Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02001/07.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/28/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA
Sumário:Para que possa ocorrer extensão dos efeitos da sentença, o interessado deve apresentar, no prazo de um ano contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida, um requerimento dirigido à entidade administrativa que, nesse processo, tenha sido demandada (art.º 161º, nº 3, do CPTA de 2004).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte
Recorrido 1:Ministério da Agricultura
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença (Extensão dos Efeitos da Sentença)
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 27 de Junho de 2016, e que julgou procedente a excepção dilatória inominada relativa à caducidade do direito de requerer à entidade administrativa a extensão dos efeitos do acórdão proferido no processo n.º 2001/07.9BEPR, no âmbito da presente acção intentada contra o Ministério da Agricultura e onde era solicitado que se:

a) determine a produção dos efeitos da sentença mencionada em epígrafe na esfera jurídica dos RA requerentes, que se traduz

a.1. Na comunicação à Caixa Geral de Aposentações as correcções remuneratórias para eventual recálculo da pensão

a.2 no pagamento das diferenças remuneratórias, cujo valor individual é o constante dos doc. 13 a 15 , respectivamente, tudo importando em € 39.004,42, e

b) condene o requerido no pagamento dos juros vencidos calculados até 17 de Fevereiro como consta nos doc 13 a 15

c) condene o requerido no pagamento dos juros vincendos até ao total cumprimento da obrigação.

Em alegações o recorrente concluiu assim:

1. Não parecem restar dúvidas que a extensão de efeitos de sentença impõe previamente o trânsito em julgado da sentença extendenda, in casu recorrida, ao entender que o requerimento inicial deve ser efectuado quando o processo se torne irreversível para o requerido (administração). Ora,

2. A sentença recorrida ao permitir que o requerimento inicial seja efectuado sem a verificação do transito em julgado, viola de forma clara o disposto no nº 1 do art.º., 161º do CPA e,

3. De igual sorte viola o nº 2 do artigo 161º do CPA. Mas,

4. Tal decisão, ora impugnada, torna desconforme o regime criado pelo normativo citado, pelo que viola ainda o principio da igualdade, da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, situação já sobejamente reconhecida pela jurisprudência – (ver anotação nº 1 supra).

5. A sentença recorrida erra ainda na interpretação da norma – quando sistematicamente interpretada, na medida em que opta por solução de literalidade da mesma, acabando por impor solução contrária ao espírito da norma. Isto é,

6. A norma não pode ser interpretada no sentido de permitir a apresentação de requerimentos antes do trânsito em julgado das cinco sentenças, mormente da extendenda, sob pena de todo o procedimento vir a decair por não preenchimento de um dos pressupostos – sentenças transitadas. Ora,

7. A sentença recorrida erra assim ao permitir, ou ao admitir, como possível a apresentação de requerimento de início do procedimento antes mesmo do mesmo se poder iniciar – por não preenchimento dos respectivos pressupostos.

8. E, esta não foi de forma alguma a intenção do legislador, pelo que a literalidade perfeita não tem aqui cabimento.

9. Bastará para o efeito atender que se a administração entender recorrer não só não ocorre o trânsito, como pode mesmo em caso de procedência do recurso – inviabilizar um procedimento que se obrigou avançar.

10. Viola assim o princípio da legalidade a decisão recorrida ao apontar para situação /solução que a norma de todo não comporta

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1ª. A questão suscitada no presente recurso reconduz-se à interpretação da norma contida no n.º 3 do art. 161º do CPTA, na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.

2ª. O Tribunal a quo entendeu, e bem, que o dies a quo do prazo para a apresentação do requerimento de extensão extra judicial dos efeitos de sentença era o dia seguinte ao da notificação do acórdão estendendo – 26.07.2014 (cf. 2 dos factos provados e art. 248º CPC ex vi art. 25º CPTA).

3ª. Pelo que, atentos os factos provados (2 a 4), julgou não verificado o pressuposto processual previsto no n.º 3 do art. 161º do CPTA relativamente aos representados do A. ora R. pelo que absolveu o Demandado da instância.

4ª. Defende o Recorrente que – A norma não pode ser interpretada no sentido de permitir a apresentação de requerimentos antes do trânsito em julgado das cinco sentenças, mormente da estendenda, sob pena de todo o procedimento vir a decair por não preenchimento de um dos pressupostos – sentenças transitadas. (Cf. 6ª conclusão).

5ª. Ora, ao contrário, a sentença cujos efeitos se pretende ver estendidos deve transitar em julgado, como estabelece, sem dúvida, o nº 1 do artigo 161º CPTA.

6ª. A norma do artigo 161º CPTA 2003 impõe que a sentença estendenda esteja transitada (nº 1); que haja, no momento em que a extensão é requerida, cinco decisões transitadas no mesmo sentido (nº 2); e que o pedido de extensão não seja formulado para lá de um ano após a data da última notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida (nº 3).

7ª. A interpretação do n.º 3 do art. 161º do CPTA, acolhida na decisão recorrida, é conforme aos critérios objectivos constantes do n.º 3 do art. 9º do Código Civil – a presunção legal de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados: “… última notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida …”

8ª. Interpretação que sai reforçada, segundo nos parece, pelo facto de a alteração à redacção do art. 161º n.º 3 do CPTA, introduzida pelo DL 214-G/2015, respeitar à data do proferimento da sentença e não à do trânsito em julgado.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPT, pronunciou-se nos autos no sentido de ser confirmada a decisão recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se, ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao ter decidido que ocorre no caso em apreço a excepção inominada relativa à caducidade do direito de requerer à entidade requerida a extensão dos efeitos do acórdão proferido no processo n.º 2001/07.9BEPRT.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Noa decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1) Em 04/07/2014 foi proferido acórdão por este Tribunal, já transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 2001/07.9BEPRT, que julgou procedente a ação administrativa especial intentada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, em representação de alguns dos seus associados, contra o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e, em consequência, anulou o despacho n.º 12977/2007, de 18/06/2007, com fundamento nos vícios de falta de fundamentação e de preterição de audiência prévia (cfr. doc. de fls. 90 a 113 do suporte físico do processo).

2) As partes foram notificadas do acórdão referido no ponto anterior através de ofícios de 22/07/2014 (cfr. SITAF).

3) Em 30/07/2015 a associada do A. ASP apresentou um requerimento junto do R. no qual solicitou a extensão extrajudicial dos efeitos do acórdão referido no ponto 1), ao abrigo do disposto no art.º 161.º do CPTA

(cfr. docs. de fls. 21 a 24 e 339 do suporte físico do processo).

4) Em 22/09/2015 a associada do A. MCPMS apresentou um requerimento junto do R. no qual solicitou a extensão extrajudicial dos efeitos do acórdão referido no ponto 1), ao abrigo do disposto no art.º 161.º do CPTA (cfr. docs. de fls. 43 a 46 e 341 do suporte físico do processo).

5) Em 29/09/2015 a associada do A. MBNSMC apresentou um requerimento junto do R. no qual solicitou a extensão extrajudicial dos efeitos do acórdão referido no ponto 1), ao abrigo do disposto no art.º 161.º do CPTA (cfr. docs. de fls. 32 a 35 e 343 do suporte físico do processo).

6) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 17/02/2016 (cfr. email constante de doc. de fls. 3 do suporte físico do processo).

2.2 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
A questão essencial em análise no presente processo prende-se com a necessidade de saber se o prazo estabelecido no nº 3 do artigo 161º do CPTA, se conta a partir da notificação da decisão estendenda ou do seu trânsito em julgado.
A decisão recorrida refere:
Trata-se de um requisito de natureza processual do pedido de extensão de efeitos, cuja falta impossibilita a apreciação do respetivo mérito, nomeadamente quanto a saber se estão preenchidos os restantes elementos constitutivos materiais da pretensão, enunciados nos n.os 1 e 2 do art.º 161.º (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21/11/2013, proc. n.º 05438/09, publicado em www.dgsi.pt).

No caso concreto, extrai-se da factualidade provada que as partes no processo n.º 2001/07.9BEPRT foram notificadas do acórdão estendendo através de ofícios com data de 22/07/2014, terça-feira (cfr. ponto 2 dos factos provados). Tal significa que as partes se consideraram notificadas no dia 25/07/2014 (sexta-feira), por aplicação adaptada da regra prevista no art.º 248.º do CPC (ex vi art.º 25.º do CPTA, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro).

Ora, sendo o prazo de um ano para a apresentação do requerimento um prazo de caducidade e perentório, o mesmo conta-se nos termos do art.º 279.º do Código Civil, sem qualquer interrupção, e o seu decurso opera a extinção do direito de praticar o ato.

Assim, temos que a contagem daquele prazo se iniciou no dia 26/07/2014 (dia seguinte ao da notificação do acórdão estendendo), terminando no dia 26/07/2015. No entanto, por se tratar de um domingo, o seu termo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 27/07/2015, segunda-feira [cfr. art.º 279.º, alínea e), do Código Civil].

Sucede, porém, que os requerimentos para a extensão extrajudicial dos efeitos do acórdão em causa foram apresentados pelas associadas do A. nos dias 30/07/2015, 22/09/2015 e 29/09/2015 (cfr. pontos 3, 4 e 5 dos factos provados), já depois do termo do prazo legal de um ano concedido para esse efeito.

Por conseguinte, conclui-se que não foi cumprido o requisito de ordem processual legalmente exigido para que as associadas do A. possam ver apreciado o mérito da sua pretensão, o que, portanto, obsta ao conhecimento dos pedidos.

Diga-se, por fim, que não colhe o argumento do A. de que a contagem do prazo de um ano se efetua a partir do trânsito em julgado do acórdão de 04/07/2014, pois que uma tal interpretação se revela manifestamente contrária ao sentido e teor literal da norma constante do art.º 161.º, n.º 3, do CPTA.
A questão em apreço nos presentes autos já foi decidida recentemente por este Tribunal no Acórdão proferido no processo n.º 2001/07.9BEPRT-G, de 10 de Fevereiro de 2017, não havendo motivos para alterar a posição aí tomada.
O discurso fundamentador do Acórdão é o seguinte:
Como a sentença recorrida colocou em destaque «Dispõe o art.º 161.º, n.º 3, do CPTA (na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) que, “para o efeito do disposto no n.º 1 [extensão de efeitos de uma sentença], o interessado deve apresentar, no prazo de um ano contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida, um requerimento dirigido à entidade administrativa que, nesse processo, tenha sido demandada ”.
Por verificar não ter sido respeitado este prazo, tirou a conclusão a que chegou.
Tão só essa a razão da sentença.
Toda a impugnação trazida a recurso “arranca” de uma proposição que lhe é atribuída, a de se permitir, ou admitir, que o requerimento inicial seja efectuado sem a verificação do trânsito em julgado da sentença cujos efeitos se pretendem estender [o que será incongruente com o regime e espírito, em violação do art.º 161º, nºs 1 e 2 do CPTA, e atentatório da igualdade, segurança e confiança; subentendido, e mais explícito em corpo de alegações, o prazo de um ano terá de ter outro termo inicial de contagem, marcando-se esse início já com obtida certeza do trânsito em julgado da sentença que serve de farol à extensão].
Mas é uma ideia errada.
A afirmação contida na sentença não posterga que a sentença estendenda esteja transitada (art.º 161º, n° 1, CPTA), e que haja, no momento em que a extensão é requerida, cinco decisões transitadas no mesmo sentido (art.º 161º, n° 2, CPTA).
Não tem esse alcance, sequer necessariamente implícito.
Seguiu a letra da lei [“O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem” – Ac. do STA, de 29-11-2011, proc. nº 0701/10], que também não arreda o que mais exige.
A regra é de igual aplicação a todos os interessados, oferecendo segurança e sem abalo de confiança: prazo de um ano contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo.
A decisão recorrida nada cerceou, nem deste prazo nem do direito ao recurso de quem seja parte no processo.
O prazo tem um termo inicial, a partir do qual é contado o prazo de um ano.
Dentro desse prazo a faculdade de apresentação do requerimento inicial sempre se há-de conformar com a exigência de um trânsito em julgado, inclusive a do processo cuja extensão de efeitos se requer.
O recorrente esgrime como se a solução legal houvesse que necessariamente outorgar o prazo de um ano dentro do qual livremente, sem mais, já a contar do trânsito da sentença estendenda, pudesse apresentar o seu requerimento de extensão.
Mas não foi a que foi vertida na redacção da lei (a aqui em conta), de prazo contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo - que marca ou precede o trânsito, e que, como última, suposta que daí ele se atinge; não derrogando o direito de recurso da parte no processo, antes resultando o trânsito do que seja esse direito -, não habilitando afirmação de que “só não ocorre o trânsito, como pode mesmo em caso de procedência do recurso - inviabilizar um procedimento que se obrigou avançar”, e quando sequer decorre semelhante “obrigação”.
A sentença em nada infringiu o que se lhe aponta.
Não há motivos para alterar esta jurisprudência.
Na verdade refere o art.º 161.º, n.º 3, do CPTA (na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) que, “para o efeito do disposto no n.º 1, o interessado deve apresentar, no prazo de um ano contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo. Ou seja, o prazo a partir do qual o interessado terá de apresentar o seu requerimento à Administração conta-se a partir da última notificação da decisão de quem tenha sido parte no processo. O artigo em questão não refere que o prazo de um ano se conta a partir do trânsito em julgado, como refere o recorrente, mas sim da notificação da decisão. Outra questão, bem diferente, será a necessidade de ocorrerem cinco decisões transitadas em julgado, no mesmo sentido, para que possa ocorrer extensão dos efeitos de sentença. Mas este é um dos elementos constitutivos da pretensão da extensão dos efeitos da sentença, referida no n.º 2 do artigo 161º. No entanto, no caso em apreço está em causa o prazo a partir do qual se pode requerer essa extensão de efeitos e refere o n.º 3 que essa prazo de conta da data da última notificação.
Mesmo percorrendo os vários critérios hermenêuticos da interpretação jurídica, temos que chegar à mesma conclusão, uma vez que o elemento gramatical, correspondendo ao texto/letra da lei, um destes critérios, constitui, o ponto de partida da interpretação e o seu limite. O n.º 3 do artigo 161º refere que a apresentação do requerimento deve ter lugar no prazo de um ano contado da notificação da decisão e não do seu trânsito em julgado.
Assim sendo, tendo em atenção o referido no Acórdão transcrito, e não ocorrendo motivos para alterar o decidido, com a fundamentação aí referida, conclui-se no sentido de se confirmar a decisão recorrida.

3 – DECISÃO

Pelo exposto acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas
Notifique

Porto, 28 de Abril de 2017
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco