Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00281/09.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/28/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:URBANISMO. CORES CONVENCIONAIS
Sumário:I) – Ainda antes de ter expressa consagração legal, era de geral utilização a técnica das cores convencionais - importada do meio académico e reflectida em muitos dos regulamentos municipais -, sendo uma forma específica de representação em matéria urbanística (vermelha para os elementos a construir / amarela para os elementos a demolir).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MFGMS
Recorrido 1:Município da Póvoa de Varzim
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte Secção do Contencioso Administrativo:
MFGMS, id. nos autos (habilitada em conjunto com LGSC e MDGS, face ao decesso do autor inicial JPSM), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente acção administrativa comum interposta contra o Município da Póvoa de Varzim (Praça …).
Conclui a recorrente:
- A ora Recorrente e os então restantes titulares do prédio objeto da obra de remodelação e ampliação licenciada no processo municipal 151/2001 propuseram esta Ação, em 2009-01-29 pedindo que o R Município fosse condenado a reconhecer a existência do licenciamento da construção e utilização do muro de vedação representado no projeto e construído no âmbito daquela obra a sul do prédio objeto da intervenção urbanística, que, por ela, ficou integralmente afeto a oficina de reparação automóvel (quer a parte coberta, quer o logradouro, que passou a ser o pátio pavimentado da oficina).

2ª - O dito muro, com a função de remate da pavimentação do pátio de estacionamento da oficina e de vedação regularizada e limpa do prédio rústico então existente a sul - no qual, posteriormente, através dos Procs. 1117/02 e 1041/04, foi licenciada a construção do um edifício em propriedade coletiva -, foi implantado imediatamente a norte do muro irregular de pedras soltas, com silvas e outras herbáceas, que até então demarcava os dois terrenos, tendo sido representado nas peças desenhadas do projeto, a traço preto, tal como a pavimentação do pátio e dos demais muro que o rematavam, pelo nascente e norte, sendo, após a emissão do alvará de licença de construção (943/01), ainda no regime do DL 445/91, incluído, na menção feita no livro de obra em 2002-02-13, aos trabalhos de "execução de muros de vedação", objeto da fiscalização de 2002-02-20, para verificação dos alinhamentos, então considerados "dentro do previsto no projeto" e doutras ações de fiscalização, incluindo a outra registada no livro de obra e no PA em 2003-01-29, representado nas telas finais, onde foi cotada a sua distância relativamente à parede sul do pavilhão da oficina, objeto da vistoria conjunta para licenciamento da utilização, de 2003-09-11, seguido, no dia imediato, de despacho determinativo da emissão do respetivo título, obtido em 2003-09-11.

3ª - Só em 2005-10-19, no âmbito do referido licenciamento da construção no terreno rústico a sul e a solicitação da proprietária deste, por lhe convir demolição de uma parte, para melhor acesso ao estacionamento da nova construção, o Município veio a considerar o dito muro de remate e vedação – e não os outros e a pavimentação do pátio, representados do mesmo modo – ilegalmente construído por na sua representação, nas peças do projeto de 2001, não ter sido usado traço vermelho.

4ª - Após audiência preliminar, foi elaborado despacho de condensação, incluindo matéria de facto assente e base instrutória, e, após a habilitação da A, ora recorrente, como dona do prédio, por partilha das heranças dos pais, procedeu-se à produção de prova, mediante perícia, análise do PA e inquirição de testemunhas, após o que foi proferida a sentença impugnada, que começou, no cap. II, a fls. 3, por identificar como objeto do litígio..."a amplitude fáctica do ato administrativo de licenciamento proferido no procedimento n.º 151/2001"..., mas, sem fundamentação de direito justificativa, logo anunciou apenas considerar pertinente "aferir se, face às peças escritas e desenhadas que o requerente apresentou no desenvolvimento do referido procedimento de licenciamento (...), o muro novo/construído aparecia tecnicamente representado nos citados documentos instrutórios", dando como exemplos desses documentos instrutórios o "levantamento topográfico" (obviamente inapropriado, pois que apenas se destina a representar/"levantar" o existente no prédio e na sua envolvente antes da intervenção que vai projetar-se), o "projeto de arquitetura" (que é instrutório do licenciamento da construção) e as "telas finais" (que, conforme o artº 29º.3 do DL 445, é documento instrutório da licença de utilização).

5ª - No Cap. II, na decisão da matéria de facto, não tendo alterado o elenco (de A a ao 2º AK) dos factos da Matéria de Facto Assente, a sentença, com fundamento na Perícia e na prova testemunhal aditou os Factos Provados (FP) AM a AZ.

6ª - Todavia, no Cap. IV, relativo à apreciação do direito (artº 607º.3, 2ª parte, e 4, 2ª parte), a sentença julgou provados e considerou determinantes da decisão final outros factos, não discriminados naquele capítulo da decisão da matéria de facto, não admitidos por acordo, não provados por documento ou confissão e não resultantes de ilações ou presunções legais ou das regras da experiência, cujos teor, localização e impugnação constam de B.3 e em B41, fls. 12 a 18 supra.
ASSIM, em apreciação desses factos:

7ª - O teor do Facto 1 de B3 e de B.4.1.1, expendido na 2ª parte do último parágrafo de fls. 15 da sentença, segundo o qual "Na altura em que as peças técnicas foram apresentadas pelo A. inicial no procedimento de licenciamento n.º 151/2001 vigorava de forma consensual entre os técnicos adstritos à elaboração de projetos de arquitetura e plantas, naquilo a que se poderá apelidar de um uso comumente aceite pelos intervenientes na área da construção civil, que a representação gráfica de um elemento físico a construir deveria ser pela cor “vermelha” e que a demolir deveria ser pela cor “amarela”, para ser exato deve ser reduzido, quer no sentido de que a utilização da cor vermelha para os elementos a construir apenas era praticada no projeto de obras de reconstrução parcial, ampliação e alteração, como auxiliar na identificação do que seria acrescentado ao já existente, quer no sentido de que, em 2001, não correspondia a um "dever", pois isso só foi imposto pela Portaria 113/2015.
Com o conhecimento, pois, de que a Portaria 113/2015 constitui uma inovação e com apelo aos esclarecimentos dos Srs. Peritos, na passagem das 2h04mn12sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 01:51:08, fim 02:38:22), e ao depoimento da Sra Arquiteta MPNB, na passagem das 2h27mn50sg da gravação da audiência de 2015-06-18 (início 02:05:09, fim 02:34:01), o referido facto deverá ser reduzido para o seguinte teor:
Na altura em que o projeto de arquitetura foi apresentado no procedimento de licenciamento 151/2001, usualmente, nos projetos de trabalhos de reconstrução parcial, ampliação e alteração, como auxiliar na identificação do que seria acrescentado ou eliminado do existente, os técnicos adstritos à elaboração de projetos de arquitetura representavam graficamente os elementos físicos a construir pela cor “vermelha” e os a demolir pela cor “amarela”.
Esta correção tem, desde logo, o efeito de, acertadamente, desempolar o entendimento de que, na obra aqui em causa, os muros de vedação devessem ser representados a traço vermelho: é que, eles foram construídos de raiz, não tendo de ser distinguidos de elementos neles pré-existentes - por isso que é compreensível a opção do projetista pelo traço preto, na sua representação.

8ª - O teor do Facto 2 de B3 e de B.4.1.2, expendido na 2ª parte do 3º parágrafo de fls. 16 da sentença, pelo qual nesta se afirmou: "Impunha-se, segundo as melhores regras de representação gráfica dos projetos de arquitetura, que na parte sul do prédio tivesse sido inscrito um grafismo a cor “amarela”, representativo da demolição do muro antigo (ou dos seus restos), e outro grafismo a cor “vermelha”, alusivo à construção de um muro novo", deve eliminar-se ou julgar-se não provado.
É que, conforme o depoimento da Sra. Arqtª MPNB, na passagem das 2h30mn59sg da gravação da audiência de 2015-06-18 (início 02:05:09, fim 02:34:01), o muro que a sentença afirma dever ser representado a amarelo (a demolir), está fora do projeto, não o devendo integrar, por assumidamente estar fora dos limites do prédio objeto do projeto e, por isso, apenas ser representado no levantamento topográfico do existente (no prédio e na sua envolvente, que não cabe ao projeto representar); aliás, esse muro antigo, fora dos limites do prédio, manteve-se após a construção em causa nos autos, só vindo a ser demolido e substituído pela dona do prédio vizinho, quando, por sua vez, construiu nesse prédio, conforme depoimento do projetista Engº Técnico AAR, na passagem das 0h27mn44sg da gravação da audiência de 2015-04-24 (início 00:02:20, fim 01:36:55) e depoimento do construtor ACA, na passagem das 0h46mn45sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 0036:15, fim 01:13:17)
E, quanto à representação a traço preto do muro desse muro de remate do pátio da oficina, a sul (bem como a pavimentação da pavimentação desse pátio e dos demais muros que o rematam e vedam, a nascente e norte - esclarecimentos dos Srs. Peritos na passagem das 1h55mn37sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 01:51:08, fim 02:38:22), confirmando fls. 15 e 46 do PA), a razoabilidade do critério do projetista está suportada no facto de se tratar de elementos construídos de raiz, que não tinham de ser distinguidos de elementos neles pré-existentes, como se vê da análise das plantas de implantação e de arranjos exteriores de fls.15 e 46 do PA, que representam a pavimentação do pátio e todos os muros que com ele rematam a sul nascente e norte a negro, e depoimento do projetista AAR, exatamente na passagem das 01h05mn07sg da gravação da audiência de 2015-04-24 (início 00:02:20, fim 01:36:55).

