Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/06.6BEMDL-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS; RETOMA DE PROCEDIMENTO CONCURSAL;
CAUSAS LEGÍTIMAS DE INEXECUÇÃO DA SENTENÇA
Sumário:I- As sentenças de anulação de acto administrativo, não voluntariamente cumpridas pela Administração, são executadas, nos limites da autoridade do caso julgado, com reporte à situação jurídica e de facto que existiria se não fosse a prática do acto/actuação administrativo com a ilegalidade que justificou a sua anulação contenciosa ou seja à situação existente no momento em que a Administração deveria ter (legalmente) actuado – 171.º do CPTA.
II- O que justifica que o julgador executivo não se limite a repetir o efeito constitutivo do julgado anulatório, de invalidação/eliminação do acto, retroagida ao momento em que ocorreu a ilegalidade, e o efeito conformativo com o julgado que impede que a Administração reincida nas ilegalidades que viciaram o acto anulado, especificando os actos e/ou operações a praticar pela Administração, reconstrutivos da situação que teria existido, poderia ou deveria ter existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal (com a ilegalidade que o viciou), tudo nos limites da autoridade do caso julgado.
III- Constituem causas legítimas de inexecução do julgado, entendidas como situações excepcionais, a impossibilidade (de facto ou jurídica) absoluta e o grave prejuízo para o interesse público.
IV- Nos presentes autos não é impossível, nem de facto nem de direito, retomar os trâmites de concurso para recrutamento de professores-adjuntos de Instituto Politécnico, desde o início e com a nomeação de novo Júri e publicação de novo aviso de abertura que divulgue os critérios de selecção, permanecendo todos os demais elementos concursais, incluindo os candidatos que, naturalmente, só poderão ser os do originário concurso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA E GESTÃO DE BRAGANÇA
Recorrido 1:ECPL
Votação:Maioria
Meio Processual:Execução de Sentença (Extensão dos Efeitos da Sentença)
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
I – RELATÓRIO
ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA E GESTÃO DE BRAGANÇA, (ESTIG) do Instituto Politécnico de Bragança, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela nos autos de execução de sentença, contra si propostos por ECPL, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ora Recorrente a:
i) praticar o acto administrativo devido, consistente na retoma dos trâmites do concurso em causa, desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e a publicação de novo aviso de abertura que divulgue os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar;

ii) concluir o aludido concurso no prazo de quatro meses e, ainda,

iii) ao pagamento de €48,5, por cada dia de atraso, se, uma vez findo aquele prazo, a Executada não tiver cumprido o que lhe foi determinado na pessoa do Presidente do IPB.


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Nas respectivas alegações, a Recorrente apresentou as seguintes CONCLUSÕES que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

“1ª. O Ilustre Tribunal a quo condenou a entidade demandada a praticar o ato administrativo devido, consistente na retoma dos trâmites do concurso em causa desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e publicação de novo aviso de abertura que divulgue os critérios de seleção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar; fixou à executada o prazo de quatro meses para a conclusão do aludido concurso, findo o qual será devido pagamento de 48,50 € por cada dia de atraso, por parte do Presidente do IPB.

2ª. Para tanto, a fls. 5 da douta sentença o Ilustre Tribunal a quo considerou que “Portanto, não procede a argumentação da executada quando parte do pressuposto de que o artº 17º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/8 – que veio proceder à alteração e aditamento do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico – estabeleceu que para os concursos para recrutamento de professor Adjuntos (apenas) podem apresentar-se os detentores daquele grau académico de doutor, na área para a que é aberto o concurso ou do título de especialista na mesma área – porque, precisamente, este diploma não existia no momento da prática do ato anulado” (sublinhado nosso).

3ª. Salvo o devido respeito, tendo em conta que a douta sentença proferida em 13-11-2008, dada agora à execução, anulou na sua totalidade o processo de concurso em causa (determinando inclusivamente a publicação de novo aviso de abertura), não se compreende como é que a circunstancia do Decreto-Lei 207/2009 não existir no momento da prática do ato anulado pode implicar que este diploma não se aplica ao processo de concurso a desenvolver agora.

