Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00244/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2006
Relator:Dulce Neto
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
Sumário:1. A finalidade da reclamação graciosa é a anulação, total ou parcial, de actos tributários, despoletada pelo contribuinte, que pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e que é caracterizada pela simplificação dos seus termos, pela dispensa de formalidades, pela rapidez da decisão e pela obrigação da sua remessa oficiosa ao órgão competente (independentemente de o erro cometido pelo interessado ser desculpável ou não).
2. Apesar de a reclamação graciosa dever ser dirigida, em princípio, ao órgão periférico regional e dever ser entregue no serviço periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, qualquer erro cometido neste domínio é irrelevante para a caracterização do requerimento, pois que, face ao carácter indisponível das regras da competência, a lei impõe à AT o dever de conhecer oficiosamente a questão da competência do órgão para a decisão da pretensão formulada, incumbindo-a do envio do procedimento para o órgão competente nos termos regulamentados pelo art. 61º da LGT. Pelo que nem a identificação do órgão a quem é dirigido o requerimento, nem o local ou serviço onde ele é entregue, podem constituir, por si, elementos denunciadores da natureza ou classificação do aludido documento ou, sequer, impedir ou entravar a sua qualificação como “reclamação graciosa”.
3. O que releva na aferição da natureza ou qualificação de determinado requerimento é o seu concreto conteúdo e finalidade, revelado pela conferência dos motivos aduzidos, pela forma como foram apresentados e pela pretensão formulada, o que implica e envolve a sua interpretação segundo o método hermenêutico que decorre dos princípios jurídicos comuns à interpretação das declarações negociais e à interpretação das leis, condensados nos arts. 236º e 9º do Cód. Civil.
4. Assim, para que um requerimento possa ser considerado como “reclamação graciosa” importa que o seu autor tenha deixado manifestado, de forma inequívoca (ainda que implícita), uma pretensão anulatória de determinado acto tributário, de modo a que a AT possa adoptar a tramitação procedimental adequada e submetê-lo à decisão final do órgão competente.
5. E sempre que haja dúvidas sobre qual seja a providência que é demandada, por não ter sido expressamente indicada, deve ela ser apurada perante o texto do requerimento, as circunstâncias que o justificam, as razões de facto e de direito aduzidas em seu fundamento e as consequências lógico-jurídicas que provocam e que o requerente pretendeu nitidamente alcançar com o pedido formulado (elementos literais, históricos, teleológicos e sistemáticos, quer de ordem interna do requerimento, quer do sistema jurídico atingido pelos fundamentos invocados).
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

BELUBOND FUND SICAV, Fundo de Investimento, com os demais sinais dos autos, deduziu no T.A.F. do Porto impugnação judicial contra o «Despacho do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento que indeferiu a Reclamação apresentada contra a retenção na fonte» de 28.422,72 € de imposto, efectuada em 23/09/99 sobre juros de cupão de valores imobiliários representativos da dívida pública nacional.
Nessa impugnação, a Fazenda Pública foi absolvida da instância por falta de um requisito de procedibilidade, traduzida na ausência de prévia reclamação graciosa necessária contra o acto de retenção na fonte do imposto, o que levou a impugnante a interpor o presente recurso jurisdicional, que rematou com as seguintes conclusões:
1. O procedimento de Reclamação Graciosa abriu-se com a iniciativa do contribuinte traduzida na apresentação do respectivo requerimento, o que sucedeu em... (cfr. doc...), e não em data não precisada como decorre do conteúdo da Douta Sentença Recorrida;
2. O requerimento apresentado claramente tem a natureza de “Reclamação Graciosa”, na medida em que através do mesmo o substituído põe em causa a legalidade das retenções na fonte e através do mesmo, e com fundamento nessa ilegalidade, o substituído requereu o respectivo reembolso.
3. De facto, do conteúdo do Requerimento (cfr. doc. 4 junto à petição inicial) resulta claramente que o mesmo tem a natureza de Reclamação Graciosa.