9ª – Deve igualmente eliminar-se, por errado, o Facto 2 de B3 e de B.4.1.3, constante da 2ª parte do 3º parágrafo de fls. 16 da sentença:
Não se vê no levantamento topográfico da fl. 14 qualquer grafismo que indique um muro a construir, a cor vermelha, na parte sul do prédio, nem, muito menos, um grafismo a cor amarela. Aparece tão-só uma linha a “traço-ponto”, que mais não significa do que uma realidade já pré-existente, isto é, um muro de vedação do prédio que já pré-existia e que assim continuaria.
Na verdade, é da natureza dos levantamentos topográficos fazerem o "levantamento" do que existe, sem projetar o que se vai construir: isso é feito nas peças do projeto da construção.
Aliás, nesse sentido, que vai ter por base o que aquele levantamento demonstra existir.
Nesse sentido, o depoimento do projetista AAR, na passagem das 00h20mn22sg da gravação da audiência de 2015-04-24 (início 00:02:20, fim 01:36:55) e o depoimento da Sra. Arqtª MPNB, nas passagens 2h29mn32sg e 2h30mn18sg da gravação da audiência de 2015-06-18 (início 02:05:09, fim 02:34:01), aí também esclarecendo que o grafismo traç-ponto significava o limite do terreno (não representando um muro) e, nessa sequência, que o muro representado, por traço contínuo, para fora (mais para sul) desse grafismo, estava fora dos limites do prédio e, por isso, não apareceria no projeto (que, ao contrário do levantamento topográfico, que, como é regra, contempla a envolvente imediata, se conteria dentro dos limites do prédio).
Porque o levantamento topográfico, visa representar o que existe antes da intervenção do projeto, designadamente, a envolvente do prédio no qual se vai projetar a obra, a sentença erra ao pretender encontrar naquele (lev. Topográfico) a representação do que vai ser construído. Por isso e por confundir com a representação de um muro o tracejado que a legenda identifica como linha de limite do terreno, esse facto afirmado na sentença é falso.

10ª – Também deverá eliminar-se o Facto 4 de B.3 e de B.4.1.4, correspondente à seguinte afirmação do primeiro parágrafo de fls. 17 da sentença:
A aparente realidade que o A. inicial levou ao conhecimento do R., não coincide, depois, com aquilo que realizou no terreno, posto que, o muro novo não se encontra no mesmo e preciso local do pré-existente. Ora, o que se exige aos requerentes de um licenciamento é que atuem com lealdade e correção técnica, para que o seu projeto se adeque com a realidade pretendida, coisa que aqui não aconteceu
Não é verdade que o antecessor da A, no projeto de licenciamento, errada e deslealmente, tivesse representado o muro de remate a sul do pátio de estacionamento na implantação do pré-existente muro de vedação em pedras soltas, estando a afirmação do Mmo Juiz inquinada pela errada confusão que faz entre o levantamento topográfico (do existente antes da intervenção projetada) e as peças desenhadas do projeto da obra.
Aliás, segundo os FP P, AN, AP, AT (21/09/2001) e AU, em especial, o muro que foi construído a sul do pátio de estacionamento da oficina foi representado no projeto, designadamente na planta de arranjos exteriores, a fls. 46 do PA – o que é contraditório com estoutro facto do primeiro parágrafo de fls. 17 da sentença.
Obviamente, o muro representado no projeto, no remate sul do pátio do estacionamento da oficina, não podia estar na mesma implantação do antigo muro de pedras soltas, contíguo ao limite sul do prédio, pois esse velho muro, estando fora do limite do prédio da A e seu antecessor, estava fora do projeto, e, por outro lado, conforme julgado provado no F PAZ, o novo muro de vedação e remate sul do pátio foi construído imediatamente a norte e ao longo daquele antigo muro de pedras soltas (se um é construído ao longo do outro, coexistem, cada um com a sua implantação).
Nesse sentido, de que o antecessor da A pretendeu deixar o muro de pedras soltas fora do limite do terreno e do projeto e de que, quando da fiscalização de 2002-02-20, com o tosco do novo muro já concluído, essa coexistência foi objeto de uma intervenção do fiscal/topógrafo municipal o depoimento do construtor ACA, nas passagens de 0h52mn23sg e de 0h53mn10sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 0036:15, fim 01:13:17), enquanto a Sra. Arqtª MPNB, na passagem 2h30mn59sg, esclarece, perante o levantamento topográfico, que o velho muro estava fora do prédio da obra e ficaria fora do projeto, enquanto, na passagem das 2h29mn00sg da gravação da audiência de 2015-06-18 (início 02:05:09, fim 02:34:01), confirmara que o novo muro foi representado no projeto, para ficar na obra.

11ª – Finalmente, ainda por erro evidente, deverá desconsiderar-se a afirmação do Facto 5 de B.3 e de B.4.1.5 supra, no 2º parágrafo de fls. 17 da sentença, do seguinte teor:
Voltamos a não encontrar tais grafismos coloridos nas plantas de fls. 15 e 20 do PA atrás indicado, tal como nada disso se vislumbra nas telas finais, patentes nas fls. 39 e ss. do mesmo PA, volume II, o que nos revela claramente a falta de rigor técnico
Salva a devida vénia, é manifestamente errado dizer-se que padecem de falta de rigor as telas finais de uma obra de reconstrução parcial, ampliação que não representam a vermelho os elementos construídos nessa obra.
Mesmo na Pt 113/2015, que veio tornar obrigatória a utilização de cores em projetos com demolição parcial (artº 2º.1 e Anexo II.6-a)), a cor vermelha só está prescrita para “elementos a construir”.
Elaboradas após a conclusão da obra, as telas finais destinavam-se, no regime aplicado a esta obra (artº 29º.3 do DL 445/91), e destinam-se, a absorver o executado de acordo com o projeto aprovado e o que, não tendo sido previsto no projeto, foi efetuado durante a execução da obra e é considerado conforme com as regras legais aplicáveis. Estando a obra já construída/concluída, não se compreenderia que ainda representasse a vermelho “elementos a construir”.
As telas finais representam a traço preto tudo o que ficou na obra após a sua conclusão, conforme esclarecimentos dos Srs. Peritos, nas passagens 2h04mn59sg a 2h05mn50sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 01:51:08, fim 02:38:22):
Porque as telas finais representam a traço preto tudo o que fica na obra concluída, independentemente de ter sido construído antes da construção licenciada ou nela, aquele facto do segundo parágrafo de fls. 17 da sentença erradamente as telas finais do processo 151/2001 de falta de rigor (por não representarem a vermelho o muro a sul do pátio).

12ª – Ao contrário do injustificadamente considerado na sentença, logo a partir da identificação do objeto do litígio, à resolução deste não importa apenas o pretenso rigor técnico da cor do traço de representação do muro cuja incorporação nos licenciamentos (de construção e de utilização) se discute, importando também saber se, apesar da cor do traço, o Município sabia da representação do muro no projeto e da sua construção no âmbito da obra licenciada e nisso assentiu.
Por isso, releva que seja proferida decisão sobre a matéria dos quesitos 21º e 22º da BI, nos quais se perguntava se a fiscalização municipal foi uma constante ao longo da execução do novos muros e se houve visitas da fiscalização camarária que não ficaram registadas no livro de obra e com base no depoimento que a Mma Juiz qualificou como “tranquilo e sincero” do projetista e técnico responsável pela direção técnica da obra AAR, na passagem das 01h07mn44sg da gravação da audiência de 2015-04-24 (início 00:02:20, fim 01:36:55) e do depoimento, que o Mmo Juiz julgou prestado de forma “clara e perentória”, do construtor ACA, na passagem 0h55mn18sg da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 0036:15, fim 01:13:17), deve julgar-se provado:
A obra do Proc. 151/2001 foi visitada pelos serviços municipais mais que as duas vezes correspondentes às fiscalizações registadas no PA e no livro de obra.

