Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00046/13.9BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 12/05/2014 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Luís Migueis Garcia |
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Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR. PROJECTO DE DECISÃO FINAL. NOTIFICAÇÃO DE RELATÓRIO PERICIAL. |
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Sumário: | I) – O processo disciplinar, tal como se encontra gizado, não exige um projecto de decisão final como via de assegurar a audiência de interessados (art.º 100º do CPA), que ainda assim não deixa de ter lugar, enformada na particular estrutura de processo. II) – A garantia constitucional de defesa, em que avulta o contraditório, impõe a notificação do relatório pericial ao arguido.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | Ministério da Saúde |
Recorrido 1: | AOD... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Ministério da Saúde, interpõe recurso jurisdicional (operada convolação) de acórdão do TAF do Aveiro, que julgou procedente acção administrativa especial intentada por AOD (R. …), para impugnação de pena disciplinar. O recorrente discorda do decidido, oferecendo em recurso as seguintes conclusões: I. O Despacho Saneador-Sentença incorreu num patente erro de julgamento e, contrariamente ao sentido decisório objeto desta reclamação, as invocadas faltas de audiência prévia do arguido, geradoras de anulabilidade, não se verificam. II. Impõe-se, assim, a reclamação para a conferência relativamente ao Despacho Saneador-Sentença, III. Efetivamente, colhe o entendimento de que das decisões proferidas por juiz singular que devam ser apreciadas por tribunal coletivo há sempre, e apenas, reclamação para a conferência e nunca recurso. IV. Caso prevaleça o entendimento de que da decisão reclamada cabia recurso jurisdicional e não reclamação, deve a presente ser convolada em recurso jurisdicional, nos termos do art.º 199.°, n.° 1 do CPC. V. Improcedem as invocadas "causas de ilegalidades invocadas pelo Autor ao ato impugnado" por invocadas "faltas de audiência prévia geradores de anulabilidade", na medida em que o Estatuto Disciplinar cria um regime especial no qual o legislador não acolheu essas formalidades. VI. É certo que o direito de audiência do arguido é protegido constitucionalmente. VII. Mas labora em erro de julgamento a decisão reclamada ao perfilhar o entendimento de que o cumprimento do princípio de audiência prévia dos interessados é igualmente obrigatório em sede disciplinar, devendo a Administração ouvir o arguido, após a apresentação da defesa escrita deste, sobre a proposta de decisão final constante do relatório final. VIII. Há que ter em conta que o procedimento disciplinar é autónomo e independente do processo penal e dispõe dum regime especial consagrado no Estatuto Disciplinar. IX. Esse regime especial tem normas próprias e específicas, quer quanto à marcha do procedimento, quer quanto à audição e defesa do arguido. X. No âmbito do procedimento disciplinar, a audiência prévia do arguido encontra-se concretizada nas disposições legais que constam da "Fase de defesa do arguido", que lhe dão uma ampla faculdade de intervenção ao longo da instrução do processo. XI. Pelo que, não era obrigatório, que sob a invocação do artigo 100.° do CPA, o arguido fosse ouvido novamente, enxertando no regime especial de defesa do arguido em processo disciplinar, normas do regime geral. XII. O Estatuto Disciplinar institui um regime especial no qual o legislador fixou normas próprias para a defesa do arguido dentro do procedimento disciplinar, que são aquelas e não outras que as dupliquem. XIII. Em virtude do processo disciplinar ter regras próprias relativas à audiência do arguido, não se justifica a repetição dessa audiência para cumprimento do artigo 100.0 do CPA. XIV. A jurisprudência tem considerado que o artigo 100.° do CPA é uma "norma geral desatendível" quando exista uma norma especial que desempenhe uma função idêntica e preveja o mesmo resultado "dentro dum procedimento administrativo especial como é o procedimento disciplinar." XV. E é desatendível porque se aplica ao processo administrativo geral, quando em processo disciplinar o processo de audiência dos interessados está organizado de forma especial. XVI. A fase de audiência e defesa do arguido está estruturada em moldes próprios e específicos nos artigos 49.0 a 53.0 do Estatuto Disciplinar, com um âmbito mais amplo e abrangente, face à audiência prévia dos interessados prevista nos artigos 100.º e ss. do CPA. XVII. Donde, não tinha o arguido que ser ouvido no procedimento disciplinar em causa para cumprir a norma geral do art." 100.° do CPA, após a apresentação da sua defesa escrita. XVIII. Pelo que improcede a invocada falta de audiência prévia do arguido geradora de anulabilidade do ato punitivo. XIX. Labora igualmente em erro a decisão reclamada por perfilhar o entendimento de que o arguido deveria ter sido ouvido sobre o relatório pericial de informática, perícia por si requerida na fase da defesa, após a apresentação da sua defesa escrita, para cumprir uma formalidade essencial. XX. Todavia, não existiu omissão de formalidade essencial neste caso. XXI. Na verdade, o arguido foi ouvido sobre os artigos da acusação e apresentou a sua defesa escrita. XXII. Foram igualmente praticadas todas as diligências requeridas pelo arguido com vista à descoberta da verdade. XXIII. O Estatuto Disciplinar determina, nos termos dos artigos conjugados 51°, n.° 9 e 54º, n.° 1, que, finda a defesa do arguido, o instrutor elabora de imediato o relatório final. XXIV. E, seguidamente, a entidade competente para decidir, decidiu, cumprindo o disposto nos artigos 55.0 e 56.° do Estatuto Disciplinar. XXV. Entre a fase da defesa e a decisão não surgiram factos novos não constantes da acusação, sobre os quais o arguido não fora ouvido. XXVI. O conteúdo do relatório pericial de informática revelou-se inócuo para o arguido, sem qualquer influência na decisão. XXVII. Apenas foram levados aos relatório final e, consequentemente, à decisão, os factos contantes sobre a matéria nos artigos 17.0 e 18.º da acusação, sobre os quais o arguido se pronunciou na defesa. XXVIII. Donde, não tinha o arguido que ser ouvido novamente, e após a apresentação da sua defesa escrita, sobre os factos constantes da acusação. XXIX. Pelo que improcede a invocada falta de audiência do arguido após a apresentação da defesa escrita, geradora de anulabilidade do ato punitivo. O recorrido contra-alegou, concluindo: 1. O Recorrido não foi notificado do Relatório Pericial de informática, diligência probatória requerida no processo pelo próprio Recorrido; 2. Nos termos dos arts. art. 269.º, n.º3, 32.º, n.ºs 5 e 10, da CRP, era assegurado ao Recorrido o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva; 3. Andou bem a douta Decisão Reclamada ao, em atenção o disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º, da CRP, declarar que a falta desta notificação constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 37.º do E.D. 4. Por consequência, a falta da notificação gerou a anulabilidade do acto final decisório do Recorrente, nos termos do art. 135.º do CPA; 5. Procedeu bem o Recorrente ao recorrer às doutas palavras do Acórdão do STA de 8 de Julho de 2009, segundo as quais “o regime estabelecido nos artigos (...) (49.º a 53.º) do ED relativo à audição e defesa do arguido em processo disciplinar, corresponde ao regime geral dos arts. 100.º e 101.º do CPA, pelo que, tendo o arguido sido notificado da realização de todas diligências mostra-se cumprido o dever de audiência”; 6. Sem embargo, não foi realizada a notificação do resultado Relatório Pericial ao Recorrido, não sendo, por consequência, realizadas todas as diligências, pelo que não se mostrou cumprido o dever de audiência daquele; 7. A falta de notificação de interessados conhecidos no procedimento traduz a mais flagrante violação do direito de audiência; 9. Segundo RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (in CPA Anotado, pág. 450), “Nos processos disciplinares, seja por via da consideração do direito substantivo de que a audiência é instrumento (o direito de manter o vínculo de emprego público) seja por via da própria natureza do processo e do tipo de sanção cominada – também se chegará à mesma conclusão: sem audiência do arguido, é nula a decisão final, por violação de uma garantia fundamental que, para estes procedimentos, está consagrada no n.º3 do art. 269.º da Constituição, segundo o qual “em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa” – garantia que, no entender de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deveria ser extensiva a todos os procedimentos administrativos sancionatórios...”; 10. Nos termos do art. 37.º, n.º1, do E.D., “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade”; 11. Por consequência, o desrespeito crasso por este direito de audiência e de defesa em processo disciplinar, na função pública, que constitui garantia fundamental dos arguidos, como o proclama o art. 269.º, n.º3, da CRP, gera a sua violação, desembocando na anulabilidade do acto final decisório que aplicou a multa ao A., por ofensa desse direito fundamental – cfr. art. 135.º do CPA, e art. 37.º, n.º1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local; 12. Por tudo isto, andou bem a douta Decisão Reclamada ao anular o acto decisório do Recorrente, por violação do disposto nos arts. 269.º, n.º3, 32.º, n.ºs 1, 3, 10, ex vi art. 18.º, todos da CRP, e 100.º e ss. do CPA. * O Mº Pº, na pessoa da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, sufragando “in totum” do que foram razões da sentença, emitiu parecer de não provimento do recurso.* Dispensando vistos, cumpre decidir.* As questões em recurso: i) impõe-se, ou não, em processo disciplinar projecto de decisão, com vista a assegurar audiência dos interessados; ii) impõe-se, ou não, em processo disciplinar a notificação do relatório pericial ao arguido.* Os factos, que o tribunal a quo deu como provados:A) Em 10.02.2011, ao Autor foi instaurado, por despacho do Inspector Geral das Actividades em Saúde, o processo disciplinar 13/11, com base no teor do Relatório do IGAS nº 157/201 2, elaborado no âmbito do processo n.º 107/09-1 NO - Admitido; cfr, PA. B) O processo disciplinar supramencionado tem por objecto factos respeitantes à assistência médica e hospitalar que o Autor prestou ao doente JFAM - Admitido; cfr. PA. C) Em 14.02.2011, foi nomeado instrutor do processo, através da ordem de serviço n.° 33/2011 - Admitido; cfr. PA. D) Consta a fls. 2 do Relatório final, que “o processo de inquérito em referência constitui a fase de instrução do presente processo disciplinar, dando-se, consequentemente, aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o seu conteúdo..." - Admitido; cfr. PA. E) Nessa fase foi ainda junto aos autos o registo biográfico disciplinar do Autor, como foi também realizada uma peritagem médica da especialidade de Cardiologia - Admitido; cfr. PA. F) O Autor foi acusado da prática dos factos constantes no ponto 6.1.12. do Relatório final, por, segundo o instrutor do processo não ter agido "com o cuidado, com a diligência a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, no que diz respeito à tomada de decisão de dar alta ao doente para o domicilio e à entrega, no momento da alta, das análises clínicas de JMGJ.” - Admitido; cfr. PA. G) Considerou o instrutor do processo que os factos referenciados deviam ser "enquadrados, em termos de pena a aplicar, na cláusula geral punitiva do artigo 17.º do ED, a que corresponde a pena de Suspensão de (20) a noventa (90) dias, nos termos conjugados do art. 17.º com os artigos 9.º. n.° 1, alínea, c), 10.º, n.° 4, e 11.º, n.º 2, todos do ED." Admitido; cfr. PA. H) Na defesa escrita apresentada pelo Autor foi requerida produção de prova, mais concretamente, e em especial, a realização de peritagem colegial (de informática) aos computadores que foram utilizados no dia da prática dos factos, "com o sistema SAM para requisitar análises ao laboratório e com o sistema informático designado por "CLINIDATA", tendo sido, desde logo, formuladas 4 questões (...) e indicado perito do arguido" - Admitido; cfr. PA. I) No seguimento, decidiu ainda o Autor apresentar dois requerimentos com questões complementares a serem respondidas pelos peritos - Admitido; cfr. PA. J) Como consta no ponto 5.6. do Relatório final, “a peritagem de informática foi realizada.” - Admitido; cfr. PA. K) Em 19/07/2012, foi elaborado o Relatório final do IGAS n.° 157/2012 - Admitido; cfr. PA. L) Em 20.07.2012, por despacho da Entidade Demandada, exarado sobre o Relatório supramencionado, foi-lhe aplicada a pena de multa de 700,00€ - Admitido; cfr. PA. M) A decisão sancionatória foi notificada ao A, em 27/07/2012 - Admitido: cfr. PA. N) Só após a decisão final sancionatória, tomou o Autor conhecimento do Relatório Pericial, já que nunca antes fora notificado do mesmo - Admitido; cfr. PA. O) Entre a fase de instrução e o Relatório final da Entidade Demandada não houve qualquer comunicação ao Autor sobre o sentido provável da decisão, nos termos dos artigos 100.º e ss do CPA - cfr. PA. P) Em 01.08.2012 foi apresentado pelo Autor recurso hierárquico da decisão sanconatória - Admitido, cfr. PA. Q) Em 03.12.2012 foi o Autor notificada do despacho de indeferimento, exarado pelo Secretário de Estado da Saúde, ao recurso acima referido - cfr. PA. * O Direito.I) – Da alegada falta de audiência dos interessados. Nesta sede o tribunal “a quo” teve o seguinte discurso fundamentador : A audiência dos interessados é uma das mais importantes manifestações dos princípios da colaboração da Administração com os particulares, e o princípio da participação, formalizados, respectivamente, nos artigo 7 n.° 1 alínea b), e artigo 8.º do CPA. Acresce que, como consta do artigo 2.0, in fine, da CRP a audiência prévia tem dignidade constitucional, como refracção do principio democracia participativa, e enquanto previsão expressa da mesma enquanto direito dos cidadãos/dever da administração, no artigo 269.º, n.º 5, da Lei Fundamental, que estabelece que "o processo da actividade administrativa (..) assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito". Ora, em concretização do previsto na constituição no que à audiência prévia se reporta, o artigo 100.° do CPA estabelece que, concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 101º, os interessados tem o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral. A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos. Por sua vez, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo: "Não há lugar a audiência prévia dos interessados quando: a) A decisão seja urgente. b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão. c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se tome impraticável., devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada." E de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 103.º do CPA o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos: "a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas; b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados." Neste contexto, com o CPA o procedimento administrativo passou a obedecer, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, a um processo quadrifido já que "às três fases tradicionais acrescenta-se mais uma: depois da instrução, e antes da decisão final, há que chamar o interessado e ouvi-lo sobre o objecta do procedimento" in, "Fases do procedimento decisório do 1,º grau, in Direito e Justiça (DJ), Vol. VI, 1992, p. 29. Idem, "O novo Código do Procedimento administrativo", Seminário organizado pelo INA, 1992, p. 33 ss. É, pois, na fase instrutória "que se concretiza, na sua plenitude, esse especifico direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito" - cfr. FREITAS DO AMARAL In III Curso de Direito Administrativo, Vol. II, p. 352. Com efeito, “Transportar para esta fase do procedimento administrativo a possibilidade (ou principio) da contradição é a garantia mais substanciosa que se confere a todos os interessados, de que a sua versão dos factos e do direito ou a tutela dos seus interesses serão tomados em consideração na decisão de procedimento, mesmo que seja para os desqualificar, face a outros que a Administração tenha como prevalecentes." “O direito de audiência é também, sob pena de se lhe retirar grande parte do seu significado prático, o direito de ver ponderadas na decisão final as razões, a causa de pedir, suscitadas por cada interessado e contra-interessado. Nem que seja para as repudiar". - vide ESTEVES DE OLIVEIRA, iri Código do Procedimento Administrativo notado, p. 449. Considerando-se que o direito de audiência assegurado pelo artigo 100.º do CPA, no âmbito do procedimento administrativo constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito garantido pelo artigo 267.º n.º 5 da CRP, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses, ou, noutra formulação, a audiência dos interessados é uma manifestação do principio do contraditório entendido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, na medida em que através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do administrado, e que a referida disposição visa assim dar cumprimento à directiva constitucional de "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” - vide, entre outros, os Acórdãos, do STA, de 03-03-2004 proferido no âmbito do proc. 01240/02, de 11-10-2007, do Tribunal Central Administrativo - Norte de 5-02-2009 proferido no âmbito do proc. 01 240/0200815/06.6EPNF. Assim, e em síntese, as razões verdadeiramente importantes para a participação dos interessados são, em primeiro lugar, o facto de se dar garantias de defesa ao administrado, pois este pode, no termo da instrução e ainda antes de a decisão ser tomada, explicitar o seu ponto de vista e explicar à Administração que ela parte de matéria de facto que é errada ou que, por exemplo, não considerou determinados factos que deveriam ter sido objecto de ponderação por sua parte. Pela que estamos perante uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do acto, em regra, sancionada com a anulabilidade enquanto sanção prevista para os actos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção (artigo 135.° do CPA), na medida em que o artigo 100º do CPA constitui uma concretização constitucional, doutrina seguida em regra pela jurisprudência administrativa, a qual se acompanha - assim, V. PEDRO MACHETE, in "O direito de ser ouvido no âmbito de procedimentos especiais", in CJA, n.° 2, 1997, p. 48 e ss, e FREITAS DO AMARAL, in "Fases do procedimento decisório do 1º grau", DJ, Vol. VI, 1992, p. 32 Ora, in casu, estamos no âmbito de um processo disciplinar o qual detém especificidades inerentes à audiência de inetressados no seio desse processo. Desde logo, e acompanhando o Autor, a evolução recente do direito disciplinar entre nós, designadamente a partir do texto constitucional de 76, nos termos constantes do disposto no artigo 32º conferiu ao princípio da audiência e defesa do arguido dignidade e protecção de direito fundamental, “culminando o movimento já antes iniciado de “jurisdicionaIização" do processo disciplinar (in CJA, n.º 8, Março/Abril, 1998, p. 6). O processo disciplinar é hoje visto não como mero instrumento formal do exercício do poder disciplinar, mas como um adequado meio de tutela dos direitos e garantias dos arguidos e garantia de decisões ponderadas e justas. Dispõe o artigo 32.º da CRP (Garantias de processo criminal) o seguinte: 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo recurso. 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. 3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os aclos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. 4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutános que se não prendam directamente com os direitos fundamentais. 5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. 6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento. 7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei. 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. 9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. 10. Nos processos de contra-ordenação, bem corno em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”(itálico nosso). Assim, a CRP estabelece no respectivo artigo 32.º que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, aqui englobados "indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”. Tais garantias de defesa fazem parte da essência do Estado de Direito Democrático considerando-se inerentes a todos os processos sancionatórios. É o que sucede com a garantia ao arguido da sua audiência e defesa em processo disciplinar, consagrado no n° 3 do art° 269º da CRP, garantia que reveste a natureza de direito fundamental mas fora do catálogo enunciado na Parte I da CRP, o qual nos termos do artigo 17.º reveste a natureza de direito análoga ao aos direitos liberdades e garantias. O sentido útil da expressão constitucional ”garantia ao arguido da sua audiência e defesa em processo disciplinar" "é o de se dever considerar como nulidade insuprível a falta de audiência do arguido ou de formalidades essenciais à defesa" - cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA Constituição da República Portuguesa, última edição, em anotação aos artigos citados, e ainda ESTEVES DE OLIVEIRAIS IN Código do Procedimento Administrativo notado, p. 450. Em cumprimento da lei fundamental a lei ordinária veio concretizar, e para o que agora interessa, a garantia ao arguido da sua audiência e defesa em processo disciplinar. Assim, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 37.° do Estatuto Disciplinar é insuprível a nulidade resultante da falta do audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade. Este preceito deve ser entendido como expressão ou aflora mento de um princípio geral de audiência prévia dos interessados e do reconhecimento do seu direito de "defesa" relativamente a quaisquer decisões que para eles se traduzam num efeito punitivo ou equiparável, traduzindo-se, pois, o direito à audiência e defesa - o principio nemo inauditus damnari potest - num principio geral de direito com dignidade e hierarquia constitucional, como vimos supra Como sustenta M. LEAL HENRIQUES (in Procedimento Disciplinar, 2005, pag. 255) ".,.quer a Doutrina quer a Jurisprudência têm assumido sem rebuço que a expressão em causa - "audiência do arguido" - tem uma vocação mais ampla do que aquela que é sugerida pela sua literalidade, devendo antes ser entendida corno um expediente que se alarga no conteúdo, de modo a que possa assegurar, e durante toda esta fase do procedimento, uma defesa completa ao arguido.". Concluindo que 'Nesta conformidade ( ... ) devem incluir-se no conceito de falta de audiência do arguido e, portanto, geradores de nulidade insuprível, entre outras as seguintes situações: falta de audição do arguido em actos posteriores à apresentação da defesa.". - itálico nosso. Mais defendem a jurisprudência e a doutrina que no referido preceito se integram diversas realidades, tais como a ausência de formalidades essenciais à acusação e à defesa, a concessão de prazo insuficiente para a defesa, a não notificação ao arguido da junção de documentos, declarações ou depoimentos, a falta de inquirição de testemunhas apresentadas pelo arguido, a falta de notificação do advogado do arguido a estar presente à lnquirição das testemunhas arroladas na resposta, ou à inquirição oficiosa de testemunhas. Trata-se afinal de conferir ao arguido um processo justo e baseado na verdade material e nos direitos de audiência e de defesa constitucionalmente garantidos que pressupõem o exercício de todos os instrumentos aptos à impugnação da acusação. Ora, descendo ao caso dos autos, não é controverso, e por isso resulta da matéria assente, que "Entre a fase de instrução e o Relatório final da Entidade Demandada não houve qualquer comunicação ao Autor sobre o sentido provável da decisão, nos termos dos artigos 100.0 e ss do CPA”. A este propósito importa dizer, para além do que já ficou dito, que nos termos do artigo 54.º (Relatório final do Instrutor) n.° 1 do actual ED "Finda a fase da defesa do arguido, o instrutor elabora, no prazo de cinco dias, um relatório final completo e conciso donde constem a ( ... )" e nos termos do artigo 55.° (Decisão) n.°s 1, 2 e 4 do ED "Junto o parecer referido no n.° 2 do artigo anterior (...) a entidade competente analisa o processo, concordando ou não com as conclusões do relatório final, podendo ordenar novas diligências, a realizar no prazo que para tal estabeleça.”. "Antes da decisão, a entidade competente pode solicitar ( ... ) a emissão de parecer. "A decisão do procedimento é sempre fundamentada quando ( .... ) sendo profenda no prazo máximo de 30 dias contados" das datas Despacho referidas nas alíneas a, a c) do n° 4. Ora, da leitura do artigo 55.º do Estatuto disciplinar em causa constata-se que o mesmo é omisso no que respeita à "eventual obrigatoriedade de a entidade com competência punitiva dar cumprimento antes de proferir a decisão final, ao principio da audiência dois interessados consagrado no n.° 5 do art. 267 da Constituição e nos artigos 100.º a 103.º do CPA. Instituiriam estas normas uma formalidade que acresce ao procedimento administrativo tradicional, impondo a obrigatoriedade dos órgãos da Administração tradicional procederem, antes da tomada de decisão à audiência dos interessados, obrigatoriedade que só será dispensada nas situações taxativamente enunciados no artigo 103.0 daquele mesmo código. Não desconhecemos que na vigência do anterior estatuto disciplinar a jurisprudência maioritariamente entendia não haver lugar à obrigatoriedade de se dar a conhecer ao arguido projecto de decisão final, uma vez que se estava perante um projecto de decisão especial que previa a audiência daquele em sede de resposta à acusação. Julgamos porém que esta não é necessariamente a melhor interpretação dos preceitos em causa e das garantias constitucionais da defesa sendo nossa opinião que nada desobriga e tudo impõe que antes se de proferir decisão final se ermitoa ao arguido pronunciar-se sobre a pena disciplinar que se projecta aplicar-lhe sob pena do acto final do procedimento enfermar de um vício formal determinante da sua anulabilidade. Na verdade, a circunstancia de se estar perante um processo especial que contempla já uma especifica forma de audição não invalida nem afasta a obrigatoriedade de se proceder a uma nova audição do arguido no final do procedimento uma vez que por força do n.° 7.º do artigo 2 do CPA a formalidade prevista no art 100.0 daquele Código é aplicável mesmo no âmbito de procedimentos especiais - v. neste sentidos, FREITAS DO AMARAL O novo Código do Procedimento Administrativo, INA, 1992, p. 26, ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo, pág. 523 e J. FIGUEIREDO DIAS, Enquadramento do Procedimento disciplinar na ordem jurídica portuguesa, BFDUC, Vol, LXXIII, separata, 1997, pág. 208). Aliás e como bem nota PEDRO MACHETE" ... a audiência dos interessados é um plus que o legislador quis plasmar nua estrutura do procedimento administrativo ...a ideia principal foi acrescentar onde não existia previsão deste tramite: não substituir a formalidade que já se encontra prevista”-cfr. "O Direito de ser Ouvido no âmbito dos procedimentos especiais", (cfr. Cadernos da Justiça Administrativa, n.° 2 p. 50). Acresce que ...a circunstância de o arguido ter podido responder à nota de culpa não torna irrelevante nem desnecessário que no final do procedimento seja ouvido sobre a pena que se propõe aplicar-lhe bastando pensar que só após a resposta a nota de culpa são realizadas diligencias que podem conduzir a um enquadramento factual e jurídico distinto do constante da acusação e que a própria lei impõe que no relatório final o instrutor precise o que considera provado e a pena que reputa como justa, pelo que faz todo o sentido que, antes de se decidir se permita ao arguido pronunciar-se sobre o relatório e projecto de decisão que o mesmo incorpora. Para além disso se quando são ordenadas novas diligencias após o relatório final se tem sempre de permitir ao arguido pronunciar-se sobre as mesmas (sob pena de violação do direito de audiência que constitucionalmente lhe assiste) então por maioria de razão não fará sentido que após a realização de diligências posteriores à acusação esse mesmo arguido já não tenha direito de se pronunciar sobre a conclusão geral que delas entende resultar o instrutor e a entidade com competência para aplicar a pena. Por fim, consideramos que o processo disciplinar não integra nenhuma das situações em que está ex vi legis dispensada a realização da formalidade em causa (e a circunstância do procedimento ter natureza urgente não significa que a decisão seja urgente como aliás resulta da própria possibilidade de a administração a dispensar expressamente, o que mesmo assim só será possível nos apertados termos em que o artigo 103.º do CPA o permite." - assim PAULO VEIGA DA MOURA, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, anotado, 2.ª ed, p. 263 e ss. Termos em que face a todo o exposto, não tendo o Autor sido notificado do projecto de decisão nos termos constantes dos artigos 100º e ss do CPA, para sobre ele se pronunciar oralmente ou por escrito, ocorre a alegada violação dos normativos invocados pelo Autor, mormente os artigos 100.º e ss do CPA, o que, e diversamente do que entende o Autor gera não a nulidade do acto impugnado, mas a sua anulabilidade. Procede, pois, a invocada preterição de audiência prévia. Pese muito do que alicerça mereça a nossa adesão, não acompanhamos a conclusão. Não olvidando a consagração da audiência dos interessados também para os procedimentos especiais, especiais que são também podem justificar a específica e adequada feição com que a audiência ocupa lugar e se realiza. A solução encontrada não está em sintonia com a jurisprudência do STA, que, em termos que já levam em conta a argumentação agora aduzida, desde há muito entende que o art. 100.º do CPA não é aplicável no caso do processo disciplinar, pois neste processo a audiência dos interessados está organizada de forma especial (cfr., p. ex., Ac. de 13-02-2007, proc. nº 047555; de 08-07-2009, proc. nº 0635/08; de 26-04-2012, proc. nº 01194/11). Efectivamente, “segundo entendimento reiteradamente manifestado em jurisprudência deste STA, no caso do processo disciplinar, a audiência do arguido, não corresponde, exactamente, à audiência prévia prevista nos artº 100º e segs. do CPA para o processo administrativo em geral, pois está estruturada noutros moldes, sendo até mais amplo o seu âmbito, estando o processo de audiência dos interessados organizada de forma especial (cf. regime estabelecido nos art.ºs 59°, 61° e 63° do ED, relativo à "audição e defesa" do arguido) Vejam-se a propósito, e por todos, os acórdãos de 28/SET/95 (rec. 33172), 4/MAR/97 (rec. 37332), 1/ABR/98 (rec. 41646), de 5/ABR/00 (rec. 38210), de 20/02/01 (rec. 45401) e de 13/02/2007 (rec. nº 047555).” – Ac. do STA, de 08-07-2009, proc. nº 0635/08. «A audiência do arguido em processo disciplinar, não corresponde, exactamente, à audiência prévia prevista nos artº100º e segs. do CPA para o processo administrativo em geral, pois está estruturada noutros moldes, sendo até mais amplo o seu âmbito e, por isso, deverá ocorrer não só quando a lei expressamente a exija, mas também sempre que essa audiência se justifique para que o arguido se possa defender no processo disciplinar. É essa, de resto, a finalidade da audiência prévia - a defesa do administrado e, no caso, do processo disciplinar, a defesa do arguido. Como decidiu já este STA «O essencial do direito de defesa do arguido em processo disciplinar consubstancia-se na possibilidade de pronuncia sobre todos os elementos que relevam para a decisão, tanto no que concerne à matéria de facto como à matéria de direito, não podendo esse direito deixar de abranger, nomeadamente a possibilidade de pronúncia sobre todos os elementos da matéria de facto desfavoráveis que sejam produzidos no processo, independentemente de eles serem ou não produzidos em diligências requeridas pelo arguido» Cf. ac. STA de 17.12.2003, rec.1717/03 . Por sua vez, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de que, «desde que a acusação ou a nota de culpa, comunicada ao arguido, contenha os factos que lhe são imputados, o seu enquadramento legal e a indicação da sanção aplicável, de forma a permitir o exercício do contraditório e a audiência e defesa do arguido, uma exigência geral de renovação da sua audição após o relatório final da entidade instrutora, que, de resto, não vincula a entidade decisória, não se afigura, porém, resultar da Constituição», porque «não lograria realizar melhor a garantia dos direitos de audiência e de defesa dos arguidos do que a sua pronúncia sobre o conteúdo e enquadramento legal da acusação (…) evidentemente, desde que esta contenha os elementos necessários para o exercício do direito de defesa» cf. Ac. TC nº 516/03, de 28.10.2003, P. nº 668/01, ATC, 57º, p.765 e segs .» - Ac. do STA, de 19-06-2007, proc. nº 01058/06. Pacífico na jurisprudência do tribunal Constitucional, “tendo o Tribunal já decidido, no Acórdão n.º 499/2009, que as normas sob juízo, em dimensão interpretativa idêntica à adoptada no presente processo, também não lesam o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP” (Ac. do Trib. Const. nº 351/11, de 12/07/2011). As instâncias têm perfilhado desta visão das coisas. Que se sufraga e aqui se reitera. Pelo que, no ponto, a razão está do lado do recorrente. II) – Da necessidade de notificação do relatório pericial. O tribunal “a quo” extraiu juízo de invalidação, ponderando o seguinte : Igualmente não é controverso nos autos que o Autor não foi notificado do Relatório Pericial (de informática), elaborado após a realização de perícia aos computadores que foram utilizados no dia da prática dos factos, em momento prévio à notificação do acto punitivo. Ora, de acordo com o alegado pelo Autor e com o já explanado constante do ponto anterior, no que respeita à obrigatoriedade de efectivação do contraditório do arguido em sede de procedimento disciplinar, mormente resultante do artigo 32.º do CRP e 37.º do ED, temos que também aqui dar razão ao Autor no que se reporta à ilegalidade na falta notificação do Relatório Pericial momento prévio à notificação do acto punitivo. Com efeito, não cabe dizer que tal prévia notificação nenhuma projecção poderia ter sobre a descoberta da verdade, pois se aquela tivesse sido realizada poderia condicionar a fase de produção de prova e o seu conteúdo, podendo levar a que, com o contraditório efectuado pelo Autor sobre os factos vertidos naquele, fossem reveladas circunstâncias relevantes para a descoberta da verdade e/ou para a averiguação de circunstâncias atenuantes do comportamento do Autor. Ou seja, nunca se poderia concluir que os factos daí apurados seriam exactamente os mesmos se o Autor tivesse podido exercer o contraditório sobre aqueles, facto de extrema relevância para a descoberta da verdade. Com efeito, numa fase de defesa, aberta, portanto, à verificação do que o arguido tem a contrapor à acusação, mal se compreenderia que as diligências se produzissem como na fase secreta, sendo o regime do processo disciplinar mais restrito do que o previsto na fase de instrução contraditória do processo penal de 1929. Sendo que não restam dúvidas que a prova realizada através da peritagem requerida pelo Autor assume grande importância, sendo de todo o interesse que o relatório daquela pudesse ter sido notificado ao Autor. Devendo assim reputar-se essencial para a descoberta da verdade a notificação de uma diligência probatória como a que está em causa, ainda para mais tendo em conta que o caso concreto estava inteiramente dependente do resultado daquela diligência (requerida pelo Autor e perante a qual formulou perguntas), e, é perante a prova produzida no procedimento que se averiguará (em primeira linha) a exactidão dos respectivos pressupostos de facto. E assim sendo, não tendo havido notificação do Relatório Pericial, ficou Autor impedido de exercer o seu direito ao contraditório. Tal omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada está em sintonia com a garantia constitucional de defesa do Autores prevista no artigo 269., n.° 3, da CRP e que se subsume nas garantias de defesa incluídas nos artigos 31°, n.° 5 e n.° 10, "ex vi" artigo 18.º da Constituição) enquanto direitos e instrumentos aptos a habilitar o arguido a defender a sua posição. Como se referiu no Acórdão do STA de 22/11/94, em face do exposto, é de concluir que esta notificação da diligências requeridas pela defesa do A., não sendo obrigatória, constitui uma das faculdades integradas no direito de defesa pelo que deve proporcionar-lhe a possibilidade de exercer a sua defesa de acordo com a estratégia defensiva que tenha delineada. Termos em que a requerida notificação constitui uma formalidade não cumprida que é essencial para a descoberta da verdade, ocorrendo assim entre as violações dos preceitos indicados pelo Autor o disposto no artigo 37.º do ED, verificando-se nulidade insuprível de acordo com tal preceito. Procede, pois, a invocada falta de audiência prévia o que gera a anulabilidade do acto impugnado. Com acerto julgou. O art.º 32º, nº 10, da CRP, determina que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”. «Os preceitos constitucionais sobre liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (art. 18º/1 da CRP). No que à acção dos tribunais especialmente diz respeito, os preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias envolvem “positivamente, a interpretação, a integração e a aplicação de modo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, dentro do sistema jurídico; negativamente, a não aplicação dos preceitos legais que os não respeitem (art.º 204º), com os fundamentos e técnicas da inconstitucionalidade material mais exigentes”, JORGE MIRANDA-RUI MEDEIROS, 2005, p. 156» - M. Miguez Garcia-J. M. Castela Rio, in Código Penal – Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 25. O entendimento adoptado na sentença em crise é confortado pela jurisprudência do Pleno do STA, no acórdão de 27-4-1999, proferido no recurso n.º 28897 (Apêndice ao Diário da República, de 8-5-2001, página 620): «I - Nada no processo disciplinar, sob pena de ocorrência de nulidade por falta de audiência e defesa do arguido (art. 42.º , n.º 1 do Est. Disc.) pode ser levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que se faculte ao mesmo a possibilidade de se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). II - Isto ainda que se trate de diligências probatórias requeridas no processo pelo próprio arguido». Como aí se pondera, nada no processo disciplinar pode ser produzido ou levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que do mesmo passo se abra ao arguido a possibilidade de o mesmo se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). E isto assim é ainda que se trate de diligências requeridas no processo pelo próprio arguido. É que, se assim não fosse, o arguido ver-se-ia cerceado no seu direito de audiência e defesa pelo simples facto de ter sido ele próprio a requerer a diligência em causa, no interesse da sua defesa, o que seria inadmissível, pois o que está em jogo é facultar-lhe a possibilidade de ele se pronunciar sobre o resultado ou conteúdo da diligência de prova. O arguido tem pois o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva. Na ausência de norma remissiva de alcance genérico, deverão aplicar-se no direito disciplinar, a título supletivo, os princípios do direito penal em determinados aspectos de particular relevo (Ac. do STA, de 10-07-2012, proc. nº 0803/11). «Diz-nos Eduardo Correia: “(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se-ão os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.)» - in Ac. do TCAS, de 09-06-2004, proc. nº 12868/03. Como se assinala no Ac. do Trib. Const. nº 59/95, de 16/02/1995 (Diário da República, I Série-A, de 10 de Março), “a progressiva autonomização do direito disciplinar relativamente ao direito penal é contrabalançada pelo progressivo alargamento das garantias do direito penal ao direito disciplinar”. «Este Tribunal já teve ocasião de afirmar que, por vezes, se há-de entender que certos princípios expressamente consagrados para o processo criminal são igualmente válidos, "na sua ideia essencial, nos restantes domínios sancionatórios, e agora em particular, no domínio disciplinar" (cfr. Acórdão n°. 103/87, publicado no Diário da República, I série, de 6 de Maio de 1987)» – Ac. do Trib. Const. nº 90/88, de 19/04. Portanto, sem fundamentalismos, mas quanto ao que inegavelmente é fundamental (de direitos, liberdades, garantias). «(…) a assimilação do processo criminal ao processo disciplinar tem limites derivados da natureza de um e de outro, e dos objectivos, necessariamente distintos, que um e outro visam prosseguir» - Ac. do Trib. Const. nº 33/02, de 22/01/2002. O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição contempla, como princípio material reclamado pelos princípios da dignidade humana e do Estado de direito democrático, a garantia de que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Constitui entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência constitucional que esta fórmula condensa não só todas as garantias de defesa que estão contempladas nos demais números do mesmo artigo, como “também serve de cláusula geral englobadora de todas as garantias de defesa que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal”, todas as garantias de defesa incluindo “todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”, o que implica a possibilidade de utilização de “todos os meios que em concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz sobre as provas e as razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação que lhe é movida” (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, pág. 516; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 354). Uma das componentes específicas das garantias de defesa, aliás, também expressamente reconhecida na Lei Fundamental, é o princípio do contraditório (artigo 32º, n.º 5). Este princípio abrange, como esclarecem Gomes Canotilho/Vital Moreira, (a) o dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, o direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; (d) a proibição de ser condenado por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos (ob. cit., pág. 523). O princípio do contraditório na audiência de julgamento pressupõe que as partes sejam chamadas a deduzir as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras (Germano Marques da Silva, Princípios Gerais do Processo Penal e Constituição da República Portuguesa, in “Direito e Justiça”, Vol. III, 1987-1988, pág. 175); a possibilidade do arguido intervir, expondo o seu ponto de vista quanto às imputações que lhe são dirigidas pela acusação, podendo contraditar as provas que contra si foram apresentadas, apresentar novas provas e pedir novas diligências, para além, claro, do debate sobre a questão de direito (cfr., sobre o direito de audiência globalmente considerado, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 154 e segs.). Observar-se-á que não deixa de ser temperada a expansividade do princípio com o lugar que no processo ocupe, conformando-o com outras exigências constitucionais. O tribunal Constitucional segue desde há muito o entendimento expresso no acórdão n.º 278/99, de 05-05-1999 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 43, pp. 447 e ss.) : “No processo civil e como observou Manuel de Andrade, o direito a ser ouvido exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de apresentarem as suas razões, ofereceram provas, controlarem as oferecidas pelas outras partes e pronunciarem-se sobre umas e outras (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1976, pág. 377). É, no entanto, no processo criminal que o contraditório (e independentemente de se fazer valer no direito processual em geral, ao fim e ao cabo como corolário do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais) assume a dignidade constitucional que o nº 5 do artigo 32º da CR lhe atribui. A preservação das garantias de defesa do arguido passa, nos parâmetros do Estado de Direito democrático, além do mais, pela observância do contraditório, de modo a que sempre possa ser dado conhecimento ao arguido da acusação que lhe é feita e se lhe dê oportunidade para dela se defender. A intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente para plasticizar o contraditório, sem prejuízo de a ele subordinar estritamente a audiência: aqui tem o princípio a sua máxima expressão (como decorre do nº 5 do artigo 32º citado), nessa fase podendo (e devendo) o arguido expor o seu ponto de vista quanto às imputações que lhe são feitas pela acusação, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas e pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa (cfr. o acórdão deste Tribunal, nº 352/98 e, ainda, inter alia, os nºs. 133/92 e 172/92, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Julho de 1998, 24 de Julho e 18 de Setembro de 1992, respectivamente). Ou seja, ressalvado esse núcleo intocável - que impede a prolação da decisão sem ter sido dada ao arguido a oportunidade de “discutir, contestar e valorar” (parecer nº 18/81 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 16ºvol., pág. 154) - não existe um espartilho constitucional formal que não tolere certa maleabilização do exercício do contraditório (como, de resto, e ao menos implicitamente, se retira de certos arestos do Tribunal como, v.g., os nºs. 1185/96 e 358/98, publicados no citado Diário, II Série, de 12 de Fevereiro de 1997 e 17 de Julho de 1998, respectivamente).”. Em conformidade, e no caso, é com todo o sentido de maior relevo que a questão suscitada nos autos ganha importância, em que nos situamos em fase do procedimento pós acusatória, mesmo que não esqueçamos que em sede de procedimento não jurisdicional, com particularidades. Acentua o recorrente que entre a fase da defesa e a decisão não surgiram factos novos não constantes da acusação, sobre os quais o arguido não fôra ouvido, que o conteúdo do relatório pericial de informática revelou-se inócuo para o arguido, sem qualquer influência na decisão, apenas sendo levados ao Relatório Final e, consequentemente, à decisão, factos já constantes sobre matéria da acusação, sobre os quais o arguido já se tinha pronunciado. Mas não está, no ponto, em causa a sobreveniência de matéria nova. Não é nessa dimensão das garantias de defesa que a questão se coloca. E o meio de prova, que admitido foi, também não terá sido a respeito de estéril matéria, tanto assim que matéria constante já da acusação e alicerçe da decisão punitiva. Independentemente do sentido a que a perícia chegou, impunha-se a comunicação ao arguido do seu resultado. Sem que se possa ter como indiferente. Pese o procedimento disciplinar ser desprovido de normas reguladoras, a afinidade há-de buscar-se, e tem sentido de integração, nas normas do processo penal, mesmo que com adaptações. “No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respectivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” (José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, pág. 116.). «Onde a lei ordinária nada prescreve quanto à notificação, ao arguido, do resultado das diligências instrutórias, na fase da defesa (…) vemos casos omissos a preencher pelas regras e princípios da defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal» - Ac. do STA, de 26-04-2012, proc. nº 01194/11. Cfr. Ac. RP, de 25-02-2009, proc. nº 0846910 : «(…) Sobre a estrutura do relatório pericial e procedimentos subsequentes, estatui o artigo 157.º Aí se prescreve que, elaborado o relatório, podem ser pedidos esclarecimentos aos peritos pela autoridade judiciária, pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e pelos consultores técnicos [n.º 1]. Como é bom de ver, a possibilidade de pedir esclarecimentos relativamente a um relatório está na absoluta dependência do conhecimento do conteúdo do relatório que se quer ver esclarecido. Também se configura a hipótese de o relatório ser elaborado em acto seguido à perícia, podendo ser ditado para o auto [n.º 2], caso em que os sujeitos processuais que assistem à diligência dele tomarão conhecimento imediato [por via da audição do ditado], uma vez que a lei não prevê nem impõe que as pessoas que assistem à diligência sejam, antes do ditado, impedidas de continuar presentes. Finalmente, deve ser ponderado que o regime de esclarecimentos complementares e de nova perícia [artigo 158.º] não só reclama o conhecimento do relatório pericial já existente no processo, por só assim ser concebível o exercício da faculdade de requerer esclarecimentos complementares ou nova perícia, a exercer pelos sujeitos processuais, como, nele, não se distinguem as fases processuais em que tal faculdade pode ser exercida. A afirmação de que pode ser exercida em qualquer altura do processo não autoriza a exclusão da fase prévia à dedução da acusação. 2.2. Da precedente análise das normas pertinentes impõe-se como única conclusão logicamente admissível [por ser a única congruente com o regime procedimental da prova pericial] a de que deve ser dado conhecimento do relatório pericial aos sujeitos processuais, com a única excepção prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo154.º. Assim, não sendo caso de perícia realizada no decurso do inquérito e em que haja razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis poderá prejudicar as finalidades do inquérito, o conhecimento do relatório pericial tem de ser permitido [ou através de notificação do seu próprio conteúdo ou através da notificação da junção aos autos do relatório pericial, de modo a permitir a sua consulta] aos sujeitos processuais indicados no n.º 3 do artigo 154.º. A falta de previsão legal expressa do dever de notificação do relatório pericial [não compreender o artigo 157.º norma equivalente à do n.º 3 do artigo 154.º] não serve de argumento para que a notificação não deva ser efectuada. A imposição da notificação decorre, por via interpretativa, da compreensão global do regime legal da prova pericial. Não faria qualquer sentido que os sujeitos processuais fossem notificados da realização da perícia e, depois, lhes fossem sonegados os resultados daquele meio de prova. Também não seria congruente que, no caso de o relatório ser ditado para o auto, os sujeitos processuais, por assistirem à diligência, dele tomassem conhecimento, mas que já não tivessem acesso ao relatório, no caso de ele vir a ser junto, posteriormente, ao processo. Igualmente não seria uma solução harmónica permitir que os consultores técnicos da confiança dos sujeitos processuais tivessem pleno conhecimento do relatório mas já impedir que esse conhecimento estivesse ao alcance dos sujeitos processuais. Finalmente, a lei não pode querer possibilitar aos sujeitos processuais a formulação de pedidos de esclarecimento sobre um relatório e, simultaneamente, não lhes permitir o conhecimento da peça sobre a qual o exercício dessa faculdade há-de recair. A conclusão a que chegámos decorre, ainda, de uma interpretação que salvaguarda as garantias de defesa, o princípio do contraditório e o princípio da igualdade, na vertente da igualdade de armas. (…)». A perícia não se esgota, portanto, no relatório pericial, compreendendo um conjunto de facultades típicas deste meio de prova, sonegadas ao arguido, sem qualquer arrimo de que delas quisesse prescindir, ele que, com acolhimento - sem qualquer nota de ser meio de prova impertinente ou dilatório -, a havia requerido. Concluindo, bem julgou o tribunal. * Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.Custas: pelo recorrente. Porto, 5 de Dezembro de 2014. Ass.: Luís Migueis Garcia Ass.: Frederico Branco Ass.: Rogério Martins |