Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00108/15.8BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 09/30/2015 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Cristina Travassos Bento |
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Descritores: | RECLAMAÇÃO DOS ACTOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL; HIPOTECA GENÉRICA; OBJECTO INDETERMINADO; DETERMINABILIDADE; CRITÉRIO; ARTIGO 280º DO CÓDIGO CIVIL; RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS; QUESTÃO NOVA |
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Sumário: | I - A hipoteca é uma garantia real que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito pelo valor de certos bens com preferência sobre os demais credores do devedor. II - Com base na prática corrente bancária vem sendo admitida a designada “hipoteca global”, também designada “hipoteca genérica”, que é uma hipoteca voluntária em que se convenciona que o devedor a constitui para todas e quaisquer dívidas que tenha assumido ou venha a assumir (dívidas futuras) com o credor. III – Se no contrato de constituição de hipoteca estão identificados os negócios que podem dar origem às obrigações que se visa garantir, e está perfeitamente definida a medida da garantia, o contrato não é nulo. IV - III - Os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas do objecto do processo, salvo se o conhecimento pelo tribunal de recurso for imposto por lei ou se estiver em causa matéria de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 676º nº 1, 680º nº 1 e 685º, todos do CPC, o que não acontece no presente caso.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | M... |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira e Caixa de Crédito... |
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Decisão: | Negado provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório M... (Recorrente), NIF 1…, residente em …, Salzedas, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a reclamação judicial da decisão de verificação e graduação de créditos proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Tarouca no processo de execução fiscal nº 2690200501003860. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. - A hipoteca voluntária sob AP. 1. de 2004.08.11 é nula, pois não foi estipulado, nomeadamente o prazo de vigilância da garantia, nem os critérios da sua determinabilidade, cf. n.° 1 do Art.° 280° do Código Civil. 2. - Os critérios constantes da hipoteca são insuficientes e consequentemente o seu objeto é indeterminável, o que constitui nulidade da hipoteca. cf. Artº 280º do Código Civil e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.02.2012, processo 2584/10.6TVLSB.L1-6. 3. - Subsidiariamente, consta na AP. 1 de 2004/08/11, que a hipoteca voluntária abrange também as obrigações e responsabilidades que venham a ser assumidas, ainda que futuras, que se consideram em conexão com a escritura e hipoteca e em relação às quais ou aos atos de que resultem, exista ou seja feita menção ou haja o propósito de serem abrangidas e garantidas pela presente hipoteca. 4. - Os documentos unidos pela Caixa de Crédito… (contrato de conta corrente n.° 51006754080), não contem qualquer menção ou propósito de serem abrangidos e garantidos pela referida hipoteca. 5. - Pelo que a Caixa de Crédito ... no pode figurar na sentença de graduação de créditos à frente do reclamante. 6. - Pelo que a sentença deve ser alterada em conformidade. Nestes termos, Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, que se julga não verificada, devendo os autos baixar ao tribunal a quo para apreciação do mérito do recurso, para que assim se faça JUSTIÇA. “ Não foram apresentadas contra - alegações. Após a remessa dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, a fls. 162 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso, por não se verificar a nulidade da hipoteca e não existir qualquer erro na graduação dos créditos. Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 657º, nº 4 do CPC e artigo 278º, nº 5 do CPPT), vindo os autos à Conferência da Secção do Contencioso Tributário deste TCAN para julgamento do recurso. Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - são as de saber (i) a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. II. Fundamentação II.1. De Facto No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: A) Corre por apenso ao processo de execução fiscal n.º 2690200501003860, originariamente instaurado pelo Serviço de Finanças de Tarouca, para cobrança coerciva de dívidas da sociedade “M… Construções, Lda.”, NIPC 5…, provenientes de IVA dos anos de 2002 e 2003, no montante global de 460.203,16 €, revertidas contra J…, na qualidade de devedor subsidiário, o processo de reclamação, verificação e graduação de créditos n.º G- 2014.2013.16 – cfr. fls. 1 e 2 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. B) Em 18/07/2013, a Caixa de Crédito ..., apresentou no Serviço de Finanças de Tarouca reclamação de créditos nos termos do artigo 240.º, n.º 1 do CPPT – cfr. fls. 6/10 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. C) Em anexo ao requerimento referido em B) juntou quatro documentos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 14/58 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. D) Em 23/07/2013, o Instituto da Segurança Social, I.P. apresentou no Serviço de Finanças de Tarouca, reclamação de créditos - cfr. fls. 83/84 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. E) Em anexo juntou um documento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 85/87 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. F) Em 23/07/2013, M..., aqui reclamante, apresentou reclamação de créditos nos termos do artigo 240.º, n.º 1 do CPPT – cfr. fls. 63 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. G) Em 09/10/2013, o aqui reclamante foi notificado para proceder ao aperfeiçoamento da reclamação de créditos apresentada em 23/07/2013 – cfr. fls. 64 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. H) Em 15/10/2013, na sequência da notificação a que se alude em E), o aqui reclamante apresentou um requerimento de aperfeiçoamento da reclamação de créditos apresentada em 23/07/2013 – cfr. fls. 66/68 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. I) Em anexo ao requerimento mencionado em F), juntou dois documentos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. fls. 69/77 do processo de reclamação, graduação e verificação de créditos apenso aos autos. J) Em 31/10/2014, foi emitida informação, da qual consta: - imagens omissas […] II.2. O Direito
As questões que vêm colocadas no recurso são as de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que a hipoteca não era nula, nem que tinha ocorrido erro na graduação dos créditos reclamados, esta última questão subsidiária.
No processo de execução fiscal, acima identificado, tendo por executada “M… Construções, Lda”, foram graduados vários créditos, tendo sido graduado, em terceiro lugar, o crédito da Caixa de Crédito ... CRL, e, em quarto lugar, o crédito reclamado pelo aqui recorrente. Dessa graduação de créditos efectuada, o agora recorrente reclamou, nos termos do artº 276º e ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu. Por sentença de 13 de Julho de 2015, foi julgada tal reclamação improcedente. É esta sentença que se aprecia no presente recurso.
II.2.1 Da nulidade da hipoteca genérica constituída a favor da Caixa de Crédito ..., CRL Resultou das conclusões formuladas, (1 e 2), - cujos argumentos delas constantes são uma repetição dos que já foram esgrimidos na petição de reclamação e que o Tribunal, a quo, não acolheu, - que o recorrente começa por imputar à sentença erro de julgamento por aquela ter considerado que a hipoteca, constituída a favor da Caixa de Crédito ..., CRL, apesar de se tratar de uma hipoteca genérica, não padecia de nulidade, nos termos do artigo 280º, nº 1 do Código Civil.
A propósito da nulidade da hipoteca, a Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu aduziu a seguinte argumentação, de que extractamos as partes mais relevantes: “A questão da nulidade da hipoteca genérica ou global, face ao disposto no artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil, tem sido discutida pela doutrina e jurisprudência, tendo-se firmado o entendimento segundo o qual tal hipoteca não será nula desde que o seu objeto seja determinável, para o qual se remete por com ele concordarmos inteiramente. Com efeito, entre outros, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/02/2007, processo n.º 0636941, o seguinte: “Nos termos do art. 686º nº 2 do CC a obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional. Todavia, o art. 280º nº 1 do mesmo diploma comina com nulidade o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. Assim, o objecto do negócio pode ser indeterminado; o que não pode ser é indeterminável. Afirmam Romano Martinez e Fuzeta da Ponte[10] que, tal como acontece com a fiança, a lei permite a constituição da hipoteca como forma de garantia de obrigações futuras, mas, em qualquer caso, do contrato tem de constar um critério objectivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir. Acrescentam que a hipoteca genérica não reveste, todavia, a mesma complexidade da fiança omnibus, pois do registo constará o valor garantido. Deste modo, mesmo que a hipoteca garantisse qualquer obrigação a constituir, estaria sempre limitada pelo montante constante do registo. (…) […] Esta questão da determinabilidade foi vivamente discutida a propósito da fiança omnibus, predominando na doutrina o entendimento de que a mesma é nula[13]. No mesmo sentido se pronunciou também, maioritariamente, a jurisprudência[14], tendo o Acórdão do STJ de 23 de Janeiro de 2001 (DR IS de 8.3.2001) uniformizado a jurisprudência no sentido de que é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha. As razões da invalidade da fiança omnibus assentam na ideia de que a fiança não deve expor o fiador a riscos excessivos; o seu objecto deve ser suficientemente delimitado, logo no momento constitutivo, de tal modo que o fiador esteja em condições de avaliar o risco que a sua vinculação implica e não fique à mercê do devedor e do credor. Vem sendo suscitada, porém, a questão de saber se, dentro de determinado circunstancialismo - revelador de que não se verificam as razões apontadas - se deve considerar satisfeita a exigência de determinabilidade, apesar do carácter genérico da fiança. Evaristo Mendes defende esta solução designadamente nas hipóteses – frequentes na prática - em que todos os sócios, ou aquele ou aqueles que detêm o poder de controlo ou domínio, prestam a garantia por débitos da sua sociedade[15]. Januário da Costa Gomes alude a situações em que a fiança é prestada pelo sóciogerente da sociedade (de responsabilidade limitada) - sem cuja assinatura o empréstimo do banco não pode viabilizar-se - ou pelo gerente, que controla os negócios da empresa ou pelo único sócio da sociedade devedora. Nestes casos, o fiador é um sócio-timoneiro da sociedade devedora, que está em condições de controlar os seu andamento, o seu endividamento e, mediatamente, a sua própria responsabilidade fidejussória. Ocorre aqui uma situação de controlo e de poder ao longo da relação fidejussória, que satisfaz as preocupações que estão na base da exigência de determinabilidade[16]. A jurisprudência tem atribuído relevo a tal especificidade da fiança para afastar a indeterminabilidade[17]. Estas considerações, apesar de feitas a propósito da fiança, podem auxiliar-nos, parece-nos, na apreciação do caso em apreço. Na caracterização da hipoteca domina o princípio da especialidade, que comporta dois sentidos[18]: Especialidade quanto ao objecto, sendo indispensável a determinação dos elementos individualizadores da coisa sobre que incide a garantia e a situação jurídica do prédio; e Especialidade quanto ao crédito, pois deve estar suficientemente determinado e quantificado o montante máximo que a dívida pode atingir, isto é, o valor que a hipoteca garante, bem como o seu fundamento, os juros e os acessórios do crédito devem constar do registo, sob pena de nulidade (art. 96º do CRP). Deste requisito da hipoteca decorre, sem sombra de dúvida, que a exigência de determinabilidade não assume na hipoteca o relevo verificado no caso da fiança omnibus. Exigindo-se que a quantia máxima conste do registo, o devedor (ou o dador da hipoteca, sendo terceiro) pode tomar conhecimento do real valor do ónus que incide sobre o prédio e, quanto a obrigações futuras, estas sempre estarão limitadas por aquele valor. Como acima se disse, esse limite máximo que a hipoteca garante pode servir, no fundo, como critério objectivo para determinar o objecto da garantia.”. [no mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/06/2009, processo n.º 419/08.9TBPTG-B.E1]. No caso vertente, da análise do título constitutivo da hipoteca e do respetivo registo, resulta que os mesmos definem um critério delimitador da responsabilidade do executado, quer no tange à individualização do bem hipotecado, quer no que se refere às fontes das obrigações assumidas ou a assumir, quer ainda quanto ao montante máximo garantido. Assim sendo, na esteira do entendimento doutrinal e jurisprudencial vertido no citado acórdão, temos de concluir que a hipoteca constituída a favor da Caixa de Crédito ..., CRL não padece da invocada nulidade.”
O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar que não foi estipulado o prazo de vigilância da garantia, nem os critérios da sua determinabilidade (conclusões 1 e 2). E que, segundo o artigo 280º do Código Civil (CC), é nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável. E que o critério, a que a sentença adere, é insuficiente, pelo que o objecto do negócio jurídico (hipoteca) é indeterminável. O que constitui nulidade da hipoteca. Ou seja, segundo o recorrente, a redacção da hipoteca não apresentará, mínimos de determinabilidade que permitam conferir-lhe a validade e a eficácia necessárias para conceder ao titular daquele direito real de garantia, leia-se, Caixa de Crédito ..., CRL, o privilégio creditório invocado. Vejamos então. A hipoteca é uma garantia real que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito pelo valor de certos bens com preferência sobre os demais credores do devedor que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – artigo 686 do Código Civil (CC). O seu registo tem eficácia constitutiva nos termos do artº 4º nº2 do Código do Registo Predial (CRP). Acresce, ainda, dizer que nos termos do artigo 693º, nº 1 do Código Civil, os acessórios do crédito – v.g. juros e despesas – são assegurados pela hipoteca, desde que esses acessórios constem da inscrição registral, de acordo com o ínsito no artigo 96º do CRP. O Código Civil permite, nos termos do artigo 686º, nº 2, que se constitua uma hipoteca para garantia de uma obrigação futura ou condicional. Todavia, pela imposição do artigo 280º, nº 1 do mesmo Código, a hipoteca terá de obedecer a parâmetros objectivo de determinabilidade. De outra forma será nula. Resultante da prática bancária, têm vindo a constituir-se garantias reais como a chamada hipoteca genérica ou global, normalmente estabelecidas para o cumprimento do contrato de abertura de crédito Assim designada no artigo 362º do Código Comercial, é umas das diversas modalidades de operações de banco, consistindo num contrato através do qual um banco se obriga a colocar à disposição de um cliente uma soma de dinheiro, por uma só vez, (abertura de crédito simples) ou por parcelas ou tranches (vg em regime de conta corrente) durante um certo prazo ou por tempo indeterminado, mediante pagamento de juros e, eventualmente, de uma comissão de imobilização. – a este propósito vide António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina 2006, pag 541-542.. Este tipo de garantia pretende assegurar o cumprimento das obrigações do reembolso do capital mutuado e o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios, com referência a um limite contratualmente fixado. Como a denominação “hipoteca genérica” vide Maria Isabel Helbing Menéres Campos in “Da Hipoteca caracterização, constituição e efeitos”, Dissertação de Mestrado, Almedina, 2003 sugere, trata-se uma hipoteca constituída voluntariamente, pelo devedor, para todas e quaisquer dívidas que tenha assumido ou venha a assumir com o credor, caracterizando-se assim “por garantir uma dívida que não está determinada ab inicio sendo apenas determinado o montante máximo que assegura” Isabel Menéres Campos, ob cit, pag 103-108.. A doutrina entende que nada impede que o objecto da obrigação esteja, a dada altura indeterminado. O que não pode ser é indeterminável. E existe uma diferença jurídica, para além de linguística, entre “indeterminado” e “indeterminável”: a prestação pode ser indeterminada, mas determinável, desde que se possa saber, no momento da constituição, qual o seu teor através de um critério para proceder à determinação do respectivo objecto. A prestação será indeterminável, sob pena de nulidade senão existir um critério para proceder à sua determinação. Neste preciso sentido ver Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte in “Garantias de Cumprimento, 4ª ed, pags 93, 94. Como refere o Cons Rodrigo Bastos In “Das Relações Jurídicas, II, 1968, 187. a determinabilidade do objecto negocial afere-se no verificar se a determinação “está contida potencialmente na referência a um acontecimento futuro, ou a critérios objectivos de determinação, ou, inclusive, à determinação realizada por um terceiro”. E como se afirmou no douto acórdão do STJ de 19.12.2006, processo nº 06ª4127 “ no caso de prestação de coisas (“dare”, “facere” ou “prestare”), na modalidade de obrigação de garantia, o conteúdo deve ficar inicialmente determinado ou, no limite, sê-lo posteriormente segundo um critério negocial ou legal (…) ” A jurisprudência maioritária, entende, assim, que a constituição de “hipoteca genérica” será de admitir, desde que no contrato que lhe deu origem conste um critério minimamente objectivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir, nomeadamente quanto aos montantes limites dos créditos garantidos ou a garantir. Vejam-se, entre outros: Ac Trib Relação de Lisboa de 04.02.2014, proc 7270/06; Ac Trib Relação de Guimarães de 29.09.2014, proc 356/13; Ac Trib Relação de Évora de 25.06.2009, proc 419/08,Ac Trib Relação do Porto de 14.02.2007, proc 0636941; Trib Relação de Coimbra de 16.11.2004, proc 2450/04 Ora, a ser assim, consideramos que, com a definição no instrumento de constituição da hipoteca, de limites no que tange aos montantes dos créditos a garantir, estarão preenchidos os critérios determinados no artigo 400º do Código Civil, quanto à determinação da prestação obrigacional. Revisitando o caso dos autos, os executados constituíram, a favor da agora reclamante, Caixa de Crédito ... uma hipoteca voluntária. Para além de determinado o bem objecto de hipoteca e cotejando o fixado pela sentença, quanto ao julgamento de facto, retira-se que: “(…) a hipoteca ora constituída a favor da Caixa ... se destina a garantir: a) – O bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de cento e noventa e cinco mil euros, perante ela contraídas ou a contrair pelo primeiro outorgante quer derivem de qualquer operação de natureza bancária, designadamente de empréstimos, aberturas de crédito ou de outras operações de crédito seja qual for a modalidade, a forma ou o título, inclusive de livrança, de letras de câmbio, de saques para aceite bancário de avales, de fianças ou de outras garantias, quer derivadas de garantias bancárias, quer resultem de saldos devedores ou de descobertos em contas de depósito à ordem ou de contas de outro tipo e natureza, para justificação e comprovação dos quais e da respetiva dívida bastarão os extratos dessas contas processadas pela Caixa ...; bem como fica a garantir as obrigações decorrentes de alterações reestruturações, renovações e prorrogações das operações de crédito, actos e títulos acima mencionados, abrangendo também as obrigações e responsabilidades que venham a ser assumidas ainda que futuras, que se considerem em conexão com a presente escritura e hipoteca e em relação às quais ou aos atos de que resultem, exista ou seja feita menção ou haja o propósito de serem abrangidas e garantidas pela presente hipoteca.)”- cfr. alínea o). Logo, não se pode concluir como faz o recorrente que os critérios são insuficientes, ou seja, que a obrigação garantida é indeterminável, desde logo, por estarem identificados os negócios que lhe podem dar origem e por estar perfeitamente definida a medida da garantia, nomeadamente o montante limite dos créditos a garantir. E, apesar da recorrente invocar a doutrina do Ac da Relação de Lisboa de 16.02.2012,processo 2584/10, a propósito de um assunto totalmente distinto (excesso de mandato na constituição de uma hipoteca voluntária) a favor da sua posição, olvidou o exposto no acórdão, onde se refere a mesma posição jurídica agora exposta, como se transcreve: “O artigo 280º do Código Civil comina com a nulidade o negócio jurídico indeterminável, mas não o negócio jurídico indeterminado, desde que este seja determinável. (…) E a hipoteca entende-se sujeita ao princípio da especialidade, que é imposto pela exigência do seu registo - constitutivo – sobre bens especialmente determinados – do devedor ou de terceiro – e de determinação do crédito cuja satisfação garante. No que tange ao crédito garantido, a hipoteca tem de assegurar uma quantia determinada, pelo menos aproximadamente, isto é, tem de se especificar a responsabilidade assegurada pela hipoteca, não podendo garantir quaisquer responsabilidades indeterminadas.” (sublinhado nosso). Considerando que, no presente caso, o limite da quantia a assegurar pela hipoteca se encontra perfeitamente determinada no acto de constituição da garantia, bem como o bem sobre que recai, e os respectivos negócios, não podemos considerar que se trate de uma garantia indeterminável, sendo o critério referido um critério suficiente para aferir a validade daquela. Bem andou a sentença recorrida no que se refere a esta questão. Soçobram as conclusões de recurso, sendo de negar provimento a este, quanto ao presente segmento. |