4ª. Dada a nova redação dada ao Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico e ao respetivo artº 17º, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2009, não se vê ao abrigo de que enquadramento legal seria agora possível determinar e justificar que o novo procedimento concursal, com publicação de novo aviso de abertura, decorresse nos termos do artº 17º, daquele Estatuto, mas com a redação dada na versão anterior a esta alteração.

5ª. Neste pressuposto e tendo em conta a imposição legal resultante da atual redação do artº 17º do Estatuto, resulta inevitável que a exequente não pode ser oponente ao concurso, por ainda não deter o grau de doutoramento, cuja formação ainda frequenta e decorre.

6ª. Por ser assim, a exequente, peticionante da execução e titular do interesse protegido em causa, não tem qualquer interesse no desencadear de novo processo concursal, o que torna inútil a determinada “retoma dos trâmites do concurso em causa desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e publicação de novo aviso de abertura”.

7ª. A executada entende por isso que ocorre causa legitima de inexecução da sentença, pela impossibilidade absoluta de desencadear o novo processo de concurso de acordo com o interesse da executada. Acresce ainda que:

8ª. Como invocado na contestação - e não conhecido expressamente na douta sentença agora em recurso -, por via do Regime Transitório previsto no artº 6º, nº 8 do Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de Agosto, na redação dada pelo artº 3º, da Lei nº 7/2010, de 13 de Maio, a exequente, após a obtenção do grau de doutor, transita, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado.

9ª. Pelo que, também por esta via, carece a exequente de interesse na presente execução, sendo a mesma inútil.”.

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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público notificado ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso jurisdicional – cfr. fls. 178 e ss.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO:

Apreciar e resolver, nos limites das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação – cfr. artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC – se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por violação dos artigos 163.º (Causas legítimas de inexecução) e 179.º (Decisão executiva) do CPTA.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS

Com interesse para a decisão, o Tribunal a quo deu por provados os seguintes factos:

1. Dá-se aqui por reproduzido o acórdão proferido pelo TAF de Mirandela, em 13/11/2008, no processo 6/06.6BEMDL, com o seguinte destaque: “a A.) Invocou, sucintamente, vício de violação de lei e (ou) vício de forma//Pede: A anulação do acto impugnado, por estar inquinado de violação de lei e (ou) de vício de forma e a condenação da entidade demandada a praticar o acto administrativo devido, consistente na retoma dos trâmites do concurso desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e a publicação de novo aviso de abertura, que divulgue os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar (…) // MOTIVAÇÃO // 1. Por Edital n.º 588/2004 (2ª série), publicado no DR., II Série, n.º 125, de 28 de Maio de 2004, foi aberto concurso documental para recrutamento de dois Professores-Adjuntos da Escola Superior de Tecnologia e de Gestão (ESTIG) do Instituto Politécnico de Bragança, no Departamento de Construções Civis e Planeamento (área científica de Materiais e Tecnologias de Construção), (…) Pelo exposto julga-se a acção procedente. // Custas pela Ré. //Registe e notifique”;

2. Para o que aqui interessa, o R., aqui Executado, e RAFO e MILMDA, aqui contra interessados, interpuseram recurso para o TCA-Norte, o qual, depois de admitido, negou provimento e confirmou o acórdão proferido – cfr. fls. 451 a 457, do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas;

3. Por cartas registadas em 23/7/2009 os Recorrentes e Recorridos foram notificados de todo o conteúdo do Acórdão do TCA-Norte [datado de 23 de Julho de 2009] – cfr. Fls. 459 a 462, do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas;

4. Dá-se aqui por reproduzida a PI na acção principal, com o seguinte destaque: “acto jurídico impugnado:// Resolução do Conselho Cientifico da Entidade Demandada de 21.Setembro.2005, homologatória da lista de classificação final do concurso documental para recrutamento de dois professores Adjuntos da referida escola, aberto pelo Edital n.º 588/2004, publicado no DR II série, n.º 125, de 28.Maio./2004;

5. Por despacho de 12/10/2005 os contra interessados RAFO e MILMDA foram nomeados provisoriamente professores adjuntos da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPB – docs. 2 e 3 da Oposição;

6. Por despacho de 27/11/2008 os contra interessados RAFO e MILMDA foram providos, em nomeação definitiva, professores adjuntos da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPB – docs. 4 e 5 da Oposição;

7. Por cartas registadas em 23/7/2009 os Recorrentes e Recorridos foram notificados de todo o conteúdo do Acórdão do TCA-Norte – cfr. Fls. 459 a 462, do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas;

8. Até ao momento a Executada ainda não deu execução ao julgado.”.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC adita-se a seguinte factualidade e elemento processual decorrente dos documentos e peças processuais integrados nos autos, incluindo no processo principal n.º 6.06.6BMDL:

9. O concurso em causa para recrutamento de dois professores-adjuntos da Tecnologia e Gestão da ESTIG do Instituto Politécnico de Bragança, para o Departamento de Construções Civis e Planeamento, área científica de Materiais e Tecnologias de Construção, identificado supra no ponto 4, foi aberto por despacho de 20 de Abril de 2004, do então professor catedrático e presidente daquele Instituto e nos termos dos artigos 5.º, 7.º, 10.º, 15.º e 17.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESC) aprovado pelo DL n.º 185/81, de 1 de Julho, alterado, à data dos factos, pelo DL n.º 69/88, de 3/3.

10. Foram oponentes ao concurso 5 candidatos, os quais foram admitidos.

11. A ora Recorrida ficou em 4.º lugar na lista de classificação final impugnada, logo a seguir aos contra interessados MILMDA (3.º lugar) e RAFO (2.º lugar).

12. O 1.º candidato escolhido (LMCMA) não aceitou o lugar.

13. O acto impugnado homologatório de lista de classificação final dos candidatos ao concurso documental identificado foi anulado pela decisão exequenda por duas causas de ilegalidade: i) falta de divulgação atempada dos critérios de classificação com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar, em violação do disposto no artigo 27.º, n.º 1/g) do DL n.º 204/98, de 11 de Junho e do artigo 16.º, n.º 1/c) do ECPDESC aprovado pelo DL n.º 185/81, de 1/7, e dos princípios da transparência e imparcialidade; ii) violação dos artigos 15.º, 20.º e 21.º do Estatuto porque o Júri do concurso tomou em consideração, na avaliação do currículo da então candidata MILMDA – classificada em lugar antecedente ao da Recorrida e colocada num dos lugares a concurso – elementos não constantes do processo, alegando conhecimento pessoal.

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2. DIREITO

Importa, nesta sede, apreciar os fundamentos do presente recurso, dentro do thema decidendum delimitado pelas respectivas conclusões, aferindo se assiste razão à Recorrente quando imputa à decisão impugnada erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 163.º e 179.º do CPTA.

O que passa por saber se os moldes em que o julgador a quo determinou a execução do Acórdão exequendo proferido no processo principal (anulatório e de condenação à prática de acto devido) observam o regime legal de execução de sentença anulatória que reflecte os deveres em que a Administração fica constituída por causa da anulação de um acto administrativo, no contexto dos limites ditados pela autoridade do caso julgado.

Vejamos.

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Em 13/11/2008 o TAF de Mirandela proferiu sentença no processo n.º 6/06.6BEMDL mediante o qual anulou o acto nele impugnadoResolução do Conselho Cientifico da ora Recorrente de 21.09.2005, homologatória da lista de classificação final do concurso documental, aberto pelo Edital n.º 588/2004, para recrutamento de dois professores Adjuntos da Escola Superior de Tecnologia e de Gestão, do Instituto Politécnico de Bragança, no Departamento de Construções Civis e Planeamento (área científica de Materiais e Tecnologias de Construção) nos termos dos artigos 5.º, 7.º, 10.º, 15.º e 17.º do DL n.º 185/81, de 1 de Julho – por vícios de violação de lei, bem como condenou a Demandada/Recorrente a praticar o acto administrativo peticionado e considerado devido, consistente na retoma dos trâmites do concurso desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e a publicação de novo aviso de abertura que divulgue os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar.

A referida sentença julgou procedentes duas causas de ilegalidade imputadas pela ora Recorrida ao impugnado acto: (i) a violação do disposto nos artigos 27.º, n.º 1/ g) do DL n.º 204/98, de 11 de Junho, e 16.º, n.º 1/c do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico aprovado pelo DL n.º 185/81, de 1/7, dos princípios da transparência e da imparcialidade, por falta de divulgação atempada dos critérios de classificação com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar; (ii) a violação dos artigos 15.º, 20.º e 21.º do Estatuto dado o Júri do concurso tomou em consideração, na avaliação do currículo de uma candidata (a Contra-interessada classificada em lugar imediatamente antecedente ao da Recorrida e colocada num dos lugares a concurso), elementos não constantes do processo, alegando conhecimento pessoal. E foi confirmada pelo Acórdão do TCA Norte, de 23 de Julho de 2009, que negou provimento ao recurso interposto pelos então Demandado e Contra-interessados.

Não cumprido voluntariamente o Acórdão do TCA Norte, a Recorrida propôs a presente acção de execução, no âmbito da qual foi proferida a decisão ora impugnada que julgou procedente o peticionado, condenando a entidade demandada na prática de actos devidos: “retoma dos trâmites do concurso desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e a publicação de novo aviso de abertura, que divulgue os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar, fixando um prazo de quatro meses para a conclusão do aludido concurso”.

A Recorrente discorda do decidido, reiterando, nesta instância, o já alegado na primeira:

– A ocorrência de causa legítima de inexecução do Acórdão exequendo, por impossibilidade absoluta, justificada, na sua perspectiva, pelo facto do DL n.º 207/2009, de 31/8, ter procedido à alteração e aditamento do ECPDESC alterando a redacção do artigo 17.º do Estatuto pelo qual se regulou o concurso em causa, no sentido de poderem apresentar-se aos concursos de recrutamento de professores Adjuntos os detentores do grau académico de doutoramento, na área para que é aberto o concurso ou do título de especialista na mesma área, sendo que nenhum dos candidatos (os que foram colocados nos lugares em causa e a Recorrida) ao concurso originário o detém.

– A inutilidade da retoma dos trâmites do concurso em causa nos moldes decididos ou seja da execução do julgado, por falta de interesse da Recorrida, uma vez que a mesma não é detentora do grau de doutor, não reunindo, assim, os requisitos necessários para ser oponente ao concurso, cuja retoma se determinou – a desenvolver, agora, mediante um novo procedimento; inutilidade que considera reforçada pelo facto da Exequente/Recorrida, por via do regime transitório previsto no artigo 6.º, n.ºs 4, 7 e 8 do DL 207/2009, de 31/8, na redacção dada pelo artigo 3.º da Lei 7/2010, de 23/5, transitar, sem outras formalidades, após a obtenção do grau de doutor, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado.

Apreciemos.

Lê-se no Acórdão recorrido o seguinte:

“A anulação do acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, considerando o vício detectado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado – cfr. art.º 173.º do CPTA

Daqui resulta que o acto impugnado na acção principal (Resolução do Conselho Cientifico da Entidade Demandada de 21/9/2005, homologatória da lista de classificação final do concurso documental para recrutamento de dois professores Adjuntos da referida escola, aberto pelo Edital n.º 588/2004, publicado no DR II série, n.º 125, de 28/5/2004), depois de ser anulado, tudo se passa como se o acto nunca tivesse sido praticado, produzindo a anulação efeitos retroactivos ao momento da sua prática. - Neste sentido, que se acompanha, cfr. Freitas do Amaral, Vol II, in Curso de direito administrativo, pág. 408, João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 8ª edição, pág. 209 e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol I, pág. 518.