4. Se o órgão a quem foi dirigido o requerimento não tinha competência para apreciar e decidir sobre requerimento de Reclamação Graciosa, i. e., não tinha competência para apreciar a legalidade das retenções na fonte, e decidir sobre o seu reembolso, o mesmo deveria ter invocado a sua incompetência, e remetido o processo para o órgão competente.
5. Se o órgão a quem o requerimento de reclamação Graciosa foi dirigido e apresentado, assim não o fez, é porque reconheceu que teria poderes de cognição e de decisão sobre a matéria suscitada.
6. Pelo que ao decidir como decidiu, implicitamente, o órgão da Administração Tributária a quem o requerimento foi dirigido, reconheceu estarem reunidos os pressupostos básicos de que depende o seu dever de decidir, tendo-se consequentemente aberto o procedimento de Reclamação Graciosa, e sobre a mesma tomado uma decisão.
7. Deste modo, pode e deve-se concluir que a Douta Sentença Recorrida claramente violou o disposto nos artigos 33°, 34° 54°, 74°, 158 do CPA, arts. 44°, 68, 69°, 70° e 132° do CPPT, e arts, 54° e 61 ° da LGT.
Nestes termos e nos melhores de direito, e com o Douto suprimento de V. Exª, o presente recurso deverá ser considerado como procedente, por provado, revogando-se em consequência a Douta Sentença Recorrida, com as legais consequências.
* * *
A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público não emitiu parecer, apondo “Visto”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
Constatando-se que na sentença recorrida se abdicou de proferir decisão autónoma sobre a matéria de facto necessária e relevante, a qual se encontra dispersa por toda parte dispositiva, importa proceder a essa prévia fixação a partir da documentação disponível nos autos, julgando provados os seguintes factos ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC:
1. No exercício da sua actividade, de fundo de investimento, o Impugnante subscreveu, em 1998, valores mobiliários representativos da dívida pública nacional, emitidos ao abrigo da Portaria n.º 125/98, publicada no Diário da República, I Série, de 3.3.1998 e designados por “OT 5,45% - Setembro 2013 – Código ISIN:PTOTEGOE0009”;
2. Sobre os valores mobiliários subscritos pelo Impugnante, venceram-se, em 23.9.1999 (data do pagamento dos juros de cupão), juros no valor bruto de € 142.113,58;
3. Com relação a este montante bruto dos juros de cupão, a entidade pagadora reteve na fonte imposto (IRC), à taxa de 20%, no montante de € 28.422,72;
4. O Impugnante, em 18.8.2001, remeteu pelo correio e dirigido ao “Exmº. Senhor Director do Serviço de Benefícios Fiscais Direcção Geral dos Impostos”, o documento fotocopiado a fls. 23/24, do seguinte teor:
«BELUBOND FUND SICAV, Fundo de Investimento com sede em 50 Av. J-F Kennedy, L-1855 Luxemburgo, como nº contribuinte …, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1 O BELUBOND FUND SICAV é um fundo de investimento especializado na gestão de activos financeiros.
2 O fundo de investimento ora requerente subscreveu valores mobiliários representativos da dívida pública nacional emitidos ao abrigo da Portaria 125/98, publicada no Diário da República, lª Série, de 3 de Março de 1998, e designados por "OT 5,45% - Setembro 2013" - Código ISIN:PTOTEGOE0009.
3 Sobre os valores mobiliários subscritos pelo requerente venceram, em 23 de Setembro de 1999 (data de pagamento dos juros de cupão), juros no valor bruto de 142.113,58 Euros.
4 Contudo, sobre o montante bruto dos juros de cupão, 142.113,58 Euros, foi retido na fonte imposto à taxa de 20%, ou seja, no montante de 28.422,72 Euros (confrontar documento nº 1).
5 Ora, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo lº do Decreto-Lei n.º 88/94 de 2 de Abril estão isentos de tributação em sede de IRC os rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida pública obtidos por entidades sem sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável no território nacional.
6 No que concerne aos valores do Tesouro, a isenção referida no parágrafo anterior é definida em Portaria do Ministro das Finanças.
