Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00926/09.6BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 11/20/2014 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
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Descritores: | CONCURSO INTERNO CONDICIONADO; CONCURSO NULO; EXERCÍCIO DE FUNÇÕES POR MAIS DE DEZ ANOS ATÉ À PROPOSITURA DA ACÇÃO COM VISTA À DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONCURSO; EFEITOS PUTATIVOS; EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA; OBJECTO DO RECURSO JURISDICIONAL; PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA SEGURANÇA E DA CERTEZA JURÍDICAS; ARTIGOS 2º, Nº 3, E 12º DO DECRETO-LEI Nº 52/91, DE 25/01. |
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Sumário: | 1. É nulo um concurso interno condicionado, restrito a operadores de registo de dados do grupo de pessoal de informática do quadro de um município, com 3 vagas postas a concurso e apenas dois funcionários em condições de se candidatarem, face ao disposto nos artigos 2º, nº 3, e 12º do Decreto-Lei nº 52/91, de 25/01. 2. O artigo 2º, nº 3, do Decreto-Lei nº 52/91, de 25/01, não distingue na sua previsão os casos de quadros de dotação global ou dotação por categorias e não exclui da restrição que impõe os casos de dotação global, pelo que não pode o intérprete proceder a tal distinção. 3. A atribuição de efeitos putativos a acto declarado nulo corresponde, do ponto de vista processual, ao conhecimento de uma excepção peremptória, no caso impeditiva da declaração de nulidade do acto, pelo que pode – e deve – ser conhecida na decisão final. 4. Em todo o caso, tendo acórdão recorrido conhecido dessa questão e tendo sido atacado nessa parte, torna-se objecto do recurso jurisdicional e, como tal, imperioso o seu conhecimento. 5. No caso concreto: os contra-interessados exerceram as funções em que foram investidos na sequência do concurso nulo durante mais de dez anos até à propositura da acção; foi o município demandado, e não os seus funcionários, ora contra-interessados, quem promoveu o concurso; os contra-interessados concorreram porque, nos termos em que o concurso lhes foi apresentado, podiam – e tinham legítimo interesse – em concorrer; tinham habilitações e competências funcionais para o desempenho do cargo que efectivamente desempenharam durante esses anos; não lhes era exigível que conhecessem as regras imperativas dos concursos porque a sua especialidade não é a área jurídica, menos ainda a da preparação de concursos, mas a área informática. 6. A má-fé não se presume, como decorrência necessária de uma ilegalidade, pelo que, tendo em conta o circunstancialismo descrito, a situação concreta é exactamente aquela que tradicionalmente é tida em vista na salvaguarda dos efeitos putativos, a de funcionários ou agentes que são investidos por acto nulo e exercem as funções para que foram providos durante um extenso período de tempo. 7. É razoável, proporcional e de acordo com os princípios da boa-fé, da segurança e da certeza jurídicas que se salvaguardem no caso os efeitos putativos do concurso nulo, tendo em conta o tempo decorrido no exercício de funções em que os contra-interessados foram investidos.* *Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | Município de vagos e STAL |
Recorrido 1: | Ministério Público |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos. |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município de V... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 29.11.2013 que indeferiu a reclamação apresentada contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a acção movida pelo Ministério Público contra o Município ora demandado e em que foram indicados como contra-interessados dois funcionários do município, FJDC, e JCRL. Invocou para tanto, em síntese, que o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 134.º do Código de Procedimento Administrativo por não ter dado relevo à situação de facto dos contra-interessados que em nada contribuíram para a invalidade dos actos aqui impugnados e que viram goradas legítimas expectativas com a declaração de nulidade. O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, em representação de FJDC, e JCRL, também interpôs RECURSO JURISDICIONAL contra o referido acórdão invocando em síntese que esta decisão, ao declarar inválido porque nulo o acto contenciosamente impugnado, ignorou o específico regime das normas contidas do nº 3 do artigo 2º e 12º do DL nº 52/91, de 25/1, e, subsidiariamente, violou o artigo 134º, nº 3, do CPTA por não dar relevo ao facto de os seus representados já terem bem mais de uma década de ocupação, incontestada e pacífica, dos lugares em causa, decorrendo escorreitamente a boa-fé dos mesmos. O Ministério Público contra-alegou defendendo a improcedência dos recursos. * Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações do recurso apresentado pelo Município de V... que definem o objecto deste recurso jurisdicional:1. Perante os factos dados como provados pelo colectivo de juízes, e que já se encontravam assentes na sentença que foi objecto de reclamação jurisdicional, não se pode concluir que os contra-interessados estiveram envolvidos em todo o procedimento de formação dos actos impugnados e, por consequência, nos mesmos. 2. A abertura dos concursos foi determinada pela entidade demandada, e não pelos contra-interessados, em função do que terá sido informado pela área dos recursos humanos, que tinha a obrigação de conhecer, interpretar e aplicar a lei, designadamente, o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto–Lei n.º 52/91, de 25 de Janeiro, no seu exacto sentido e alcance. 3. Face ao tempo que já decorreu, de 22 e 18 anos, respectivamente, tendo em conta as datas em que foram proferidos os actos impugnados – 1992 e 1996 –, constitui uma injustiça gritante prejudicar quem não deu início aos mesmos, sobretudo quando a subordinação jurídica implica – tal como decorre do n.º 1 do artigo 3.º do CPA -, que os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos. 4. Os contra-interessados estavam integrados na carreira de operadores de registos de dados, do grupo de pessoal de informática, pelo que não sabiam, nem tinham que perceber, das normas aplicáveis aos concursos de pessoal, o que era da responsabilidade da área dos recursos humanos, e de quem nela exercia funções. 5. Perante tal circunstância, e a sua manifesta evidência, não seria necessário carrear para os autos – por iniciativa dos contra-interessados ou da entidade pública demandada –, elementos demonstrativos do que, de novo, se alega. 6. Apesar do princípio da legalidade e da existência de actos nulos, a boa-fé dos contra-interessados em todo o processo, pelo menos, até 14 de Dezembro de 2009 – data a partir da qual tomaram conhecimento e consciência da ilegalidade dos concursos de que foram opositores –, e após o decurso de 17 e 13 anos, respectivamente, carece de protecção da confiança. 7. A nulidade dos actos impugnados fundou-se na actuação da entidade pública demandada – foi ela quem ditou a abertura dos concursos internos condicionados –, e não na conduta dos contra-interessados, que se enquadrou no conteúdo do direito de acesso à função pública – ao concorrerem e, de seguida, aceitarem as nomeações subsequentes –, partindo do pressuposto de que aquela circunstância não se subordinou, no que então se decidiu, em actos contrários à lei e sancionados com a nulidade. 8. De facto, foi a entidade pública demandada que gerou a nulidade, de forma directa, ainda que o entendimento e consciência da ilegalidade dos concursos só tenha chegado ao seu conhecimento, após a citação para contestar a presente acção administrativa especial. 9. Tendo em conta que a nulidade dos actos impugnados não se funda na conduta dos contra-interessados, mas antes no procedimento adoptado pela entidade pública demandada, que infringiu o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto–Lei n.º 52/91, de 25 de Janeiro, ao determinar a abertura dos concursos internos condicionados. 10. Deste modo, não será lícito excluir a possibilidade do n.º 3 do artigo 134.º do CPA aproveitar aos contra-interessados, desde logo, por ser possível configurar nos autos uma situação de facto susceptível de ter gerado legítimas expectativas ou interesses atendíveis para os mesmos, desde 1992 e 1996, respectivamente, e integrar, assim, os pressupostos do regime previsto naquele normativo. Termos em que e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, tendo em conta o erro de julgamento que é atribuído ao acórdão do colectivo de juízes – que manteve a sentença e, por consequência, indeferiu a reclamação para a conferência que havia sido deduzida –, sendo causa da sua anulação, por não ter aplicado ao caso dos autos o disposto no n.º 3 do artigo 134.º do CPA. I.I. - São estas as conclusões das alegações do recurso apresentado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração que definem o objecto deste recurso jurisdicional: a) Da contestação e alegações por escrito deduzidas em representação dos seus associados, resulta de forma pacífica que o Recorrente em primeiro lugar pugnou pela legalidade do acto contenciosamente impugnado pelo Autor e, apenas subsidiariamente, invocou em defesa daqueles o regime do artigo 134º, nº 3, do CPA; b) Neste quadro o Recorrente esgrimiu, em primeira linha, o facto de os lugares dos seus associados no quadro de pessoal do Réu estarem previstos em regime de dotação global; c) Assim, a previsão dos lugares do quadro de pessoal do Município Réu, correspondentes à carreira dos sócios do Recorrente foi, efectuada em regime de dotação global ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 4 do DL nº 247/87, de 17/6; d) Se o regime genérico invocado pelo Autor aqui Recorrido, sobre a tipologia dos concursos de acesso, fosse aplicável aos concursos para lugares de acesso previstos em dotação global, esfumar-se-ia pura e simplesmente o instituto da dotação global; e) Porquanto a dotação global era uma medida de gestão de recursos humanos dos órgãos administrativos, no caso autárquicos, usada em relação a serviços que pela sua especificidade e estabilidade não requeriam grande dinâmica de alterações em termos de recursos humanos, em que os efectivos existentes eram suficientes em número restrito e por tempo considerável; f) Daí que a dotação global garantisse, a esse número restrito de trabalhadores, acederem ao topo da carreira o que não poderia acontecer se a dotação fosse por categorias; g) Veja-se o caso paradigmático dos tesoureiros pelas razões supra desenvolvidas, numa dotação por categorias do lugar de tesoureiro, sempre que se pretendesse abrir um concurso de acesso a autarquia colocava-se na iminência de ter de arcar com mais um efectivo para o mesmo serviço sem qualquer necessidade, abstendo-se de abrir concurso, o que implicaria que o efectivo existente jamais teria direito à progressão na carreira; h) Nestes termos, a previsão de carreiras em dotação global implica um regime específico de concurso de acesso que tem de, necessariamente, traduzir-se na não submissão às regras do nº 3, do artº 2º, do DL nº 52/91, não havendo consequentemente lugar à sanção do artº 12º do mesmo diploma; i) Pelo que o acórdão recorrido, ao declarar inválido porque nulo o acto contenciosamente impugnado, ignorou este específico regime, fazendo errada interpretação das normas do nº 3 do artigo 2º e 12º do DL nº 52/91, de 25/1; i) Ainda que tal não se entenda, o que não se concede, o acórdão recorrido não podia julgar irrelevante o facto alegado de que, os sócios do Recorrente, já tinham bem mais de uma década de ocupação, incontestada e pacífica, dos lugares em causa, decorrendo escorreitamente a boa-fé dos mesmos; j) Pelo que, subsidiariamente o acórdão recorrido violou o artigo 134º, nº 3, do CPTA. * II – Matéria de facto.A) Desde 9/9/1988 os contra-interessados eram operadores de registo de dados do quadro do Município de V..., tendo sido integrados em 1/10/1989 no escalão 1, índice 200 do NSR. B) No quadro de pessoal da CM de V..., publicado no DR II de 28/2/1991, a carreira de operador de registo de dados do grupo de pessoal de informática, vertical, passou a ter dotação global, com 3 lugares, sendo 2 preenchidos e 1 vago, sendo restringida a duas vagas preenchidas pelo quadro publicado no DR II de 23/12/1991, o que se manteve no quadro de pessoal da mesma CM publicado no DR II de 22/9/1992, com a rectificação de 27/10/1992, bem como no publicado no DR II de 28/5/1996. C) No quadro de pessoal da CM de V... publicado no DR II de 23/12/1991, o lugar vago acresceu à dotação das carreiras de oficial administrativo, em cumprimento do disposto nos art.ºs 18.º n.º 2 e 16.º, n.ºs 1 b) e 2 do DL 23/91 de 11/1. D) Foram publicitados no DR, III Série, de 30/10/1991 dois concursos internos condicionados de acesso para provimento, cada um deles, de uma vaga de operador de registo de dados principal do quadro da referida CM. E) Decorria do respectivo Aviso que a um só podia concorrer o Contra-interessado FJ e a outro o Contra-interessado JC, o que estes fizeram, tendo sido classificados. F) As respectivas listas de classificação final foram homologadas pela deliberação da Câmara Municipal de V... de 27/2/1992 – cfr. doc. n.º 1 anexo à PI e constante do PA. G) As respectivas nomeações como operadores de registo de dados principal do quadro do município foram efectuadas por despachos de 16/4/1992 do Presidente da Câmara Municipal de V..., com publicação no DR III de 6/5/1992 e posse nesse mesmo dia – cfr. doc. n.º 1 anexo à PI e constante do PA. H) Por despacho de 15/2/1996, com ordem de serviço desse mesmo dia, foi ordenada a abertura de concurso interno condicionado para 2 lugares de monitor da referida carreira de operador de registo de dados, carreira vertical com dotação global, e com duas vagas preenchidas, ao qual foram admitidos os contra-interessados, únicos concorrentes. I) Neste seguimento, os Contra-Interessados foram classificados, sendo as listas de classificação final homologadas pela deliberação da Câmara Municipal de V... de 11/6/1996, e as nomeações, como monitores do aludido quadro, efectuadas pelo despacho do Presidente da Câmara Municipal de V... de 21/6/1996, com publicação no DR III de 10/7/1996 e posse nessa mesma data. J) A presente acção foi proposta em 14/12/09. III - Enquadramento jurídico. 1. A legalidade dos actos administrativos impugnados. Determina o art.º 2º nº 3 do DL nº 52/91, de 25/01: “Só pode haver lugar à realização de concursos internos condicionados, nos termos da alínea b) do nº 3 do art.º 67º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30/12, quando, nas entidades a que respeitem, existirem funcionários em condições de se candidatarem em número superior ao das vagas existentes na categoria para que é aberto o concurso.” Este preceito não distingue na sua previsão os casos de quadros de dotação global ou dotação por categorias e não exclui da restrição que impõe os casos de dotação global. Ora onde o legislador não distingue não pode o intérprete distinguir. O preceito sempre terá aplicação nos municípios de maior dimensão quando existam mais candidatos do que vagas. Só nessa hipótese se podem realizar concursos internos condicionados. Isto sendo certo que no âmbito das carreiras com dotação global, não impende sobre a Administração a obrigação de abrir concursos de promoção mesmo que haja vagas a preencher e funcionários em condições de serem promovidos, como resulta do disposto no n.º3 do art.º 16º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16.10 (neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.01.2006, processo 00467/03). Preceitua, por seu turno, o art.º 12º o DL nº 52/91, de 25.01, que “se consideram nulos os concursos que não obedeçam ao disposto no nº 3 do art.º 2º…” No caso em apreciação nos autos e de acordo com a matéria dada como provada, o concurso em apreciação é nulo, por força dos referidos dispositivos legais. Consigna-se que o art. 2º nº 3 do DL nº 52/91, de 25/01 contém um lapso de escrita. Onde se remete para o art. 67º nº 3 alª b) do DL nº 498/88, de 30/12, só pode estar a remeter-se para o art. 6º nº 3 alª b) deste último diploma legal, já que o último artigo deste DL é o art. 50º, inexistindo o art.º 67º e só a remissão para aqueloutro artigo faz sentido. De harmonia com o disposto no art. 6º nº 3 alª b) do DL nº 498/88, de 30/12, “o concurso considera-se interno condicionado, quando, por decisão da entidade competente para promover a abertura de concursos de acesso, estes forem circunscritos a funcionários do serviço ou organismo para o qual é aberto…”. O concurso em causa, no caso concreto, classifica-se como interno condicionado, porque circunscrito a operadores de registo de dados do grupo de pessoal de informática do quadro do Município de V.... Tal concurso porque aberto com três lugares, número superior ao número de funcionários em condições de se candidatarem, violou o disposto no art. 2º nº 3 do DL nº 52/91, de 25.01, violação sancionada com nulidade do concurso, por força do disposto no art. 12º do mesmo Decreto-Lei. 2. A propriedade do meio processual; o objecto do recurso jurisdicional. Foi suscitada a questão da propriedade do meio processual utilizado para apreciação dos efeitos putativos a atribuir à situação de facto criada com os concursos agora declarados nulos. A questão, enquanto questão adjectiva, encontra-se ultrapassada, dado o disposto no artigo 87º, n.º2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.” Em todo o caso, inclinamo-nos para considerar processualmente possível o conhecimento desta questão em termos substantivos, enquanto excepção peremptória, ou seja, como facto impeditivo da declaração de nulidade de tais concursos peticionada nesta acção. Um facto que impede o efeito jurídico pretendido pelo autor, a declaração de nulidade sem mais, sem salvaguardar os efeitos putativos da situação de facto criada e que conduz à improcedência da acção – artigo 493.º, n.º3, do Código de Processo Civil de 1995 (actual artigo 576º nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto nos artigos 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Certamente nesse pressuposto foi a questão conhecida e decidida, em termos substantivos, pelo acórdão recorrido, apesar de não ter sido conhecida, por impropriedade do meio processual, na sentença. Como o objecto do recurso é o acórdão que decidiu a reclamação e não a sentença e a questão foi suscitada, cumpre em todo o caso conhecer essa questão. Isto sendo certo que o caso julgado que abrange os pressupostos imediatos, de facto e de Direito, da decisão (neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2011, no processo n.º 0419/11; do Tribunal Central Administrativo Norte de 05.07.2012, processo 00437/11.6 BEAVR). A declaração de nulidade, afastando expressamente a possibilidade de salvaguardar os efeitos putativos da situação de facto, contida no acórdão recorrido, faria caso julgado caso não fosse agora apreciada em sede de recurso jurisdicional. Apesar de neste recurso ter sido atacado o acórdão precisamente nesse ponto. Impõe-se, face a esta definição do objecto do recurso – que entendemos adequada – conhecer da questão da atribuição de efeitos putativos à situação de facto criada com a abertura de concursos e o provimento dos interessados. 3. A possibilidade de aplicação do art.º 134º nº 3 do Código de Procedimento Administrativo à situação dos presentes autos; os efeitos putativos de acto nulo. Estabelece o art.º 134º nº 3 do Código de Procedimento Administrativo que a nulidade do acto administrativo, que, no caso concreto, é o concurso aludido na matéria factual, não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. O regime dos efeitos putativos apenas admite a atribuição de efeitos jurídicos por força do decurso do tempo. Reproduzindo o sustentado no ponto III do Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.01.2003, processo nº 01316/02: “Os denominados efeitos putativos atribuídos a situações de facto decorrentes de actos nulos, previstos no nº 3 do art. 134º do CPA, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que directa, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do acto à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público.” Entendimento que sufragamos, porque, no caso concreto, a situação é exactamente aquela que tradicionalmente é tida em vista na salvaguarda dos efeitos putativos, a de funcionários ou agentes que são investidos por acto nulo e exercem as funções para que foram providos durante muito mais de dez anos. No caso dos contra-interessados é razoável que se atribua efeitos putativos ao concurso nulo tendo em conta o tempo decorrido no exercício de funções em que os contra-interessados foram investidos, já que não foram eles a dar origem ao concurso, mas sim o Município de V.... Não se verifica, por outro lado, ao contrário do decidido, uma situação de má-fé por parte dos funcionários envolvidos. A má-fé não se presume, como decorrência necessária de uma ilegalidade. Não foram os Contra-Interessados que promoveram o concurso. Concorreram porque, nos termos em que o concurso lhes foi apresentado, podiam – e tinham legítimo interesse – em concorrer. Tinham habilitações e competências funcionais para o desempenho do cargo que efectivamente desempenharam durante todos estes anos. Não lhes era exigível que conhecessem as regras imperativas dos concursos porque a sua especialidade não é a área jurídica, menos ainda a da preparação de concursos, mas a área informática. Não é razoável e mostra-se até desproporcionado, depois de mais de uma dezena de anos a desempenhar os cargos, declarar pura e simplesmente a nulidade dos actos de nomeação, incluindo os seus efeitos remuneratórios relativamente de todos esses anos. Concluindo, no caso concreto a atribuição desses efeitos putativos é conforme aos princípios gerais de direito, concretamente aos princípios da boa-fé, da segurança e da certeza jurídicas e da protecção da confiança. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.01.2009, no processo 0962/08, de 08.01.2009, citando Marcelo Rebelo de Sousa: "A verdade é que também há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade de relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do sum quique tribuere, da igualdade, do não locupletamento e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação do princípio da legalidade e da “absolutidade”. E, finalmente, chamando aqui à colação os fundamentos constantes do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/07/2014, no processo nº 01561/13: “(…) XXIV. Assim, importa ter presente, desde logo, que o princípio da boa fé encontra-se claramente positivado na nossa ordem jurídica mercê da sua consagração nos arts. 266.º da CRP e 06.º-A do CPA [mercê das alterações introduzidas neste Código pelo DL n.º 6/96, de 31.01]. (…) XXXIII. Temos, por outro lado, que a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito, já que o princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica. (…) XXXVII. Daí que a realização e efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos. XXXVIII. É, assim, que o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica XXXIX. Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam. XL. A propósito da “segurança jurídica” e da “proteção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. A segurança e a proteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” [in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257].” A considerarem-se como preenchidos em concreto os requisitos/pressupostos integradores da violação dos princípios invocados pelos recorrentes, em especial, os atrás enunciados quanto ao princípio da tutela/protecção da confiança, é admissível preservar ou manter na ordem jurídica um acto administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, impedindo que o mesmo, assim, seja julgado e declarado em processo judicial deduzido com tal objectivo. E não há quaisquer expectativas de terceiros susceptíveis de serem prejudicados e dignos de tutela quanto à declaração de nulidade dos concursos em apreço e à preterição dos efeitos putativos à situação de facto criada. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que revogam a decisão recorrida e julgam a acção improcedente, por verificada a excepção peremptória da atribuição de efeitos putativos à nulidade declarada.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público – art. 4º nº 1 alª a) do Regulamento das Custas Processuais. * Ass.: Rogério Martins Ass.: Maria do Céu Neves Ass.: Helena Ribeiro |