Como já decidiu o STA no Ac. de 14/7/2008, no Proc. 047693A, em posição que se acompanha, “o que para tanto releva no quadro da execução é o direito existente à data do acto anulado. Com efeito «O acto renovado, emitido em execução da sentença de anulação, produz efeitos referidos ao momento da prática do acto anulado e deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento» (Ac. Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, do STA de 13/04/2000, Proc. nº 031616; no mesmo sentido, o Ac. do STA de 19/01/2005, Proc. nº 031890B; Ac. STA de 21/03/2006 e de 01/06/2006, no Proc. nº 030655A; 19/09/2006, Proc. nº 048328A)”.

Portanto, não procede a argumentação da Executada quando parte do pressuposto de que o art.º 17.º do DL 207/2009, de 31/8 – que procedeu à alteração e aditamento do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico – estabeleceu que para os concursos para recrutamento de professor Adjuntos (apenas) podem apresentar-se os detentores daquele grau académico de doutor, na área para que é aberto o concurso ou do título de especialista na mesma área – porque, precisamente, este diploma não existia no momento da prática do acto anulado.

(…)

“A causa legítima de inexecução só se coloca se houver impossibilidade absoluta de cumprir a sentença anulatória. Se isso sucedesse, sempre estaríamos perante uma responsabilidade objectiva da Executada, independentemente de qualquer juízo sobre a culpa, pelo não cumprimento tempestivo da obrigação – art.º 163.º, n.º 1 e 165.º, n.º 3 do CPTA, e também Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentários ao CPTA, 2ª edição, anotações aos preceitos identificados.

E mais à frente:

“Portanto, e em resumo, em consequência de sentença anulatória, e para além do efeito constitutivo traduzido na eliminação do acto impugnado, emerge para a Administração, sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, e a consequente prática do acto devido.

(…) em conclusão, é na reconstituição do procedimento administrativo tal como ele foi definido, que residiria a execução do julgado.”.


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Ora, atenta a posição do TAF e a respectiva fundamentação no sentido de, em sintonia com o regime legal de execução de sentenças anulatórias, designadamente ínsito no artigo 173.º do CPTA que concretiza os chamados efeitos constitutivo, repristinatório “reconstitutivo ou reconstrutivo” e conformativo “preclusivo (ou inibitório)” de tais sentenças, a entrada em vigor do DL n.º 207/2009 não relevar, impondo-se a reconstituição da situação hipotética actual, de acordo com (e nos limites) do caso julgado do Acórdão exequendo (anulatório do acto impugnado e condenatório na prática dos actos que especifica) com reporte ao quadro/situação factual e jurídica existente à data dos factos ou seja ao momento em que a Recorrente deveria ter actuado sem as ilegalidades concursais em causa, não encontramos razões para discordar da decisão recorrida.

Na verdade, nas situações de não cumprimento voluntário pela Administração de sentença de anulação de acto administrativo, o normal é que a mesma seja executada, nos limites da autoridade do caso julgado, com reporte à situação jurídica e de facto que existiria se não fosse a prática do acto/actuação administrativo com a ilegalidade que justificou a sua anulação contenciosa ou seja à situação existente no momento em que deveria ter (legalmente) actuado.

O que justifica que o julgador não se limite a repetir o efeito constitutivo do julgado anulatório, de invalidação/eliminação do acto retroagida ao momento em que ocorreu a ilegalidade, e o efeito conformativo com o julgado que impede que a Administração reincida nas mesmas ilegalidades que viciaram o acto anulado, especificando os actos e/ou operações a praticar pela Administração, reconstrutivos da situação que teria existido, poderia ou deveria ter existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal (com a ilegalidade que o viciou), tudo nos limites da autoridade do caso julgado. Sobre os efeitos das sentenças anulatórias de actos administrativos vide Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 13ª Edição, p. 340 e ss,

Tal não sucederá se se verificarem causas legítimas de inexecução do julgado, entendidas como situações excepcionais: a impossibilidade (de facto ou jurídica) absoluta e o grave prejuízo para o interesse público. Sem prejuízo da impossibilidade de retroacção de actos administrativos em execução do julgado anulatório que imponham deveres, sanções ou restrições de direitos ou interesses legalmente protegidoscfr., por todos, M. Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pags. 662 e ss e 720 e ss.

Em suma, o legislador pretende viabilizar a supressão de uma actuação administrativa ilegal mediante a reconstituição da situação jurídica em que os visados se encontrariam se a Administração tivesse actuado legalmente e no tempo devido, como a tal estava adstrita, assim repondo a legalidade por referência ao quadro normativo aplicável no momento em que a actuação administrativa deveria ter tido lugar (situação actual hipotética).

Referindo que “(…) O princípio da reconstituição da situação actual hipotética exige logicamente a regra de que os actos administrativos praticados em execução do julgado se refiram ao momento da prática do acto anulado, pelo que, como ponto de partida, os actos e operações de execução têm de considerar a situação de facto e a legislação em vigor a essa data.”. E que “Salvo perante modificações do ordenamento jurídico com eficácia retroactiva, a prática de um novo acto administrativo (…) com fundamento somente em disposições legais posteriores ao acto anulado não constitui execução integral da decisão anulatória, vide o Acórdão do STA de 10.07.1997 proferido no Proc. 27739 A in ww.dgsi.pt.

Neste contexto, Mário Aroso de Almeida, a propósito da relevância (ou falta dela) das superveniências normativas na definição do direito substantivo aplicável à actuação administrativa de execução de sentenças anulatórias com referência a situações de recusa ilegal de actos favoráveis devidos a titulares do direito à respectiva prática – mas passíveis, como o invoca, de extensão, com as adaptações porventura necessárias, a outras situações de actuação ilegal da Administração – sustenta que prevalece a regra de que a “Administração deve aplicar o direito em vigor, no momento em que lhe cumpre adoptar uma decisão tempestiva”, abstraindo de circunstâncias supervenientes, tomando em conta os factos que, na altura, eram atendíveis e o quadro normativo que era então aplicável – salvaguardando a eventualidade de superveniências rectroactivas ou cuja aplicação se revele, pela sua natureza, incontornável, gerando verdadeiras situações de impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado.

E isto porque “a correcta aplicação, no momento próprio, do direito vigente à data da recusa ilegal teria conduzido a que a situação do particular tivesse sido definida nos termos em que as normas aplicáveis nesse momento estabeleciam. Era isto que o ordenamento exigia que se tivesse feito, era isto que deveria ter conduzido a sua observância por parte da Administração. Ora, se isto tivesse acontecido e portanto a Administração tivesse como devia, definido validamente a situação no momento próprio por aplicação das normas então vigentes, nem sequer teria sido nunca equacionado a hipótese da aplicação das novas normas à situação em causa, que já se encontraria resolvida à data em que essas normas entraram em vigor”.

(...) “De outro modo, estar-se-ia, na verdade, a branquear a ilegalidade cometida e, desse modo a dar às situações que foram objecto de uma conduta ilegal da Administração um tratamento injustificadamente discriminatório em relação àquele que porventura tenha sido dado a outras do mesmo tipo que não tenham sido objecto de uma tal conduta – o que, a nosso ver, seria atentatório do princípio da igualdade, no sentido clássico de igualdade na aplicação da lei. – in ob. cit. pags. 729 e ss.

Deste entendimento decorre, pois, como princípio, a sujeição dos actos em execução do julgado anulatório ao direito em vigor no momento em que cumpriria à Administração adoptar a decisão legal, sem atender a eventuais superveniências normativas não rectroactivas ou cuja aplicação ao caso não se afigure, pela sua natureza, incontornável.

O que nos autos sucedeu, como já resulta do atrás exposto, não se vislumbrando razões para decidir de modo distinto.


Restando sublinhar que, diversamente do que a Recorrente parece entender, o concurso, cujos trâmites a decisão recorrida mandou reiniciar, não configura um novo concurso, como releva a expressão ínsita no segmento condenatório – “retoma dos trâmites do concurso em causa” – ainda que, de início e com a nomeação de novo Júri e publicação de novo aviso de abertura, o qual deve divulgar os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar (em cumprimento dos normativos legais então violados ou seja de acordo com e nos limites do caso julgado).

Tal concurso insere-se no originário procedimento, cuja abertura se baseou na decisão de contratar proferida pelo Presidente do Politécnico de Bragança em 20 de Abril de 2004 (cfr. probatório), a qual não foi anulada, nem os demais actos/formalismos que lhe possam ter seguido até à fase da publicação do respectivo edital; e assim, a condenação da ora Recorrente na retoma do concurso desde o início, tem apenas a ver com a nomeação de novo júri e com a divulgação especificada dos critérios de selecção (das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar), permanecendo todos os demais elementos concursais, incluindo os candidatos que, naturalmente, só poderão ser os do originário concurso (cfr. probatório), disso devendo fazer referência o edital a publicar.

O referido concurso (a sua retoma) deve, assim, processar-se de acordo com as circunstâncias fácticas e jurídicas então existentes (artigo 173.º do CPTA).


Por fim, diga-se que o êxito do argumento apresentado pela Recorrente da falta de interesse da Recorrida no concurso documental a retomar, com consequente inutilidade do julgado executivo, por a mesma não reunir os (novos) requisitos legais para o acesso a tal concurso (titularidade do grau de doutor), se encontra, naturalmente, prejudicado pela improcedência da alegada impossibilidade absoluta de cumprimento do julgado, fundada na nova redacção do artigo 17.º do Estatuto que regulou o concurso anulado.

Sendo que, em relação à alegação do suposto reforço da alegada inutilidade por falta de interesse da Exequente/Recorrida no concurso documental a retomar, uma vez que, por via do regime transitório acima identificado a mesma pode transitar, sem outras formalidades, após a obtenção do grau de doutor, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, a mesma não contende com a decisão recorrida, encerrando meras hipóteses – aliás, não limitadas no tempo – insusceptíveis de justificar a perda do interesse da Recorrida em candidatar-se ao concurso agora determinado, despido das ilegalidades que o invalidaram, e de nele ser avaliada.


Em síntese, não foram invocados elementos concretos e reais passíveis de consubstanciarem causas legítimas de inexecução do julgado, nem os autos os fornecem, seja por impossibilidade absoluta, seja por grave prejuízo para o interesse público – as quais, como já se disse, constituem a excepção à regra de que as sentenças transitadas em julgado, a “executar” no respectivo processo de execução, devem ser cumpridas.

A impossibilidade absoluta só se verifica se houver impossibilidade fáctica ou jurídica, isto é, quando existam factos ou razões jurídicas que impeçam, de forma irremovível, o cumprimento do julgado.

O que, no caso, não sucede, já que a nova versão do artigo 17.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico dada pelo Decreto-Lei n.º 207/2009 de 31 de Agosto Julho, não impossibilita, incontornavelmente, o Recorrente de cumprir a sentença anulatória e condenatória exequenda, retomando o concurso originário com a nomeação de novo júri e publicação de novo aviso que divulgue especificadamente os critérios de selecção (as fórmulas a utilizar e os concretos elementos de avaliação a ponderar), por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.

O grave prejuízo para o interesse público ocorre em situações limite, de elevada excepcionalidade, “de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, nas quais se possa realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito” – M. Aroso de Almeida e C.A. Carlos Cadilha, Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, pags. 806 e ss, o que igualmente não ocorre no presente caso.


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Pelo que a decisão recorrida não desrespeitou a normação aplicável, mormente os artigo 163.º e 179.º do CPTA invocados pela Recorrente, não padecendo do erro de julgamento que lhe foi assacado.
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Improcedem, assim, os fundamentos de impugnação da decisão recorrida e, em consequência, o presente recurso.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique. DN.

Porto, 20 de Maio de 2016,
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: João Beato (conforme declaração de voto)
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DECLARAÇÃO DE VOTO:

Voto favoravelmente a decisão manifestando porém discordância quanto a um aspecto não essencial, mas relevante, da formulação da decisão recorrida e confirmada, e divergência perante boa parte da fundamentação deste acórdão. Assim, em meu entender:

1 - Há erro na caracterização jurídica do acto devido, pois a publicação e realização de um concurso “desde o seu início, com a nomeação de novo Júri e a publicação de novo aviso de abertura que divulgue os critérios de selecção, com especificação das fórmulas a utilizar e dos concretos elementos de avaliação a ponderar” configura um novo concurso e não a mera “retoma” do concurso anulado.

O concurso é autónomo em relação ao procedimento que conduz à decisão de contratar e não se insere neste. O órgão que detém competência exclusiva para realização das operações do concurso é alheio à decisão de contratar e vice-versa. Os hipotéticos vícios e vicissitudes de cada um desses procedimentos não contaminam o outro. São procedimentos juridicamente autónomos, que embora concorram funcionalmente para a prossecução de um objectivo comum, não se confundem nem se esgotam nele, cada um deles servindo ainda outros interesses específicos irredutíveis. Esta ideia subjaz ao acórdão deste TCAN de 19-06-2015, Proc. 76/11.5BECBR, ainda que concretizada em circunstancialismo diverso.

2 - Por muito elevadas que sejam as expectativas abertas pelo artigo 173º do CPTA não apagam a sua condição de direito processual instrumental em relação à lei substantiva, cujo inexorável fluxo não pode refluir.

Por isso, a situação jurídica e de facto desrespeitada pelo acto anulado, a repor pela via executiva, visa apenas a colocação da Recorrente perante um concurso justo mas não perante um ordenamento jurídico substantivo privilegiado.

Encurtando razões, a Recorrente tem o direito de se candidatar ao novo concurso e nele ser admitida, na condição de reunir os requisitos legais conferidos para o efeito pela lei vigente à data da abertura do concurso.

3 - A Recorrida está proibida, por imperativo legal, de contratar para o exercício de determinada função docente uma pessoa que não disponha dos requisitos legais para o efeito. Mais uma vez, a lei não se reduz ao interesse deste ou daquele interessado, antes serve o interesse geral da comunidade, que é multifuncional e multidireccionado, incluindo os interesses dos docentes, dos alunos, o prestígio da Escola e a credibilidade do sistema de ensino superior do país.

Designadamente, atento o Artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 207/2009 de 31 de Agosto, que reviu os estatutos das carreiras docente do ensino universitário, de investigação, e docente do ensino superior politécnico, aos concursos para recrutamento de professores adjuntos só podem apresentar-se os detentores do grau de doutor na área para que é aberto concurso ou do título de especialista na mesma área e esta norma. E esta lei, se não for entretanto de novo alterada, é a aplicável no âmbito do concurso que a Recorrida está obrigada a lançar.

De contrário ocorreria grave prejuízo do interesse público, consistente na degradação do “elevado grau de exigência de que se reveste a carreira docente politécnica”, em contra passo ao apregoado no preâmbulo do citado diploma legal.
[João Beato Sousa]