13ª – Ainda pela mesma razão de pertinência, deve ser proferida decisão sobre a matéria dos quesitos 24º a 29º da BI, nos quais se indagava se era visível a incorporação na obra do muro de remate do pátio de estacionamento e vedação a sul, quando da fiscalização de 2002-02-20 e quando da emissão da licença de utilização. E, com base no depoimento do projetista e responsável pela direção técnica da obra AAR, nas passagens 00h58mn05sg, 01h09mn57sg, 01h08mn25sg e 01h11mn12sg a 01h13mn55sg da gravação da audiência de 2015-04-24 (início 00:02:20, fim 01:36:55), que, além da existência e visibilidade, expressamente refere a referência expressa do fiscal ao referido muro, no relacionamento com o antigo, deixado fora dos limites do prédio, na inspeção de 2002-02-20, bem como com base nos esclarecimentos dos Srs. Peritos, na passagem de 2h12mn55sg, da gravação da audiência de 2015-06-04 (início 01:51:08, fim 02:38:22), que não deixaram quaisquer dúvidas sobre a visibilidade do muro a sul para qualquer técnico que passasse na obra – como o seria a falta dele –, deve julgar-se provado o seguinte facto:
A incorporação na obra do muro de remate do pátio de estacionamento e vedação a sul era visível quando da fiscalização de 2002-02-20 e quando da emissão da licença de utilização.

14ª – PORQUE SE DEMONSTRA QUE (FP=Factos Provados, no cap III da sentença e conclusões 12ª e 13ª):
(i) Tal como a pavimentação do pátio de estacionamento da oficina e os demais muros de vedação que rematam esse pátio, o muro em causa foi representado no Proc. de Licenciamento 151/2001 (PA) a traço preto, no projeto de arquitetura (PA), no 1º volume, na planta de implantação, a fls. 15, no na planta de cortes/alçados, a fls. 18, na planta do alçado poente, fls. 22, na planta de arranjos exteriores, fls. 46, e no 2º volume nas plantas de alçados de fls. 7, 10, 16, 25 e 28 (FP P, AN, AP, AQ e AT/AU);
(ii) A construção do muro, o maior muro de vedação da obra a que respeita a licença de construção 943/01, emitida nos termos e ao abrigo do disposto no DL 445/91, no remate do pátio a sul, que a própria sentença reconhece ter ocorrido no âmbito dela (1º parágrafo de fls. 15), integrou-a efetivamente, foi incluída na referência expressa, no livro de obra, à “execução dos muros de vedação”, e foi visualizada em fiscalizações municipais dessa obra, além do mais, na de 2002-02-20, que, com o tosco desse muro já erigido, considerou os alinhamentos “dentro do previsto no projeto”, e na de 2003-01-29, ambas registadas no PA e no livro de obra, também arquivado no PA (FP L, M, N, B.4.2.1 e B.4.2.2);
(iii) O muro foi representado nas telas finais [nas plantas de implantação, de arranjos exteriores e de pisos (aqui realçado pela aposição de uma cota que explicita a distância dele ao edifício da oficina) e do alçado poente, no PA, 2º volume, fls. 36 e ss] (FP P);
(iv) Foi visualizado na vistoria conjunta de 2003-09-11, na qual, a obra por ele integrada foi considerada conforme com o projeto (FP S) e, por isso, foi objeto do despacho, de 2003-09-12, que determinou a emissão de alvará de licença de utilização (FP T), sendo esta emitida em 2003-09-23 (FP U e B.4.2.2);
(v) Em 2005 os serviços municipais referiram-se a esse muro como “previsto pelo projeto aprovado –processo 151/2001” (FP Z.2).
Por isso, ao considerar (no 2º parágrafo de fls. 15) ainda controvertido ou não demonstrado que o muro construído é o representado nas peças do projeto, a sentença conclui em contradição com os factos provados FP L, M, N, P, S, T, U, Z, AN, AP, AQ, AT/AU, ou, pelo menos, padece de obscuridade que a torna, nessa parte, ininteligível – o que constitui a nulidade do artº 615º.1-c) do CPC.

15ª – Porque os serviços municipais tomaram conhecimento da representação do muro no projeto e, ao longo da execução da obra, como na vistoria final, nela o visualizaram, sem qualquer reparo, estando também representado nas telas finais, ainda que pretensamente a cor da representação no projeto pudesse/devesse ser outra, o conhecimento da representação no projeto e da existência em obra deve considerar-se suficiente para se considerar que os licenciamentos (da construção e da utilização) o abarcaram.
Doutro modo, seriam violados os princípios da boa-fé e da confiança (artº 6º-A do CPA então em vigor) e as regras gerais de interpretação das declarações, que aforam nos artºs 236º.1 e 2 e 238º.1 do Civil – tendo em conta que o conhecimento da representação a preto e a existência em obra satisfazem o mínimo de correspondência expressa –, bem como seria violado o princípio da proporcionalidade, pois não há regra nem razão que permita concluir que a mera imprecisão da cor - que não prejudicou a análise nem o conhecimento do âmbito da obra, aliás de escassa relevância urbanística, possa ter o efeito de privar a representação do muro de qualquer valor ou efeito jurídico.
E o princípio da proporcionalidade também resulta violado na consideração de que tanto o traço vermelho, com o significado de “a construir”, como o traço preto, com o significado de “existente a manter” representam, afinal, elementos que deverão estar presentes na conclusão da obra, pelo que o muro seria para ficar nela por qualquer dessas cores – o que é contraditório com a cominação perfilhada na sentença de privar a representação pretensamente trocada (preto em vez de vermelho) de qualquer valor ou efeito jurídico. Apenas seria diferente se omitido ou riscado a amarelo, pois só assim não deveria contar-se com ele na conclusão da obra.

16ª – Mesmo a Port 113/2015, que veio tornar obrigatória a utilização de cores em projetos com demolição parcial (artº 2º.1 e Anexo II.6-a)), a cor vermelha só está prescrita para “elementos a construir”.
Após a conclusão da obra, as telas finais destinavam-se, no regime aplicado a esta obra (artº 29º.3 do DL 445/91), e destinam-se, a absorver o executado de acordo com o projeto aprovado e o que, não tendo previsão nesse projeto, foi efetuado durante a execução da obra e é considerado conforme com as regras legais aplicáveis.
Estando a obra concluída, não se compreenderia que as telas finais ainda representassem (a vermelho) elementos a construir”.
Assim sendo, a sentença violou o disposto no artº 29º.3 do 445/91, ao afirmar, no segundo parágrafo de fls. 17, que o antecessor da A, por representar o muro dos autos a traço preto nas telas finais atuou com falta de rigor legal e técnico.

17ª – Tendo o muro sido representado nas telas finais, no modo devido (pois nelas só é devido representar a traço preto), conforme o FP P, deve considerar-se, face ao disposto no artº 29º.3 e 4 do DL 445/91, que as eventuais omissões ou inexatidões do projeto licenciado são supridas pela admissão das ditas telas finais, seguida do juízo de conformidade da vistoria do artº 27º, do despacho do artº 26º.1 determinativo da emissão da licença de utilização, todos daquele diploma – o que, no caso, também ocorreu e foi encerrado com a emissão do referido alvará de licença de utilização (FP S, T e U).
Ao abrigo dos referidos normativos, o licenciamento de utilização "licenciou/legalizou" os elementos da construção representados nas telas finais, absorvendo e/ou complementando o licenciamento da construção, pois, além de autorizar a utilização, decidiu e titulou a conformidade da obra concluída com o projeto aprovado (STA Ac. 02-12-2014 Proc.01446/13) e a conformidade legal das alterações não contempladas no projeto (artº 26º.2), titulando o licenciamento/legalização urbanística do construído de novo, conforme o projeto e para além do projeto, bem como dos elementos pré-existentes que são mantidos (em caso de ampliação, alteração ou reconstrução parcial).
Assim, tendo o licenciamento da utilização do prédio da oficina confirmado ou convalidado o licenciamento/legalização do muro dos autos, a sentença impugnada, ao julgar que o dito muro não se encontra licenciado e é ilegal, viola as sobreditas disposições dos artºs 26º.1 e 2, 27º e 29º.3 e 4 do DL 445/91.

18ª – Mesmo que fosse de admitir que a representação da construção do muro tivesse sido indevidamente incluída na admissão das telas finais ou no licenciamento de utilização do prédio (em 2003-09-12) – atos constitutivos de direitos adquiridos para os antecessores da A e para esta (artºs 67 e 68 da PI) – o vício ocorrido seria de mera anulabilidade.

