Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
CSSS, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada conta o Ministério da Educação e Ciência, no âmbito do ensino recorrente, peticionou, em síntese, a impugnação do despacho do Diretor-geral do Ensino Superior de 10 de abril de 2014 que retificou “a sua situação final no concurso nacional de cesso ao ensino superior de 2012, passando à situação de não colocado, inconformado com a Sentença proferida em 2 de janeiro de 2017 (Cfr. fls. 231 a 240 Procº físico) que julgou improcedente a presente Ação Administrativa Especial, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 10 de fevereiro de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 270v a 276 Procº físico):
“1. A decisão do Tribunal a quo merece a censura da recorrente, visto que, faz uma errada interpretação do direito aplicável à presente situação.
2. A recorrente foi notificada, no dia 16 de Abril, pela DGES, através do ofício identificado com a referência 0782, datado de 14/04/2014, do ato de execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS doravante) n.º 09271/12- ato impugnado -, em que,
3. Dado o teor da decisão, resulta para esta que, deixa de estar colocada no par instituição/curso 0400 Universidade da Beira Interior - 9813 Medicina, com efeitos imediatos, passando à situação de não colocada.
4. Concomitantemente a sua inscrição no par instituição/curso 0400 Universidade da Beira Interior - 9813 Medicina, irá ser anulada ficando assim como não colocada, ou seja. Ora,
5. Não podemos concordar com a execução que foi dado ao acórdão do TCAS, pois que, esta forma de execução comporta inúmeras ilegalidades. Em primeiro lugar,
6. No dia 07 de Março de 2014, foi a recorrente notificada através do seu mandatário da admissão e subida do recurso jurisdicional interposto para o STA, que,
7. Na sequencia do acórdão do TCAS que por via do acórdão do TC, concede provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Educação e julgou improcedente a Intimação para Proteção de Direitos Liberdades e Garantias, permitindo a aplicação das normas dos art.ºs 11.º, n.ºs 4 e 6 e ainda, o 5.º n.º 5 do DL n.º 74/2004, de 26 de Março, na redação introduzida pelo DL n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro.
8. Perante tal quadro, a recorrente remeteu carta à DGES, solicitando a revogação do ato sindicado, o que até à presente data não aconteceu. Posto isto,
9. Sendo o recurso interposto tempestivamente e subindo com efeitos suspensivos, jamais deveria existir o ato aqui objeto desta ação e da providência cautelar interposta e admitida, que aliás não poderá de forma alguma subsistir no ordenamento jurídico.
10. Desta forma, estamos perante um acórdão que de acordo com o disposto no Código do Processo Civil, aqui aplicado, supletivamente, ex vi do art. 1º do CPTA, mais concretamente,
11. Pela conjugação das disposições do art.º 628.º “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação” e do art.º 704.º “A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo. Ora,
12. O acórdão que a DGES pretende executar com a notificação que enviou à recorrente, não transitou em julgado, à data da sua prolação logo, não se está perante um título executivo passível de ser executado, ao contrário do que o recorrido pretendeu fazer valer, com a notificação supra referida. Em segundo lugar,
13. Desde logo, o Tribunal a quo esquece o verdadeiro percurso académico da recorrente que culminou com a sua candidatura e colocação no ano letivo de 2012/2013, e que sucintamente é o seguinte:
14. No ano letivo de 2010/2011 Frequenta e conclui o Ensino Recorrente no Curso de Ciências Socioeconómicas com classificação de 198 valores para Acesso a Ensino Superior.
15. Candidata-se então ao Ensino Superior não tendo obtido Colocação, com aquela habilitação que lhe foi reconhecida pelo requerido.
16. Em 2012/2013, com as mesmas habilitações, apresenta nova candidatura ao Ensino Superior tendo obtido colocação na Universidade da Beira Interior, no curso de Medicina.
17. Como se está a ver a recorrente conclui o Ensino Secundário via Ensino Recorrente no ano letivo de 2010/2011, em área diversa, com classificação de 198 valores para acesso ao ensino superior.
18. Assim, a sua primeira colocação no ensino superior ocorreu no ano letivo de 2012/2013, na Universidade da Beira Interior, e, candidatou-se pela 1ª vez ao ensino superior com o ensino secundário recorrente, no ano letivo de 2011/2012, ano em que não obteve Colocação.
19. Em 2012, candidatou-se pela 2ª vez ao ensino superior, também com a média do ensino recorrente, tendo sido colocada no curso de medicina na Universidade da Beira Interior.
20. Desta sorte, como se pode concluir a recorrente obteve o 12º ano via recorrente no ano letivo 2010/2011, pelo que não pode ser considerada abrangida pelo acórdão que a DGES pretende executar, sob pena de termos de admitir que lhe estão a retirar habilitação académica já anteriormente reconhecida pelo recorrido, pelo que
21. Em 2012/2013 ao candidatar-se de novo, e ao corretamente ser aceite pela DGES atribuindo-lhe colocação, através do ensino recorrente, em Medicina na Universidade da Beira Interior, com a classificação final de 198 pontos, o recorrido apenas cumpriu com a lei pois não podia retirar uma habilitação que já no ano anterior reconhecera e, por outro lado, a lei só vigora para o futuro.
22. Entretanto, urge esclarecer que a recorrente após ter logrado obter vaga no ensino superior, designadamente a supra melhor evidenciada, passou a dedicar-se a 100% aos seus estudos a ponto de no presente momento ter concluído com sucesso todos as unidades curriculares efetuadas até ao momento e,
23. Presentemente encontra-se praticamente a terminar o curso. Em terceiro lugar,
24. Resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 173.° do CPTA que, sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração nos seguintes deveres: (i) Reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado; (ii) Dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
25. Para o efeito, a Administração pode ficar constituída nos seguintes deveres: a) Praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos; b) Remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.
