Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00282/08.0BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/26/2015 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | Vital Lopes |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO CISÃO NEUTRALIDADE FISCAL |
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Sumário: | I - De acordo com o disposto no art° 67°, n° 2 do CIRC “Considera-se cisão a operação pela qual: a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade, mantendo pelo menos um dos ramos de actividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10 % do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas” II - Para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos art°s 67° e segs do CIRC, não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, sendo esta detentora da totalidade do capital social daquela, tal como resulta dos n°s 3 e 6 do art° 68° do CIRC. III - Aliás, tal como já resultava da Directiva 78/855/CEE, de 9 de Outubro de 1978, a atribuição aos sócios da sociedade cindida de participações da sociedade beneficiária visava a protecção destes e não a neutralidade fiscal (vd. art° 10°, nºs 1 e 2).* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | V..., SA |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
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Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO V..., S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação n.º2008 8310033525 relativa IRC e juros compensatórios do ano de 2003, da qual decorre um saldo a pagar de 5.827.549,46€. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo. Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente improcedente a impugnação. B. De acordo com o tribunal a quo, “a operação em causa não pode beneficiar do benefício da neutralidade fiscal pela simples razão de à cisão em causa lhe falecer o pressuposto legal de atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias. E se a operação não cabe no dito regime especial, há-de cair então no regime geral do art. 43º do CIRC”. Além do exposto, entendeu também o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela “que a transferência dos elementos patrimoniais para a esfera das empresas beneficiárias gerou variações patrimoniais positivas que, nas termos do art. 21° do CIRC, não podem deixar de se reflectir nos respectivos lucros tributáveis”. C. Esta decisão vem em contradição com uma outra, proferida pelo mesmo tribunal, no âmbito do processo n° 281/08.1BEMDL, cm que era impugnante a sociedade V… - IMOBILIÁRIA, S.A., e onde estavam em causa os mesmos factos dos presentes autos, bem como a mesma matéria de direito, desta feita relativa à correcção promovida pelos serviços de inspecção tributária na esfera da sociedade que, na operação de cisão-fusão que dá também origem à correcção fiscal aqui discutida, se assume como cindida. Nesta última decisão reconheceu-se que foi produzida prova susceptível de permitir a conclusão segundo a qual “não é condição de aplicação do regime de neutralidade fiscal a atribuição formal ao sócio da sociedade cindida de partes representativas ou participações da(s) sociedade(s) beneficiária(s)”, sendo “irrelevante, para os efeitos da discussão, que haja lima atribuição formal de participação social, uma vez que, dentro da esfera jurídica do accionista, apenas existe uma transferência de participações entre as sociedades de que é dono e não uni aumento do valor dessa mesma participação em virtude da operação de cisão/fusão”. D. Entende a recorrente que a decisão de que vem interposto o presente recurso merece censura, imputando-lhe um erro de julgamento de facto ou de direito. E. De acordo com a recorrente, o tribunal a quo limitou-se a reiterar aquele que é o posicionamento da Administração fiscal constante, não só do relatório de inspecção fiscal, como da respectiva contestação - entendimento este aqui impugnado -, face às questões jurídicas suscitadas, fazendo tábua rasa de toda a matéria de facto de que foi feita prova - quer testemunhal quer documental - nas instâncias próprias. F. O tribunal a quo limitou-se, enfim, a repetir as mesmas razões que a Administração fiscal havia tomado públicas no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, razões estas basicamente assentes em falsos pressupostos de sujeição, numa perturbadora incompreensão da matéria de facto e, bem assim e em consequência, numa inevitável má leitura dos argumentos de direito aduzidos. G. De acordo com a fundamentação do acto de liquidação impugnado (constante do Relatório de Inspecção, da contestação da Sra. Representante da Fazenda Pública e agora do articulado de alegações de recurso apresentado), é imputado à impugnante o não cumprimento de todos os requisitos exigidos para a aplicação do regime especial previsto nos art.°s 67.° e ss. do Código do IRC. H. Tal entendimento, todavia, tem subjacente uma errada percepção da matéria factual e errónea aplicação do direito, pelo que as liquidações adicionais cm que se projectou são manifestamente ilegais e a sentença recorrida ilegal na percepção que tem do direito mobilizável. I. De resto, quer a decisão administrativa de correcção tributária quer a sentença de que se recorre, descrevem de forma geralmente fidedigna, nas respectivas fundamentações, os detalhes mais relevantes das operações de cisão-fusão aqui em análise, designadamente a qualificação jurídico-societária que lhes foi conferida no Relatório de inspecção fiscal, os movimentos contabilísticos ocorridos e as alterações delas resultantes, o que denota uma evidente preocupação com o rigor da base factual de onde parte a sua análise jurídico-tributária. J. Com efeito, a atribuição de acções ao sócio da sociedade cindida, não pode ser considerada como um verdadeiro requisito da aplicação do regime de neutralidade fiscal, como quer a Administração fiscal e como admite o tribunal recorrido. K. A não verificação de tal requisito em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal. L. Os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.ºs 67.° e seguintes do Código do IRC não saem minimamente beliscados da operação de cisão-fusão em apreço, sem que tenha ocorrido emissão de novas acções. M. Falta, é certo, na operação de cisão-fusão em causa nos presentes autos, a entrega de acções da sociedade beneficiária (V…) ao sócio (U… ÁGUAS) da sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRIA). N. Mas percebe-se porquê: é que o sócio (U… ÁGUAS) que detinha a 100% a sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRJA) era exactamente o mesmo que detinha integralmente as participações no capital da sociedade beneficiária (V…), o que tornou obviamente dispensável, por exemplo, a realização de aumentos de capital com emissão de novas acções. O. Não se verificou, naquela situação, a necessidade de operar com qualquer razão de troca, uma vez que, quer a sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRIA), quer a sociedade beneficiária dispunham do mesmo accionista, com exclusão de quaisquer outros. P. Do ponto de vista do accionista único da sociedade contribuidora (U… ÁGUAS), o ingresso dos activos transmitidos no património da sociedade beneficiária (V…) funcionou, assim, como uma entrada de capital, realizada pelo sócio, que não teve contrapartida na emissão de acções, a qual constitui uma fórmula de reforço dos capitais próprios das sociedades admitida pela doutrina. Q. Ditas as coisas de outra forma: sendo coincidente o accionista único da sociedade contribuidora e o da sociedade beneficiária, ninguém dispunha de interesse em que o aumento de valor desta última, correspondente ao ingresso dos activos transmitidos, fosse de algum modo representado por novas acções (ou por acções próprias disponibilizadas para o efeito). R. O ponto é justamente este: o GRUPO U… viu ser-lhe recusado o regime de neutralidade da operação de cisão-fusão em que é interveniente a sociedade ora impugnante em virtude de ter adoptado a fórmula simultaneamente mais simples e mais natural, nas suas específicas circunstâncias. S. Mas se tivesse havido lugar à entrega de acções ao accionista (U… ÁGUAS) da sociedade beneficiária (V…) - o que, sendo embora absolutamente inútil e desadequado na operação em causa, poderia realizar-se com a maior facilidade -, já a aplicação do mesmo regime lhe seria reconhecida sem qualquer problema. T. Ora é justamente a perplexidade causada por esta situação que obriga a que se aprofunde um pouco mais o sentido e a função da referência à atribuição de acções na economia do preceito que se encontra em análise. U. Na verdade, para os efeitos do art. 67° do Código do IRC, a não ocorrência de atribuição de acções ao sócio da sociedade beneficiária, nos termos referidos, só pode ser determinante para inviabilizar a aplicação do mencionado regime se houver de entender-se que essa atribuição constitui um seu verdadeiro requisito - no sentido de que constitui uma exigência determinada pela respectiva ratio ou por outros objectivos inteligíveis de política fiscal. V. Deve, por isso, verificar-se, em primeiro lugar, a quem é necessário entregar acções da sociedade beneficiária, do ponto de vista da Administração fiscal. Será que esta considera imperioso que, na cisão-fusão que aspire ao regime de neutralidade, sejam entregues acções a todos e quaisquer sócios da sociedade contribuidora? W. É fácil de ver que um tal entendimento conduziria a resultados inaceitáveis. X. A título complementar, verifica-se que, subjacente à tese propugnada pela Administração fiscal e permitida pelo tribunal de primeira instância, está uma violação clamorosa dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pois numa operação em que não há, demonstradamente, qualquer criação de valor, em que U… ÁGUAS mantém na sua esfera, em todos os momentos, os mesmos activos (nem mais nem menos) com os mesmos custos de aquisição originários, é manifestamente desproporcionado exigir correcções que ultrapassam os € 15.000.000,00. TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE E A DOUTA SENTENÇA INTEGRALMENTE ANULADA». A Recorrida não apresentou contra-alegações. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido do acerto do julgado que considerou válida a liquidação impugnada, reiterando para tal a fundamentação aduzida pela Administração tributária para a prática do acto. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), a questão a resolver é de direito e reconduz-se a saber se uma vez que na operação de cisão-fusão em causa não existiu atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital da sociedade beneficiária, tal operação é ou não susceptível de beneficiar do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do CIRC. 3 – DA MATÉRIA DE FACTO Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: «1. O acto de liquidação impugnado (cfr Relatório de Inspecção Tributária) resulta do entendimento sancionado pela Direcção dos Serviços do IVA e do teor dos Despachos n° 36 e n° 37-XVI, de 13.01.2005, do SEAF, segundo o qual à operação de cisão-fusão realizada pelo GRUPO U… - em que é interveniente a ora Impugnante - não é aplicável o regime de neutralidade fiscal a que se referem os artigos 67° e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC). 2. Em causa está, concretamente, a operação de cisão da sociedade V…- a qual passou a adoptar a designação social de V… Imobiliária -, na modalidade de cisão-fusão, por destaque das unidades económicas de produção de água com gás e turismo associado e de produção de água lisa para incorporação na sociedade S… - a qual passou a adoptar a designação social de V… - e na sociedade U… Águas, respectivamente. 3. De acordo com a Administração Tributária (AT), na medida em que não terá sido observada, na operação de cisão-fusão em referência, a exigência, imposta pela norma das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 67° do CIRC, da atribuição aos sócios de partes representativas de capital social da sociedade beneficiária, e na medida em que a verificação dessa exigência configura uma condição da aplicabilidade do regime de neutralidade, não pode a mesma beneficiar deste regime especial, devendo antes à referida operação aplicar-se o regime geral de tributação. 4. Como consequência, entende a Administração Tributária (AT) que deverá considerar-se que a sociedade contribuidora – V… Imobiliária - transmitiu os activos destacados ao correspondente valor de mercado, sendo necessário apurar as mais-valias ou menos-valias eventualmente realizadas, nos termos do art. 43° do Código do IRC e que a sociedade beneficiária, aqui impugnante – V… -, por idêntica razão, terá experimentado uma variação patrimonial positiva, que concorre para a determinação do respectivo lucro tributável nos termos dos n°s 1 e 2 do art. 21° do Código do IRC. 5. Nesta conformidade, a Administração Tributária promoveu a avaliação dos activos destacados da V… Imobiliária e incorporados na V…, para o que utilizou diversos critérios de avaliação, corrigiu a matéria colectável declarada pela V… Imobiliária, no montante de € 10.612.237,43, correspondente ao saldo apurado das mais e menos-valias fiscais realizadas, e acresceu, nos termos dos n°s 1 e 2 do art. 21° do Código do IRC, ao resultado líquido da V…, a título de variações patrimoniais positivas, o valor de € 10.932.155,32, consubstanciado no aumento da situação líquida da sociedade por efeito do aumento das reservas de reavaliações no montante de € 7.923.565,65 e de resultados transitados no montante de € 3.008.589,67, e o valor de € 13.521.998,76, consubstanciado no efeito da valorização a preços de mercado do activo imobilizado destacado, através do acto de liquidação que aqui se impugna». E mais se deixou consignado na sentença, em sede factual: «As testemunhas inquiridas (a saber, L… - Jurista do Departamento Jurídico do BPI e Docente Universitário, e, J… - Economista, Revisor Oficial de Contas e Docente Universitário), mais do que depor acerca dos factos que de resto não oferecem controvérsia, declararam ter participado na preparação das operações de fusão-cisão aqui em causa e defenderam o enquadramento jurídico pugnado pela aqui Impugnante». 4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA Como ressalta dos elementos dos autos e do não impugnado probatório, em causa a aplicabilidade ou não do regime de neutralidade fiscal à operação de cisão da sociedade V… - a qual passou a adoptar a designação social de V… Imobiliária -, na modalidade de cisão-fusão, por destaque das unidades económicas de produção de água com gás e turismo associado e de produção de água lisa para incorporação na sociedade S…- a qual passou a adoptar a designação social de V… - e na sociedade U… Águas, respectivamente. De acordo com a Administração tributária, na medida em que não terá sido observada, na operação de cisão-fusão em referência, a exigência, imposta pela norma das alíneas a) e b) do n.º2 do art.º67.º do CIRC, da atribuição aos sócios de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária (impugnante/Recorrente), e na medida em que a verificação dessa exigência configura uma condição da aplicabilidade do regime de neutralidade, não pode a mesma beneficiar deste regime especial, devendo antes à referida operação aplicar-se o regime geral de tributação. Como consequência, entende a Administração tributária que deverá considerar-se que a sociedade contribuidora – V… Imobiliária – transmitiu activos destacados ao correspondente valor de mercado, sendo necessário apurar as mais-valias ou menos-valias eventualmente realizadas, nos termos do art.º43.º do CIRC e que a sociedade beneficiária V… (impugnante/ Recorrente), por idêntica razão, terá experimentado uma variação patrimonial positiva, que concorre para a determinação do respectivo lucro tributável, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º21.º do CIRC. Nesta medida e, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º21.º do CIRC, com relação à sociedade beneficiária V… (impugnante/ Recorrente), a Administração tributária fez acrescer ao seu resultado líquido, a título de variações patrimoniais positivas, o valor de 10.932.155,32€, consubstanciado no aumento da situação líquida da sociedade por efeito do aumento das reservas de reavaliações no montante de 7.923.565,65€ e de resultados transitados no montante de 3.008.589,67€, e o valor de 13.521.998,76€ consubstanciado no efeito da valorização a preços de mercado do activo imobilizado destacado, correcções que a liquidação de IRC de 2003 reflecte e que a impugnante não aceita. E as razões da sua discordância com as correcções praticadas assentam fundamentalmente no entendimento de que, contrariamente ao propugnado pela Administração tributária, a operação de cisão-fusão em causa é susceptível de beneficiar do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do Código do IRC, embora não tenha existido, é facto, atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital da sociedade beneficiária. Entende, em suma, que o Código do IRC permite a operação pela qual uma sociedade vê destacada parte do seu património que depois é fundida ou incorporada numa outra sociedade - operação que se denomina de cisão-fusão, mesmo quando não são atribuídas acções da sociedade beneficiária ao sócio da sociedade contribuidora, porque este as detém a ambas a 100%, o que tornaria redundante e inútil, em qualquer plano, a referida atribuição. Com efeito, na parte em que se refere às fusões e às cisões, o art.° 67° do Código do IRC mais não faz do que reproduzir os tipos previstos no CSC, exigindo, no fundo, como condição da aplicabilidade do regime da neutralidade, que estejamos em presença de operações válidas na perspectiva da lei societária, e também neste plano não há qualquer obstáculo a que o dito regime seja aplicado à operação sub judice, uma vez que ela, à face do CSC, é indubitavelmente válida. Por outro lado, a não verificação dessa atribuição em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal, pois que os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.°s 67° e seguintes do Código do IRC não saem minimamente beliscados da operação de cisão-fusão em apreço, sem que tenha ocorrido emissão de novas acções. A tese propugnada pela Administração fiscal, constitui uma violação clamorosa dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pois numa operação onde não há, demonstradamente, qualquer criação de valor, em que U… ÁGUAS mantém na sua esfera, em todos os momentos, os mesmos activos (nem mais nem menos) com os mesmos custos de aquisição originários, é manifestamente desproporcionado exigir correcções que ultrapassam os 15.000.000,00€. A Recorrida Fazenda Pública entende diferentemente. A seu ver, para efeitos da aplicação do regime de neutralidade fiscal, a fusão-cisão deve estar expressamente contemplada na enumeração taxativa do n°2 do art.º67° CIRC e observar os requisitos aí previstos. Se a operação não se integrar no elenco das previsões constantes do art.º67°, isso implica que não pode beneficiar do regime de neutralidade fiscal, ficando sujeita ao regime geral de tributação. Ora, resulta das definições constantes das alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 67° do CIRC, que a atribuição aos sócios de partes representativas do capital é pressuposto básico da configuração da cisão enquanto operação susceptível de qualificação para efeitos do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do Código do IRC. Assim, configurando este regime especial, um verdadeiro benefício fiscal, estabelecendo uma excepção ao regime geral de tributação, a interpretação dos preceitos em que se funda não é susceptível de integração analógica, nem consente que seja aplicado a operações que não se subsumem às situações taxativamente previstas na lei. O julgado considerou válida a liquidação impugnada, reiterando para tal a fundamentação aduzida pela Administração tributária para a prática do acto, na óptica da impugnante/Recorrente com manifesto desacerto na interpretação e aplicação do direito aos factos. Importa, pois, decidir qual das duas teses em confronto colhe o apoio legal. A questão já foi apreciada e decidida no acórdão do STA de 20/12/2011 – tirado no proc.º865/11 em que era impugnante/Recorrida a sociedade V…– Imobiliária, S.A. e onde estavam em causa os mesmos factos, bem como a mesma matéria de direito, dessa feita relativos à correcção promovida pelos serviços de inspecção tributária na esfera da sociedade que, na operação de fusão-cisão que dá também origem à correcção fiscal aqui discutida, se assume como cindida – no sentido de que, para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos arts. 67º e segs. do CIRC não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, sendo esta detentora da totalidade do capital social daquela, tal como resulta dos nºs. 3 e 6 do art. 68º do CIRC. Tendo em conta o disposto no n.º3 do art.º8.º do Código Civil [“Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”] e porque não vemos razões para divergir da solução jurídica preconizada naquele aresto, aliás, já acolhida no posterior acórdão daquele alto tribunal de 23/04/2013, proferido no proc.º0180/13, sufragamos a fundamentação dele contante, no sentido de que a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária não constitui um requisito que vise assegurar a neutralidade fiscal da operação de fusão ou cisão de sociedades, constituindo, antes, um requisito que visa apenas assegurar a protecção dos sócios da sociedade cindida, conforme resulta das disposições legais e da evolução normativa do próprio regime em causa. Com a devida vénia e as necessárias adaptações, seguimos a fundamentação daquele acórdão do STA, de 20/12/2011, tirado no proc.º865/11. O art°68° do CIRC (a que hoje equivale o art° 73°, n° 2, alínea a) do mesmo diploma, na redacção dada pelo DL n° 159/2009, de 13 de Julho que alterou e republicou o mesmo Código), estabelecia nos seus n°s 2, alínea a) e 7, respectivamente, o seguinte: “2 – Considera-se cisão a operação pela qual: a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade, mantendo pelo menos um dos ramos de actividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas;” 7 - O regime especial estatuído na presente subsecção aplica-se às operações de fusão e cisão de sociedades e de entrada de activos, tal como são definidas nos n°s 1 a 3, em que intervenham: a) Sociedades com sede ou direcção efectiva em território português sujeitas e não isentas de IRC, cujo lucro tributável não seja determinado pelo regime simplificado;” Temos então que a “cisão” de sociedades constitui uma operação pela qual uma sociedade separa do seu património alguns ou a totalidade dos seus elementos activos ou passivos para os integrar: a) noutra ou noutras sociedades já constituídas; b) noutra ou noutras sociedades a constituir. Trata-se aqui de uma figura jurídica prevista nas alíneas a) e c) do art° 118° do Código das Sociedades Comerciais e também no art° 2°, alínea b) da Directiva 90/434/CEE, do Conselho de 23 de Junho de 1990, que estabelecem, respectivamente o seguinte: “1. É permitido a uma sociedade: a) Destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade; b) Dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir nova sociedade; c) Destacar partes do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade. 2. As sociedades resultantes da cisão podem ser de tipo diferente do da sociedade cindida “. “Para efeitos da presente Directiva, entende-se por: «Cisão»: a operação pela qual uma sociedade transfere, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para duas ou mais sociedades já existentes ou novas, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da entrada, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos”. Os elementos essenciais da cisão são os seguintes: (Seguimos aqui Luís Manuel Teles de Menezes Leitão - Fusão, cisão de sociedades e figuras afins, Revista Fisco n° 57, Setembro de 1993, págs. 18 e segs.) a) Negócio jurídico de cisão, b) Transmissão de bens determinados ou, no caso de cisão total, do património a título universal “pro quota”; c) Manutenção da garantia patrimonial dos credores; d) Contraprestação em acções ou noutros títulos de participação social. Por sua vez, constituem modalidades da cisão as seguintes: a) cisão simples - em que se destaca parte do património de uma sociedade para com ela se constituir outra sociedade; b) cisão-dissolução - em que se dissolve e divide o património de uma sociedade, sendo cada uma das partes resultantes destinadas a constituir uma nova sociedade; c) cisão-fusão - em que se destacam ou dissolvem partes do património, dividindo o património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedade já existentes ou com partes do património de outras sociedades separadas por idênticos processos e com igual finalidade. No caso dos autos, em face do ponto 2 do probatório, estamos perante uma cisão-fusão, uma vez que da sociedade V…– que passou a adoptar a designação social de V… IMOBILIÁRIA - foram destacadas unidades económicas que igualmente foram incorporadas na sociedade S – que passou a adoptar a designação social de V… (aqui impugnante/Recorrente) e na U… ÁGUAS, sendo certo que se exige que as partes de património objecto de transmissão mereçam sempre a consideração própria como ramo de actividade, enquanto conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, isto é, um conjunto de elementos capaz de funcionar pelos seus próprios meios. (Processo 330/2007, Despacho de 2008.01.30 do Subdirector-Geral dos Impostos.) Então estão verificados os requisitos previstos no citado art° 67°, n° 2, alínea a) do CIRC, salvo o da atribuição aos sócios da sociedade cindida de participações na sociedade beneficiária. Será que esta atribuição constitui requisito para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos art°s 67° a 72° do CIRC (hoje art°s 72° a 79°)? Vejamos. No Relatório de Inspecção (cf. fls.16 do apenso instrutor), deixou-se consignado que «…às operações de cisão-fusão descritas não é aplicável o regime de neutralidade fiscal, previsto nos art° 67° e seguintes do código do IRC, dado que nos termos das alíneas a) e b) do n° 2 do referido art° 67°, exige-se sempre “a atribuição aos sócios de partes representativas de capital social” das sociedades beneficiárias. Com efeito, verifica-se que, contrariamente ao que sucedeu para a fusão, dado o disposto na al. c) do n° 1 do art°. 67° do código do IRC, o legislador não previu para a hipótese de cisão-fusão a situação de a sociedade beneficiária ser detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida, caso em que não se verificava essa relação de troca de participações (cfr artigos 120° e 116° do Código das Sociedades Comerciais)». Será assim? Na redacção inicial do CIRC, aprovado pelo DL n° 442-B/88, de 30 de Novembro, o art°62°, n° 1, estabelecia o seguinte: 1 - À fusão e cisão de sociedades com sede ou direcção efectiva em território português é aplicável o regime estabelecido neste artigo desde que se verifiquem as seguintes condições: a) A sociedade para a qual é transmitido o património das sociedades fundidas ou cindidas tenha sede ou direcção efectiva naquele território; b) Os elementos patrimoniais activos e passivo objecto de transmissão sejam inscritos na contabilidade da sociedade mencionada na alínea anterior com os mesmos valores que tinham na contabilidade das sociedades fundidas ou cindidas; c) Os valores referidos na alínea anterior sejam os que resultam da aplicação das disposições deste Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal. O Decreto-Lei n° 123/92, de 2 de Julho, veio aditar ao mesmo artigo o nº 7, que passou a estabelecer o seguinte: “É equiparada à fusão a operação pela qual uma sociedade transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora dos títulos representativos do seu capital social”. Por sua vez, o Decreto-Lei n° 198/2001, de 3 de Julho, que procedeu à revisão do CIRC, manteve no art°67°, nº1 a mesma redacção do art°62° transcrito, mantendo também a redacção do n°7. O Decreto-Lei n° 221/2001, de 7 de Agosto, deu nova redacção aos n°s 1 e 2 do art° 67°, os quais ficaram com a seguinte redacção: 1 - Considera-se fusão a operação pela qual se realiza: a) A transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; b) A constituição de uma nova sociedade (sociedade beneficiária), para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos sócios destas atribuídas partes representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; c) A operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social. 2 - Considera-se cisão a operação pela qual: a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca uma ou mais partes do seu património para com elas constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para as fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; b) Uma sociedade (sociedade cindida) é dissolvida e dividido o seu património em duas ou mais partes, sendo cada uma delas destinada a constituir um nova sociedade (sociedade beneficiária) ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas”. É esta também a redacção do art°73° do CIRC (equivalente àquele art°67°), após a revisão do mesmo Código pelo Decreto-Lei n° 159/2009, de 13 de Julho. Pelo que ficou dito, até à alteração operada pelo Decreto-Lei n° 123/92 no art°67°, nem relativamente às sociedades fundidas, nem relativamente às sociedades cindidas, se relevava o facto de, eventualmente, as sociedades beneficiárias serem detentoras da totalidade do capital das sociedades fundidas ou cindidas. Foi este diploma que, ao aditar o n°7, veio determinar que: “É equiparada à fusão a operação pela qual uma sociedade transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora da totalidade dos títulos representativos do seu capital social”. Todavia, quanto à cisão de sociedades, não existe norma expressa equivalente àquela, nem existe também nenhuma norma que mande aplicar à cisão o disposto no mesmo nº7. Será então que o legislador quis, neste caso, afastar o regime de neutralidade quando, num caso como o dos autos, não houvesse atribuição de participações? No n°11 do Decreto Preambular que aprovou o CIRC — Decreto-Lei n° 442-B/88 -, escreveu-se o seguinte: “Outra área em que se faz sentir a necessidade de a fiscalidade adoptar uma postura de neutralidade é a que se relaciona com as fusões e cisões de empresas. É que a reorganização e o fortalecimento do tecido empresarial não devem ser dificultados, mas antes incentivados, pelo que, reflectindo, em termos gerais, o consenso que ao nível da CEE, tem vindo a ganhar corpo neste domínio, criam-se condições para que aquelas operações não encontrem qualquer obstáculo fiscal à sua efectivação desde que, pela forma como se processam, esteja garantido que apenas visam um adequado redimensionamento das unidades económicas.” Por sua vez, o Decreto-Lei n° 123/92, de 2 de Julho, que veio alterar o regime das fusões e cisões, na sequência da Directiva 90/434/CEE, de 23.07.1990, manteve este entendimento quando se escreveu no respectivo Preâmbulo: “Quanto à Directiva sobre fusões e cisões são preocupações de neutralidade fiscal que norteiam as disposições constantes da mesma e que já haviam sido acolhidas no CIR, quanto às fusões e cisões entre sociedades residentes em território português. Assim, no essencial, estende-se às fusões e cisões entre sociedades de diferentes Estados-membros das Comunidades Europeias o regime que já estava estabelecido para as fusões e cisões internas.” A Directiva 90/434/CEE, acima referida, vincou também nos seus considerandos iniciais que “as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo a realização e o bom funcionamento do mercado comum; que essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-membros; que importa, por conseguinte, instaurar, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional”. E refere-se ainda na mesma Directiva que o regime fiscal comum deve evitar a tributação das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções, salvaguardando os interesses financeiros do Estado da sociedade contribuidora ou adquirida, já que o resultado das operações de fusão, cisão e entradas de activos será normalmente quer a transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária da entrada quer a afectação dos activos a um estabelecimento estável desta última sociedade. E, assim, o regime de adiamento, até à sua realização efectiva, da tributação das mais-valias relativas aos bens transferidos, aplicado aos bens que estejam afectos a esse estabelecimento estável, permite evitar a tributação das mais-valias correspondentes, garantindo ao mesmo tempo a sua tributação posterior pelo Estado da sociedade contribuidora, no momento da sua realização. Por outro lado, a atribuição, aos sócios da sociedade contribuidora, de títulos da sociedade beneficiária ou adquirente não deve, por si só, originar qualquer tributação desses sócios. Significa isto então que essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-membros, a fim de não prejudicar a concorrência e permitir o regular funcionamento de um saudável mercado interno. No caso dos autos está provado que a cisão operada na V… IMOBILIÁRIA teve por objecto a reorganização da estrutura societária do grupo. Ora, sendo certo que existiu transferência de património da sociedade cindida para a beneficiária, sem aumento de capital nesta e diminuição de capital naquela, a verdade é que, como resulta do Relatório de Inspecção Tributária (cf. fls.15 do apenso instrutor), o património foi destacado pelo seu valor contabilístico, e escriturado com o mesmo valor na sociedade beneficiária. De acordo com o n°3 do art°68° do CIRC, em vigor à data dos factos, é condição da aplicação do regime especial de neutralidade fiscal que os elementos patrimoniais objecto de transferência mantenham os mesmos valores que tinham na sociedade fundida ou cindida antes da realização da respectiva operação, situação que ocorre nos autos. Acresce ainda que, a entender-se a ocorrência de uma diminuição de capital na sociedade cindida e a um aumento de capital na sociedade beneficiária, também esta situação estaria coberta pelo artigo citado, n°6, onde se estabelece que quando a sociedade beneficiária detém uma participação no capital da sociedade fundida ou cindida, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas naquelas sociedades em consequência da fusão ou da cisão. Ora, se assim é quando há participação em parte do capital da cindida, por maioria de razão há-de tal ocorrer quando a beneficiária detém a totalidade do capital social da cindida. Quer isto então dizer que, num caso como o dos autos, não constitui requisito da neutralidade fiscal na cisão-fusão, a atribuição aos sócios de participações sociais, até porque a sociedade beneficiária não teve qualquer mais-valia com a transferência de parte do património da cindida para si, uma vez que este ficou com o mesmo valor contabilístico que tinha naquela. Assim, a sociedade beneficiária verá diferida para mais tarde a tributação por eventuais mais-valias ou outros ganhos sujeitos a imposto, decorrentes da operação de cisão-fusão. O entendimento que se deixou expresso, no sentido de que a atribuição de participações aos sócios da sociedade cindida ou beneficiária não constitui requisito da neutralidade fiscal, sendo antes estabelecida em benefício dos sócios, tem apoio na Directiva n°75/855/CEE, de 9 de Outubro de 1978, cujo art°10°, estabelece: “1. Relativamente a cada uma das sociedades participantes na fusão, um ou mais peritos independentes destas, designados ou reconhecidos por uma autoridade judicial ou administrativa, examinarão o projecto de fusão e redigirão um relatório escrito, destinado aos accionistas. Contudo, a legislação de um Estado-membro pode prever a nomeação de um ou de vários peritos independentes para todas as sociedades participantes na fusão, se esta nomeação for feita por uma autoridade judicial ou administrativa, a pedido conjunto das sociedades. Estes peritos podem ser pessoas singulares ou colectivas ou sociedades, conforme dispuser a legislação de cada Estado-membro. 2. No relatório mencionado no n° 1, os peritos devem sempre declarar se, em sua opinião, a relação de troca de acções é justa e razoável. Esta declaração deve, pelo menos: a) Indicar o método ou os métodos seguidos para a determinação da relação de troca proposta; b) Indicar se tal ou tais métodos são adequados ao caso concreto e mencionar os valores a que cada um desses métodos conduz, emitindo parecer sobre a importância relativa concedida a esses métodos na determinação do valor fixado”. Comentando esta disposição escreveu Carlos Baptista Lobo - Fiscalidade, n°s 26/27, pág. 33: “Este preceito visa a protecção dos accionistas face às decisões da sociedade que se decidiu fundir. Sendo essencialmente dirigido à defesa dos accionistas minoritários, este preceito é útil para a compreensão do processo de fusão. Efectivamente, as participações sociais das sociedades beneficiárias correspondem à quota-parte que caberia ao accionista em caso de liquidação. ...É, portanto, neste enquadramento que se deve entender a posição dos sócios da sociedade fundida. De facto, tal como os credores e terceiros, os sócios devem ver a sua posição protegida face às decisões da sociedade cindida. E por essa razão que a Terceira Directiva refere explicitamente o seu objectivo fundamental: “protecção dos interesses dos sócios e terceiros”, prevendo que os sócios devam ser adequadamente informados (tendo o projecto de fusão um papel fundamental nesta matéria). …No entanto, ainda não satisfeito, o legislador comunitário impôs a elaboração de relatórios adicionais, elaborados por peritos independentes. A função destes relatórios é determinar de forma objectiva e precisa se os accionistas ficam salvaguardados de forma justa e equitativa relativamente às participações sociais da sociedade beneficiária, atendendo aos activos e passivos que lhe são transferidos pela sociedade absorvida.” Ainda sobre esta questão, escreve Joana Vasconcelos — A cisão de sociedades, pág. 20: “Em resultado da atribuição directa das participações que caracteriza a cisão, os sócios da sociedade cindida participam no capital de todas as sociedades beneficiárias, nos precisos termos em que o faziam naquela, sendo a conservação da sua participação social originária garantida pela adequação da relação de troca (proporcionalidade quantitativa) e pela regra da repartição proporcional das referidas participações (proporcionalidade qualitativa), podendo esta, todavia, ser afastada de modo a permitir a distribuição dos próprios sócios ou de grupos de sócios pelas diversas sociedades beneficiárias, segundo combinações e equilíbrios diversos da composição originária da sociedade cindida”. Ora, quando alguma das sociedades intervenientes na fusão possua uma participação no capital da outra, determina o art°104°, n° 3 do CSC que “Por efeito de fusão por incorporação, a sociedade incorporante não recebe partes, acções ou quotas de si própria em troca de partes, acções ou quotas na sociedade incorporada de que sejam titulares aquela ou esta sociedade ou ainda pessoas que actuem em nome próprio, mas por conta de uma ou de outra dessas sociedades”. Trata-se aqui de uma das três limitações do respectivo poder de voto consagradas neste preceito. Deste modo sempre que, na cisão-fusão por incorporação, a sociedade beneficiária preexistente detenha uma qualquer participação no capital da sociedade cindida, não receberá «partes, acções ou quotas de si própria» em troca de tal participação, quer se trate de cisão total, quer de cisão parcial. Trata-se, conforme sublinha RAUL VENTURA – Fusão, Cisão e Transformação de Sociedades, pág. 130, de um corolário «dos princípios gerais que regem as acções (ou quotas) próprias», justificando-se tal solução por um desígnio de «evitar uma duplicação fictícia de parte do património» da sociedade beneficiária. Podemos então concluir que a atribuição aos sócios da sociedade contribuidora (cindida) de partes representativas de capital da sociedade beneficiária não constitui um requisito que vise assegurar a neutralidade fiscal da operação de fusão ou cisão de sociedades, visando antes definir o que é uma operação de cisão e de fusão para efeitos fiscais. Na verdade, os requisitos da cisão e da fusão para efeitos de neutralidade fiscal estavam fixados nos n°s 3 e 4 do artº68° do CIRC, em vigor à data dos factos. Temos então que, sendo o objectivo da lei, com a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da beneficiária, assegurar a protecção dos sócios da sociedade cindida e não o de assegurar a neutralidade fiscal da cisão ou fusão, essa protecção não se justifica nos casos em que, como sucede nos autos, a cindida é detida a 100% pela beneficiária da operação de cisão-fusão. Pelo exposto, procedem as conclusões das alegações e, em consequência, obtém provimento o recurso. 5 - DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação. Custas a cargo da Recorrida em 1.ª instância. Porto, 26 de Novembro de 2015 Ass. Vital Lopes Ass. Cristina da Nova Ass. Pedro Vergueiro |