Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00430/12.5BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 05/26/2017 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | João Beato Oliveira Sousa |
| Descritores: | JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. QUESTÃO PREJUDICIAL. |
| Sumário: | 1. Os tribunais administrativos, nos termos do artigo 4º/1/g) do ETAF, são competentes para conhecer de todas as questões de responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou de direito privado, pois esta norma deixou de fazer alusão aos “actos de gestão pública”. E, portanto, são pertinentes à jurisdição administrativa os pedidos de condenação da Ré, Junta de Freguesia, à reparação dos danos resultantes de obras levadas a cabo pela CI no terreno que os Autores alegam fazer parte do prédio descrito na petição inicial e que “está registado a favor dos aqui Autores, que são seus proprietários”, dizendo ainda que “Não pode a JFA arrogar-se de ser proprietária de um prédio que está registado a favor dos aqui Autores”. 2. Mas em termos práticos a sorte da acção está dependente de um pressuposto essencial, sobre o qual versa o litígio, que consiste em o terreno em causa se integrar no prédio dos Autores e não no baldio administrado pela Ré e, sendo tal questão autonomizada, é da competência da jurisdição comum. Entende-se assim que no caso a acção depende da decisão prévia da questão prejudicial sobre a propriedade do terreno em causa, que é da competência dos tribunais judiciais, justificando-se portanto o TAF sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, em eventual acção a ser proposta no prazo de dois meses, sem o que prosseguirá o presente processo, sendo a questão prejudicial decidida com efeitos a ele restritos – cf artigo 15º CPTA.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
| Recorrente: | MCF e Outro(s)... |
| Recorrido 1: | Junta de Freguesia de Arcozelo |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO Os Autores alegam, em suma, que em 03 de Dezembro de 2011 a Ré Junta de Freguesia de Arcozelo notificou o Autor MCF, enquanto cabeça de casal das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MCPC e JCF, para que procedesse à desocupação de terreno, que pertence ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, sob o n.º 2503/20…17, da freguesia de Arcozelo, situado em Canos, inscrito na matriz urbana sob o n.º24…-P, do qual são proprietários e quem suporta os respectivos impostos municipais. Alegam ainda que não pode a Junta de Freguesia de Arcozelo arrogar-se proprietária de um prédio que está registado a favor dos Autores. Na visão dos autores o acto que determina a desocupação de terreno é nulo e ilegal. Terminam os Autores pedindo, para além do mais: que seja declarado nulo, anulado ou inexistente o acto administrativo impugnado; seja declarado nulo o respectivo procedimento administrativo. Contestando, o Réu invocou a incompetência material deste Tribunal para dirimir a presente questão, e também a inexistência de acto administrativo, defendendo-se no demais por impugnação. No despacho saneador, a Mª Juiz proferiu a seguinte decisão «A) Declaro a incompetência deste Tribunal em razão da matéria para se pronunciar sobre os pedidos formulados pelos Autores: B) Absolvo o Réu, da instância quanto aos pedidos acima mencionados, formulados pelos Autores.» * Em alegações os Autores formularam as seguintes conclusões:* a) O presente recurso vem interposto da decisão que considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga incompetente para conhecer da presente acção.
b) Os autores não concordam com tal decisão uma vez que consideram que a matéria que apresentaram para decisão judicial é eminentemente do foro administrativo e deve ser decidida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. c) Em suma, são as seguintes as considerações essenciais do Tribunal para determinar a sua incompetência em razão da matéria: 1. A fls. 7 da sentença é dito que: “…constatamos que os Autores não invocam a existência de qualquer relação jurídico - administrativa”. 2. A fls. 8 da sentença é referido que: “Ora, a questão que está subjacente aos pedidos dos Autores prende-se exclusivamente com o direito de propriedade sobre o terreno em causa, pelo que só em sede de direito privado tem solução”. 3. “Os pedidos formulados pelos Autores, dado tratar-se de questões de direito privado – relativas ao direito de propriedade e alegada violação desse direito….., estão em consequência arredados da jurisdição administrativa.” 4. Já no penúltimo parágrafo de fls. 8: “…saber qual é o conteúdo concreto do direito de propriedade dos Autores em contraposição ao direito de propriedade da Freguesia é uma questão de natureza privada...” 5. “É que apesar de estarmos na presença de uma alegada actuação da Ré, a verdade é que a mesma não se desenvolve dentro do ius imperium próprio daquelas entidades”. d) Em nenhum momento, os Autores colocam ao Tribunal uma questão relacionada com o direito de propriedade! e) Se atentarmos nos pedidos apresentados pelos autores resulta evidente que não é feito qualquer pedido relacionado com uma discussão em torno do direito de propriedade. f) Os Autores expressamente pedem que seja declarado nulo, anulado ou inexistente um acto administrativo. (sublinhado nosso). g) Quem coloca a questão em termos de propriedade do terreno é a JFA. h) O Tribunal nem sequer se pronuncia sobre a eventual classificação do acto cuja legalidade é posta em causa pelos Autores. i) Não é possível afirmar que não está em causa uma relação jurídico-administrativa, mais a mais perante a carta da JFA uma vez que estamos perante um acto praticado por uma Junta de Freguesia, no âmbito dos seus poderes públicos e, neste caso, dirigido a particulares (cfr. a carta de “intimação” da JFA que aqui se tem por reproduzida) tratando-se, também por isso, de um acto administrativo. j) Repare-se que os Autores têm o terreno registado a seu favor, e nada mais estão a fazer do que defender os seus interesses contra a JFA. k) O Tribunal nem sequer se debruça sobre o acto administrativo, sobre a sua qualidade ou classificação, para que, depois, possa afirmar não se estar perante um acto administrativo. l) O Tribunal, erradamente, constata que os “pedidos dos Autores prende-se, exclusivamente, com o direito de propriedade….” (1.º parágrafo de fls. 8). m) Em consequência, e por tudo o exposto, a sentença violou o disposto no artigo 212.º da C.R.P., no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 4.º do E.T.A.F., uma vez que fez errada interpretação de tais normas, concluindo que a matéria em discussão e levada aos autos pelos AA. é da competência dos Tribunais de jurisdição privada, assim considerando incompetente a jurisdição administrativa. n) A sentença deverá ser substituída por outra que, considerando competente o T.A.F. de Braga, aprecie os pedidos formulados pelos Autores. Termos em que, julgando-se o recurso totalmente procedente e revogando-se a douta Sentença recorrida, se fará a habitual e inteira JUSTIÇA! * Em contra-alegação a Recorrida formulou as seguintes conclusões:* I. O douto despacho saneador recorrido, enquanto decisão da Mmª. Juíza Relatora sobre o mérito da causa proferida ao abrigo dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, deveria ter sido impugnada mediante reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 daquele preceito, e não através de recurso, meio inadmissível no caso. – art. 27º/2 do CPTA e Ac. AUJ do STA n.º 3/2012, P. 420/12.
II. A convolação oficiosa também não é possível na situação dos autos, por absoluta extemporaneidade, porquanto na data da interposição deste recurso já se encontrava esgotado o prazo de 10 dias previsto pelo art. 29º, n.º 1 do CPTA para a apresentação da referida reclamação. III. A presente lide e os pedidos formulados pelos recorrentes reconduzem-se a uma pura questão de propriedade, a qual, tendo a ver com a qualificação do prédio como baldio ou como prédio propriedade dos mesmos, com o reconhecimento do respectivo direito e com a consequente restituição daquele, tem assento no direito privado. IV. A competência para a qualificação do prédio como baldio ou não, para a declaração de nulidade dos actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento e para ordenar a sua restituição aos seus legítimos proprietários é atribuída por lei aos Tribunais Judiciais ou Tribunais da jurisdição comum. – arts. 1311º do CC e 4º e 32º da Lei 68/93, de 4/9. V. A Junta de Freguesia actuou, no caso sub judice, despida da veste de autoridade pública, despida de jus imperium, com vista à realização de um interesse que não é público, visto que o domínio sobre a parcela de terreno que aqui está em causa é uma questão de propriedade privada ou de propriedade comunitária e não uma questão de “propriedade pública” ou de dominialidade pública. VI. Não existindo qualquer relação jurídica administrativa, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga é incompetente para a apreciação da presente lide (art. 212º/3 da CRP, 66º do CPC e 4º/1,2 e 3 do ETAF). VII. O alegado acto administrativo que os recorrentes impugnam não existe. VIII. A Junta de Freguesia de Arcozelo enviou uma carta aos AA, ora recorrentes, destituída de qualquer poder de autoridade, agindo, apenas, como legal representante do universo de compartes, proprietários da parcela de terreno supra referida. - ver artigo 11.º/1 da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro. IX. A recorrida limitou-se a fazer o que qualquer proprietário (ou seu representante) diligente faria numa situação como esta, isto é, avisar, interpelar ou intimar os destinatários da carta que remeteu e que os recorrentes juntaram aos autos, e que se traduziu num mero aviso ou intimação. X. Não se pode pedir a nulidade, anulabilidade ou inexistência de algo que não existe na ordem jurídica e que, consequentemente, não produz efeitos externos na esfera jurídica de qualquer pretenso destinatário, nomeadamente dos recorridos. XI. Resulta expressamente do art. 114º/3/h) do CPTA que o Autor deve fazer prova do acto cuja nulidade, anulabilidade, inexistência se pretende, o que não sucedeu no caso, uma vez que, tal como já se referiu, nunca existiu qualquer relação jurídica administrativa entre as partes. XII. O Tribunal recorrido não só não tinha qualquer obrigação de apreciar a questão da qualificação do pretenso acto impugnado acto administrativo (já que, de acordo com o disposto no art. 95º/1 do CPTA, sempre teria de considerar-se que a questão da qualificação do acto impugnado resultaria prejudicada pela declaração de incompetência do Tribunal Administrativo recorrido), como se encontrava mesmo impedido de conhecer do mérito da causa, pois segundo preceitua o art. 493º/2 do CPC, aplicável por força da remissão do art. 1º do CPTA, “As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.”. XIII. Não foram violadas as disposições dos arts. 212º/3 da CRP e 1º/1 e 4º do ETAF, tendo o Tribunal recorrido feito a correcta aplicação do direito, não merecendo qualquer censura o douto despacho saneador de fls.., devendo o mesmo manter-se na íntegra. PEDIDO: TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS.: 1. DEVE SER O PRESENTE RECURSO REJEITADO, POR MANIFESTA INADEQUAÇÃO DO MEIO UTILIZADO (ART. 27º/2 DO CPTA) E POR IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO OFICIOSA PARA A FORMA ADEQUADA, POR EXTEMPORANEIDADE (ART. 29º/1 CPTA). 2. QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE PROCEDER-SE À RESPECTIVA CONVOLAÇÃO OFICIOSA EM RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA (ART. 27º/2 DO CPTA); 3. SEM PRESCINDIR, SE VIER O RECURSO INTERPOSTO PELOS RECORRENTES MCF E OUTROS A SER APRECIADO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO MESMO * * O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu douto parecer no sentido de que estamos perante “uma questão prejudicial – a de decidir de quem é o terreno em causa. Ou seja, o direito de acção depende da decisão de tal questão, que é a competência do tribunal judicial, pertencente a outra jurisdição, isto é, perante uma situação de prejudicialidade ou dependência que resulta de se discutir numa outra causa, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão a proferir na presente acção administrativa, podendo o juiz administrativo sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie (vide art. 15º do CPTA)” e, com este fundamento, manifestou o parecer que deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional.* FACTOSConsta da decisão recorrida que importam para a decisão os seguintes factos: 1. Com data de 30/11/2011, o Presidente da Junta de Freguesia da Vila de Arcozelo, com a referência 592/2011 e Assunto: DESOCUPAÇÂO DE TERRENO, dirigiu ao Autor MCF ofício, do seguinte teor: 2. Os Autores figuram como sujeitos activos da inscrição AP. 17 de 20…8/09/17 da Conservatória de Registo Predial de Ponte de Lima referente ao Prédio Urbano, situado em Canos, com a área total de 1947m2, sendo 11m2 de área coberta e 1936m2 de área descoberta, inscrito na matriz n.º 2402-P da Natureza Urbana, com a composição: ARMAZÉM DESTINADO A ACTIVIDADE INDUSTRIAL, COM LOGRADOURO, a confrontar a norte e nascente com rego de água bravas, a sul com caminho público e a poente com JM Fernandes, conforme Certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial em 2012/02/01, cujo teor se reproduz na íntegra (Cfr. Doc. 2 junto com o Requerimento Inicial (RI) da Providência Cautelar apensa a estes autos) * DIREITOQuestão prévia Em contra alegação a Recorrida suscitou a questão prévia da extemporaneidade do recurso, por se ter esgotado o prazo da reclamação para a conferência que, na sua tese, seria o único meio admissível de reacção contra a decisão a quo, considerando o disposto no artigo 27º/1/i)/2 do CPTA e conforme decidido pelo STA no acórdão para uniformização de jurisprudência nº3/2012, proc. 420/12, publicado no DR 182, Série I, de 19-09-2012. Ora, o STA decidiu nesse acórdão que “Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos do art. 27º, n.º 1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2, não recurso”. Tal solução nos seus estritos termos é inaplicável ao caso vertente porque a decisão recorrida não incide sobre o mérito da causa, sendo certo que na sequência predominou a corrente jurisprudencial que pugnava pela inaplicabilidade desse acórdão uniformizador nº3/2012 do Pleno da 1ª Secção do STA, tirado em 05-06-2012, a casos, como o vertente, em que não se discutia o mérito da causa. Entretanto o tema esgotou o seu potencial de controvérsia perante as alterações estruturais na orgânica dos TAF que vieram propiciar e exigir uma visão radicalmente nova sobre a questão, mesmo com alcance retrospectivo. Nessa senda é paradigmático o acórdão deste TCAN de 06-11-2015, proc. 01053/12.4BEAVR, com o seguinte sumário: «I – O n.º 3 do artigo 40.º do ETAF foi revogado na alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, passando a constar do seu n.º 1 que os tribunais administrativos de círculo funcionam apenas com juiz singular, exceto nos casos em que a lei processual administrativa preveja o julgamento em formação alargada. A revogação desta norma entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma (03.10.2015), por força do disposto no artigo 15.º/4 do citado Decreto-Lei, com a consequente extinção do mecanismo de reclamação para a conferência (para cuja apreciação já não é possível determinar o funcionamento coletivo do tribunal) e também de todas as normas que estavam instrumentalizadas ao funcionamento dessa figura, incluindo o prazo para a respetiva apresentação. Concludentemente, o recurso passou a ser o único meio de impugnação das decisões proferidas pelos tribunais administrativos de 1.ª instância.» Destaca-se ainda desse acórdão a seguinte passagem: «E nem se diga, em contrário, que no caso se devia ficcionar a necessidade da reclamação para a conferência para depois se concluir pela sua intempestividade (por ter sido apresentada fora do prazo de 10 dias). É que ao desaparecer o mecanismo de impugnação (reclamação para conferência), por via da citada revogação do n.º 3 do artigo 40.º do ETAF, desapareceram também todas as normas que estavam instrumentalizadas ao funcionamento dessa figura, incluindo o prazo para a respetiva apresentação.» Assim improcede a questão em análise, impondo-se conhecer do objecto do recurso. * Objecto do recurso
Está em questão a incompetência desta jurisdição, em razão da matéria, para o conhecimento do litígio. Transcreve-se o essencial da decisão recorrida: «Assim, para que se configure uma relação jurídica administrativa impõe-se que uma das partes integre a Administração, seja um ente administrativo, e que actue munida do seu ius imperii ou a coberto de normas públicas imperativas, ou que, não o sendo, esteja investida, por lei, no exercício de poderes públicos. (sublinhado nosso) * Os Recorrentes não concordam com tal decisão, destacando-se por agora as suas conclusões «d) Em nenhum momento, os Autores colocam ao Tribunal uma questão relacionada com o direito de propriedade!» e «f) Os Autores expressamente pedem seja declarado nulo, anulado ou inexistente um acto administrativo.»
Esta posição encontra suporte no parecer do MP: «Na verdade, em nenhum momento os AA colocam ao Tribunal uma questão relacionada com o direito de propriedade, pois não é feito qualquer pedido relacionado com uma discussão em torno do direito de propriedade. Os AA expressamente pedem que seja declarado nulo, anulado ou inexistente um acto administrativo. Quem coloca a questão em termos de propriedade do terreno é a Junta de Freguesia de Arcozelo.» E com razão é realçado o pedido dos Autores, pois como se refere na clássica lição de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p. 91) «A competência do tribunal – ensina Redenti - «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum»; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor.» Eis os pedidos formulados pelos Autores nesta acção: «a) Ser declarado nulo, anulado ou inexistente o acto administrativo impugnado; b) Ser declarado nulo o respectivo procedimento administrativo; c) Ser a JFA condenada no pagamento aos Autores da quantia de €200,00 com fundamento nos artigos 21.º a 30.º deste petitório; d) Ser a JFA condenada no pagamento aos Autores da quantia de €5.434,26, com fundamento nos artigos 21.º a 30.º deste petitório.» Ora, c) e d) do petitório configuram pedidos de condenação da Ré, Junta de Freguesia, à reparação dos danos resultantes de obras levadas a cabo pela CI no terreno que os Autores alegam fazer parte do prédio descrito no artigo 5º da petição inicial (PI), o qual conforme artigo 6º do mesmo articulado alegam que “está registado a favor dos aqui Autores, que são seus proprietários”, dizendo ainda – no artigo 7º da PI – que “Não pode a JFA arrogar-se de ser proprietária de um prédio que está registado a favor dos aqui Autores”. Segundo alegam ainda os Autores no artigo 25º da PI, “foi a conduta da JFA, que deu de arrendamento um prédio que não era seu que, certamente, originou os actos da JMF, supra descritos”. Assim não há dúvidas de que os tribunais administrativos são competentes para conhecimento dos pedidos c) e d), nos termos do artigo 4º/1/g) do ETAF, pois como referem M. Aroso de Almeida e C. A. F. Cadilha (Comentário ao CPTA, 3ªed., p. 241) “os tribunais administrativos são competentes para conhecer de todas as questões de responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou de direito privado, assim se devendo interpretar o facto de a alínea g) do n.º1 do artigo 4º do ETAF ter deixado de fazer qualquer alusão aos actos de gestão pública”. Por outro lado, também se afigura que a jurisdição administrativa é a mais autorizada para dilucidar a natureza do acto e procedimento cuja invalidade é invocada nas alíneas a) e b) do petitório. Posto isto, no entanto, há que reconhecer que, em termos práticos, toda a sorte da acção está dependente de um pressuposto essencial, sobre o qual versa o litígio, saber se o terreno em causa se integra no prédio dos Autores ou, antes, no baldio administrado pela Ré. E se esta questão for autonomizada, não há dúvida que é da competência da jurisdição comum. Entende-se, em concordância com o MP, que estamos perante uma “questão prejudicial – a de decidir de quem é o terreno em causa. Ou seja, o objecto da acção depende da decisão de tal questão, que é da competência do tribunal judicial, pertencente a outra jurisdição…” E que, assim, se justifica sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, em eventual acção a ser proposta no prazo de dois meses, sem o que prosseguirá o presente processo, sendo a questão prejudicial decidida com efeitos a ele restritos – cf artigo 15º CPTA. Em suma, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a declaração de incompetência da jurisdição administrativa proferida pelo TAF, mas o prosseguimento da acção fica suspenso nos termos mencionados no parágrafo antecedente. * DECISÃO
Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar que a acção prossiga os seus termos, se nada mais obstar, sem prejuízo do disposto no artigo 15º CPTA. Custas pela Recorrida. Porto, 26 de Maio de 2017 |