26. Partindo destes pressupostos legais, há que apurar, no caso concreto, em que deve consistir a execução do acórdão, de modo a aferir da legalidade do ato de execução que a administração está a impor sobre a recorrente. Ora,
27. Nesta situação em concreto, o recorrido refere que está a dar cumprimento ao acórdão supra referido através da anulação (revogação) da colocação da recorrente na instituição de ensino superior onde estava colocada, com base no argumento que,
28. O acórdão altera a forma de calculo da sua média de acesso ao ensino superior e, desse facto, resulta que, esta ultima deixa de estar colocada no ensino superior. Ora,
29. Em cumprimento do aludido acórdão, a DGES procedeu à alteração da situação final da recorrente relativamente ao concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012, alterando o par instituição/curso de colocação, em função do recalculo das notas de candidatura para cada uma das suas opções de preferência, que alterou a classificação final desta, valor este, sem qualquer tipo de justificação e que, estaria sempre, por força dos artigos 124º e 125º do CPA, sujeitos ao dever de fundamentação. Neste contexto,
30. e tendo presente que a execução das sentenças dos Tribunais Administrativos consiste na prática, pela Administração, dos atos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efetiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o ato ilegal não tivesse sido praticado, resulta, que,
31. Esta atuação da Administração face ao caso em concreto da recorrente, não permite a reconstituição da situação que existiria se o ato que foi declarado ilegal, não tivesse sido praticado como se concluirá afinal, desde logo porque o acórdão dado à execução não determina o que o recorrido pretende executar.
32. A decisão do TC relativamente a esta questão, acolhida pelo acórdão do TCAS, refere-se, e, como deve ser, apenas às situações criadas após a publicação do DL n.º 42/2012 – ou seja, nas situações referentes a alunos matriculados e que concluíram o ensino secundário nesse ano letivo de 2011/2012 – e, nunca, às situações já constituídas e referentes a alunos como a recorrente que terminaram e adquiriram a sua certificação de conclusão do ensino secundário recorrente em anos letivos anteriores ao da publicação do diploma vindo de referir, talqualmente é o caso desta. Ora,
33. Perfilhar um entendimento diferente deste, que entende se deve proceder à retirada de uma habilitação académica legalmente obtida, e reconhecida pela DGES, em tempos passados e anteriores á publicação do DL n.º 42/2012 e, portanto,
34. Contrário ao próprio diploma, à lei pela proibição da retroatividade, à CRP e à decisão do TC que, jamais admite a aplicação a situações já constituídas – o que tudo visto como infra se referirá implica uma claríssima inconstitucionalidade material, por violação do principio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito ao principio do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2.º da CRP, assim, se retirando que,
35. O recorrido não pode impedir candidatos legalmente possuidores de uma habilitação académica necessária e obrigatória para uma candidatura ao ensino superior, adquirida, em anos anteriores ao da publicação do DL n.º 42/2012, se apresentem como candidatos. Por fim,.
36. Dúvidas não podem, pois, restar quanto ao facto de o recorrido estar a aplicar este diploma legal com efeitos à data em que a recorrente concluiu o ensino secundário recorrente, numa clara retroatividade,
37. A situações já constituídas/consolidadas o que objetivamente consubstancia violação do princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2.º da CRP, como vimos referindo.
38. Ademais, estamos perante um ato injusto, desnecessário e, que, atenta contra o interesse publico, o que o torna ainda mais incompreensível. Ora,
39. Existe ainda, em nosso entender, uma (in)constitucionalidade que deve ser discutida no prisma ora apresentado, designadamente no que tange aos art.ºs 11.º n.º 4 e 6 e o 5.º n.º 5 do DL n.º 74/2004, de 26 de Março, na redação resultante da introdução das alterações do DL n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro.
40. Ainda se poderá afirmar que toda esta situação, que afeta não só a recorrente, em nosso entender, afeta consideravelmente o direito desta, e de todos os outros, no seu acesso ao ensino superior, conforme o previsto no artigo 73.º e ss da CRP, mais concretamente no seu artigo 76.º, n.º 1, na exata medida em que não só lhes retira uma habilitação académica como lhes nega o direito ao ensino.
41. Este direito ao ensino, como direito positivo, confere/obriga o Estado Português, de acordo com a CRP, a adotar um conjunto complexo de comportamentos que servem de concretização às diretrizes que esta estabelece. Desta forma,
42. O direito ao ensino, e, mais concretamente, o direito ao ensino superior, preconizado pela CRP, é, afetado, quando o R. toma uma decisão de “expulsar” a A. da sua Universidade onde foi legalmente colocada. Como nos dizem “GOMES CANOTILHO” e “VITAL MOREIRA” nas suas anotações ao artigo 76.º n.º 1 “O direito ao ensino superior (n.º 1) implícito neste preceito, é uma concretização do direito ao ensino, aplicado ao mais alto nível escolar (o ensino superior, em particular o universitário) devendo por isso obedecer aos princípios da igualdade de oportunidades e da democratização do ensino (...)” e “O direito de acesso aos graus mais elevados do ensino (...) e, consequentemente o direito de acesso à Universidade – esta intimamente conexionado com a liberdade de escolha de profissão (47.º) pois a qualificação académica é hoje condição (pratica e jurídica) de acesso a muitas profissões.” Existe,
43. Como acabamos de ver existe uma ligação fundamental entre o principio constitucional supra referido e o principio constitucional da liberdade de escolha de profissão previsto no artigo 47.º da CRP.
44. Este direito de liberdade de escolha de profissão é “um direito fundamental complexo, comportando vários componentes. Enquanto direito de defesa a liberdade de profissão significa duas coisas: (a) não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão; (b) não ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se tenham os necessários requisitos, bem como de obter esses mesmo requisitos.” Assim sendo,
45. É esta parte final desta segunda componente do direito de liberdade de escolha de profissão que está em causa, neste caso, em concreto, visto que,
46. Perante uma situação como a presente a aqui recorrente tendo, anteriormente à publicação do DL 42/2012, concluído com sucesso o ensino secundário recorrente, e, tendo, com sucesso apresentado a sua candidatura ao ensino superior, mas, sido colocada num curso que não queria, vê-se colocada,
47. Numa situação, em que, finalmente entra no almejado curso, através da via geral do concurso nacional de acesso ao ensino superior, no curso que sempre desejou e, para o qual tão arduamente trabalhou durante todos estes anos, onde estava a ter um bom aproveitamento académico, utilizando a habilitação que lhe permitira entrar no ensino superior no ano anterior, é lhe retirada uma habilitação académica que, legalmente obteve, sendo,
48. Desta forma, inacreditável, por vivermos num País que se diz desenvolvido e civilizado, a A., deixa de estar colocada no par instituição/curso 0400 Universidade da Beira Interior - 9813 Medicina, com efeitos imediatos. Mas,
49. O princípio constitucional da liberdade de escolha de profissão não fica por aqui, visto que, tem “vários níveis de realização, não podendo naturalmente, consistir apenas em poder escolher livremente a profissão desejada. Os principais momentos são os seguintes: (a) obtenção das habilitações (académicas, técnicas, etc...) necessárias ao exercício da profissão (cfr. art.º 58º-3/b); (b) ingresso na profissão; (c) exercício da profissão; (d) progresso na carreira profissional. A liberdade de escolha de profissão garante todos estes aspetos.” Ora,
50. in casu, parece-nos claramente violado o primeiro nível de realização do principio da liberdade de escolha de profissão supra referido, no momento referido na alínea (a) obtenção das habilitações (académicas, técnicas, etc.) necessárias ao exercício da profissão, visto que,
51. O retirar da habilitação académica da recorrente, impossibilitando-a de aceder ao ensino superior, além de um ato administrativo ilegal, por força do seu efeito retroativo, viola, o disposto no supra referido princípio de liberdade de escolha de profissão.
52. Desta forma, deve ser julgado procedente, o recurso interposto pela recorrente, pois que, existiu da parte do Tribunal a quo uma errada interpretação do direito aplicável ao caso em concreto.
Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exa., deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado procedente pelas razões supra aduzidas, e em consequência, alterar o acórdão recorrido.
Tudo como é de direito e da mais elementar Justiça!”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 15 de maio de 2017 (Cfr. fls. 288 Procº físico).
O aqui Recorrido/Ministério não veio a apresentar Contra-alegações de Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 21 de junho de 2017 (Cfr. Fls. 294 Procº físico), nada veio dizer, requerer, ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, invocando-se predominantemente que terá sido feita “errada aplicação do direito aplicável à presente situação”
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade.
“1) No ano letivo de 2010/2011 a A. frequentou e concluiu o ensino recorrente no curso de ciências socioeconómicas com classificação de 198 valores para acesso a Ensino Superior.
2) Em 2012/2013 apresentou nova candidatura tendo obtido colocação na Universidade da Beira Interior, no curso de Medicina, que frequenta.
3) A A. e outros intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que correu termos sob o n.º 1726/12.1 BELSB e que foi julgado procedente, mandando a sentença de 08/07/2012 "desaplicar o regime legal decorrente do DL n.º 42/2012, de 22/02, quer quanto a atos passados quer quanto ao futuro, no âmbito do ano letivo de 2011/2012" (cfr. fls. 102 a 127 dos autos do processo cautelar apenso).
4) Por efeito de recurso interposto do acórdão do TCA-Sul que negara provimento ao recurso interposto da sentença supra referida, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu, pelo acórdão de 27/06/2013, "não julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança ... as normas dos artigos 11.°, n.º s 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo DL n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório, a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente" (cf. fls. 128 a 132 dos autos do processo cautelar apenso).
5) A causa foi submetida a novo julgamento pelo TCA-Sul de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade, que, pelo acórdão de 19/12/2013, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença de 1.ª instância e julgando improcedente a intimação (cf. fls. 128 a 132 dos autos do processo cautelar apenso).
6) Do acórdão do TCA-Sul indicado no ponto anterior foi interposto recurso de revista para o STA que, pelo acórdão de 29/04/2014, decidiu que a questão não assume importância fundamental, não sendo necessária a revista para a melhor aplicação do direito, decisão que foi notificada ao R. através do ofício de 02/05/2014 (cf. fls. 133 a 136 dos autos do processo cautelar apenso).
7) Foi apresentada reclamação contra o acórdão indicado no ponto antecedente, indeferida pelo acórdão do STA, de 24/06/2014 (cf. Decisão publicada em www.dgsi.pt no processo 0408/14 e fl. 153 dos autos do processo cautelar apenso).
8) O acórdão do STA, de 24/06/2014, transitou em julgado no dia 10 de Julho de 2014 (cf. fl. 137 dos autos do processo cautelar apenso).
9) Os serviços do Requerido elaboraram a informação I/DSAE/2014/012 em 09/04/2014 que consta de fls. 145 a 153 do processo cautelar apenso e que aqui se considera reproduzida.
10) Em 10 de Abril de 2014 foi proferido o seguinte despacho (relativo à informação referida em 9)): “Concordo” (fl. 145).
11) Em 16.04.2014, a A. foi notificada do ofício com a referência 14-04-2014 00783, e com o assunto “Execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – Processo n.º 09271/12 Concurso Nacional de acesso ao ensino superior 2012”, do qual se extrai o seguinte:
“Em cumprimento da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão relativo ao Processo n.º 09271/12 e nos termos do meu despacho de 10 de abril de 2014, informa-se V. Ex.ª que foi retificada a sua situação no final do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012, passando à situação de não colocada.
Esta decisão resulta do recálculo das notas de candidatura para cada uma das suas opções de preferência, conforme demonstração em anexo, que passam a ser inferiores à nota de candidatura do último colocado. Para este recálculo foi considerada a classificação final de ensino secundário retificada de 198 para 181 pontos e comunicada a esta Direcção-Geral pelo estabelecimento de ensino secundário através do Júri Nacional de Exames em 14 de fevereiro de 2014.
Desta decisão será também notificada a instituição de ensino superior onde efetuou a respetiva matrícula e inscrição para efeitos de anulação das mesmas no par instituição/curso
0400 Universidade da Beira Interior
9813 Medicina
A:
Esta alteração da sua situação não prejudica a certificação das unidades curriculares em que obteve aprovação nem a sua eventual creditação.” (cfr. fls. 155 do processo cautelar apenso).”
IV – Do Direito
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que determinou a improcedência da ação e, consequentemente, manteve o despacho impugnado na ordem jurídica e absolveu o Réu dos pedidos.
Para que se possa visualizar aquilo que aqui está em causa, importa referir, no que aqui releva, que alterações implicaram para os alunos do ensino Recorrente, as controvertidas alterações ao DL nº 74/2004, por via do DL nº 42/2012.
Em síntese, o Artº 11º nº 6 da novel redação introduzida pela DL nº 42/2012 veio determinar que “Os alunos dos cursos científico-humanísticos de ensino recorrente que pretendam prosseguir estudos no ensino superior ficam igualmente sujeitos à avaliação sumativa externa …”, o que singelamente significa que terão de ser submetidos aos exames nacionais nos termos regulados no diploma.
Antes de mais e pela sua relevância, infra se reproduzirá no que aqui releva, o essencial da fundamentação de direito constante da decisão recorrida:
“(…)
Da aplicação ao caso concreto da A. das alterações trazidas pelo DL n.º 42/2012. de 22/02. ao DL n.º 74/2004. de 26/03 e a sua concatenação com os princípios constitucionais da segurança jurídica. proteção da confiança. acesso ao ensino superior e liberdade de escolha de profissão - alguns deles já objeto de julgamento pelo douto acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 355/2013. de 27/06.
O DL n.º 74/2004, de 26/03, com a versão trazida pelo DL n.º 24/2006, de 06/02, permitia aos alunos do ensino recorrente a conclusão de tal nível de ensino sem a realização de exames nacionais e sem a avaliação sumativa externa (cf. os artigos 11.°, n.º 4, e 15.°, n.º 3).
O sistema do ensino recorrente tem propósitos bem definidos, que podemos encontrar no preâmbulo do DL n.º 42/2012, de 22/02. Destaca-se por conferir "uma segunda oportunidade de formação que permitisse conciliar a frequência de estudos com uma atividade profissional".
É, sobretudo, um regime vocacionado para os adultos e um incentivo à conclusão do ensino secundário para quem, em dada altura da vida, não teve oportunidade, condições ou meios para terminar esse nível de ensino.
Percebe-se, por esse dado, a perspetiva flexível do legislador quando previu a não obrigatoriedade da realização de exames nacionais, não antevendo, então, que este regime viesse a ser aproveitado por outros destinatários e com outros fins.
E assim se entende a intenção do legislador em evitar a perversão do sistema do ensino recorrente, conforme alude no citado preâmbulo: " ... Tal alteração veio, assim, permitir a alunos detentores de certificação do ensino secundário, que não tivessem tido a colocação pretendida no ensino superior, ingressarem em curso não homólogo do ensino secundário recorrente, a fim de melhorarem o resultado da avaliação sumativa interna.
Constituindo o ensino recorrente de nível secundário uma vertente da educação de adultos, em contexto escolar, de acordo com um plano de estudos organizado, que foi criado para dar resposta adequada de formação aos que dela não usufruíram em idade própria ou que não a completaram, a utilização desta via para melhoria de classificação por alunos que já concluíram um curso do ensino secundário, não só perverte a sua finalidade, como favorece iniquidades no acesso ao ensino superior ... ".
É na sequência destas preocupações que o DL n.º 42/2012, de 22/02, introduz a obrigatoriedade para os alunos do ensino recorrente de realizarem a avaliação sumativa externa, segundo a nova versão do n.º 6, do artigo 11.°, ficando a classificação final desses alunos igualmente sujeita a novos critérios, ao abrigo dos n.º s 5 e 6, do artigo 15.°.
A A. insurge-se contra o facto do R., por intermédio do ato impugnado nesta demanda, ter aplicado ao seu caso concreto as alterações e as exigências inovadas pelo diploma legal supra indicado, pugnando, em suma, que as mesmas já não se aplicam na sua situação, visto que, fora aluna do ensino recorrente não no ano letivo vigente no momento da entrada em vigor da lei (2011/2012), mas sim no ano letivo 2010/2011.
Mas a Impetrante não tem razão. Pois embora tivesse frequentado o ensino recorrente em 2010/2011, com 19 anos de idade (adulto, é certo, mas ainda muito jovem) e sem que resulte dos autos ou do PA a sua qualidade de trabalhadora-estudante, a A. só veio a obter a média final do secundário (198), que lhe permitiu, finalmente, a entrada na licenciatura pretendida (Medicina), depois de ter frequentado o ensino recorrente, conforme se pode ver pelo doc. de fls. 147 dos autos cautelares apensos. E mais, a 1.ª inscrição da A. na licenciatura em Medicina só veio a ocorrer em 2012 (ano escolar 2012/2013), ou seja, num momento em que já vigorava o novo diploma legal e as novas normas sobre a classificação final (cf. artigo 3.° do DL n.º 42/2012, de 22/02).
Ora bem, é precisamente neste ponto crucial que entram em campo as considerações já tecidas no douto acórdão do TC n.º 355/2013, de 27/06, que sindicou a conformidade entre os artigos 11.°, n.º s 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 42/2012, de 22/02, e o texto da Lei Fundamental, na perspetiva do seu confronto com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
E o TC foi bem claro ao aludir aos propósitos iniciais do ensino recorrente (uma segunda oportunidade de formação e a conciliação entre os estudos e uma atividade profissional), enfatizando que as normas em causa são " retrospetivas".
Vale a pena trazer à presente decisão alguns dos excertos do douto acórdão do TC, que por serem esclarecedores do que aqui está em causa e apontarem a solução, nos dispensamos de apresentar ulteriores argumentos:
" ... Porém, tampouco restam dúvidas relativamente à premência do interesse público inerente às normas impugnadas, talqualmente evidenciado pelo preâmbulo do Decreto-lei n.º 42/2012. Aí pode detetar-se, com efeito, um escopo premente no sentido de "restaurar a matriz enformadora dos cursos cientifico-humanísticos de ensino recorrente", e de reproduzir no regime jurídico deste a distinção entre aqueles alunos que pretendem uma “mera certificação do ensino secundário" daqueles que "visam o prosseguimento dos estudos" através do acesso ao ensino superior.
As normas em crise - os artigos 11º, n.ºs 4 e 6 e 15.º, n. ° 5 - são, pois, normas retrospetivas, isto é, normas que afetam situações constituídas no passado e que continuam em formação na vigência da lei nova. Isto é assim porque a candidatura ao ensino superior é um processo de formação contínua, pelo que as normas visadas vêm, no fundo, afetar ou condicionar um processo ainda não concluído, cujas bases ou pressupostos se iniciaram em momento anterior à respetiva entrada em vigor.
(...)
Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da proteção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões) e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expectativas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em atos ("planos de vida") da confiança psicológica dos particulares, por outro.
(...)
No entanto, os alunos agora afetados - e neste grupo incluem-se todos aqueles que não perspetivem o ensino recorrente com um desiderato de "mera certificação do ensino secundário", sejam ou não já detentores dessa certificação - vinham beneficiando de um regime de privilégio injustificado relativamente aos alunos dos cursos científico humanísticos ministrados em regime diurno e que pretendessem, igualmente, aceder ao ensino superior. As normas em crise são, na verdade, meramente declarativas da convicção - aliás, de conhecimento geral - de que o ensino recorrente estava a ser instrumentalizado para finalidades contrárias à sua "matriz enformadora", e de que a prolongada inércia legislativa na correção desta matéria urgia ser invertida.
(...)
Posto isto, se o período de tempo transcorrido desde a última alteração legislativa ao regime jurídico do ensino recorrente pode ter dado alguma consistência às expectativas dos indivíduos abrangidos, certo é que a legitimidade destas surge inelutavelmente afetada, não só porque a reação estadual se afigurava objetivamente expectável, como porque tais expectativas não se acham fundadas em boas razões, isto é, em razões compatíveis com a teleologia normativa do ordenamento jurídico-constitucional.
(...)
No caso vertente, o juízo quanto à prevalência do interesse público toma-se, por conseguinte, dispensável, pelo que há que concluir, atento o exposto, que as normas em crise não importam qualquer violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima dos cidadãos ... ".
Em suma, não deve este Tribunal de 1.ª instância contrariar o julgamento de não inconstitucionalidade já firmado pelo douto Acórdão do TC, concluindo-se, assim, que o despacho impugnado, na medida em que aplica ao caso da A. a nova versão dos artigos 11.°, n.º s 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 74/2004, de 26/03, acolhida pelo DL n.º 42/2012, de 22/02, não padece reflexamente de qualquer vício procedente de suposta ofensa aos preditos princípios constitucionais.
É que, a não se julgar desta forma, tal como afirmou o TC no mencionado acórdão, permitir-se-ia a utilização perversa do ensino recorrente para finalidades que não lhe estão subjacentes, designadamente, estar-se-ia a dar cobertura a situações inadmissíveis de privilégio, quando comparados os jovens alunos do ensino recorrente e os jovens alunos do ensino comum.
Quer isto dizer também que não se vislumbra no despacho impugnado qualquer violação aos princípios do acesso ao ensino superior e de liberdade de escolha de profissão, porquanto, com aquele despacho, o Impetrado não está a impedir a Impetrante de se apresentar a tal nível ensino. Está, isso sim, a impor que a A. aceda ao ensino superior de acordo com as normas legais vigentes e em igualdade de oportunidades com os demais candidatos oriundos do ensino secundário não recorrente. Por outra via, o R., com o ato impugnado, não impede a A. de escolher uma profissão, posto que, o que exige, legal e legitimamente, é que o futuro profissional de uma determinada área do conhecimento tenha acedido à respetiva instituição de ensino superior de acordo com as regras legais aplicáveis.
A ser assim, neste capítulo, improcedem os vícios lançados pela A. contra o despacho impugnado.
Por fim, importa relembrar que nesta decisão julgámos procedentes dois vícios: i) a preterição da formalidade de audiência prévia do ora A.; ii) e o erro sobre o pressuposto de que o acórdão do TCAS estaria já transitado em julgado no momento da prolação do ato impugnado, coisa que, como vimos, ainda não havia ocorrido.
Mas é caso para questionar qual a utilidade de se obrigar o R. a repetir o procedimento administrativo, com o cumprimento da formalidade de audiência prévia à ora A. e já com a atual certeza de que o acórdão do TCAS transitou em julgado, quando, na verdade, o sentido da nova decisão final não pode deixar de ser igual ao daquela que se sindica na presente ação. Melhor explicando, mesmo que o Impetrado venha a expurgar o ato administrativo dos vícios que anteriormente o contaminaram, a decisão final não pode deixar de ser a mesma, isto é, a de aplicar à ora A. a nova versão dos artigos 11.°, n.ºs 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 74/2004, de 26/03, acolhida pelo DL n.º 42/2012, de 22/02, e a reformulação da classificação final tal como já anteriormente decidida.
Ora, porque a Administração não deve ser compelida a tomar atos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, é de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pelo que, em consequência, é de manter na ordem jurídica o ato impugnado tal como proferido.
Em resumo, a presente ação improcede totalmente, sendo de manter o despacho impugnado na ordem jurídica e de absolver o R. dos pedidos.
Analisemos então o suscitado.
Há desde logo uma questão que não pode deixar de ser referida e que reside no facto do Recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância ser predominantemente opinativo, à margem do estabelecido no Artº 144º nº 2 do CPTA, sem que, em bom rigor, se imputem quaisquer vícios à decisão recorrida
Em qualquer caso, em homenagem ao princípio pro actione, sempre se entenderá que os “desabafos” constantes do Recurso se consubstanciarão, não tanto na enunciação e recuperação dos vícios que haviam sido imputados ao ato objeto de impugnação, mas antes em virtude do tribunal a quo os não ter reconhecido.
Sem prejuízo do entendimento adotado, ainda assim alude-se aos Acórdãos do STA, de 15.03.2007 e 19.12.2006, in Processos n.º 0209/05 e n.º 0594/06, onde expressivamente se afirma que "O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá, fatalmente, de improceder" e que "O recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à sua revogação, improcedendo o recurso se o recorrente, na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos da sentença recorrida. Como tem sido reafirmado por este STA, designadamente pelo Pleno (cfr., por todos, o Ac. Pleno da 1ª Secção de 21.09.2000, rec. 38.828), o recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à respetiva revogação, improcedendo o recurso se o recorrente na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos específicos da sentença recorrida".
Entrando na análise circunstancial do invocado, refira-se que não obstante se alcance o incómodo que a situação subjacente à presente Ação determina na vivência académica da Recorrente, não se poderá deixar de afirmar desde já que se acompanha o raciocínio adotado em 1ª instância, cuja decisão não merece censura.
Vejamos,
Pretende a Recorrente a anulação ou a declaração de nulidade do ato objeto de impugnação em decorrência do facto de ter sido praticado antes do trânsito em julgado do Acórdão do TCAS, que lhe serve de suporte, de 19 de dezembro de 2013; por vício de falta de notificação, falta de fundamentação, preterição de audiência prévia e ainda por violação do direito de acesso ao ensino superior e da liberdade de escolha de profissão.
Em função do invocado, pretende-se finalmente, o reconhecimento do direito à manutenção da habilitação académica, da matrícula e frequência do curso de medicina que se encontra a frequentar na Universidade da Beira Interior.
Aqui chegados, cumpre realçar que o tribunal a quo, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, manteve o ato objeto de impugnação na ordem jurídica, em função da argumentação que aduziu e que infra se desenvolverá.
Entendeu ainda o tribunal a quo julgar improcedentes os vícios de falta de fundamentação e da aplicação ao caso concreto das alterações operadas pelo Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro,
Com efeito, embora tenham sido julgados procedentes, os vícios de preterição de audiência prévia e da prática do ato impugnado em momento prévio ao trânsito em julgado do Acórdão do TCAS, o tribunal considerou-os, e bem, inoperantes, atenta a inutilidade decorrente da repetição do procedimento administrativo para cumprimento da audiência prévia, sabendo-se já que o Acórdão do TCAS transitou entretanto em julgado (10 de Julho de 2014), pelo que a realização agora da diligência antes omitida não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão adotada.
Efetivamente referiu-se a este propósito na decisão recorrida, seguindo de perto confessadamente o explanado no idêntico Acórdão do TAF do Porto, no processo n.º 2138/14BEPRT que "Quer isto dizer também que não se vislumbra no despacho impugnado qualquer violação aos princípios do acesso ao ensino superior e de liberdade de escolha da profissão, porquanto, com aquele despacho, o Impetrado não está a impedir o Impetrante de se apresentar a tal nível de ensino. Está, isso sim, a impor que o A., aceda ao ensino superior de acordo com as normas legais vigentes e em igualdade de oportunidades com os demais candidatos oriundos do ensino secundário não recorrente.
Por outra via. O R., com o ato impugnado, não impede o A., de escolher uma profissão, posto que, o que exige, legal e legitimamente, é que o futuro profissional de uma determinada área do conhecimento tenha acedido à respetiva instituição de ensino superior de acordo com as regras legais aplicáveis.
A ser assim, neste capítulo, improcedem os vícios lançados pelo A. contra o despacho impugnado.
Por fim, importa relembrar que nesta decisão julgámos procedentes dois vícios:
i) a preterição da formalidade de audiência prévia do ora A.;
ii) e o erro sobre o pressuposto de que o acórdão do TCAS estaria já transitado em julgado no momento da prolação do ato impugnado, coisa que, como vimos, ainda não havia ocorrido.
Mas é caso para questionar qual a utilidade de se obrigar o R. a repetir o procedimento administrativo, com o cumprimento da formalidade de audiência prévia ao ora A. e já com a atual certeza de que o acórdão do TCAS transitou em julgado, quando, na verdade, o sentido da nova decisão final não pode deixar de ser igual ao daquela que se sindica na presente ação.
Melhor explicando, mesmo que o Impetrado venha a expurgar o ato administrativo dos vícios que anteriormente o contaminaram, a decisão final não pode deixar de ser a mesma, isto é, a de aplicar ao ora A. a nova versão dos artigos 11.º, n.º.5 4 e 6, e 15.º n.º 5. Do DL n.º 74/2004, de 26/03, acolhida pelo DL n.º 42/2012, de 22/02, e a reformulação da classificação final tal como já anteriormente decidida.
Ora, porque a Administração não deve ser compelida a tomar atos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, é de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pelo que, em consequência, é de manter na ordem jurídica o ato impugnado tal como proferido.
Em resumo, a presente ação improcede totalmente, sendo de manter o despacho impugnado na ordem jurídica e de absolver a R. dos pedidos".
Já no que respeita aos vícios da falta de fundamentação e da aplicação no caso concreto das alterações produzidas pelo Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, lapidarmente se afirmou na decisão recorrida que “O que se espera da decisão administrativa é que contenha no teor uma fundamentação breve e concisa, impondo-se apenas que se perceba o iter lógico da argumentação aventada pela Administração e que a mesma seja congruente e inteligível. In casu, os fundamentos de facto e de direito do ato administrativo impugnado contam de uma informação precedente.
(...). Aliás, o A. bem percebeu a fundamentação do ato impugnado, posto que, bem soube explanar e esmiuçar cada um dos argumentos lançados pela Administração para o texto explicativo daquele ato, mormente, através da panóplia dos vícios que contra aquele despacho assacou (...). A ser assim, considera-se o ato impugnado suficientemente fundamentado improcedendo, com efeito, o aventado vício de forma";
"Percebe-se, por esse dado, a perspetiva flexível do legislador quando previu a não obrigatoriedade da realização de exames nacionais, não antevendo, então, que este regime viesse a ser aproveitado por outros destinatários e com outros fins. E assim se entende a intenção do legislador em evitar a perversão do sistema do ensino recorrente, conforme alude no citado preâmbulo (...).
É na sequência destas preocupações que o DL n.º 42/2012, de 22/02, introduz a obrigatoriedade para os alunos do ensino recorrente de realizarem a avaliação sumativa externa, segunda a nova versão do n.º 6, do artigo 11.º, ficando a classificação final desses alunos igualmente sujeita a novos critérios, ao abrigo dos n.ºs 5 e 6, do artigo 15.º. (...) Mas o Impetrante não tem razão.
Pois embora tivesse frequentado o ensino recorrente em 2010/2011, com 19 anos de idade (adulto, é certo, mas ainda muito jovem) e sem que resulte dos autos ou do PA a sua qualidade de trabalhador-estudante, o A. só veio a obter a média final do secundário (196), que lhe permitiu, finalmente, a entrada na licenciatura pretendida (Medicina), depois de ter frequentado o ensino recorrente no curso de «ciências socioeconómicas» (...). E mais, a 1.ª inscrição do A. na licenciatura em Medicina só veio a ocorrer em 2012 (ano escolar 2012/2013), ou seja, num momento em que já vigorava o novo diploma legal e as novas normas sobre a classificação final.
Ora bem, é precisamente neste ponto crucial que entram em campo as considerações já tecidas no douto Acórdão do TC n.º 355/2013, de 27.06, que sindicou a conformidade entre os artigos 11.º, n. °s 4 e 6, e 15.º, n.º 5, do DL n.º 42/2012, de 22/02, e o texto da Lei Fundamental, na perspetiva do seu confronto com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
(...) Em suma, não deve este Tribunal de 1.ª instancia contrariar o julgamento de não inconstitucionalidade já firmado pelo douto Acórdão do TC, concluindo-se, assim, que o despacho impugnado, na medida em que aplica ao caso do A. a nova versão dos artigos 11.º, nºs 4 e 6 e 15.º, n.º 5, do DL n.º 74/2004, de 26/03, acolhida pelo DL n.º 42/2012, de 22/02, não padece reflexamente de qualquer vício procedente de suposta ofensa aos preditos princípios constitucionais.
É que, a não julgar desta forma, tal como firmou o TC no mencionado acórdão, permitir-se-ia a utilização perversa do ensino recorrente para finalidades que não lhe estão subjacentes, designadamente, estar-se-ia a dar cobertura a situações inadmissíveis de privilégio, quando comparados os jovens alunos do ensino recorrente e os jovens alunos do ensino comum.
Quer isto dizer também que não se vislumbra no despacho impugnado qualquer violação dos princípios do acesso ao ensino superior e de liberdade de escolha de profissão, porquanto, com aquele despacho, o Impetrado não está a impedir o impetrante de se apresentar a tal nível de ensino. Está, isso sim, a impor que o A. aceda ao ensino superior de acordo com as normas legais vigentes e em igualdade de oportunidade com os demais candidatos oriundos do ensino secundário não recorrente.
Por outra via, o R., com o ato impugnado, não impede o A. de escolher uma profissão, posto que, o que exige, legal e legitimamente, é que o futuro profissional de uma determinada área do conhecimento tenha acedido á respetiva instituição de ensino superior de acordo com as regras aplicáveis. A ser assim, neste capítulo, improcedem os vícios lançados pelo A. contra o despacho impugnado."
O julgamento feito já pelo menos em dois processos na 1ª instância parece assim conformar-se com o entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional, adequando-se à realidade fática em questão, não merecendo pois censura.
Não deixando de reiterar muito daquilo que consta da decisão recorrida, diga-se, e no que respeita à invocada falta de fundamentação, que não se reconhece que a mesma ocorra, pois que se é certo que a Recorrente discorda do entendimento adotado pelo Ministério, o que é legítimo, tal não significa, no entanto, que não tenha percecionado as razões subjacentes a tal entendimento, sendo esse o objetivo da fundamentação.
Tal como referido em 1ª instância, não há qualquer indício que permita afastar a convicção de que a Recorrente apreendeu o iter cognoscitivo do ato objeto de impugnação.
Efetivamente, se é certo que o artigo 268.º, n.º 3 da CRP estabelece que os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegido”, o que é facto é que no desenvolvimento da referida norma, estabelece o atual Artº 153.º nº 1 do CPA que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.”
Assim, é manifesto que foram adequadamente respeitados os normativos aplicáveis, mormente no que concerne à fundamentação, tendo sido facultado à aqui Recorrente os meios para que pudesse reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade administrativa para chegar à concreta decisão em causa.
Singelamente, o despacho objeto de impugnação, mais não é do que a execução de uma decisão judicial favorável à Administração.
Como se afirmou em acórdão deste TCAN, de 10.10.2014, no âmbito do processo n.º 1007/14.6 BEPRT, ainda que de natureza cautelar, face a questão próxima da presente, aqui aplicado mutatis mutandis, “(…) resulta claro da matéria de facto considerada indiciariamente provada, que não é retirada qualquer habilitação académica ao Recorrido - conclusão que se retira quer do ofício dirigido ao ora Requerido pelo autor do ato quando refere "Para este recálculo foi considerada a classificação final do ensino secundário retificada de 195 para 186 pontos (…)" quer do próprio ato administrativo praticado pelo aqui Recorrente quando refere a classificação do Recorrido calculada segundo o Decreto-Lei nº 42/2012 e a Portaria nº 91/2012. Ou seja, retira-se destes factos que o Recorrido mantém a sua habilitação académica - que lhe permitiria aceder ao ensino superior se tivesse média para esse efeito sendo que aquilo que foi alterado foi (unicamente) a sua classificação final de curso do ensino secundário.".
Sintetizando e objetivando o já referido anteriormente, tal como decidido em 1ª instância, entende-se que a verificada preterição da audiência prévia, não teve a virtualidade de invalidar o procedimento, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pois que a decisão sempre teria de ser a que foi adotada, atenta a decisão proferida no Acórdão do TCAS, de 19 de dezembro de 2013, que viria a ser executada, designadamente, pelo ato aqui objeto de impugnação.
No que concerne ao facto do ato aqui em crise ter sido proferido antes do trânsito em julgado da decisão em que assenta, constituindo uma irregularidade, veio a sanar-se com a verificação entretanto do referido trânsito, em face do que mal se compreenderia que se enveredasse pela anulação de um ato, bem se sabendo já que a irregularidade que a determinara, se mostrava já ultrapassada.
Bem se compreende pois que o tribunal a quo tenha recorrido ao já referenciado princípio do aproveitamento dos atos administrativos, afirmando sintomaticamente que a Administração não deve ser compelida a praticar atos ou a prosseguir procedimentos inúteis, uma vez que com a "atual certeza de que o acórdão do TCAS transitou em julgado (...) o sentido da nova decisão final não pode deixar de ser igual ao daquela que se sindica na presente ação."
De realçar o facto do Tribunal Constitucional, ter por acórdão de 27/06/2013 afirmado incontornavelmente que as alterações introduzidas pelo DL 42/2012 ao DL nº 74/2004 não eram inconstitucionais, em virtude das expectativas afetadas não serem legítimas por não se acharem fundadas em boas razões e, assim se entendendo que não se mostravam violados os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
Em concreto, e como reiteradamente se afirmou já, é certo que quando foi praticado o ato aqui objeto de impugnação em 10/04/2014, ainda não havia transitado em julgado a decisão em que assentara de 19/12/2013, o que só veio a ocorrer em 10/07/2014, o que manifestamente constitui um erro nos pressupostos de direito.
Em qualquer caso, atento o trânsito em julgado entretanto verificado de tal decisão, considerando mais uma vez o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, dever-se-á negar eficácia invalidante do vício verificado, tal como decidido pelo tribunal a quo.
É pois manifesto que o ato objeto de impugnação nunca poderia deixar de ser aquele que foi proferido, ao que acresce o facto do ato em crise não ter chegado a ser executado antes da verificação do trânsito em julgado então em falta.
Finalmente, e no que respeita à aplicação das alterações legislativas operadas pelo Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, ao Decreto-lei n.º 74/2004, de 26.03, pode ler-se na sentença a quo o seguinte:
Mas a Impetrante não tem razão. Pois embora tivesse frequentado o ensino recorrente em 2010/2011, com 19 anos de idade (adulto, é certo, mas ainda muito jovem) e sem que resulte dos autos ou do PA a sua qualidade de trabalhadora-estudante, a A. só veio a obter a média final do secundário (198), que lhe permitiu, finalmente, a entrada na licenciatura pretendida (Medicina), depois de ter frequentado o ensino recorrente, conforme se pode ver pelo doc. de fls. 147 dos autos cautelares apensos. E mais, a 1.ª inscrição da A. na licenciatura em Medicina só veio a ocorrer em 2012 (ano escolar 2012/2013), ou seja, num momento em que já vigorava o novo diploma legal e as novas normas sobre a classificação final (cf. artigo 3.° do DL n.º 42/2012, de 22/02).
Ora bem, é precisamente neste ponto crucial que entram em campo as considerações já tecidas no douto acórdão do TC n.º 355/2013, de 27/06, que sindicou a conformidade entre os artigos 11.°, n.º s 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 42/2012, de 22/02, e o texto da Lei Fundamental, na perspetiva do seu confronto com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
(...)
Em suma, não deve este Tribunal de 1.ª instância contrariar o julgamento de não inconstitucionalidade já firmado pelo douto Acórdão do TC, concluindo-se, assim, que o despacho impugnado, na medida em que aplica ao caso da A. a nova versão dos artigos 11.°, n.º s 4 e 6, e 15.°, n.º 5, do DL n.º 74/2004, de 26/03, acolhida pelo DL n.º 42/2012, de 22/02, não padece reflexamente de qualquer vício procedente de suposta ofensa aos preditos princípios constitucionais.
É que, a não se julgar desta forma, tal como afirmou o TC no mencionado acórdão, permitir-se-ia a utilização perversa do ensino recorrente para finalidades que não lhe estão subjacentes, designadamente, estar-se-ia a dar cobertura a situações inadmissíveis de privilégio, quando comparados os jovens alunos do ensino recorrente e os jovens alunos do ensino comum.
O que é facto é que quer o Tribunal Constitucional quer o Supremo Tribunal Administrativo já afirmaram que as alterações introduzidas no Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, serão aplicáveis aos alunos do ensino secundário recorrente, tenham estes concluído esse grau de ensino em 2011/2012 ou em ano letivo anterior.
Com efeito, refere-se nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 355/2013, e n.º 773/2014 que:
"O relevo das alterações legislativas descritas supra não é negligenciável, visto que torna mais exigente o regime de acesso ao ensino superior por parte dos alunos que frequentem um curso científico-humanístico do ensino recorrente e, em particular, para aqueles que, antes da frequência de um tal curso, já houvessem concluído um curso do ensino secundário não recorrente. Aqueles de entre estes alunos que estivessem em condições de se candidatar ao ensino superior no concurso de 2012 veem, em fevereiro — portanto, já no segundo trimestre do ano letivo de 2011/12 — a sua situação substancialmente revista, pois a sua candidatura àquele nível de ensino passa a estar dependente da realização de mais exames nacionais, dependendo a classificação final do ensino secundário, já não apenas da avaliação sumativa interna a uma série de disciplinas, mas também da avaliação sumativa externa apurada a partir daqueles exames.
(…)
No entanto, os alunos agora afetados — e neste grupo incluem-se todos aqueles que não perspetivem o ensino recorrente com um desiderato de "mera certificação do ensino secundário", sejam ou não já detentores dessa certificação — (…).”
Como afirmou o STA, "Igualmente improcede o argumento de que a sua situação não se enquadra no quadro fáctico-jurídico do Acórdão do Tribunal Constitucional uma vez que como resulta expresso deste mesmo Acórdão n° 355/2012, a jurisprudência ali fixada aplica-se aos alunos que tenham terminado o ensino recorrente em ano letivo anterior ao de 2011/2012, independentemente da data da matrícula.
E nem se diga que lhe estão a ser retiradas habilitações académicas, uma vez que a recorrente mantém a certificação do ensino secundário regular e do ensino secundário recorrente, como bem se refere na decisão recorrida; (...)
Ora, o que agora sucedeu, foi um mero procedimento de cálculo, de acordo com as normas que o TC não considerou inconstitucionais, o que veio determinar, não a retirada de qualquer habilitação académica à recorrente, mas apenas a adoção de uma nova forma de cálculo e apuramento da classificação final para efeitos de candidatura ao ensino superior, sempre com base nas mesmas notas obtidas no ensino secundário, que não sofreram alteração."
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se vislumbra que mereça censura o discorrido e decidido pelo tribunal de 1ª instância.
* * * Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 22 de setembro de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: João Beato (Em substituição)
Ass.: Luís Migueis Garcia |