Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00275/11.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE; SERVIÇO REGIONAL DE SAÚDE
PAGAMENTO DE CUIDADOS DE SAÚDE
Sumário:I- As despesas resultantes dos cuidados de saúde das pessoas integradas no Sistema Regional de Saúde dos Açores são assumidas por este “subsistema” de saúde, que responde pelos encargos da prestação de cuidados de saúde prestados no serviço universal e geral da saúde em relação a cidadãos abrangidos na respectiva área de residência.
II- Estando o Hospital recorrido integrado no Serviço Regional de Saúde dos Açores é seu encargo o pagamento dos serviços de saúde prestados a beneficiários do respectivo Serviço Regional da sua área de influência e que remeteu para as unidades de saúde integradas no Serviço Nacional de Saúde.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE
Recorrido 1:Hospital DES de Ponta Delgada EPE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de fls. 679 e sgs , e que julgou improcedente a acção administrativa comum que intentou contra o Hospital DES de Ponta Delgada EPE, onde era solicitado que fosse condenada a Ré:

“… ao pagamento no valor de € 269 174,85 ( duzentos e sessenta e nove mil cento e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de capital, decorrente da falta de pagamento dos tratamentos de saúde litotrícia e respectivas taxas moderadoras;

Ao pagamento dos juros de mora que, contados à taxa legal anual de 10% desde 03/03/1998 até 16/04/1999, à taxa anual de 7% desde 17/04/1999 até 30/04/2003 e à taxa anula de 4% desde 01/05/20053 que perfazem na presenta data 9 de Junho de 2011 o valor de € 154 029,61 (cento e cinquenta e quatro mil e nove euros e sessenta e um cêntimos, bem como uros até efectivo e integral pagamento…”

Em alegações o recorrente concluiu assim:

1.ª – O Recorrente (A. - Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto, E.P.E.) celebrou com o Recorrido (R. – Hospital DES de Ponta Delgada, E.P.E.) um acordo no qual aquele se comprometia a receber e prestar cuidados de saúde específicos de Litotrícia (tratamentos de Litotrícia Extra-corporal por ondas de choque) aos doentes que lhe fossem, por este, transferidos.

2.ª - Os cuidados de saúde prestados pelo Recorrente aos utentes transferidos pelo Recorrido orçaram a quantia de € 269.174,85 (Duzentos e sessenta e nove mil, cento e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de capital, decorrente da falta de pagamento dos tratamentos de saúde litotrícia e respetivas taxas moderadoras,

3.º - Ao qual acrescem os montantes de € 154.029,61 (Cento e cinquenta e quatro mil e vinte e nove euros e sessenta e um cêntimos) relativos aos juros de mora, contados à taxa legal anual de 10%, desde 03/03/1998 até 16/04/1999, à taxa anual de 7% desde 17/04/1999 até 30/04/2003, e à taxa anual de 4% desde 01/05/2003 até 9 de Junho de 2011.

4.ª - Os doentes transferidos pelo Recorrido, Hospital DES de Ponta Delgada, E.P.E., que receberam tratamento de Litotrícia prestado pelo Recorrente, eram portadores de “Termo de Responsabilidade” que entregavam nos serviços do Recorrente;

5.ª – Nestes documentos o Recorrido assume a responsabilidade pelo pagamento do tratamento de litotrícia, bem como das respetivas taxas moderadoras.

6.ª - O Recorrido, ainda que citado nos termos e para os efeitos do plasmado no artigo 480.º do C.P.C., não apresentou contestação aos factos alegados pelo A., nem impugnou os documentos juntos, o que implica a confissão e aceitação dos mesmos. – n.º 1 do artigo 484.º do C.P.C..

7.ª - Nos termos da alínea c) do art. 23.º do Decreto-Lei n.º11/93, de 15 de Janeiro (Estatuto do Serviço Nacional de Saúde), além do Estado, respondem pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde prestados no quadro do SNS: “c) As entidades que estejam a tal obrigadas por força da lei ou de contrato;”.

7.ª – Neste sentido, prevê o n.º 2 da alínea b), da Base XXXIII da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto que: “Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar as seguintes receitas, a inscrever nos seus orçamentos próprios: (…) b) O pagamento de cuidados de saúde por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente, nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras;

8.ª - O tribunal a quo não poderia deixar de considerar o Recorrido (Hospital DES de Ponta Delgada, E.P.E.) um terceiro responsável, que, por força de acordo e dos termos de responsabilidade emitidos, deve ser responsabilizado pelo pagamento dos tratamentos prestados aos doentes que transferiu para Recorrente.

9.ª - O ponto 7 do ofício circular da Administração Central de Sistemas de Saúde (ACSS), de Maio de 2008, relativo à faturação dos Cuidados Prestados aos Beneficiários do Serviço Nacional de Saúde não Beneficiários de Subsistemas estabelece que “Os utentes da Região Autónoma da Madeira e e da Região Autónoma dos Açores devem ser facturados directamente àquelas Regiões de Saúde”.

10.ª - O Recorrente e o Recorrido são Entidades Públicas Empresariais que prestam cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde.

11.ª - O Recorrente foi criado pelo Decreto-Lei nº 50-A/2007, de 28 de Fevereiro, por fusão do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, E.P.E. com o Hospital Distrital de Chaves e o Hospital Distrital de Lamego.

12.ª - Os estatutos dos hospitais E.P.E., aprovados pelo n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, e constantes do anexo II, estabelecem no n.º 1 do art. 1.º, com a epígrafe “Natureza e duração” o seguinte: “1 – O hospital E.P.E. é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, e do artigo do anexo da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro.”.

13.ª - Por seu turno, o art. 25.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, com a epígrafe “Autonomia e capacidade jurídica” estabelece que: ”1 - As entidades públicas empresariais são dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não estando sujeitas às normas da contabilidade pública. 2 - A capacidade jurídica das entidades públicas empresariais abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu objecto.

14.ª - Também o anexo à Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que estatui o Regime jurídico da gestão hospitalar, prevê no n.º 1 do art. 2.º o seguinte: “ 1 – Os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir um das seguintes figuras jurídicas: a) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial; b) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial;

15.ª - O Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, dotada de personalidade jurídica, cuja capacidade jurídica abrange a universalidade dos direitos e obrigações necessárias à prossecução dos seus fins. (Cfr. n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 233/05, de 29 de Dezembro.)

16.ª - Detém o poder de praticar atos administrativos verticalmente definidos, insuscetíveis de censura por outros órgãos e só sindicáveis pelos tribunais administrativos; é detentor de capitais próprios e de uma massa de bens exclusivamente afetadas ao pagamento de dívidas da própria entidade.

17.ª - Destarte, o Recorrido tem o direito/dever de proceder à cobrança dos encargos suportados com os tratamentos de saúde prestados a utentes transferidos de outra entidade hospitalar, atendendo aos termos de responsabilidade, colocando o Recorrido na posição de “terceiro contratualmente responsável”.

18.ª - Ainda que o Recorrente e o Recorrido estejam integrados no SNS, os hospitais E.P.E.’s têm capitais próprios, podendo cobrar receitas pelos serviços prestados;

19.ª – Receitas estas a serem inscritas nos seus orçamentos próprios. (Cfr. alínea b), do n.º 2 da Base XXXIII da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).

20.ª - O Recorrente não se pode conformar com o entendimento perfilhado na sentença proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que, ao atribuir a responsabilidade pelo pagamento destes encargos ao Estado, através do Ministério da Saúde e da sua faturação à ACSS, está a olvidar a autonomia financeira de que o Recorrente e o Recorrido estão dotados, violando grosseiramente o estatuído nos citados diplomas legais.

21.ª - O Despacho Ministerial 4/89, do Ministério da Saúde de 13 de Janeiro de 1989, publicado no DR, II Série, de 1-3-1989, estatui o seguinte: “Por diversos despachos ministeriais foram definidas regras do regime de acesso a algumas prestações de saúde, que conduziam a que fossem responsabilizadas pelos respectivos encargos entidades diferentes daquelas que geravam despesas. Reconhece-se, no entanto, que este procedimento não se afigura como o mais correcto, pelo que se impõe a sua substituição por medidas que permitam, de uma maneira clara e rigorosa, imputar as responsabilidades financeiras aos estabelecimentos que lhes dão origem, na perspectiva de que quem requisita um serviço, define uma prescrição ou estabelece um programa terapêutico deve ser responsabilizado pela despesa que cria:
Nestes termos, determino o seguinte:
1) A responsabilidade pelos encargos decorrentes da prestação de cuidados de saúde aos utentes do SNS é imputada às entidades que procedam à respectiva requisição; (...)”

19.ª - Considerando o plasmado no presente despacho ora transcrito, uma vez que o mesmo define uma atribuição de responsabilidade pelo pagamento dos encargos gerados com a prestação de cuidados de saúde à entidade que os requisita, deverá ser o Recorrido responsável pelo pagamento dos valores peticionados.

20.ª - Nos termos do previsto do art. 458.º, do Código Civil com a epígrafe “Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida”, “1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer ima prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. 2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.”.

21.ª - A lei admite que, através de ato unilateral, se efetue o reconhecimento de uma dívida sem que devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental que lhe está subjacente.

22.ª - O Recorrente não precisa provar a causa da dívida, visto beneficiar da presunção decorrente da declaração feita. Ao Recorrido é que competirá provar que afinal não é devedor porque a dívida nunca teve causa ou essa causa já cessara.

23.ª - O Recorrente não se conforma com o facto de como o Tribunal a quo, na sentença por si proferida, afirma que “não vemos como é que o R. poderia ter-se obrigado a suportar encargo, apesar de assim o declarar”.

24.ª - Este entendimento é claramente desconforme com o estabelecido art. 458.º do Código Civil, revelando uma errada aplicação do direito aos factos alegados e provados.

23.ª - Os “termos de responsabilidade” juntos ao processo são documentos escritos idóneos a atestar a existência de um reconhecimento de dívida do Recorrido para com o Recorrente. Fazem presumir a existência da validade de uma relação fundamental.

24.ª - O Recorrido, nos citados termos de responsabilidade obrigou-se a suportar os encargos referentes aos tratamentos de litotrícia e respetivas taxas moderadoras, com todas as consequências legais daí advenientes e já expostas, pelo que, concluir que “não vemos como é que o R. poderia ter-se obrigado a suportar encargo, apesar de assim o declarar” não só enferma de um vício lógico de raciocínio como de uma errada aplicação do Direito.

24.ª - A sentença recorrida condenou o A. no pagamento das respetivas custas processuais.

25.ª - Ao abrigo do disposto no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, diploma que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 (por força do art. 26.º, na nova redacção que lhe foi atribuída pelo art. 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro - Lei do Orçamento de Estado) o A., aqui Recorrente, beneficia de isenção no pagamento de custas processuais na cobrança de dívidas em virtude dos cuidados de saúde prestados aos utentes, conforme já indicado na P.I.

26.ª - O Recorrente intentou a presente ação Administrativa Comum sob a Forma Ordinária no dia 13 de Julho de 2011, por isso, beneficia da aplicação dos diplomas legais supra referenciados e da consequente isenção no pagamento de custas processuais.

O recorrido contra-alegou mas não apresentou conclusões.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

— se ocorre erro de julgamento de direito, pelo Tribunal a quo por concluir que compete ao Autor a responsabilidade do pagamento dos cuidados de saúde que prestou a beneficiários do Serviço Regional de Saúde dos Açores.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Nos termos do artigo 662º do CPC, dá-se como provado a seguinte matéria factual:

1. O recorrente é uma Entidade Pública Empresarial que presta cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, tendo sido criada pelo DL nº 50-A/2007, de 28 de Fevereiro, por fusão do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, E.P.E. com o Hospital Distrital de Chaves e o Hospital Distrital de Lamego, tendo sucedido às unidades de saúde que lhe deram origem em todos os direitos e obrigações.

2. O recorrente Centro Hospitalar de Trás–os-Montes e Alto Douro efectuou os tratamentos referidos no artigo 4º da petição inicial a doentes transferidos pelo recorrido Hospital DES de Ponta Delgada EPE, com os montantes titulados nas facturas aí referidas e que aqui se dão como integralmente reproduzidas.

3. O recorrido emitiu os termos de responsabilidade referidos no artigo 6º da pi e que aqui se dão como integralmente reproduzidos;

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

A decisão recorrida vem sustentar que o pagamento pela prestação dos cuidados de saúde prestado pelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, a doentes integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores teria de ficar a cargo daquele Centro Hospitalar, dado que não vemos como é que o Hospital DES de Ponta Delgada, EPE, possa responder pelos encargos dos doentes que enviou ao Centro Hospitalar de Trás-os–Montes e Alto Douro, E.P.E, uma vez que ambos fazem parte do SNS.

O recorrente vem sustentar que os doentes transferidos pelo recorrido Hospital DES de Ponta Delgada EPE, que receberam tratamento de Litotrícia prestado pelo recorrente, eram portadores de Termos de Responsabilidade que entregavam nos serviços do recorrente. Apesar de estarem integrados no SNS os Hospitais EPE têm capitais próprios, podendo cobrar receitas pelos serviços prestados.

A entidade recorrida nas suas contra-alegações vem sustentar que o Termo de Responsabilidade invocado pelos recorrentes é inconstitucional e ilegal o que conduz à sua nulidade.

Como se vê da matéria de facto dada como provada o Recorrente realizou tratamentos a Litotrícia Extra-corporal por ondas de Choque a doentes integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores, desde 1997. Estes doentes por acordo das partes (a matéria de facto invocada pelo recorrente não foi contestada) eram remetidos pelo Hospital recorrido e eram portadores de um termo de responsabilidade, nos termos do qual aquela entidade assumia a responsabilidade pelo tratamento e pelas taxas moderadoras.

Apesar de estarmos perante doentes enviados pelo Hospital DES de Ponta Delgada EPE para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, ambos os Hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde, o que está em causa é sabermos de quem é a responsabilidade pelo pagamento dos tratamentos dos residentes integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores.

Esta mesma questão já foi objecto do Acórdão do STA, de 30-04-2015, proc. n.º 01295/14 onde se refere :

I - O Serviço Regional de Saúde, dotado de autonomia em relação ao Sistema Nacional de Saúde, constitui, para efeito do disposto na al. b), do nº 1, do artigo 23.º do DL nº 11/93 de 15/01 e al. b), do nº 2 da Base XXXIII da Lei de Bases de Saúde, um “subsistema” de saúde, no sentido de um sistema subsidiário, que responde pelos encargos da prestação de cuidados de saúde prestados no serviço universal e geral da saúde em relação a cidadãos abrangidos na respectiva área de residência.

II - Deste modo, pese embora todos os cidadãos portugueses do Sistema Nacional de Saúde serem beneficiários [cfr. nº 1 da Base XXV], a dotação anual do Orçamento do Estado a favor da Região Autónoma dos Açores, determina a sua responsabilidade financeira pelas despesas resultantes da prestação de cuidados de saúde a cidadãos integrados na sua área de influência, como sucede com os cidadãos com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores e que tenham beneficiado de cuidados prestados no território continental [este regime legal, da forma como o entendemos, mostra-se atualmente expressamente consagrado na Lei nº 66-B/2012 de 31/12 – Lei que aprovou o LOE para 2013, que, pese embora, não ter aplicação ao caso sub judice, mostra bem a intenção do legislador, subjacente na legislação ao tempo em vigor].”

Ver ainda no mesmo sentido Acórdão do STA proc. n.º 0255/15 de 4 de Novembro de 2015.

Também recentemente foi prolatado Acórdão deste Tribunal n.º 123/12.3BEPNF, de 04-12-2015, onde se refere:

Incumbe à Região Autónoma, através do respetivo Serviço Regional de Saúde, a responsabilidade financeira pelas despesas resultantes da prestação de cuidados de saúde a cidadãos integrados na sua área de influência, incluindo as despesas daqueles que beneficiaram de cuidados prestados por estabelecimento hospitalar integrado no Sistema Nacional de Saúde.

Pelos fundamentos que desenvolvidamente constam dos acórdãos citados – que subscrevemos na íntegra e que são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço e para os quais remetemos nos termos do disposto no artigo 663.º n.º 5 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA – assiste razão ao Recorrente, não podendo manter-se a decisão recorrida que assentou uma errada interpretação do regime legal.

O recorrente realizou tratamentos a Litotrícia Extra-corporal por ondas de Choque a doentes integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores, desde 1997. Estes doentes por acordo das partes eram remetidos pelo Hospital recorrido e eram portadores de um termo de responsabilidade, nos termos do qual aquela entidade assumia a responsabilidade pelo tratamento e pela taxas moderadoras.
Como se refere no Acórdão do STA proc. n.º 01295/14:
O Serviço Regional de Saúde, dotado de autonomia em relação ao Sistema Nacional de Saúde, constitui, para efeito do disposto na al. b), do nº 1, do artº 23º do DL nº 11/93 de 15/01 e al. b), do nº 2 da Base XXXIII da Lei de Bases de Saúde, um “subsistema” de saúde, no sentido de um sistema subsidiário, que responde pelos encargos da prestação de cuidados de saúde prestados no serviço universal e geral da saúde em relação a cidadãos abrangidos na respectiva área de residência.
Deste modo, pese embora todos os cidadãos portugueses do Sistema Nacional de Saúde serem beneficiários [cfr. nº 1 da Base XXV], a dotação anual do Orçamento do Estado a favor da Região Autónoma dos Açores, determina a sua responsabilidade financeira pelas despesas resultantes da prestação de cuidados de saúde a cidadãos integrados na sua área de influência, como sucede com os cidadãos com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores e que tenham beneficiado de cuidados prestados no território continental [este regime legal, da forma como o entendemos, mostra-se actualmente consagrado na Lei nº 66-B/2012 de 31/12 – Lei que aprovou o LOE para 2013, que, pese embora, não ter aplicação ao caso sub judice, mostra bem a intenção do legislador, subjacente na legislação a que temos vindo a fazer referência].

Esta conclusão a que se chega da repartição da responsabilidade do pagamento, consoante se trate de cidadãos residentes no continente ou com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores, traduzido no funcionamento articulado entre o SNS e o SRS, encontra ainda acolhimento na forma de financiamento dos hospitais do SNS que tem por base uma produção contratada apenas dos beneficiários do SNS, não sendo de considerar os cuidados prestados a cidadãos que recorrem aos cuidados médicos nos serviços de saúde existentes na Região Autónoma.
Ora, se incumbe à Região Autónoma, através do respectivo Serviço Regional de Saúde, a responsabilidade financeira pelas despesas resultantes da prestação de cuidados de saúde a cidadãos integrados na sua área de influência, incluindo as despesas daqueles que beneficiaram de cuidados prestados por estabelecimento hospitalar integrado no Sistema Nacional de Saúde, pela mesma ordem de razão caberá ao Hospital recorrido, integrado no serviço regional de saúde, o pagamento das despesas dos utentes que remeteu para o Hospital recorrente. É que as despesas resultantes dos cuidados de saúde das pessoas integradas no sistema regional de saúde dos Açores é assumido por este “subsistema” de saúde, que responde pelos encargos da prestação de cuidados de saúde prestados no serviço universal e geral da saúde em relação a cidadãos abrangidos na respectiva área de residência (Acórdão do STA proc. n.º 01295/14).
Esta questão é ainda reforçada pelo facto de a entidade recorrida ter emitido Termo de Responsabilidade, nos termos do qual vem assumir a responsabilidade pelo pagamento da Litotrícia e das taxas moderadoras.
Vem agora a recorrida sustentar, nas suas alegações de recurso, que esses termos de Responsabilidade são nulos por inconstitucionais e ilegais.
Não se vê porquê.
Aliás, basta a fundamentação inserta nos Acórdão do STA já referidos para se concluir que não ocorre a nulidade invocada.
Refere o recorrido que o termo de responsabilidade em causa viola os artigos 9º alínea c), 63º, 64º n.º 2, a) e n.º 3 da CRP.

O artigo 9º do CRP refere-se à promoção do bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade entre os portugueses, tarefas que compete ao Estado. Não se vê de que forma o termo de responsabilidade emitido pelo Recorrido viola estes princípios. Também não se vê que viole o direito que todos portugueses têm à protecção na saúde, através de um serviço de saúde universal, consagrado no artigo 64º da CRP. Não está em causa no presente processo o acesso de qualquer cidadão a cuidados de saúde. Está em causa um litígio entre organismos da Administração Pública no sentido de saber quem tem o encargo do pagamento da prestação de determinados cuidados médicos. São coisas diferentes. Não é pelo facto de o Hospital DES de Ponta Delgada, integrado no Serviço Regional de Saúde dos Açores (Decreto Legislativo Regional n.º 2/2007/A, de 24 de Janeiro) ter que proceder ao pagamento dos utentes que enviou para o Hospital recorrente que se coloca em causa o direito à protecção na Saúde de todos os portugueses. O termo de responsabilidade em causa não vai contra a Lei de Bases de Saúde pelo que também não é ilegal, nessa parte. Na verdade, como já referimos, é precisamente com base a Lei de Bases da Saúde que se conclui que a recorrente tem direito a ser reembolsada das despesas que efectuou com doentes remetidos pelo recorrido.
Aliás, a entidade recorrida auto-vinculou-se através de um termo de responsabilidade a proceder ao pagamento das despesas com doentes que remetia para o Hospital recorrente. Vir agora invocar a nulidade desses termos de responsabilidade não pode deixar de ser considerado como um venire contra factum proprium.
De referir ainda que o Hospital DES de Ponta Delgada EPE é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (artigo 5º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2007/A, de 24 de Janeiro). Constitui seu encargo, nos termos do artigo 14º do mesmo diploma legislativo regional, o pagamento de todos os actos relativos a doentes, praticados ou determinados por profissionais habilitados no âmbito da actividade de prestação de cuidados de saúde a cargo do hospital, designadamente os relativos a:

… d) Deslocação de doentes, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Serviço Regional de Saúde e demais legislação e regulamentação aplicáveis.

Ora, nos termos do referido no artigo 43º do Estatuto do Serviço Regional de Saúde:

1- Os doentes que apresentem situações clínicas que ultrapassem as possibilidades humanas e técnicas de diagnóstico ou tratamento existentes a nível da entidade prestadora de cuidados de saúde do concelho ou ilha de residência serão enviados para a unidade de saúde pública ou convencionada que disponha dos meios adequados para o tipo de cuidados a prestar, de acordo com o seguinte ordenamento de prioridades:

i) Unidades de saúde integradas no Serviço Nacional de Saúde;
Ou seja, de todo o exposto, não há dúvidas que é encargo do Hospital recorrido o pagamento dos serviços de saúde prestados a beneficiários do respectivo Serviço Regional de Saúde da sua área de influência, e que remeteu para as unidades de saúde integradas no Serviço Nacional de Saúde. Impõe-se assim a condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente as quantias peticionadas, e constantes da matéria de facto dada como provada, bem como dos juros peticionados.
Procede assim o recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida e condenada a entidade recorrida no pagamento da quantia peticionada, que não vem posta em crise.

3. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção procedente e, em consequência, condenar a Recorrida no pagamento ao Recorrente das quantias peticionadas, acrescidas de juros de mora nos termos peticionados.

Custas pelo recorrente
Notifique

Porto, 8 de Janeiro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Miguéis Garcia
Ass.: Esperança Mealha