Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01228/07.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/12/2009
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:BAIXA POR GRAVIDEZ RISCO
REMUNERAÇÃO
SUPLEMENTOS REMUNERATÓRIOS
Sumário:Durante o período de baixa por gravidez de risco [concedido ao abrigo das leis nº99/03 de 27.08, nº35/04 de 29.07, e nº77/05 de 13.04] a trabalhadora grávida tem direito a receber a sua remuneração integral, incluindo os suplementos remuneratórios que vinha recebendo com regularidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:09/09/2009
Recorrente:Sindicato...
Recorrido 1:Hospital de S. João, E.P.E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
Sindicato … [S…] – com sede na rua …, Porto – recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 06.02.2009 – que absolveu o Hospital de São João [HSJ] dos pedidos que contra ele deduziu em nome da sua associada P…– a sentença recorrida culmina acção administrativa especial em que o SE pede ao TAF do Porto que anule o acto de 17.03.2006 do Conselho de Administração do HSJ, que negou à sua representada P… o pagamento de suplementos remuneratórios durante o período de baixa por gravidez de risco [09.10.2006 a 07.11.2006, 08.11.2006 a 07.12.2006, 08.12.2006 a 23.12.2006], e o condene a proceder a esse mesmo pagamento.
Conclui assim as suas alegações:
a) O DL nº437/91 de 08.11, Carreira de Enfermagem, estabelece que, de acordo com as necessidades dos serviços, os enfermeiros podem trabalhar por turnos e/ou jornada contínua;
b) O DL nº62/79 de 30.03, continua a ser o dispositivo legal que regula o regime do pessoal hospitalar quanto à prestação de trabalho em serviço de urgência [artigo 8º] e demais pessoal hospitalar organizado por turnos [artigo 2º nº5];
c) Pelo que, assim, os enfermeiros são obrigados a prestar serviço em regime de turnos, salvo em situações previstas na lei [DL nº437/91], e por essa prestação de serviço, recebem um acréscimo remuneratório em conformidade com o horário/tempo dessa prestação;
d) A deliberação impugnada assenta em parecer da Directora do Serviço de Gestão dos Recursos Humanos do recorrido, que, por sua vez, procura suporte em outros pareceres da DGAP, e da DGO, estes últimos elaborados para analisar uma situação de faltas por doença, que não ausências por licença de maternidade;
e) Segundo os ensinamentos de JOÃO ALFAIA as remunerações são os vencimentos em sentido lato que visam quer o desempenho do cargo, quer a compensação de ónus ou despesas dele decorrentes;
f) O artigo 15º do DL nº184/89 de 02.06, diz que as componentes da remuneração são: a remuneração base, as prestações sociais, subsídio de refeição e os suplementos;
g) De acordo com o DL nº353-A/89 de 16.10, a remuneração base integra a remuneração de categoria e a remuneração de exercício, sendo a primeira igual a 5/6 da remuneração base acrescida dos suplementos e a segunda igual a 1/6 da remuneração base acrescida dos suplementos a que haja, eventualmente, lugar;
h) Donde decorre que a remuneração base integra a remuneração da categoria e a remuneração de exercício, sendo que esta última está ligada à efectividade do serviço;
i) Ainda de acordo com o artigo 11º do DL nº353-A/89 consideram-se suplementos os “… acréscimos remuneratórios atribuídos em função de particularidades específicas da prestação do trabalho …”;
j) Decorrendo daqui que o subsídio nocturno, como suplemento, acresce nos termos do nº3 do DL nº353-A/89 à remuneração de exercício;
k) E, se a remuneração de exercício está ligada à efectividade de serviço a premissa a retirar poderia ser a de que, não se encontrando o funcionário, no período de licença por maternidade, em efectividade de funções, o mesmo não seria de abonar;
l) Todavia, não poderá jamais esquecer-se que os casos e as condições em que se perde o direito à remuneração de exercício são, apenas, os serviços na lei geral [artigo 5º do DL nº353-A/89];
m) Com efeito, atento os princípios remuneratórios consagrados no Novo Sistema Retributivo [NSR], o vencimento de exercício, só deve ser abonado quando os funcionários estejam na efectividade de serviço, ou, em situação de faltas ou licença a que a lei equipare a serviço efectivo;
n) Por seu lado, o nº1 do artigo 112º da Lei nº35/2004 de 29.07, estabelece que durante as licenças por maternidade [artigo 35º do Código do Trabalho] os trabalhadores abrangidos pelo regime de protecção social da função pública mantêm o direito à retribuição incluindo os suplementos, de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para a Caixa Geral de Aposentações;
o) O mesmo Código do Trabalho, no seu artigo 107º estabelece que as licenças por maternidade “… não determinam a perda de quaisquer direitos, sendo consideradas como prestação efectiva de serviço para todos os efeitos … designadamente quanto ao subsídio de refeição …”, e, por sua vez, o artigo 113º nº1 do mesmo Código dispõe que “… o direito ao subsídio de refeição é mantido em todas as situações previstas no artigo 35º…”, ou seja, nas situações respeitantes às licenças por maternidade;
p) Ora, se nos diplomas que criaram o subsídio de refeição na Administração Pública, a par dos que hoje vigoram, se determina que aquele subsídio só será abonado contra “… a prestação diária de serviço …” ressalta que o legislador ao manter o abono desse subsídio nas faltas ao serviço por maternidade, equipara essas faltas a serviço efectivo e realmente prestado;
q) E, no seguimento do alegado em “n” supra, a representada do recorrente sempre efectuou os respectivos descontos para a CGA, sobre os quantitativos remuneratórios correspondentes ao trabalho prestado por turnos, sábados, domingos e feriados;
r) E, como o legislador equiparou, expressamente, as ausências por licença de maternidade a serviço efectivamente prestado, daí decorre que, configurando o suplemento em causa um acréscimo à remuneração de exercício, sempre o mesmo deverá ser pago durante o período de licença por maternidade;
s) O parecer da DGAP e da DGO reporta-se a situação decorrente da percepção de suplementos remuneratórios em situação de faltas por doença, e não poderá aplicar-se à situação sub judice, isto pela simples razão de que um funcionário que falte ao trabalho por motivo de doença, excedido um limite mínimo legal de faltas justificadas, perde o direito ao vencimento de exercício, e consequentemente, a eventuais suplementos que, ao tempo, possa auferir [DL nº100/99], mas, esta situação poderá ser revertida, mediante solicitação do funcionário à sua hierarquia, a qual atento o seu perfil, poderá decidir pela reposição do vencimento de exercício que haja sido deduzido;
t) A prestação do trabalho por turnos, aos sábados, domingos e feriados corresponde a necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, pelo que, atenta a sua inerente rotatividade, sujeitando os enfermeiros à sua variação regular, implica a prestação normal e não esporádica de trabalho nocturno, e sábados, domingos e feriados, sendo por isso que a compensação remuneratória pela penosidade do trabalho, a sujeição a esse regime, reveste-se, também ela, de natureza normal e regular, inserindo-se na remuneração permanente do funcionário;
u) Daí que já o DL nº306/85 e o DL nº187/88 mandassem intervir o subsídio de turno no cálculo de aposentação pela “… forma prevista na alínea s) do nº1 do artigo 47º do EA…”, isto é, como remuneração de “… carácter permanente …”, este carácter permanente era independente do modo legal de cálculo dessa remuneração decorrendo este de Portaria do Ministério das Finanças [DL nº187/88], de subsídios pré-fixados [DL nº308/85], ou acréscimos pré-fixados [DL nº62/79];
v) A CRP [nºs1, 2 e 3, artigo 68º] determina a protecção da maternidade, sendo que as mulheres “… têm direito … dispensa do trabalho por período adequado sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias …”;
w) Mesmo no sector privado, para as trabalhadoras abrangidas pelo regime geral de Segurança Social [DL nº230/2000 de 23.09] o período da licença por maternidade é prestação efectiva de serviço, auferindo um subsídio igual ao valor da remuneração de referência, o qual é calculado de acordo com o disposto no DL nº154/88 de 29.04, ou seja, durante essa licença auferem um quantitativo tal como se estivessem ao serviço;
x) As enfermeiras auferem o vencimento base acrescido do valor dos suplementos, pelo que o seu vencimento real é o somatório daqueles dois, não se devendo frustrar as expectativas dessas regalias durante a licença por maternidade;
y) No âmbito das faltas justificadas ao trabalho encontram-se as causadas por “doença em serviço”, e “acidente em serviço” [DL nº503/99 de 20.11], nestas situações, na Administração Pública, os funcionários envolvidos em tais situações sempre auferiram os quantitativos que auferiam antes do evento, e a própria jurisprudência o vem reconhecendo [AC STA de 05.06.96, Rº39745];