Ora, face ao disposto nos artºs 135º e 141º do CPA, então em vigor, e ao disposto no artº 58º,2 do CPTA, aqueles atos de 2003 convalidariam definitivamente em 2004 (Acs. TCAN 08-02-2013 Proc. 00235/11.0BEPNF e STA Ac. 02-12-2014 Proc.01446/13).

O recorrido apresentou contra-alegações, sustentando:

1.º
Salvo o devido respeito e reconhecimento do mérito argumentativo, pretendem os Autores através de um “jogo de palavras” encobrir a realidade dos factos provados, sobre os quais recaiu a douta decisão do Tribunal a quo.
2.º
Na verdade insistem os Autores em trazer para a ação questões meramente acessórias àquela que efetivamente está em crise nos presentes autos e precisamente delimitada na douta sentença produzida pelo Tribunal em primeira instância.
E os factos inegavelmente comprovados foram:
3.º
- Foi pelos Réus construído, de novo, um muro, cuja representação gráfica no projeto não seguiu as normas técnicas convencionais para o exercício das profissões de engenharia/arquitetura;
4.º
- O projeto dos elementos a contruir foi tecnicamente impreciso, seja nos elementos gráficos, seja nos elementos descritivos. Recorde-se que todo o pedido de licenciamento inclui uma memória descritiva que acompanha os elementos gráficos – sendo estes últimos elaborados nas cores convencionais;
5.º
- Cores convencionais porque na área técnica da arquitetura e engenharia se convencionou que a cor representativa de elementos a construir seria vermelho e para elementos a demolir, o amarelo. Esta convenção é adotada há longos anos e consta dos programas letivos de formação no acesso às respetivas profissões, conforme unanimemente ficou comprovado em sede de julgamento;
6.º
- Certo é que o muro em crise nos autos não foi corretamente representado. E não o foi na legendagem do projeto, nem graficamente representado como a construir, na respetiva cor convencional – o vermelho.
7.º
- Consequentemente e no âmbito burocrático do licenciamento não foi apreciada pelos serviços técnicos do MPV a construção do muro em crise pois, tecnicamente, tal pressuposto não estava registado no pedido e consequentemente não esteve presente na decisão de licenciamento;
8.º
- E em uniformidade de comportamento, O MPV não cobrou qualquer taxa urbanística pela construção daquele, cfr. fls. 95 do PA 151/01 e reconhecido na douta sentença recorrida;
9.º
Ao invés, e detetada que foi a construção ilegal, os serviços do Réu promoveram as ações necessárias à reposição da legalidade urbanística;
10.º
Convidado os Réus ao licenciamento do muro.
11.º
E, face à impossibilidade daquele no termos em que foi proposto pelos Autores, propondo a demolição do mesmo.
12.º

A douta sentença recorrida fez, pois, uma correta avaliação dos factos provados e do Direito aplicável à situação sub judice, delimitando sem mácula o objeto do litígio, bem como a matéria de Direito sob apreciação.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando o juízo do tribunal “a quo”, emitiu parecer de não provimento do recurso.
*
Após vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, elencados como assentes e provados na decisão recorrida [contendo dois itens “AK”]:
A) Em 14/03/2001, o falecido JPSM, na qualidade de proprietário do prédio urbano sito na Travessa …, concelho de Póvoa do Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 01…, apresentou nos competentes serviços da Câmara Municipal de Póvoa do Varzim (doravante CMPV), pedido de licenciamento das obras de ampliação e alteração da edificação constituída por um pavilhão e seu logradouro destinados a oficina de reparação de veículos automóveis, a que foi atribuído o processo de obras particulares n.° 151/2001- cfr. doc. de fls. 1 a 5 do PA;
B) As anteriores obras levadas a cabo no prédio identificado em A, decorreram ao abrigo do processo de licenciamento com o número 1161/63, que também correu termos na CMPV.
C) As obras projetadas e licenciadas no âmbito do processo de obras particulares n.° 151/2001 contemplavam quer a área coberta, quer todo o logradouro do prédio referido em A, que passou a ser um pátio pavimentado, afeto à atividade de oficina de reparação automóvel.
D) No âmbito do processo de obras particulares 151/2001 foram apresentados todos os elementos e a documentação necessária ao licenciamento, mormente, o levantamento topográfico e o projeto de arquitetura [planta de implantação e os respectivos cortes].
E) Em 29/08/2001, o Diretor do Departamento de Gestão Urbanística, emitiu parecer no sentido de ser junto ao processo n.° 151/01 planta de arranjos exteriores com a delimitação dos espaços de estacionamento, nos termos do artigo 98° das Normas Provisórias do PU- cfr. doc. de fls.42 do PA n.° 151/01;
F) Em 31/08/2001, o Senhor Vereador do Pelouro preferiu despacho de concordância com o parecer que antecede, e ordenou a notificação de JPSM para juntar ao processo de licenciamento a mencionada planta de arranjos exteriores com a delimitação dos espaços de estacionamento, nos termos do artigo 98° das Normas Provisórias do PU - cfr. doc. de fls. 42 do PA nº 151/01
G) Por deliberação de 19/10/01 a Comissão de Obras aprovou o projeto de arquitetura referente ao pedido de licenciamento identificado em A - cfr. doc. de fls. 47 do PA n.° 151/01;
H) Em 23/11/01 o falecido JPSM apresentou os projetos de especialidades de estabilidade, água e esgotos e isolamento térmico - cfr. doc. de fls. 48 a 91 do PA n.° 151/01;
I) Em 30/11/01 foi emitida informação favorável quanto aos referidos projetos de especialidades e informado que nada havia «a opôr à emissão do respetivo alvará de licença de construção» - cfr. doc. de fls. 93. do PA n.° 151/01;
J) Em 30/11/2005 foram liquidadas as taxas de urbanização e licenciamento, nos termos que constam do documento de fls. 95 do PA n.° 151/01, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
K) No documento de liquidação de taxas referido no ponto que antecede, no item 1 referente a " Construção, reconstrução ou modificação de muros de suporte ou de vedação confinantes com a via pública" nenhuma quantia foi calculada pelos serviços, a esse título.
L) Em 17/12/01 a CMPV, no âmbito do processo n.° 151/01, eniitiu o Alvará de Licença de construção n.º 943/01, do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Nos termos do art. 21. º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro de 1991, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 25 de Outubro, é emitido o presente alvará em nome de JPSM. (…) através do qual é licenciada uma construção que incide sob o prédio sito em TRAVESSA … freguesia de PÓVOA DE VARZIM, descrito na Conservatória (...) sob o n.° 012… e inscrito na matriz urbana sob o n.º 6…, da respetiva freguesia.
A construção aprovada por deliberação C. O. de 19-10-2001 respeita o disposto no PDM e apresenta as seguintes características:
- Cércea autorizada: - 1 ------------------------------------
-n. º de pisos ---------- / acima da cota de soleira: 0 abaixo da quota de soleira:----
- área de construção: 307,8m2;
- volumetria
(...)
Condicionantes do licenciamento:
REMODELAÇÃO E AMPLIAÇÃO DE UMA OFICINA. DAR CUMPRIMENTO. NO PRAZO DE 6 MESES, A TODOS OS PARECERES QUE AS ENTIDADES CONSULTADAS VIEREM A EMITIR.
Prazo de validade da licença: de 17-12-2001 a 17-12-2002.---------------------------
(…)». – cfr. doc. de fls. 102 do PA n.° 151/01.
M) Em 27/12/01 os serviços de fiscalização municipal da CMPV procederam, no local da obra titulada pelo Alvará referido no ponto que antecede, à verificação dos alinhamentos e da cota de soleira, considerando que os mesmos estavam «dentro do previsto no projeto»- cfr. doc. de fls, 103 do PA n.° 15l/01.
N) Em 29/01/2003, o engenheiro HF do Departamento de Gestão Urbanística e Ambiente Municipal informou o seguinte, quanto ao estado de execução da obra:
a) «1. Estado dos Trabalhos de Construção
- As obras encontram-se concluídas exteriormente.
- Falta efectuar acabamentos interiores e pintura interiores.
2. Relação c/Processo de Licenciamento
-Verificam-se pequenas alterações entre o executado e o projeto de arquitetura aprovado com o reg. 4621/02. Anexa-se croqui em anexo.
-Registei em livro de obra que deverá o requerente através do diretor técnico solicitar o licenciamento/legalização dasalterações introduzidas em obra, até ao pedido de emissão do alvará de construção de utilização.
-O alvará de licença de construção caducou em 17- 12-2002.
3. Informação final.
-Julgo não haver qualquer inconveniente na prorrogação do licenciamento pelo prazo de 6 meses» - cfr. doc. de fls. 15 do PA n.° 151/01, II Vol.;
O) A informação que antecede consta do respetivo Livro de Obra.
P) A fls. 36 e ss, do PA n.° 151/01, II volume, consta a apresentação das telas finais do projecto de arquitetura referido em G e nelas vem expressamente cotada a distância entre o edifício dos AA. e o muro de vedação/delimitação a Sul, também aí representado.
Q) Nesse mesmo requerimento consta a informação de que as telas finais se encontram de acordo com o projeto aprovado e representam o executado em obra.
R) Em 10/02/2003, foi concluída a construção a que se refere o processo de obras particulares n.° 151/01.
R1) O técnico responsável pela direção técnica da referida obra exarou a informação que antecede no Livro de Obra e em conformidade com esta, emitiu termo de responsabilidade, que foi junto ao processo de licenciamento, certificando a conformidade do executado com o licenciado.
S) Em 11/09/2003, atenta a utilização em causa da obra objeto do processo n.° 151/01 e a disciplina legal prevista no DL 370/99, realizou-se vistoria conjunta dos serviços municipais e demais entidades competentes, de cujo auto consta designadamente o seguinte:
«(…)
Vistoriando o estabelecimento, verificou-se a conformidade da obra com o projecto aprovado, a adequação do estabelecimento ao uso previsto e a observância das normas legais aplicáveis, nomeadamenteas relativas à condições sanitárias e de segurança contra riscos de incêndio. pelo que a comissão dá parecerfavorável ao ao pedido de autorização de utilização»» - cfr. doc. de fls. 84 do PA n.º 151/01, II Vol.;
T) Através de despacho de 12/09/2003, o Senhor Vereador do Pelouro ordenou a ernissão do alvará de licença de utilização do prédio objeto do processo de obras particulares n.º 151/01;
U) O referido alvará de utilização foi emitido em 23-092003 - cfr. fls. 94 do processo n° 151/01.
V) Em 19/10/2005, a fiscalização municipal da CMPV elaborou a seguinte informação:
«Proc. nº 151/01
Requerente. JPSM
Local: TRAVESSA …P. DE VARZIM
Assunto. LICENCIAMENTO DE UM MURO DE VEDAÇÃO.
1 - No âmbito da análise e informação prestada junto ao processo n.° 1001/04, foi verificado que o muro de vedcaçãosituado no limite sul do projecto referente ao presente processo, nunca foi objecto de qualquer licenciamento.
2- Consequentemente, deverá ser notificado o proprietário do mesmo e no prazo de 20 dias promover o licenciamento dos muros de vedação edificados no limite da propriedade concedendo-se para o efeito o prazo de 20 dias»- cfr. doc. de fls. 43 do PA n.° 151/01, II Vol.;
X) Por oficio datado de 26/10/05 a CMPV notificou o proprietário JPSM para «no prazo de 20 dias, promover o licenciamento dos muros de vedação edificados no limite sul da sua propriedade, uma vez que nunca foi objeto de qualquer licenciamento»- cfr. doc, de fls, 45 do PA n.° 151/01, II Vol.;
Y) Em 02/11/2005 JPSM apresentou pedido de legalização/amplição de « um muro devedação – Proc 151/01» - cfr. fls. 1 do PA n.° 1119/05;
W) Da memória descritiva e justificativa referente ao pedido de licenciamento/legalização referido na alínea que antecede consta designadamente o seguinte:
« O presente projecto vem dar cumprimento ao solicitado no teor da informação constante no ofício, cuja fotocópia se junta.
O muro de vedação situado no limite Sul do prédio foi objecto de licenciamento. conforme está representado nas telas finais, nomeadamente em planta e alçado poente. A obra foi sujeita a vistoria e constato que no livro de obras não é referido por parte da fiscalização a legalização do muro de vedação situado a Sul. Ora o projecto de ampliação da oficina, assim como os limites da propriedade foi analisado foi analisado e licenciado na Câmara Mumcipal. O passeio previsto nas telas finais não foi executado.
Represento nos Corte e Alçados todos os muros de vedação.
Pretende-se ampliar o muro de vedação localizado a Sul para uma área total de 2.50m.
O muro será executado em blocos de cunenlo de 30x20x15cm, rebocados e areados.
Em tudo o mais será respeitada a memória descritiva e justificativa inicial, todo e qualquer trabalho omisso será executado de acordo com a legislação vigente e boas normas de construção – cfr. doc. de fls. 9 do PA n.° 1119/05.
Z) Em 30/11/2005 a arquiteta MPNB do DGUA/DOP da CMPV elaborou a inforrnação de fls. 24 do PA n.° 1119/05, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, onde escreveu, designadarnente, o seguinte:
«1. O requerente pretende proceder à legalização da ampliação do muro de vedação localizado a Sul da propriedade, sita no local acima identificado e inserido, segundo a Carta de Ordenament do (. ... )PDM em Espaços Urbanos e Urbanizáveis - Núcleo Central.
2. Em deslocação ao local, constatou-se a veracidade da legalização pretendida e que concerne ao alteamento do muro previsto a Sul pelo projeto aprovado- processo 151/12001 - e detentor de alvará de autorização de utili:ação n.° 440/03 de 23.09 (fls. 94 do referido processo).
3.Na análise processual verifica-se a intenção, no âmbito do Plano de Urbanização em desenvolvimento, da continuidade do arruamento confrontante a poente- Travessa de La Guardia, ligando-o à rua Cidade de Guimarães, conforme se pode constatar pela consulta do processo n.º 1117/02.
4.O citado processo prevê uma construção a inserir no terreno confrontante a sul e tanto na planta de implantação de fls. 33 e 83 (volume III), como na planta do arruamento de fls. 206 (volume III), se pode verificar a intenção referida que, aliada ao facto da pavimentação em betuminoso da Travessa de La Guardiã ter sido efectuada por esta edilidade «acto que, salvo melhor opinião, dispensa da execução do passeio previsto no licenciamento), reforça o carácter público do espaço fronteiro ao edifício alvo do processo agora analisado.
5.Face ao referido no número anterior, não se considera justificável a manutenção da parte do muro saliente em relação à fachada do edifício, devendo proceder-se à sua demolição.
6.No que concerne ao objecto do licenciamento citado no n.º 2, com a ressalva da demolição referida no número anterior, somos de opinião de que face aos instrumentos de gestão terrtorial em vigor - PDM - a Proposta respeita os parâmetros definidos em regulamento próprio e demais legislação aplicável nada obstando à sua aprovação.
7.Porém, antes da proposta de decisão final, deverá o requerente apresentar o pedido corrigido em conformidade com o referido no n.º 5».
AA) Sobre a informaç.e que antecede recaiu despacho de concordo do diretor do DGUA - cfr. doc. de fls, 24 do PA n.° 1119/05;
AB) A inforrnação e o despacho referidos em Z e AA foram notificados a JPSM através do ofício n.° 149/06, datado de 09/01/2006 - cfr. doc. de fls. 25 do PA n.° 1119/05.
AC) Na sequência da notificação que antecede, JPSM apresentou a exposição de fls. 27 do aludido PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
AD) Por ofício datado de 18/04/06, JPSM foi notificado do despacho proferido pelo Senhor Vereador do Pelouro, de 12/04/06 informando-o que a exposição por si apresentada «em nada altera o teor da anterior injbrmação, transmitida através da notificação 149/06, de 09 de Janeiro de 2006.
Assim, fica notificado a no prazo de 30 dias, sob pena de rejeição do pedido dar cumprimento ao referido no ponto n.° 7 da notificação referida» - cfr. doc. de fls. 29 do PA n.° 1119/05.
AE) Em 16/01/07, o fiscal municipal da CMPV JMA, elaborou a informação de fls. 50/51 do PA n.° 151/01, do seguinte teor:
«Proc. n.° 151/01
Requerente: JPSM
Local: TRAVESSA … - P.DE VARZIM
Assunto: LICENCIAMENTO DE UM MURO DE VEDAÇÃO.
Informação:
1- Da análise processual, verifica-se que o requerente, pese o facto de ter sido notificado para o efeito, até ao momento não procedeu à legalização do muro edificado no limite sul da sua propriedade.
2- Assim e verificado o desinteresse manifestado pelo requerente em legalizar a situação, poder-se-á ordenar a demolição das obras ilegalmente construídas, tal como prevê o disposto no n.° 1 do artº 106. °do Decreto-Lei 555/99. de 16/12 (…).
3- Para os efeitos do disposto no ponto anterior, os trabalhos de demolição a realizar; são:
-demolição de um muro de vedação construído no limite sul do prédio.
4- Deverá para o efeito, ser fixado um prazo de 8 dias, a contar da data da notificação, para início das obras e 20 dias para a sua conclusão.
5- A Ordem de demolição deve ser antecedida da audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar, da data da notijcação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma, nos termos do art.º 106, n.º 3 do Decreto-Lei 555/99, de 16/12, alterado pelo Decreto-Lei n.°177/01, de 04/06.
6- Deverá ainda o requerente ser informado, de que, caso não se pronuncie no prazo concedido, a ordem de demolição assume carácter definitivo, sendo os trabalhos previstos efectuados por esta autarquia, a expensas do requerente.
(...)»- cfr. doc. de fls. 50 do PA n.° 151/01, II Vol.;
AF) Em 17/01/07 o Senhor Vereador do Pelouro proferiu despacho de concordância com a informação que antecede - cfr. doc. de fls. 50 do PA n.° 151/01, II Vol;
AG) O proprietário JPSM foi notificado do despacho aludido no ponto que antecede pelo ofício 0000934, datado de 18/01/07 - cfr. doc. de fls. 51 e 52 do PA n.° 151/01, Vol. II;
AH) Em 05/02/2007, JPSM apresentou a exposição de fls, 53 a 59 do PA n° 151/01, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
AI) Através do ofício n.° 1797 de 08/02/08, o proprietário JPSM foi novamente notificado para no prazo de 20 dias promover- o licenciamento do aludido muro sob pena de ser retomado o procedimento de demolição do mesmo - cfr. doc. de fls. 116 do PA n.° 151/01, Vol.II.;
AJ) Em 12/03/08, o requerente JPSM deu entrada do requerimento de fls. 117 e 118 do PA n.° 151/01, II Vol., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual sustenta que a obra em causa é de escassa relevância urbanística.
AK) Em 23/04/08 foi elaborada informação na qual se escreve que «o referido muro não tem enquadramento nas obras de escassa relevância urbanística» - cfr. doc. de fis. 128 do PA n.° 151/01, Vol. II;
AL) Em 08/05/08, o senhor Vereador do Pelouro proferiu despacho do seguinte teor: «Analisado o teor do requerimento apresentado a 12 de Março último e após verificação in locu, constata-se que e muro em causa se encontra parcialmente erigido de forma a confrontar com a via pública (Travessa de …), motivo pelo qual se não enquadra no conceito de obra de escassa relevância urbanística carecendo, consequentemente, de licenciamento. Mantém-se, pois, os pressupostos da anterior notificação deste Município».
AK) Os AA. instauraram um processo contra a proprietária do prédio localizado a Sul, objeto de licenciamento através do processo de obras n.° 1117/02, que correu termos no 2º Juízo da comarca de Póvoa de Varzim sob o n° 440/07.4TBPVZ o qual terminou pelo reconhecimento, por parte dos aí Requeridos que o muro que os Requerentes (aqui AA) haviam construído em 2002, na sua extremidade poente, termina no exacto ponto onde terminava o anterior muro de pedras soltas que fazia a vedação entre o prédio dos Requerentes (aqui AA) o da Requerida., distando 2,42m da construção que se encontra erigida no prédio confinante a Poente.
AM) O prédio da A., identificado em A), confronta a Sul com o prédio a que se refere o processo de obras n.º 1117/02, no qual foi licenciada a construção de um edifício em propriedade coletiva, destinado a habitação e comércio (cf. o relatório pericial);
AN) As plantas que integram o projeto de arquitetura referente à obra licenciada pelo alvará de construção n.º 943/01 incluem os muros de vedação e aparcamento da oficina (cf. o relatório pericial);
AO) O muro de vedação, na estrema Sul do prédio da A., termina a Poente, exatamente ao atingir o alinhamento do tranqueiro de pedra que constituía o topo Poente do antigo muro de vedação (cf. o relatório pericial);
AP) A planta de implantação da fl. 15 do processo de obras n.º 151/2001 inclui a representação do portão e dos muros (cf. o relatório pericial);
AQ) Nessa planta, vem representado todo o terreno existente entre o edifício dos AA. e os muros, com trama esquartelada, representando a prevista pavimentação do pátio da oficina (cf. o relatório pericial);
AR) Da conjugação da planta do levantamento topográfico, das plantas do projeto de arquitetura e do corte C1 resulta que a implantação da estrema Poente do prédio da A. referido em A) distava 1,5m da respetiva fachada do edifício referido no ponto 1.º da base instrutória (cf. o relatório pericial);
AS) E, no topo Sul, encontrava-se com o muro de vedação também representado na planta do levantamento topográfico e nas do projeto de arquitetura (cf. o relatório pericial);
AT) Por requerimento de 21/09/2011, JPSM apresentou planta de arranjos exteriores, a qual contempla a pavimentação do pátio do prédio/oficina da A., com representação de 8 lugares de estacionamento e do pátio restante pavimentado em betonilha esquartelada (cf. o relatório pericial);
AU) Representando ainda os muros de vedação que delimitam essa área pavimentada, incluindo o correspondente à estrema Sul (cf. o relatório pericial);
AV) Com exceção do muro de vedação a Sul, a A. deixou uma faixa de terreno com 1,50m de largura pelo lado de fora do muro de vedação a Poente (cf. o relatório pericial)
AX) O vizinho da A. requereu à CMPV a demolição da mesma parte do muro da A. que faz a vedação da estrema Sul (cf. o relatório pericial);
AZ) O muro novo foi construído imediatamente a Norte e ao longo do muro antigo de pedras soltas.
*
Do mérito da apelação :
O autor pediu a condenação do réu “a reconhecer a existência do licenciamento da construção e utilização do muro de vedação a Sul da sua propriedade, representado no processo de licenciamento n.º 151/2001 dos serviços de obras particulares do R.”.
Alegou, em síntese, que esse licenciamento contemplou no projecto de arquitetura, na estrema Sul, um muro de vedação que veio a ser construído com o objetivo de fazer uma delimitação da área de trabalho e aparcamento ao ar livre, quando antes ali existia um muro irregular de pedras soltas, mais afirmando que o novo muro foi projetado, licenciado e construído imediatamente a Norte e ao longo do antigo muro, com igual extensão, terminando a Poente no ponto em que atingia o alinhamento de um tranqueiro de pedra, que constituía o topo Poente do antigo muro de vedação.
Ainda em síntese, justificou o seu interesse em agir, por licenciamento em prédio vizinho e entendimento do réu de que o processo de licenciamento n.º 151/2001 não abrange o dito muro.
A acção foi julgada improcedente.
O tribunal “a quo” fundamentou da seguinte forma:
«(…)
Antes mesmo de se entrar no âmago da presente ação, tal como delimitado na parte II desta decisão, interessa afastar da demanda duas outras questões: a primeira, tem a ver com a sindicância judicial ao ato administrativo ordenador da demolição do muro, que nesta ação não cabe fazer, mas sim na competente ação administrativa especial, se para isso a A. ainda estiver em tempo, ou seja, a salvo da caducidade do direito de ação; a segunda, passa por excluir desta lide qualquer análise do Tribunal quanto a eventuais pretensões da A. no designado domínio do seu direito de propriedade, confrontações, limites do terreno ou estremas, porquanto, trata-se de matéria da disciplina de direitos reais, civilista, cuja competência para apreciar e decidir pertence aos tribunais comuns e não aos tribunais administrativos.
Feitas as precisões supra, é tempo de avançar para o tema central da presente lide, sem olvidar que a mesma se resolverá por intermédio da solução que for dada à já reportada questão de facto.
Dúvidas não temos de que no âmbito da obra levada a cabo pelo A. inicial desta ação foi construído na parte Sul do prédio um muro novo, encostado ao muro antigo, paralelamente, ficando o novo muro implantado a Norte do antigo muro. Também não nos assiste qualquer dúvida de que nas diversas peças escritas/técnicas apresentadas ao procedimento de licenciamento n.º 151/2001 foi representado um muro, que poderá ser considerado como de vedação (uma linha/limite a Sul).
Contudo, a controvérsia reside em saber se o muro construído, de novo, é aquele que vem representado graficamente nas preditas peças escritas e de acordo com as regras técnicas consensualmente usadas pelos técnicos de construção civil (engenheiros civis e arquitetos), por forma a que possamos concluir que o R., ao deferir o requerido licenciamento, estava, concomitantemente, a licenciar a construção de um muro novo, com o sentido que isso tem, isto é, a autorizar que naquele local específico o Impetrante erigisse um novo elemento/estrutura, anteriormente inexistente do ponto de vista cronológico e físico. Desde já dizemos que a resposta é negativa. Veja-se porquê.
O Tribunal ficou convencido, ante os esclarecimentos verbais prestados pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento e pelos depoimentos prestados pelas várias testemunhas formadas em engenharia civil e arquitetura, que já na altura em que as peças técnicas apresentadas pelo A. inicial no procedimento de licenciamento n.º 151/2001 vigorava de forma consensual entre os técnicos adstritos à elaboração de projetos de arquitetura e plantas, naquilo a que se poderá apelidar de um uso comumente aceite pelos intervenientes na área da construção civil, que a representação gráfica de um elemento físico a construir deveria ser pela cor “vermelha” e que a demolir deveria ser pela cor “amarela”.
Como dissemos, isto mesmo foi indubitavelmente confirmado pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento, referindo que se trata da “nomenclatura”, “das regras de elaboração do projeto”. No mesmo sentido, apontaram ainda os depoimentos das testemunhas do R., designadamente, de MAR, Eng.º Civil, e de MPNB, Arquiteta, mas também de JMA, fiscal municipal ao tempo dos factos em presença nesta ação, que igualmente mostrou conhecer a nomenclatura atrás aludida.
Portanto, o que se pretende é que os particulares sigam as melhores regras ou práticas na elaboração de um projeto de arquitetura e plantas que o podem acompanhar, cujo resultado deverá ser sempre uma peça técnica explícita e esclarecedora, nem que para isso o seu autor recorra a uma legenda o mais completa possível, precisamente, para evitar alguns equívocos de leitura como aquele que desembocou no presente litígio.
Retornando ao caso vertente, porque foi construído pelo A. inicial um muro novo imediatamente a Norte do antigo muro, ou seja, porque surgiu ou foi erigida uma nova realidade no tempo e no espaço, que antes inexistia naquele preciso local, impunha-se, segundo as melhores regras de representação gráfica dos projetos de arquitetura, que na parte Sul do prédio tivesse sido inscrito um grafismo a cor “amarela”, representativo da demolição do muro antigo (ou dos seus restos), e outro grafismo a cor “vermelha”, alusivo à construção de um muro novo.
Acontece que, compulsado o PA n.º 151/2001, não se vê no levantamento topográfico da fl. 14 qualquer grafismo que indique um muro a construir, a cor vermelha, na parte Sul do prédio, nem, muito menos, um grafismo a cor amarela. Aparece tão-só uma linha a “traço-ponto”, que mais não significa do que uma realidade já pré-existente, isto é, um muro de vedação do prédio que já pré-existia e que assim continuaria.
Se essa foi a aparente realidade que o A. inicial levou ao conhecimento do R., não coincide, depois, com aquilo que realizou no terreno, posto que, o muro novo não se encontra no mesmo e preciso local do pré-existente. Ora, o que se exige aos requerentes de um licenciamento é que atuem com lealdade e correção técnica, para que o seu projeto se adeqúe com a realidade pretendida, coisa que aqui não aconteceu.
Mas, de igual modo, voltamos a não encontrar tais grafismos coloridos nas plantas de fls. 15 e 20 do PA atrás indicado, tal como nada disso se vislumbra nas telas finais, patentes nas fls. 39 e ss. do mesmo PA, volume II, o que nos revela claramente a falta de rigor técnico das peças apresentadas ao procedimento de licenciamento.
Por conseguinte, não se infere de tais peças procedimentais, segundo um juízo técnico rigoroso, que o A. inicial alguma vez tivesse apresentado ao procedimento de licenciamento a construção e utilização de um muro novo, nos moldes já atrás explicitados, razão pela qual não se pode considerar que o R., ao deferir a licença para a construção da obra, tivesse igualmente licenciado esse mesmo muro, posto que, essa mesma estrutura física não se mostrava evidenciada de acordo com as normas técnicas admitidas consensualmente pela comunidade técnica de construção civil.
É por isso mesmo que, a título de exemplo, o artigo 10.º, n.º 1, do RJUE, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, exige o termo de responsabilidade aos autores dos projetos, no sentido de “que foram observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de construção em vigor”, o que significa, quanto a nós, a existência de um princípio geral de responsabilidade que impende sobre esses mesmos projetistas quanto aos deveres de diligência e zelo na observância dos usos vigentes na elaboração de projetos de arquitetura, aos quais se exige rigor e clareza quanto à pretensão construtiva, coisa que, “in casu”, não se verificou.
Em suma, o pedido final da A. tem de ser julgado totalmente improcedente.
(…)»
Na sua maior parte os erros de julgamento apontados à decisão recorrida não põem em causa os factos alinhados na decisão recorrida mas antes as ilações – de facto e de direito – tiradas a partir daqueles factos.
→ O primeiro ponto de inconformismo da recorrente dirige-se à afirmação feita em sentença de que «na altura em que as peças técnicas apresentadas pelo A. inicial no procedimento de licenciamento n.º 151/2001 vigorava de forma consensual entre os técnicos adstritos à elaboração de projetos de arquitetura e plantas, naquilo a que se poderá apelidar de um uso comumente aceite pelos intervenientes na área da construção civil, que a representação gráfica de um elemento físico a construir deveria ser pela cor “vermelha” e que a demolir deveria ser pela cor “amarela”».
Propõe “nova redacção” [a expressão é nossa], pela qual ficaria mais exacto que esse uso não corresponderia a um “dever, só imposto com a Portaria nº 113/20015, de 22/04, o uso da técnica dos “vermelhos/amarelos”, e “usualmente, nos projectos de trabalhos de reconstrução parcial, ampliação e alteração”, ficando a constar que «Na altura em que o projecto de arquitectura foi apresentado no procedimento de licenciamento 151/2001, usualmente, nos projectos de trabalhos de reconstrução parcial, ampliação e alteração, como auxiliar na identificação do que seria acrescentado ou eliminado do existente, os técnicos adstritos à elaboração de projectos de arquitectura representavam graficamente os elementos físicos a construir pela cor “vermelha” e os a demolir pela cor “amarela”.
Julga-se não ser de dar razão.
Por um lado, é bom de ver que o que vem expresso em sentença não comporta afirmação de um dever com um sentido que contrarie conforto legal só alcançado com a Portaria nº 113/2015, de 22/04, pois que até antes expressamente – apartando qualquer equívoco –, se remete e acolhe diferente fonte, ao explicitar que tal técnica “vigorava de forma consensual (…) um uso comumente aceite”.
Por outro.
Trata-se apenas, no exercício de apreciação crítica da prova, da expressão de um juízo auxiliar que, como, o Mmº Juíz deixa explícito releva do processo de aquisição de convicção, “ante os esclarecimentos verbais prestados pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento e pelos depoimentos prestados pelas várias testemunhas formadas em engenharia civil e arquitectura”.
Mesmo não sendo um ponto de matéria de facto erigido como objecto da prova, a extensão do uso da técnica dos “vermelhos/amarelos” poderá ter-se como instrumental.
Que a recorrente defende ser, ao tempo do licenciamento, restrita àqueles que pudessem comportar trabalhos como os de reconstrução parcial, ampliação e alteração.
Ora, como se dá conta em A) do probatório, tratou-se, precisamente, de um licenciamento de “obras de ampliação e alteração”!
E, como documentalmente suportado, e reiteradamente demonstrado no que vem em relatórial pericial, foi técnica empregue quanto a vários elementos do projecto.
Donde, não fica, mesmo na visão sustentada pela recorrente, apartado o uso de tal técnica ao caso.
Suportem os meios probatórios que fosse uma técnica de uso generalizado, ou não.
O que, ainda assim sempre se confronta com o que é de conhecimento geral [não notório, mas geral (nada mais que as normas da experiência, que são, como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.300)], sabendo-se que desde há muito que a técnica das cores convencionais - importada do meio académico e reflectida em muitos dos regulamentos municipais -, sendo uma forma específica de representação (vermelha para os elementos a construir / amarela para os elementos a demolir), é uma técnica de geral utilização, ainda que por natureza da função - servindo em/para elemento diferenciador - ocorra sobretudo em projectos que logo à partida se categorizam por intenção enunciada que comporta alterações para uma pré-existência.
→ Também merece a crítica da recorrente a afirmação feita na sentença de que «impunha-se, segundo as melhores regras de representação gráfica dos projetos de arquitetura, que na parte Sul do prédio tivesse sido inscrito um grafismo a cor “amarela”, representativo da demolição do muro antigo (ou dos seus restos), e outro grafismo a cor “vermelha”, alusivo à construção de um muro novo».
Diz, deve eliminar-se ou julgar-se não provado.
Todavia, a questionada afirmação não constitui qualquer proposição de prova.
Não há que eliminar ou julgar não provado, como se resposta ao quesitado fosse.
É apenas ilação tirada.
Com erro, é certo.
O erro decorre mesmo a despeito da chamada de atenção que a recorrente faz para o que foram depoimentos testemunhais e dos peritos.
A recorrente critica que se impusesse assinalar com grafismo amarelo a demolição (ou restos) do muro “antigo”.
Na verdade, não se impunha.
A sentença dá como certo que o muro “novo” foi implantado encostado a norte do antigo. Nada, neste aspecto, fica em causa. Mas que houvesse necessidade de assinalar graficamente a amarelo o muro “antigo”, representativo da sua demolição, isso nada o permite dizer a partir do que foi provado no julgamento da matéria de facto. Limitados a saber que o “novo” foi implantado encostado a norte do antigo, sem qualquer necessidade/prova da demolição desse outro antigo, temos é que inferir que esse novo poderia conviver com o antigo, sempre ficando em aberto hipótese, de demolição ou não.
→ Igualmente se propõe a eliminação de que «não se vê no levantamento topográfico da fl. 14 qualquer grafismo que indique um muro a construir, a cor vermelha, na parte Sul do prédio, nem, muito menos, um grafismo a cor amarela. Aparece tão-só uma linha a “traço-ponto”, que mais não significa do que uma realidade já pré-existente, isto é, um muro de vedação do prédio que já pré-existia e que assim continuaria».
Mas nisto não há dissenso.
O que a recorrente não partilha é que a afirmação seja feita em errada pressuposição, de que um “novo muro” pudesse obter representação num levantamento topográfico, por natureza ou definição inapropriado a tanto.
Tem razão.
Mas nada provoca eliminação do que em pura constatação e facto se vê ou não; não consta do levantamento topográfico grafismo a cor vermelha.
O pressuposto, esse, é de desconsiderar; não tinha de constar obra a construir.
→ Igualmente merece censura da recorrente a afirmação de que «Se essa foi a aparente realidade que o A. inicial levou ao conhecimento do R., não coincide, depois, com aquilo que realizou no terreno, posto que, o muro novo não se encontra no mesmo e preciso local do pré-existente. Ora, o que se exige aos requerentes de um licenciamento é que atuem com lealdade e correção técnica, para que o seu projeto se adeque com a realidade pretendida, coisa que aqui não aconteceu.».
Entende que deve eliminar-se.
Novamente aqui, não faz sentido eliminar o que não é proposição relativa aos factos da prova.
De todo o modo.
A recorrente, em síntese, rejeita a ideia - que entende contida na afirmação -, de (o seu antecessor) querer “confundir” a representação do “muro novo” com o “muro antigo”.
Essa pré-existência estaria fora da área do projecto (e, efectivamente, até o próprio relatório pericial responde nesse sentido).
Mas a afirmação também não contraria, e segue perfeitamente adequada.
O que se percebe que tribunal “a quo” quis dizer é que se a recorrente defende que a representação do “muro novo” está contemplada no projecto, e na ausência de outra linha representativa de um muro, ela só assim se poderia considerar (mesmo não representado a cor vermelha) na coincidência que pudesse ter com a única linha (preta) representativa de um muro, o que não acontece uma vez que a implantação do “muro novo” não coincide como essa (e, como resulta da prova, o “muro novo” foi construído imediatamente a Norte e ao longo do antigo), que a própria recorrente defende estar fora do projecto, correspondendo ao “muro antigo”.
→ Também merece crítica a afirmação feita de que “Voltamos a não encontrar tais grafismos coloridos nas plantas de fls. 15 e 20 do PA atrás indicado, tal como nada disso se vislumbra nas telas finais, patentes nas fls. 39 e ss. do mesmo PA, volume II, o que nos revela claramente a falta de rigor técnico”.
Lembra a recorrente que “Mesmo na Pt 113/2015, que veio tornar obrigatória a utilização de cores em projetos com demolição parcial (artº 2º.1 e Anexo II.6-a)), a cor vermelha só está prescrita para “elementos a construir”. Elaboradas após a conclusão da obra, as telas finais destinavam-se, no regime aplicado a esta obra (artº 29º.3 do DL 445/91), e destinam-se, a absorver o executado de acordo com o projeto aprovado e o que, não tendo sido previsto no projeto, foi efetuado durante a execução da obra e é considerado conforme com as regras legais aplicáveis. Estando a obra já construída/concluída, não se compreenderia que ainda representasse a vermelho “elementos a construir”. As telas finais representam a traço preto tudo o que ficou na obra após a sua conclusão (…)”.
Crítica (que a recorrente repete) correcta, com relação às telas finais.
→ Sobre a matéria dos quesitos 21º e 22º da BI, nos quais se perguntava se “A fiscalização municipal foi uma constante ao longo da execução do novos muros” e se “Houve visitas da fiscalização camarária que não foram registadas no livro de obra porque tudo foi considerado em ordem?”, clama a recorrente que lhes seja dada decisão, e a modos de se dever julgar provado que “A obra do Proc. 151/2001 foi visitada pelos serviços municipais mais que as duas vezes correspondentes às fiscalizações registadas no PA e no livro de obra.”.
Mas o tribunal “a quo” não deixou de dar uma resposta, melhor ou pior que seja, pois quanto à demais matéria que não deu como provada deu-a como irrelevante ou não provada.
E o que a recorrente propõe para que passe a figurar como provado não corresponde ao teor dos quesitos formulados, pelo que inócua é crítica que lhes queira desferir.
→ Referindo-se aos quesitos 24º a 29º da BI, pretende a recorrente resposta de provado que “A incorporação na obra do muro de remate do pátio de estacionamento e vedação a sul era visível quando da fiscalização de 2002-02-20 e quando da emissão da licença de utilização”.
Todavia, a respeito do primeiro momento (2002.02.20) não se impõe essa resposta, modificando o julgamento do tribunal “a quo”, tão só pelos meios probatórios indicados: os esclarecimentos dos Srs. Peritos limitam-se a referir a (actual) visibilidade do muro a Sul, como visível seria para a qualquer técnico municipal durante a construção da obra, sob hipótese de tal momento de construção, mas sem qualquer registo de que, efectivamente, foi a tal tempo construído; o testemunho de AAR percebe-se que é influenciado pelo registo no Livro de Obra feito pelo topógrafo de que os alinhamentos foram considerados dentro do previsto no projecto, já não sendo completamente claro se o restante das suas respostas (reportadas a 2002.02.20) evidenciadas pela recorrente são de extrapolação por tal influência ou de testemunho directo, pelo que se aconselha preservar o que foi liberdade de convicção do tribunal “a quo”.
Já por referência ao momento de emissão da licença de utilização (Setembro de 2003) – matéria constante do quesito 29º) -, baseando-se o amparo da recorrente apenas no depoimento de AAR, numa curta frase, apesar da credibilidade que ao tribunal “a quo” esta testemunha mereceu (como se retira da fundamentação das respostas), o mesmo tribunal não retirou nesta parte afirmação probatória, dentro do que foi seu princípio de liberdade de julgamento, entendendo-se agora que por si só se não impõe diferente julgamento.
→ A recorrente afirma a sentença como nula, conforme art.º 615º, nº 1, c), do CPC.
Mas sem razão, pois que a esse nível a sua valia não é aferida pelas proposições que a recorrente pretende afirmar, antes pelas premissas que nela própria se revelam, às quais, no caso, e sem obscuridade, presta fidelidade lógica.
→ Bem assim antes é pelo que por aí tem afirmação - e não pelo seja de simples tese não demonstrada -, que se pode aferir a violação dos princípios da boa-fé, confiança, proporcionalidade e regras de interpretação, imputações que agora a recorrente brande, surgindo como questões novas não tratadas na sentença recorrida, e que assim extravasam o que aqui pode versar.
→ Tal como questão nova - de onde a recorrente extrapola a existência de acto constitutivo de direitos - é suscitada quando a recorrente sustenta que o licenciamento de utilização "licenciou/legalizou/confirmou/convalidou" os elementos da construção representados nas telas finais, absorvendo e/ou complementando o licenciamento da construção, pois, além de autorizar a utilização, decidiu e titulou a conformidade da obra concluída para com o projeto aprovado e alterações aí não contempladas (artº 26º, 2, do DL nº 445/91, de 20/11, alterado pelo DL nº 250/94, de 15/10), titulando o licenciamento/legalização urbanística do construído de novo, conforme o projeto e para além do projeto, bem como dos elementos pré-existentes que são mantidos (em caso de ampliação, alteração ou reconstrução parcial).
→ Concluindo, ainda que com reconhecimento de razão nalguns pontos, eles não suscitam alteração no que foi a sorte final da acção.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 28 de Abril 2017.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Sousa Beato