7 Constituindo o BELUBOND FUND SICAV um fundo de investimento residente no Luxemburgo (confrontar documento nº 2) sem estabelecimento estável em Portugal, não enquadrável como sendo sujeito a um regime de tributação mais favorável, e estando os valores mobiliários (OT 5,45% - Setembro 2013 - Código ISIN:PTOTEGOE0009) subscritos por este fundo isentos ao abrigo da Portaria 125/98 acima referida, os juros de cupão relativos aos mesmos estão isentos de IRC, conforme disposto no artigo lº do Decreto-Lei nº 88/94.
8 Adicionalmente, indica-se para efeitos de comunicações a efectuar a morada em Portugal: Rua Prof. Mota Pinto, n° 42 F - S/1.29, 4100-353 Porto, telefone nº 226156800, fax nº 226162439, sugerindo-se que o reembolso seja efectuado por cheque à ordem do requerente para a morada referida.
Termos em que vem respeitosamente requerer a V. Exa. se digne ordenar o reembolso do montante retido na fonte ao requerente correspondente aos juros de cupão dos valores mobiliários representativos da dívida pública nacional no valor de 28.422,72 Euros, ao abrigo da legislação citada.
P. e E.D.»;
5. Tal requerimento deu origem a um procedimento na Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais (Proc. nº 3045/01), onde foi proferido em 28.12.01, pelo Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, um despacho de indeferimento com os fundamentos que contam de fls. 29/30, cujo teor se dá por reproduzido, e que se consubstanciam, em suma, na consideração de que os questionados juros se encontravam sujeitos a IRC, não havendo qualquer erro que imputável ao sistema de liquidação, pelo que tinha de improceder o peticionado pedido de reembolso do imposto retido;
6. A Impugnante foi notificado desse indeferimento em 25.1.02 e em 25.2.02 apresentou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto a p.i. deste processo de impugnação judicial deduzida contra “o Despacho do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, que indeferiu Reclamação apresentada contra a retenção na fonte efectuada em 23/09/1999, no valor total de € 28.422,72 e que incidiu sobre os juros recebidos em 23/09/99, no valor de (€) 142.113,58...” e pedindo, a final, a anulação do referido acto tributário de retenção na fonte, “emitindo-se o correspondente título de crédito para efeitos de reembolso (…) da retenção indevidamente efectuada no montante de € 28.422,72”.
* * *
A questão que reclama solução neste recurso consiste em saber se ocorreu erro no julgamento efectuado pelo Tribunal “a quo” quanto à natureza do requerimento apresentado pela ora Recorrente, cujo teor se encontra vertido no probatório, e que deu origem ao despacho de indeferimento que constitui o objecto da presente impugnação judicial.
Isto porque, na sentença recorrida se entendeu que este tipo de impugnação, em que está em causa a legalidade da retenção na fonte de imposto, tinha de ser precedida, por força do preceituado no art. 132º nº 3 do CPPT, de prévia reclamação graciosa, o que não teria acontecido, pois que o requerimento dirigido pela Impugnante ao Director do Serviço de Benefícios Fiscais da DGCI não podia ser qualificado como “reclamação graciosa” em virtude de não se encontrar dirigido ao órgão competente para decidir reclamações, isto é, ao órgão periférico regional, razão por que «não deu início ao procedimento de reclamação graciosa respectivo. Não houve abertura do procedimento, pois nunca foi instaurado, nem seguiu os trâmites normais da reclamação. Sem abertura do respectivo procedimento de reclamação graciosa tal como está prevista no CPPT, este nunca chegou a existir».

Contra esta decisão se insurge a Impugnante, que continua a defender o entendimento de que o requerimento que subjaz ao acto impugnado consubstancia uma verdadeira “reclamação graciosa”, na medida em que através dela foi posta em causa a legalidade da retenção de imposto na fonte com vista ao respectivo reembolso, o que abrange uma implícita pretensão anulatória da retenção indevidamente efectuada de modo a reaver o respectivo imposto, requerimento que deu origem a um procedimento administrativo típico de reclamação graciosa, que foi apreciado decidido pelo órgão que assumiu a competência para tal, anteriormente à dedução da impugnação judicial. E, acrescenta, se o órgão a quem foi dirigido esse requerimento/reclamação não tinha competência para apreciar a legalidade da mencionada retenção e decidir sobre o peticionado reembolso do imposto, o mesmo deveria ter invocado a sua incompetência e remetido o processo para o órgão competente, em conformidade com o disposto no art. 34º do CPA e 61º da LGT, não podendo a requerente ser prejudicada pelo facto de um órgão incompetente se ter apossado da competência para a decisão.

Assim, e visto que neste recurso não é posta em causa a aplicação do disposto no art. 132º nº 4 do CPPT (que exige ao substituído, quando impugne retenção que lhe é feita, a prévia reclamação graciosa desse acto para o órgão periférico regional da administração tributária), importa apenas apreciar se, no caso, a Impugnante deu cumprimento ao estipulado no citado preceito legal.
O que passa, desde logo, por determinar se o requerimento identificado no ponto 4 do probatório pode ser classificado como “reclamação graciosa” à luz do respectivo regime legal enformador e que é fixado nos arts. 68º e seguintes do CPPT, posto que em parte alguma desse requerimento consta essa designação mas que tal facto não tem, por si só, qualquer relevância, já que a lei não impõe fórmulas ou ritos sagrados como modo necessário de expressão do que se quer alegar ou pedir à Administração, sendo apenas necessário que os pedidos que lhe são dirigidos sejam perceptíveis (ainda que imperfeitamente expressos) e tenham, no contexto do articulado, uma correspondência verbal (tal como o impõe, aliás, o art. 9º nº 2 do Código Civil para a interpretação da lei).
Isto é, saber se foi ou não formulado perante a Administração uma “reclamação graciosa” devolve-se numa questão de interpretação do respectivo requerimento, interpretação que deve ser resolvida segundo o método hermenêutico que decorre dos princípios jurídicos comuns à interpretação das declarações negociais e à interpretação das leis, condensados nos arts. 236º e 9º do Código Civil, já que os requerimentos constituem declarações das partes sujeitas ao princípio da autonomia da vontade e cuja função é a de precisar os termos do assunto ou questão cuja resolução se pretende através do pedido formulado. Pedido que, constituindo o efeito jurídico, declarativo ou constitutivo, que se quer obter da Administração, pode, contudo, estar subentendido ou escondido debaixo dos termos verbais do requerimento, ser um pedido implícito, desde que revelado objectivamente (ou segundo o ponto de vista de um destinatário normal colocado na posição da destinatária - cfr. art. 236º do CC) como sendo o único reflexo lógico a que os fundamentos alegados no requerimento podem aduzir.
Em suma, sempre que haja dúvidas sobre qual seja a providência que é demandada, por não ter sido expressamente indicada, deve ela ser apurada perante o texto do requerimento, as circunstâncias que o justificam, as razões de facto e de direito aduzidas em seu fundamento e as consequências lógico-jurídicas que provocam e que o requerente pretendeu nitidamente alcançar com o pedido formulado (elementos literais, históricos, teleológicos e sistemáticos, quer de ordem interna do requerimento, quer do sistema jurídico atingido pelos fundamentos invocados).

Postos estes considerandos, importa ainda examinar o regime legal e a finalidade deste meio gracioso de impugnação, com vista a apurar se aquele requerimento se enquadra neste tipo de providência.
Para o efeito, importa ter em conta os seguintes preceitos do CPPT:
Artigo 68º
Procedimento de reclamação graciosa
1- O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte, incluindo, nos termos da lei, os substitutos e os responsáveis.
2- Não pode ser deduzida reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento.
Artigo 69.º
Regras fundamentais
São regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa:
a) Simplicidade de termos e brevidade das resoluções;
b) Dispensa de formalidades essenciais;
c) Inexistência do caso decidido ou resolvido;
d) Isenção de custas;
e) Limitação dos meios probatórios (…);
f) Inexistência do efeito suspensivo, salvo quando (…)
Artigo 70.º
Fundamentos e prazo da reclamação graciosa
1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102.º (vigorou até à Lei 60-A/2005-30/12).
2 - O prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário. (vigorou até à Lei 60-A/2005-30/12).
3 - Considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais. (vigorou até à Lei 60-A/2005-30/12).
4 - Em caso de documento ou sentença superveniente (…).
5 - Se os fundamentos da reclamação graciosa constarem de documento público ou sentença, o prazo (…).
6 - A reclamação graciosa é apresentada por escrito, podendo sê-lo oralmente em caso de manifesta simplicidade, caso em que será reduzida a termo nos serviços locais ou periféricos da administração tributária.
Artigo 73.º
Competência para a instauração e instrução do processo
1 - Salvo quando a lei estabeleça em sentido diferente, a reclamação graciosa será dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária e entregue ou efectuada oralmente no serviço periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, que procederá à instrução, quando necessária.
2 - O órgão periférico local instaurará o processo, instrui-lo-á com os elementos ao seu dispor em prazo não superior a 90 dias e elaborará proposta fundamentada de decisão.
3 - Não haverá instrução, caso a entidade referida no número anterior disponha de todos os elementos necessários para a decisão.
4 - Caso o valor do processo não exceda o quíntuplo da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância e a questão a resolver seja de manifesta simplicidade, o órgão periférico local decidirá de imediato após o fim da instrução, caso esta tenha tido lugar.
5 - Caso não se verifiquem as circunstâncias referidas no número anterior, o órgão periférico local remeterá de imediato a reclamação para o órgão competente para a decisão.
6 - O dirigente máximo do serviço poderá esclarecer genericamente os casos em que, em virtude da manifesta simplicidade da questão a resolver, o órgão periférico local deve resolver a reclamação. (Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho).
Artigo 75.º
Entidade competente para a decisão
1 - Salvo quando a lei estabeleça em sentido diferente, a entidade competente para a decisão da reclamação graciosa é, sem prejuízo do disposto nos nºs 4 e 6 do artigo 73.º, o dirigente do órgão periférico regional da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação ou, não havendo órgão periférico regional, o dirigente máximo do serviço.
2 - A competência referida no número anterior poderá ser delegada pelo dirigente máximo do serviço ou pelo dirigente do órgão periférico regional em outros funcionários qualificados ou nos dirigentes dos órgãos periféricos locais, cabendo neste último caso ao imediato inferior hierárquico destes a proposta de decisão.


Deste conjunto normativo infere-se, claramente, que a finalidade da reclamação é a anulação, total ou parcial, de actos tributários, despoletada pelo contribuinte, (constituindo um meio gracioso ou administrativo de impugnação desses actos), que pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial (assim ficando abrangida a pretensão anulatória com fundamento na inexistência de facto tributário, ainda que resultante da violação de normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais – cfr. art.70º nº 3) e que é caracterizada pela simplificação dos seus termos, pela dispensa de formalidades, pela rapidez da decisão e pela obrigação da sua remessa oficiosa ao órgão competente (independentemente de o erro cometido pelo interessado ser desculpável ou não, ou de o requerimento ter sido ou não subscrito por advogado), em harmonia, aliás, com o disposto no art. 61º da LGT.
A reclamação graciosa traduz-se, pois, essencialmente, num procedimento que tem por escopo a reapreciação de um acto tributário anteriormente praticado, no sentido de obter a sua anulação, e que se exerce mediante um requerimento, em regra escrito.
Assim, e apesar de ela dever ser dirigida (ressalvadas as hipóteses de a lei estabelecer em sentido diferente) ao órgão periférico regional da administração tributária e dever ser entregue no serviço periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, o certo é que qualquer erro cometido neste domínio é irrelevante para a caracterização do requerimento, pois que, face ao carácter indisponível das regras da competência, a lei impõe à administração o dever de conhecer oficiosamente (ou a requerimento do interessado), a questão da competência do órgão para a decisão da pretensão formulada, incumbindo-a do envio do procedimento para o órgão competente nos termos regulamentados pelo art. 61º da LGT.
Pelo que, nem a identificação do órgão a quem é dirigido o requerimento, nem o local ou serviço onde ele é entregue, podem constituir, por si, elementos denunciadores da natureza ou classificação do aludido documento ou, sequer, impedir ou entravar a sua qualificação como “reclamação graciosa”. Como acima já deixámos exposto, o que realmente reveste importância na aferição da natureza ou qualificação de determinado requerimento é o seu concreto conteúdo e finalidade, revelado pela conferência dos motivos aduzidos, pela forma como foram apresentados e pela pretensão formulada. E, assim, para que um articulado possa ser considerado como “reclamação graciosa” importa que o seu autor tenha deixado manifestado, de forma inequívoca (ainda que implícita), uma pretensão anulatória de determinado acto tributário, de modo a que a Administração possa adoptar a tramitação procedimental adequada e submetê-lo à decisão final do órgão competente.
Tal como referem Mário E. de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J.P. Amorim, em comentário ao Código de Procedimento Administrativo, Anotado”, a propósito dos requerimentos através dos quais se exerce o direito de impugnação administrativa dos actos administrativos «Basta que neles se ponha em causa a conveniência ou legalidade de um acto anterior e que essa arguição apareça directamente ligada a um interesse material na respectiva procedência jurídica – para serem considerados como tais, independentemente do modo como vê, expressamente figurados pelo requerente».

Por esta razão, não podemos sufragar o entendimento expresso na sentença recorrida de que, no caso vertente, não existiu uma “reclamação graciosa” em virtude de o requerimento ter sido entregue em órgão diverso do que o que o devia receber e instruir e de estar dirigido a órgão que não tinha competência para o decidir, o que teria impedido a abertura do adequado procedimento e a sua legal tramitação.
Visto que os requerimentos apresentados pelas partes devem ser interpretados segundo os princípios comuns à interpretação das leis e às declarações negociais, o que se tornava imprescindível saber era, antes, se nesse requerimento o peticionário deixava perceber, com suficiente clareza, uma pretensão anulatória (ainda que implícita) de um acto tributário de retenção de imposto na fonte, e se nele estavam enunciados, com perceptibilidade, os fundamentos de um tal pedido (pela indicação dos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado), de molde a que a Administração pudesse e devesse ter adoptado a tramitação procedimental adequada e submetido a decisão ao órgão competente para o efeito, sendo inócuo o facto de o requerimento estar endereçado ao Director do Serviço de Benefícios Fiscais, isto é, a entidade que não tinha competência para decidir reclamações contra actos de retenção de imposto na fonte e para determinar a sua anulação.
Por outro lado, caso o requerimento concretizasse nitidamente uma “reclamação graciosa”, a AT estava obrigada a abrir e a tramitar o procedimento apropriado, não podendo a violação de tal dever implicar, como parece resultar do entendimento vertido na sentença, a descaracterização do requerimento como reclamação. Com efeito, se a AT não cumpre o ónus de instauração do procedimento adequado e da sua remessa para o órgão competente para a decisão, optando por organizar procedimento diverso do adequado onde emite decisão em matéria estanha às suas atribuições e competências, tal implica apenas a nulidade relativa dessa decisão, cujo conhecimento depende de atempada arguição (em sede impugnatória) pela parte prejudicada, nos termos e prazos previstos na lei, sob pena de ficar sanada (cfr. arts. 135º e 136º do CPA).
Assim, no caso vertente, visto que o requerimento dirigido pela Impugnante ao Director do Serviço de Benefícios Fiscais deu origem a um procedimento na Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais - Proc. nº 3045/01, no qual foi proferida decisão pelo Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento - não pode afirmar-se que não houve abertura de procedimento. Este foi instaurado e deu lugar a uma decisão final. E a eventual circunstância de ter sido instruído e decidido por órgão que não dispõe de competência para apreciar e decidir reclamações sobre actos de retenção na fonte, não pode nem deve prejudicar a Impugnante, posto que esta abdicou de invocar a nulidade relativa proveniente da incompetência do órgão decisor.

Cumpre, pois, analisar o citado requerimento, onde a ora Recorrente alega, em suma, o seguinte:
· que subscreveu valores mobiliários representativos da dívida pública nacional emitidos ao abrigo da Portaria 125/98, que venceram juros de cupão no valor bruto de 142.113,58 € em 23/09/99;
· que sobre esses juros foi retido na fonte imposto à taxa de 20%, ou seja, no montante de 28.422,72 Euros (conforme doc. nº 1 que juntou);
· porém, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 1º do DL nº 88/94 de 2.04 de Abril, estão isentos de tributação em sede de IRC os rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida pública obtidos por entidades sem sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável no território nacional.
· sendo a requerente um fundo de investimento residente no Luxemburgo, sem estabelecimento estável em Portugal, os valores mobiliários que subscreveu estavam isentos de tributação em sede de IRC ao abrigo da aludida Portaria 125/98, assim como estavam isentos de tributação os respectivos juros de cupão, conforme disposto no art. 1º do DL nº 88/94.
Em face desta alegação, terminou com o seguinte pedido: «Termos em que vem respeitosamente requerer a V. Ex.ª se digne ordenar o reembolso do montante retido na fonte ao requerente correspondente aos juros de cupão dos valores mobiliários representativos da dívida pública nacional no valor de 28.422,72 Euros, ao abrigo da legislação citada».

Ora, pese embora em parte alguma desse requerimento conste a designação de “reclamação graciosa” (o que, como vimos, não impede a sua caracterização como tal face à dispensa de formalidades desse tipo de demanda), nem tenha sido feito um pedido expresso de “anulação” do acto de retenção na fonte do imposto cuja devolução é pedida (que pode, todavia, estar implícito naquele que foi formulado), o certo é que da sua leitura resulta à evidência que se solicitou o reembolso do imposto retido, no valor de 28.422,72 €, com base na ilegalidade da respectiva retenção face à isenção de tributação que invoca e que é a prevista nos diplomas ali citados.
Ou seja, o que a Requerente manifestamente advoga é que os valores mobiliários que subscreveu estavam isentos de tributação em sede de IRC ao abrigo da Portaria 125/98, assim como estavam isentos de tributação os respectivos juros de cupão ao abrigo do DL nº 88/94, sendo por isso indevida a retenção de imposto que lhe foi efectuada pela entidade pagadora desses juros, o que constitui a causa de pedir do pedido que formula, no sentido de ser reembolsada desse «montante retido na fonte ao requerente correspondente aos juros de cupão dos valores mobiliários representativos da dívida pública nacional no valor de 28.422,72 Euros, ao abrigo da legislação citada.».
Pretensão que, claramente, tem implícito um pedido de anulação do acto de retenção do imposto cujo reembolso é solicitado, pois que a pedida restituição pressupõe e implica, necessariamente, uma aniquilação do acto que reteve o imposto, ou seja, a sua anulação.
Não há, pois, qualquer dúvida de que os fundamentos alegados como causa de pedir controvertem a legalidade da retenção na fonte do imposto que incidiu sobre os juros, imposto que é o ali expressamente apontado, no montante de 28.422,72 €.
Em suma, o sentido do que a Requerente pede à AT o reembolso do imposto, que alega ter sido indevidamente retido, encontra-se expresso por forma suficientemente entendível à face dos termos verbais utilizados no requerimento, dos fundamentos que são alegados como causa de pedir e de relevância jurídica que o Requerente lhes atribui (e cujo acerto não há que relevar para o fim em análise, por já dizer respeito à apreciação do mérito da pretensão).

Não sufragamos, pois, o entendimento de que a Requerente pretendeu, antes, com o aludido requerimento, obter o reconhecimento pelo Director do Serviço de Benefícios Fiscais de um benefício fiscal, isto é, o reconhecimento da isenção de imposto para os rendimentos provenientes de valores mobiliários representativos da dívida pública, e que tal requerimento serviu para expor os fundamentos pertinentes ao deferimento dessa pretensão.
É que, não só em parte alguma desse requerimento é pedido o reconhecimento dessa isenção, como esse pedido não se encontra minimamente subentendido nos respectivos termos verbais, pois que, como vimos, a requerente se limita a controverter a legalidade de um acto anterior de retenção de IRC na fonte perante legislação que prevê uma isenção desse imposto, e não a reclamar, a posteriori, o reconhecimento de uma isenção para aquela situação.
Aliás, das próprias normas isentadoras do tributo a que a Requerente apela resulta que se trata de uma isenção automática, isto é, de uma isenção que resulta directa e imediatamente da lei (permitida pelo art. 4º do EBF), que se constitui com a mera «entrada dos valores mobiliários representativos da dívida pública no sistema de liquidação de operações a que se refere o artigo 4º, o respectivo registo nas contas das instituições depositárias e o cumprimento, por estas, do disposto no nº 2 do mesmo artigo, bem como com a sua transferência, na instituição depositária, de uma conta de entidades sujeitas a retenção na fonte para uma conta de entidades não sujeitas a retenção na fonte, sem prejuízo da liquidação do imposto que se mostre devido» - art. 2º nº 1 do DL nº 88/94, de 2 de Abril.
Não se tratando de uma isenção dependente de reconhecimento, já que o citado DL nº 88/94 não prevê qualquer acto de reconhecimento pela administração fiscal, inexiste qualquer procedimento para o efeito, cabendo ao órgão liquidador declará-la durante o procedimento da liquidação (no momento da aplicação das normas tributárias ao caso concreto) e constituindo o meio próprio para atacar qualquer ilegalidade aí cometida (designadamente por imponderação de uma isenção legal) a reclamação graciosa ou a impugnação judicial.
E esta circunstância de a isenção não depender de procedimento para o seu reconhecimento deve também ser tomada em conta na interpretação do requerimento, posto que, como vimos, tal tarefa interpretativa deve ser resolvida segundo o método hermenêutico que decorre dos princípios jurídicos comuns à interpretação das declarações negociais e à interpretação das leis, designadamente do estipulado no art. 236º do Código Civil, segundo o qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Em conclusão, o teor e sentido daquele requerimento, aliado ao facto de o declaratário (AT) saber que a isenção aí invocada decorria da lei e que não estava, por isso, dependente de procedimento para o seu reconhecimento, permitiam legitimamente concluir que ele tinha a natureza de uma reclamação graciosa deduzida contra o acto de retenção na fonte do imposto cujo reembolso era pedido.
Aliás, assim terá sido compreendido pelo órgão decisor – o Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento – que apreciou a invocada ilegalidade da retenção na fonte do imposto e conclui pelo indeferimento do pedido por considerar inverificado um dos requisitos que a lei estabelece para conceder essa isenção (argumentando, em suma, que os títulos originadores do rendimento não estariam, ao que parece, depositados numa conta de entidades não sujeitas a retenção, por erro não imputável ao sistema de liquidação), assim sustentando a validade da retenção, o que nitidamente configura um indeferimento de impugnação graciosa deduzida contra um acto de retenção com vista ao reembolso do imposto retido.
Assim, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não ocorreu falta de apresentação de reclamação graciosa, improcedendo a excepção relativa à ausência de requisito de procedibilidade da presente impugnação judicial.

Face ao provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, importaria conhecer do mérito da causa, em harmonia com o preceituado no art. 753º do CPC.
Contudo, não tendo a impugnação sido instruída com o procedimento administrativo onde foi proferido o acto impugnado (Proc. nº3045/01), não se dispondo, assim, do teor integral do despacho do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos sobre o Rendimento que indeferiu a reclamação apresentada contra a retenção na fonte de 28.422,72 € de imposto (veja-se que nos autos apenas consta o oficio que comunica o despacho à impugnante e onde se narram os motivos que terão levado a esse indeferimento), nem dos elementos documentais, informações ou pareceres que eventualmente o tenham precedido, torna-se impossível apreciar a legalidade do acto impugnado à luz dos vícios que a impugnante lhe imputa.
Temos em que se impõe determinar a baixa do processo ao tribunal “a quo” para conhecimento e decisão do mérito da causa, após recolha dos elementos necessários à fixação da matéria de facto pertinente à apreciação dos vícios invocados.
* * *
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a excepção da falta de requisito de procedibilidade da presente impugnação judicial e determinando a baixa do processo ao tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da causa (se outros motivos a tal não obstarem), com preliminar indagação e fixação da matéria de facto pertinente conforme supra referido.
Sem custas.
Porto, 28 de Setembro de 2006
Dulce Manuel Conceição Neto – relatora por vencimento
José Maria Fonseca Carvalho
Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - vencido