z) Ainda que esteja no âmbito de trabalhadores da Função Pública são aplicáveis os princípios gerais do direito do trabalho, bem como, os direitos conferidos pela CRP, assim sendo, a diminuição da retribuição da representada do recorrente consubstancia clara violação do princípio da irredutibilidade da retribuição;
aa) Na questão sub judice discute-se o facto de a representada do recorrente auferir suplementos por via de ser obrigada, por escala, a trabalhar por turnos, sábados, domingos e feriados, questão diferente seria se se tratasse de suplementos pagos com vista à produtividade no trabalho, sendo que nessa situação haveria necessidade da efectividade do serviço. Ao contrário, no presente caso, os suplementos integram a remuneração permanente do funcionário, e, por isso, são-lhe sempre devidos, tanto mais que a licença por maternidade é como atrás referido, em tudo igual a prestação efectiva do trabalho;
bb) A situação da representada do SE enquadra-se na realidade da prestação normal de trabalho nocturno/diurno aos sábados, domingos e feriados, e não noutra, já que aquela, antes dos períodos da ausência ao serviço, que se discute nos autos, não auferia subsídio de turnos, antes, auferia suplementos integrantes da sua remuneração [ver artigo 1º nº1 e 2 do DL nº62/79 de 31.03] e, por isso, não lhe podem ser negados;
cc) A douta sentença ao ter negado provimento à representada do recorrente, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei e do Direito, pelo que não poderá manter-se.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como a procedência da acção.
O recorrido [HSJ] não contra-alegou.
O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso, alicerçando-se, sobretudo, em jurisprudência que considera que o subsídio de turno não integra a remuneração base do funcionário, e apenas se justifica quando há efectiva prestação de trabalho nas condições adversas que o justificam.
Em resposta a este pronunciamento, o recorrente veio reiterar, de forma elevada, a tese defendida nas suas alegações.
Cumpre apreciar e decidir o recurso.
De Facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
1- A representada do autor [P…] enfermeira no Hospital de São João, esteve com baixa por gravidez de risco nos períodos de 09.10.2006 a 07.11.2006, 08.11.2006 a 07.12.2006 e 08.12.2006 a 23.12.2006 e iniciou a licença por maternidade em 24.12.2006, por um período de 150 dias, a qual se prolongou até 22.05.2007;
2- A dita enfermeira apresentou em 05.03.2007 o requerimento junto aos autos a folha 21, dado por integralmente reproduzido; 3- Em resposta a esse requerimento, recebeu o ofício nº08972 da Direcção dos Recursos Humanos, segundo o qual “por despacho do Conselho de Administração de 17.03.2006 não se irá proceder ao pagamento dos suplementos … conforme as orientações definidas pela Direcção-Geral da Administração Pública corroborada pela Direcção-Geral do Orçamento…” [ver documento nº1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido];
4- Em 13.04.2007 foi requerida passagem de certidão do referido despacho [ver documento nº7 junto com a petição inicial], não tendo obtido resposta;
5- Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do parecer nº7/CITE/2002 da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego [ver documento nº2 junto com a petição inicial];
6- Em 27.02.2006 a Directora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos do HSJ elaborou a informação junta a folha 53 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
7- Em 17.03.2006 o Conselho de Administração do HSJ tomou a seguinte deliberação, exarada na informação referida em 6) supra:
“Concorda-se com o presente parecer e proposta, devendo o Serviço de Gestão de Recursos Humanos proceder em conformidade com a orientação definida pela Direcção-Geral da Administração Pública e corroborada pela Direcção-Geral do Orçamento de não pagamento dos suplementos remuneratórios durante o período de ausência por licença de maternidade/paternidade e durante o período de dispensa para amamentação/aleitação”.
Estes os factos dados como provados.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente [SE], o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.
II. O autor da acção administrativa especial [SE], pediu ao TAF do Porto que anulasse a deliberação de 17.03.2006 do Conselho de Administração do HSJ [Porto], que [alegadamente] negou à sua representada P… o pagamento de suplementos remuneratórios durante o período de baixa por gravidez de risco [09.10 a 07.11.2006, 08.11 a 07.12.2006, 08.12 a 23.12.2006], e o condenasse a proceder a esse mesmo pagamento, isto é, a praticar o acto legalmente devido [artigo 46º nº2 alíneas a) e b) do CPTA].
Para tanto, articulou que a deliberação impugnada viola a lei [por infracção dos artigos 68º nº3 da CRP; 26º nº1 alínea b) da Lei nº4/84 de 05.04, com a redacção do DL nº70/00 de 04.05; artigo 5º alínea b) da Lei nº99/03 de 27.08; artigos 109º nº1 e 112º nº1 da Lei nº35/04 de 29.07; e o DL nº62/79 de 30.03] e carece da devida fundamentação [artigo 125º do CPA].
O TAF do Porto julgou improcedentes os vícios [substanciais e formal] apontados à deliberação impugnada, que manteve na ordem jurídica, absolvendo o HSJ do pedido.
Desta sentença discorda o autor que, como recorrente, lhe vem imputar erro de julgamento.
Ao conhecimento desse erro de julgamento se reduz o objecto deste recurso jurisdicional.
III. A sentença recorrida decidiu manter na ordem jurídica a deliberação impugnada, que negou à representada do recorrente o direito aos suplementos remuneratórios cujo pagamento reclama como devido durante períodos de baixa por gravidez de risco, por entender, fundamentalmente, que o pagamento desses suplementos [mormente o suplemento de turno] apenas se justifica se houver efectiva prestação de trabalho nas pertinentes condições adversas.
Efectivamente, após ter peregrinado as noções de remuneração base e suas componentes [artigos 15º nº1, 16º nº1 e 17º nº2, do DL nº184/89 de 02.06, e 5º do DL nº353-A/89 de 16.10], e de distinguir, entre estas componentes, a figura dos suplementos remuneratórios [artigo 19º do DL nº184/89 de 02.06], entre os quais destacou o suplemento de turno [artigo 20º do DL nº259/98 de 18.08], o tribunal a quo concluiu assim:
[…] Assim sendo, só se justifica a atribuição do subsídio de turno posto que o funcionário esteja efectivamente a prestar serviço.
Deste modo, e atenta a específica natureza destes componentes do sistema retributivo – remuneração base e subsídio de turno – não podemos deixar de concluir que o suplemento remuneratório em causa justificado pela prestação do trabalho por turnos não se inclui nem no vencimento de exercício, nem no vencimento de categoria.
Com efeito, enquanto que a remuneração de categoria se destina, na sua essência, a remunerar o lugar ocupado no seio da hierarquia, e a remuneração de exercício pretende, fundamentalmente, retribuir o exercício efectivo das funções próprias de uma dada categoria [ver Paulo Veiga e Moura, Função Pública, 1º volume, página 269], a finalidade do subsídio de turno é tão só a de compensar o funcionário pelas particularidades específicas da prestação de trabalho. E, note-se, esta específica natureza do subsídio de turno em nada se mostra beliscada pelo facto de o mesmo assumir um carácter regular e habitual.
E porque assim é, nas situações em que não há realização da prestação laboral, ainda que devidamente justificada – como é o caso dos autos – falham os pressupostos que determinam a atribuição do subsídio de turno, pois que não se verificam os ónus e encargos para o trabalhador que o subsídio de turno tem em vista compensar.
Improcede, portanto, o vício de violação de lei invocado pelo autor, ficando prejudicado o conhecimento do pedido condenatório.
Ora, esta argumentação teria muita razão de ser se o legislador não dispusesse, no âmbito específico da licença por maternidade, e de forma assaz clara, exactamente o contrário.
Lá iremos.
Lembremos que a representada do recorrente é enfermeira ao serviço do HSJ, e que trabalha, por imposição do serviço, em regime de horário completo escalado por turnos [manhã, tarde, noite, sábados, domingos, feriados], recebendo, como contrapartida, os respectivos suplementos remuneratórios, sobre que incidem descontos para a CGA [Caixa Geral de Aposentações], integrantes da sua remuneração normal.
Tendo estado de baixa por gravidez de risco [entre 09.10 e 23.12.2006], entende a representada do recorrente que tem direito a perceber, para além do seu vencimento base, as quantias correspondentes aos suplementos remuneratórios relativos àquele período de licença por maternidade.
Sim, dissemos bem, de licença por maternidade, porque, convém desde já esclarecer, a lei vigente [Lei nº99/2003 de 27 de Agosto, que aprova o Código do Trabalho, no seu artigo 35º nº3, e mesmo a que a precedeu [Lei nº70/2000 de 04.05], no seu artigo 10º nº3, considera esta baixa por gravidez de risco como integrando, também, o conceito de licença por maternidade [aí se diz, e se dizia, sob a epígrafe licença por maternidade, que nas situações de risco clínico para a trabalhadora ou para o nascituro, impeditivo do exercício de funções, independentemente do motivo que determine o impedimento, caso não lhe seja garantido o exercício de funções ou local compatíveis com o seu estado, a trabalhadora goza do direito de licença, anterior ao parto, pelo período de tempo necessário para prevenir o risco, fixado por prescrição médica, sem prejuízo da licença por maternidade prevista no nº1].
Tudo se resume, portanto, a saber se a construção jurídica feita pelo tribunal a quo para justificar a improcedência do pedido do autor tem razão de ser no âmbito da licença por maternidade, ou se, nesse âmbito, nomeadamente por razões incentivadoras e proteccionistas, o legislador pretendeu coisa diferente.
A nossa Lei Fundamental [artigo 68º CRP] define que a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes, e determina que o Estado e a sociedade em geral protejam as mães e pais na sua insubstituível acção em relação aos filhos, designadamente no que se refere à dispensa do trabalho por períodos adequados, sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias, regulando a lei a atribuição de tais direitos às mães e aos pais.
Estas directivas constitucionais têm, é sabido, uma autoridade conformadora quer da acção legislativa quer da acção interpretativa da lei ordinária [interpretação de acordo com a Constituição].
Houve tempos em que não se mostrava suficientemente clara a forma como a lei ordinária concretizava essas directivas, sobretudo no que respeitava ao âmbito da manutenção do direito à remuneração por parte da trabalhadora durante período de licença por maternidade [referimo-nos à Lei nº4/84 de 05.04, Lei nº142/99 de 31.08, e Lei nº70/2000 de 04.05]. E cremos que era essa falta de clareza que justificava o recurso a construções jurídicas como a efectuada na sentença recorrida.
Porém, a evolução das políticas sociais de há algum tempo a esta parte sofreu alterações clarificadoras, todas no sentido de maior protecção à maternidade, e também à paternidade, sobretudo com vista a superar o déficit de nascimentos que se verifica no nosso país, e vem acarretando o envelhecimento preocupante da sua população.
Assim, no plano legal, atendendo às datas aqui pertinentes [09.10 a 07.11.2006, 08.11 a 07.12.2006, 08.12 a 23.12.2006], temos como aplicável ao caso a Lei nº99/03 de 27.08, a Lei nº35/04 de 29.07, e a Lei nº77/05 de 13.04.
A Lei nº99/03 de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho, dispõe no seu artigo 5º que são aplicáveis à relação jurídica de emprego público […] com as necessárias adaptações as seguintes disposições do Código do Trabalho: […] b) Artigos 33º a 52º, sobre protecção da maternidade e paternidade […].
Ora, o artigo 35º deste código, relativo à licença de maternidade, prevê uma licença de cento e vinte dias consecutivos, sendo noventa necessariamente a seguir ao respectivo parto, podendo os restantes ser gozados, total ou parcialmente, antes ou depois do parto [nº1], e, no caso de risco clínico, a trabalhadora goza do direito a licença antes do parto, pelo período de tempo necessário para prevenir esse risco, sem prejuízo da licença de maternidade prevista no nº1 [nº2].
Regulamentando a Lei nº99/03 de 27.08, a Lei nº35/2004 de 29.07 veio dizer, no seu artigo 107º [inserido na subsecção sobre licenças, dispensas e faltas na Administração Pública, e sob a epígrafe efeitos das licenças por maternidade, paternidade e adopção] que as licenças por maternidade, por paternidade e adopção, a que se referem os artigos 35º, 36º e 38º do Código do Trabalho, não determinam a perda de quaisquer direitos, sendo consideradas como prestação efectiva de serviço para todos os efeitos, designadamente de antiguidade e abono de subsídio de refeição [note-se que esta Lei nº35/04 diz, no seu artigo 1º nº2, que se aplica à relação jurídica de emprego público, nos termos do artigo 5º da Lei nº99/03 de 27.08].
Estipula ainda, no seu artigo 112º, e sob a epígrafe retribuição, que durante as licenças, faltas e dispensas referidas nos artigos 35º […] do Código do Trabalho, o trabalhador abrangido pelo regime da protecção social da função pública mantém o direito à retribuição, incluindo os suplementos de carácter permanente, sobre os quais incidam descontos para a CGA [nº1].
Por sua vez, o DL nº77/05 de 13.04 [estabelece o regime jurídico de protecção social na maternidade, paternidade e adopção no âmbito do subsistema previdencial de segurança social face ao regime preconizado na legislação de trabalho vigente], que retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da Lei nº35/04 de 29.07, veio fixar, na esteira da evolução legislativa acima apontada, as normas que permitem o pagamento de subsídios de maternidade e paternidade, preceituando, porém, no artigo 2º, e sob a epígrafe efeitos da licença por maternidade na Administração Pública, que aos trabalhadores da Administração Pública sujeitos ao regime jurídico da função pública, a licença prevista no artigo 35º do Código do Trabalho é considerada para todos os efeitos como prestação efectiva de trabalho, designadamente para efeitos do direito à remuneração por inteiro, de antiguidades e de abono de refeição [nº1]. E ainda, os trabalhadores que efectuem a opção prevista no nº1 do artigo 68º da Lei nº35/04 de 29.07, têm direito a 80% da remuneração por inteiro referida na primeira parte do número anterior [nº2] [note-se que este DL nº77/05 de 13.04 foi recentemente revogado pelo DL nº91/09 de 09.04 (artigo 85º alínea a)].
Perante este quadro legal bastante claro, aplicável no presente caso, e face à imposição, decisiva, de o interpretar de acordo com as referidas normas constitucionais, cremos resultar como inadequada a construção jurídica feita pelo tribunal a quo para justificar a decisão negativa do pedido do autor.
Ao contrário, tendo em consideração as normas legais que são aplicáveis, supra referidas, impõe-se concluir que durante o período em que esteve de baixa por gravidez de risco, a senhora enfermeira representada pelo autor, tem direito aos suplementos remuneratórios cujo pagamento reclama nesta acção, que vinha auferindo até então, e sobre quais efectuava os respectivos descontos para a CGA [ver DL nº62/79 de 30.03 e artigo 10º do DL nº154/88 de 29.04 - note-se que este último foi recentemente revogado pelo DL nº91/09 de 09.04 (artigo 85º alínea a)]. Aliás, em idêntico sentido já decidiu por diversas vezes este mesmo tribunal superior, sendo que essa jurisprudência foi tida em conta no presente aresto [ver AC TCAN de 09.07.2009, Rº644/07.0BEPRT; AC TCAN de 23.07.2009, Rº2604/06.BEPRT; AC TCAN de 30.07.2009, Rº1445/07.0BEPRT; AC TCAN de 01.10.2009, Rº2632/06.0BEPRT].
Na medida em que assim não decidiu, a sentença recorrida fez um julgamento errado, e deve ser revogada.
Por sua vez, e porque assim também não decidiu, a deliberação impugnada deve ser anulada, por violar a lei, e deve o réu da acção ser condenado a pagar à representada do sindicato autor o montante dos suplementos remuneratórios em causa, assim procedendo o seu pedido.
Deverá, pois, ser dado provimento ao recurso, e procedência à acção.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal, em conferência, o seguinte:
- Conceder provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida;
- Julgar procedente a acção administrativa especial, e, em conformidade, condenar o Hospital de São João a pagar à representada do sindicato autor [P…] os suplementos remuneratórios referentes ao período entre 9 de Outubro e 23 de Dezembro de 2006.
Sem custas nesta instância, uma vez que o recorrido não contra-alegou.
Custas pelo réu, na primeira instância, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça, já reduzida a metade – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A, 73º-D…73º-E nº1 alínea….
D.N.
PORTO, 12 de Novembro de 2009
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia