidos nos anexos II e VII, considerando-se, para o cálculo da pensão, como carreira completa a do anexo VIII. (ii) Artigo 5.º, n.º 7, alínea b), do Decreto-Lei n.º 229/2005 nos termos do qual até 31 de Dezembro de 2010 aqueles docentes podiam aposentar-se desde que tivessem, pelo menos, 52 anos de idade e 32 anos de serviço e, cumulativamente, 13 ou mais anos de serviço docente em regime de monodocência até 31 de Dezembro de 1989, considerando-se, para o cálculo da pensão, como carreira completa 32 anos de serviço – modalidade deixou de vigorar em 1 de Janeiro de 2011. (iii) Artigos 1.º e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, nos termos dos quais a partir de 1 de Janeiro de 2010 podem aposentar-se com, pelo menos, 57 anos de idade e 34 anos de serviço, desde que o subscritor tenha concluído o curso do Magistério Primário e de Educação de Infância nos anos de 1975 ou 1976, considerando-se, para o cálculo da pensão, como carreira completa, 34 anos de serviço. (iiii) Artigos 1.º e 2.º, n.º 3 da Lei n.º 77/2009 nos termos dos quais a partir de 1 de Janeiro de 2010, podem aposentar-se com, pelo menos, 55 anos de idade e 34 anos de serviço, desde que o subscritor tenha concluído o curso do Magistério Primário e de Educação de Infância nos anos de 1975 ou 1976, sendo a pensão calculada nos termos gerais e reduzida em 4,5% (penalização) por cada ano de antecipação em relação à idade legal de aposentação estabelecida no n.º 1 do artigo 2.º (57 anos)”.
No caso dos presentes autos, resultou que o Autor não preenchia os requisitos para lhe ser aplicado aquele regime especial, tendo em conta que terminou o Magistério Primário em 1973. Ora, nos termos do artigo 11.º do Código Civil, as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.
No entanto, o âmbito de aplicação de uma norma excecional não pode ultrapassar os limites irremovíveis da letra da lei, uma vez que nestes casos, para o intérprete, valerá a letra e não o espírito da lei. Isto significa que, quanto aos aspetos vinculados, o julgador não poderá ir além da letra da lei. Portanto, sendo a norma contida no artigo 1.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, de natureza excecional, tendo em conta as condições de acesso e cálculo da pensão bastante mais favoráveis que as aplicáveis à generalidade dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, então não se pode interpretar extensivamente o referido preceito legal a situações que se encontram claramente fora do âmbito normativo do diploma. Por isso, a decisão impugnada, para além de não violar o disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, também não violou o princípio da boa-fé, dado inexistir qualquer expetativa do Autor em relação ao deferimento do pedido ou incumprimento do objetivo a alcançar com a atuação empreendida. Por outro lado, também não se considera que a decisão impugnada tenha violado o disposto nos artigos 5.º e 6.º do CPA, na redação em vigor à data da prática do ato, uma vez que o regime excecional criado pela Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, teve por escopo evitar o tratamento desigual dos professores que, nos anos letivos de 1975/1977, tivessem sido prejudicados com o regresso de professores das ex-colónias e com as consequentes alterações que aquele regresso provocou, naqueles anos, ao regime de colocação de professores. Daqui decorre que o tratamento diferenciado dos professores na situação prevista no artigo 1.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, visou colmatar uma situação de desigualdade que se verificou especificamente nos anos letivos de 1975/1977 em apelo aos princípios da igualdade. Nestes termos, a decisão que recaiu sobre o pedido do Autor não é violadora do princípio da igualdade, uma vez que, tendo entrado ao serviço em 1973, não resultou que tivesse sido efetivamente prejudicado com o regresso dos professores das ex-colónias, conforme aconteceu em relação aos demais colegas nos anos letivos de 1975/1977.
Face ao exposto, considera-se que a decisão impugnada não padece dos vícios invocados pelo Autor.
(…)».

A Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto «Institui um regime especial de aposentação para educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que concluíram o curso de Magistério Primário e de Educação de Infância em 1975 e 1976», consagrando:

Artigo 1.º
Objecto
A presente lei institui um regime especial de aposentação para os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que concluíram o curso de Magistério Primário e de Educação de Infância nos anos de 1975 e 1976 que não se encontrem abrangidos pelo disposto na alínea b) do n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro.
Artigo 2.º
Regime especial de aposentação
1 - Os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência abrangidos pela presente lei podem aposentar-se tendo, pelo menos, 57 anos de idade e 34 anos de serviço, considerando-se, para o cálculo da pensão, como carreira completa 34 anos de serviço.
2 - Por cada ano de serviço além dos 34 anos, a contagem da idade mínima para aposentação é bonificada em 6 meses, até ao máximo de 2 anos.
3 - Sem prejuízo dos números anteriores, a aposentação pode ser antecipada para os 55 anos de idade, sendo a pensão calculada nos termos gerais e reduzida em 4,5 % do seu valor por cada ano de antecipação em relação à idade legal de aposentação estabelecida no n.º 1.
O autor/recorrente concluiu o Magistério Primário em 21 de Julho de 1973.
Não é abrangido nos literais termos do art.º 1º da Lei n.º 77/2009, de 13/08, os quais se referem à conclusão do curso de Magistério Primário e de Educação de Infância nos anos de 1975 e 1976.
Perante os quais não se percebe como pode concluir que “O que a Lei 77/2009 pretende é exigir que seja aplicada apenas a professores do ensino do 1º ciclo em regime de monodocência que tenham concluído o curso antes de 1975 ou 1976”, pulverizando toda a letra da lei.
E ora são só esses, ora são também docentes dos “anos seguintes (78/79/80)”….
Mas o espírito da lei não vagueia assim tanto.
Na tarefa interpretativa, a letra (o enunciado linguístico) é ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, pois nos termos do art. 9.º, 2, do CC, não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
A sentença recorrida rejeitou a possibilidade de uma interpretação extensiva, que pudesse acolher o autor/recorrente como beneficiário do regime, regime especial.
E bem.
Esta interpretação tem lugar, como ensinava o Prof. Dias Marques, quando «ao exprimir o seu pensamento, o legislador pode ter adoptado uma fórmula que não abranja toda a categoria lógico-jurídica que pretendia alcançar, sendo lícito ao intérprete apoiar-se nos elementos extra-literais e fazer uma interpretação extensiva da lei, despojando o termo por ela usado das circunstâncias restritivas em que se encontrava gramaticalmente circunscrito e tornando-o idóneo para abranger a generalidade das relações que verdadeiramente visa atingir» (Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, edição policopiada, pág 168).
Mas, ainda assim, «será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.» (Ac. do STJ nº 4/2015, Fix. de Jur, Proc. n.º 533/12.6t3amd -g.l1 -A.S1, DR, 1.ª série, nº 58, de 24/03/2015).
Apela o recorrente ao espírito legislativo, que permitiria abarcar o seu caso.
Só que esse espírito está corporizado nos casos particulares vertidos na lei, rigorosamente delimitados, correspondendo a intenção claramente expressa na Exposição de Motivos do Projecto de Lei n.º 663/X, que lhe esteve na origem, de atender ao “contexto histórico vivido nos anos lectivos de 1975/1976 e 1976/1977”.
O que o recorrente acaba por propor é ir para além do que foi esse espírito, confinado a tais casos, sem qualquer outro subsídio interpretativo e respaldo de letra.
A decisão recorrida observa a legalidade.
A respeito dos princípios administrativos da boa-fé e da igualdade, nenhuma violação pode ser reconhecida, já que a Administração, no caso exercendo poderes vinculados, se limitou a agir «secundum legem».
Pelo que ao não reconhecer que o acto impugnado tenha perturbado tais princípios, também por aí a decisão recorrida merece ser confirmada.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 14 de Julho de 2017.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa