Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01988/08.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/11/2013
Tribunal:TCAN
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:SUBSÍDIO DESEMPREGO
SUBSÍDIO SOCIAL DESEMPREGO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
PRINCÍPIO DA NÃO ACUMULAÇÃO
Sumário:I. As prestações sociais de desemprego têm por fim compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante da situação de desemprego, mas não enriquecê-los pelo facto do desemprego;
II. Se o despedimento que baseou as prestações sociais de desemprego é declarado ilícito por tribunal, e os salários relativos ao respectivo período são pagos ao trabalhador, os princípios da não acumulação e da proibição do enriquecimento sem causa impõem que o montante recebido a título dessas prestações sociais seja restituído à Segurança Social.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:12/02/2011
Recorrente:Instituto da Segurança Social, I.P.
Recorrido 1:C. ...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
O Instituto de Segurança Social, IP [ISS] vem interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] 15.06.2011 – que anulou o acto de 11.01.2008 do Director do Núcleo de Prestações de Desemprego [DNPD], e o condenou a restituir ao autor, CJ. …, as quantias retidas, e ainda aquelas que vier a reter com base nesse acto, acrescidas dos juros de mora à taxa legal – o acórdão recorrido foi proferido no âmbito de acção administrativa especial em que o ora recorrido CJ. … demanda o ora recorrente ISS formulando ao TAF os pedidos anulatório e condenatório que acabaram procedentes.
Conclui assim as suas alegações:
1- O beneficiário da Segurança Social com o NISS 129022337, CJ. …, no âmbito de processo de despedimento colectivo promovido pela sua entidade empregadora, SA. …, SA, viu cessar o contrato de trabalho com efeitos a partir de 31.12.1999;
2- Após este despedimento involuntário, o beneficiário requereu junto do recorrente a concessão do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, que uma vez deferidos, permitiu que o mesmo beneficiário da Segurança Social auferisse, ininterruptamente, prestações de desemprego desde 09.08.2000 e até 14.01.2005;
3- Tanto o autor como seus colegas impugnaram o referido despedimento colectivo, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Cascais, cuja decisão, transitada em julgado em 05.02.2007, condenou a entidade empregadora, SA. …, SA, a reintegrar o autor, e, ainda, a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 20.02.2000 até ao trânsito em julgado, a liquidar em sede de execução de sentença;
4- Em cumprimento daquela sentença, em Maio de 2007 o autor retomou o seu trabalho ao serviço da empresa;
5- Passados meses, em 31.12.2007, o autor celebrou com a sua entidade empregadora um acordo de cessação de contrato de trabalho, com fundamento na sua reestruturação;
6- Com este fundamento, o autor, de novo, requereu junto do recorrente a concessão de prestações de desemprego, que lhe foram deferidas;
7- Em Janeiro de 2008, o autor auferiu uma prestação de desemprego no montante 1.181,46€ e no mês seguinte o valor de 1.222,20€, para, a partir daí, o recorrente passar a pagar-lhe prestações mensais no montante de 814,80€;
8- Inconformado com redução das suas prestações de desemprego, e no seguimento de processo de intimação, o autor foi informado pelo Director de Núcleo de Prestações de Desemprego do Centro Distrital de Lisboa do ISS, que a retenção de parte do subsídio de desemprego visava a restituição - por compensação - do montante das prestações de desemprego por ele auferidas entre 09.08.2000 e 14.01.2005;
9- Decisão que decorreu do facto da empresa SA. …, em 01.06.2007, remeter ao recorrente declarações de remunerações pagas ao impugnante após o desfecho do conflito laboral [05.02.2007], referente ao período compreendido entre Agosto/2000 e Maio/2007;
10- Razão pela qual o mesmo Director de Núcleo informou o autor que “nos termos da legislação então em vigor, DL nº119/99, de 14.04, as prestações de desemprego não são cumuláveis com o exercício de actividade profissional”;
11- Na altura os serviços do recorrente viram na atitude da SA. …, SA, como mais uma situação de cumprimento voluntário de obrigações contributivas em atraso, já que esta iniciativa não foi acompanhada de qualquer informação sobre o desfecho do conflito laboral;
12- O teor do despacho provado no ponto 15 da parte II do acórdão sob recurso, na sua essência, reflecte aquilo que estava legalmente previsto – artigo 2º, nº2 alínea a), do DL nº133/88, de 20.04 – em casos de acumulação de prestações de desemprego com montantes remuneratórios ou compensatórios, ainda que, em bom rigor, não correspondam propriamente a contrapartidas pela prestação efectiva da actividade profissional, como aconteceu no presente caso;
13- O desconhecimento por parte dos serviços do ora recorrente do teor da sentença do Tribunal do Trabalho de Cascais supra mencionada, não deixou de ser aproveitado pelo autor para, em sede de impugnação do acto, deduzir, entre outros, vício de erro nos pressupostos de facto, que o Tribunal a quo reconheceu, sem reservas, pese embora à revelia do disposto nos artigos 2º e seguintes do DL nº133/88, de 20.04, e 47º do DL nº119/99 de 14.04;
14- Do despacho impugnado resulta à saciedade que o autor não conhecia, nem tinha que conhecer, que com o desfecho do processo que correu termos no Tribunal do Trabalho de Cascais, após trânsito da sentença em 05.02.07, ocorrera uma reconstituição da situação laboral do autor, como se o contrato de trabalho nunca tivesse cessado;
15- Portanto, o despacho jamais padecia do vício de erro nos pressupostos de facto;
16- O que o autor do despacho de 11.01.08 não podia deixar de constatar era que o impugnante auferira prestações de desemprego, pelo menos, entre 09.08.2000 e 14.01.2005 e em face das declarações de remunerações que foram remetidas aos serviços do recorrente pela SA. … em 01.06.2007, concluir que durante esse período o impugnante recebera retribuições, supostamente, como contrapartida pela prestação de trabalho por conta de outrem;
17- A nota de reposição nº5073315, no valor de 13.694,78€, que o impugnante alegou não ter recebido, teve em vista reembolso das prestações de desemprego referentes ao período de tempo coincidente com aquele em que o impugnante veio receber as respectivas retribuições;
18- O Tribunal a quo não se poderia apenas centrar nos vícios invocados pelo impugnante do acto, em detrimento das questões de fundo, de relevância, relacionadas com a razão de ser e finalidade das prestações de desemprego, e a obrigação legal que impende sobre os beneficiários de procederem à restituição dessas prestações após o recebimento das retribuições, que aquelas vieram substituir, ou colmatar, enquanto perdure um conflito laboral;
19- Esta obrigação decorre desde logo das leis gerais do direito, vertidas no instituto do enriquecimento sem causa, e do princípio geral da proibição do locupletamento à custa alheia;
20- O Tribunal a quo, absorto e preocupado com a análise dos vícios do acto administrativo, não questionou nem tomou posição sobre a finalidade da atribuição das prestações de desemprego perante o despedimento involuntário do impugnante, e nem lhe ocorreu que o acto atributivo dessas prestações possa perder a sua causa final, logo que o trabalhador viesse a receber da entidade empregadora as prestações retributivas de que a cessação do contrato o privara;
21- Foi com base nestes pressupostos que o autor do despacho anulado, no parágrafo terceiro do despacho de 11.01.08, vem fundamentar o reembolso das prestações de desemprego, informando: “nos termos da legislação então em vigor, DL nº119/99, de 14.04, as prestações de desemprego não são acumuláveis com exercício de actividade profissional”;
22- Embora o autor do acto não se reportasse concretamente aos artigos [números e alíneas] do DL nº119/99, de 14.04, que propugnavam o princípio da não acumulação, a verdade é que o impugnante - ao contrário do que conseguiu fazer crer junto do TAF - não os podia ignorar e invocar o seu desconhecimento…
23- O vício de falta de fundamentação a que o Tribunal a quo atendeu, neste contexto, não faz qualquer sentido;
24- A verdade é que o acto proferido pelo Director de Núcleo de Prestações de Desemprego do Centro Distrital de Lisboa do ISS, remetia o impugnante para o disposto no artigo 47º, nº1 alínea a), do DL nº119/99, de 14.04, segundo o qual as prestações de desemprego não são cumuláveis com prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho;
25- Tanto assim que ao abrigo do artigo 10º, nº1 alínea a), desse mesmo diploma legal, as prestações de desemprego têm como objectivo compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante da situação de desemprego…;
26- Para além de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já há muito vem defendendo o princípio da não acumulação de prestações de desemprego com remunerações ou compensações;
27- Tendo em conta o disposto nos artigos 2º, nº2 alínea a), e 15º, do DL nº133/88, de 20.04, já no processo nº040358, e nos termos do acórdão datado de 11.03.1997, da subsecção do Contencioso Administrativo do STA estabeleceu-se que deve ser restituído à Segurança Social o valor das prestações do subsidio de desemprego já recebidas pelo beneficiário, se for julgada procedente a acção de impugnação de despedimento que propôs contra a entidade patronal e através da qual esta foi condenada à sua reintegração e a pagar-lhe as importâncias correspondentes às retribuições que deixou de auferir enquanto esteve afastado do serviço;
28- Veja-se que no acórdão do STA de 11.02.1999, no âmbito do processo nº038962, da 1ª subsecção do Contencioso Administrativo, e na vigência do DL nº79-A/89 de 13.03, aludiu-se no ponto II do sumário daquele acórdão que o seu … artigo 33º [principio da não acumulação] deve ser interpretado em conformidade com a finalidade das prestações de desemprego [artigo 7º do mesmo diploma legal], pelo que o acto atributivo perde a sua causa final logo que o beneficiário recebe da sua entidade empregadora as prestações salariais de que a rescisão do contrato de trabalho o privara;
29- Enquanto no ponto III desse mesmo sumário se realça que na situação referida na alínea anterior, não deve ser anulada a ordem de restituição, apesar da errónea concepção dos seus fundamentos jurídicos [revogação do acto atributivo com fundamento em ilegalidade], se o montante exigido corresponde ao que é devido por aplicação do princípio da não acumulação das prestações de desemprego com outras prestações compensatórias da perda da remuneração do trabalho…
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com todas as legais consequências.
O recorrido contra-alegou, mas não formulou conclusões.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].

De Facto
São os seguintes os factos considerados provados pelo acórdão recorrido:
1- O autor beneficiário do Centro de Segurança Social com o nº129022337;
2- No âmbito de processo de despedimento colectivo, promovido pela sua entidade patronal, em 31.12.1999, cessou o seu contrato de trabalho;
3- O autor requereu a concessão do subsídio de desemprego, que lhe foi deferida, tendo dele auferido no período entre 09.08.2000 a 24.07.2003;
4- Continuando na situação de desemprego involuntário requereu e foi-lhe concedido o subsídio social de desemprego que auferiu desde 25.07.2003 até 14.01.2005;
5- Entretanto, o autor e outros trabalhadores impugnaram o despedimento junto do Tribunal de Trabalho de Cascais, acção que correu os seus termos sob o nº114/2000, cuja decisão transitou em 05.02.2007;
6- A decisão transitada em julgado condenou a ré, entidade empregadora, a reintegrar ao seu serviço o autor, e ainda ao pagamento das retribuições que deixou de auferir, desde de 20.02.2000 até ao trânsito em julgado, a liquidar em sede de execução de sentença [documento 1 junto com a petição inicial];
7- Em Maio de 2007 o autor retomou o trabalho ao serviço da empresa;
8- Em 31.12.2007, o autor celebrou com a sua entidade empregadora, um acordo de cessação do contrato de trabalho com fundamento em reestruturação;
9- Após esta cessação, requereu a concessão das prestações do subsídio de desemprego, a qual lhe foi concedida, tendo o demandado pago, a esse título, a prestação mensal de 1.181,46€ em Janeiro e 1.222,20€ no mês de Fevereiro;
10- A partir do mês de Fevereiro, e através do mesmo meio, o demandado passou a pagar ao autor a prestação mensal de 814,80€;
11- O autor apresentou requerimento em 31.03.2008, no Centro Distrital da Segurança Social do Porto, através do qual solicitou o “texto integral do acto administrativo que fundou essa diminuição, o seu autor e respectiva data e ainda o organismo competente para apreciar a sua impugnação e prazo para esse efeito” - documento 2 junto com a petição inicial;
12- O autor intentou no TAF de Lisboa o procedimento de intimação para a prestação de informações, cujo processo correu termos nesse tribunal na 4ª UO com o nº1029/08.6BELSB;
13- Na pendência deste processo, a entidade demandada enviou ao autor a informação solicitada, datada de 16.05.2008, e, com a resposta apresentada no nesse processo, juntou a cópia do despacho do autor do acto administrativo sindicado nesta acção – documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial;
14- A informação referida é do seguinte teor:
“Assunto: Subsídio de Desemprego
Reportando-nos ao pedido de informação referente ao assunto em epígrafe, dirigido ao Centro Distrital do Porto, cumpre informar o seguinte:
Como é do conhecimento de V. Exa. No período compreendido entre 09.08.2000 e 24.07.2003 recebeu subsídio de desemprego, e de 25.07.2003 a 14.01.2005, subsídio social de desemprego subsequente.
No entanto, em 01.06.2007, a empresa SA. …, SA, enviou para este instituto, remunerações, referentes ao período compreendido entre Agosto de 2000 e Maio de 2007.
Nos termos da legislação então em vigor, DL nº119/99, de 14.04, as prestações de desemprego não são acumuláveis com exercício de actividade profissional.
Nestes termos, por despacho do Director de Núcleo de prestações de desemprego, de 11.01.2008, foram considerados indevidos os valores pagos no período supra indicado, em virtude de ter recebido remunerações, ininterruptamente, desde Agosto de 2000 a Dezembro de 2007, pela empresa SA. …., SA.
Consequentemente, foi emitida a nota de reposição nº5073315, no valor de 13.694,78€, que foi enviada para a sua morada, em Janeiro de 2008, com um prazo de validade até 24.02.2008.
De referir que esta nota de reposição não inclui todo o período que apresenta sobreposição de trabalho com prestações de desemprego, uma vez que a situação está ainda a ser regularizada.
O valor que está a ser deduzido no subsídio de desemprego requerido junto do Centro Distrital do Porto é para compensar o valor referente à reposição nº5073315, nos termos do DL nº133/88, de 20.04;
15- O despacho de 11.01.2008 do Director do Núcleo de Prestações de Desemprego, impugnado na presente acção é do seguinte teor:
O beneficiário em epígrafe recebeu no período compreendido entre 09.08.2000 e 24.07.2003 subsídio de desemprego e de 25.07.2003 a 14.01.2005 subsídio social de desemprego subsequente.
Em 01.06.2007 a empresa SA. …, SA, enviou para este instituto, remunerações do período compreendido entre Fevereiro de 2000 e Maio de 2007.
Nos termos da legislação então em vigor, DL nº119/99, de 14.04, as prestações de desemprego não são acumuláveis com exercício de actividade profissional.
Nestes termos, verifica-se que o beneficiário recebeu indevidamente prestações de desemprego nos períodos supra referidos.
Deve o processo ser devidamente tratado no sentido de serem retiradas as equivalências e emitidas as respectivas notas de reposição.
Deve ainda ser o beneficiário notificado.
Nada mais foi dado como pertinente e provado.

De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA.
II. O autor da acção administrativa especial, CJ. …, pediu ao TAF que anulasse o despacho de 11.01.2008 do DNPD [15 do provado], que considerou que ele tinha recebido, indevidamente, prestações de desemprego de 09.08.2000 até 14.01.2005, e determinou a respectiva reposição, e ainda que condenasse o réu, ISS, a restituir-lhe todas as quantias retidas acrescidas de juros de mora à taxa legal.
Para tanto, e no entender do TAF, que não é posto em causa no recurso, alegou que o despacho impugnado padece de erro nos seus pressupostos de facto, de falta de fundamentação de direito, e viola, ainda, os artigos 47º, do DL nº119/99, de 14.04, 140º e 141º do CPA.
O TAF, após ter fixado o resultado do seu julgamento de facto, passou a subsumi-lo ao regime legal que considerou aplicável [artigos 6º, nº1 e nº2, 7º, nº1 alínea a), 10º, 11º, nº1 e nº2 alíneas a) e b), 12º, 37º e 41º, todos do DL nº119/99, de 14.04, 13º, nº1 alíneas a) e b), e nº2 alíneas a) e b), do DL nº64-A/89, de 27.02, 436º e 437º, nº3, Lei da nº99/2003, de 27.08, 124º, 125º, nº1, e 140º, CPA], e terminou a deferir os pedidos deduzidos pelo autor, por violação do regime legal aplicável, por falta de fundamentação de direito, e violação do artigo 140º do CPA.
Deste acórdão discorda o réu, ISS, que, agora como recorrente, lhe vem apontar erro de julgamento, apenas. Isto é, não há qualquer discordância relativamente ao julgamento de facto, nem é imputada, ao acórdão recorrido, qualquer tipo de nulidade.
Ao erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional.

III. Do erro de julgamento de direito.
Foi a redução do montante da prestação de subsídio de desemprego ocorrida no mês de Fevereiro de 2008 que levou o agora recorrido a pedir informações ao ISS. E, na sequência dessas informações, dadas após intimação judicial para o efeito, ele ficou a saber que a redução da prestação de subsídio de desemprego [que lhe passou a ser paga desde Janeiro de 2008 na sequência da cessação do contrato de trabalho com a sua entidade patronal, SA. …] se devia à compensação com o montante do pagamento de prestações de subsídio de desemprego e de subsídio social de desemprego que lhe foi efectuado entre 09.08.2000 e 14.01.2005, o qual, face às folhas de remunerações enviadas aos serviços do ISS pela entidade patronal, SA. …, em 01.06.2007, deveria ser restituído ao Estado, porque nos termos da legislação em vigor, o DL nº119/99, de 14.04, as prestações de desemprego não são cumuláveis com o exercício de actividade profissional.
Mais foi informado de que a restituição, por compensação com as prestações agora pagas, do montante correspondente às prestações então indevidamente recebidas, foi ordenada por despacho de 11.01.2008 do DNPD, na sequência do qual foi emitida, e lhe foi enviada, a nota de reposição nº5073315 no montante de 13.694,78€.
Efectivamente, como foi provado, na sequência de processo de despedimento colectivo levado a cabo pela SA. …, em 31.12.1999, ao ora recorrido foram pagas prestações de subsídio de desemprego entre 09.08.2000 e 24.07.2003, e prestações de subsídio social de desemprego entre 25.07.2003 e 14.01.2005, sendo que o referido despedimento foi declarado ilícito por sentença transitada em julgado em 05.02.2007 que condenou a SA. … a reintegrar o ora recorrido ao seu serviço e ainda a pagar-lhe as retribuições que ele deixou de auferir desde 20.02.2000 até à data do trânsito [05.02.2007], o que explica que a SA. … tenha enviado aos serviços do ISS, as folhas de remunerações pagas ao ora recorrido, enquanto seu trabalhador, no período compreendido entre Fevereiro de 2000 e Maio de 2007.
Perante esta situação de facto, que resulta pacífica do julgamento efectuado em instância, vejamos qual o seu enquadramento legal, sendo certo que não vem posto em causa, sequer, estarmos perante caso de uma situação de desemprego relevante para a atribuição dos subsídios de desemprego e social de desemprego [ver artigos 6º, nº1, 7º, nº1 alínea a), do DL nº119/99, de 14.04].
Na situação de desemprego involuntário em que o trabalhador, ora recorrido, então se encontrava, e face à lei que se mostra aplicável ao seu caso, tudo aponta para que tenha sido perfeitamente legal a atribuição do subsídio de desemprego que lhe foi deferida no período entre 09.08.2000 e 24.07.2003, e do subsídio social de desemprego no período entre 25.07.2003 e 14.01.2005 [ver os artigos 1º, 2º, alíneas a) e b), 11º, nº1 e nº2 alínea b), do DL nº119/99, de 14.04. Este diploma estabelece, no âmbito do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, o quadro legal de reparação da eventualidade de desemprego. Vigorou desde 01.07.99 e foi revogado pelo DL nº220/2006 de 03.11].
Porém, com a declaração de ilicitude do despedimento, por sentença transitada em julgado a 05.02.2007, e com a respectiva condenação da entidade empregadora [SA. …] a reintegrá-lo como seu trabalhador, e a pagar-lhe as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até à data daquele trânsito em julgado [ver o artigo 13º, nº1 alíneas a) e b), do DL nº64-A/89, de 27.02, que aprovou o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, e foi revogado pela Lei nº99/2003, de 27.08. E ver, no período seguinte ao da sua revogação, ou seja, desde 01.12.2003, os artigos 436º, nº1 alíneas a) e b), e 437º, nº1, da Lei 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho, que se seguiu à LCT de 1969, e foi revogada pela Lei nº7/2009, de 12.02], aquela situação de legalidade alterou-se substancialmente.
Não é que a concessão ao ora recorrido do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, que lhe foi deferida em 2000 e 2003, respectivamente, se tenha tornado ilegal em 2007, com o trânsito em julgado da sentença que declarou a ilicitude do despedimento involuntário que baseou aqueles deferimentos, o que se passa é que a partir do efectivo pagamento das remunerações de trabalho referentes ao período dos subsídios sociais que lhe foram pagos [e este efectivo pagamento das remunerações resulta das folhas de remunerações que foram enviadas pela SA. … ao ISS a 01.06.2007], passou a haver uma acumulação ilegal, póstuma, das retribuições de trabalho, efectivamente recebidas, com as prestações de desemprego que lhe foram pagas e relativas ao mesmo período.
Na verdade, tal como resulta claro do regime legal aplicável, as prestações sociais de desemprego têm como objectivo compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante da situação de desemprego, mas não enriquecê-los pelo facto do desemprego [artigo 10º do DL nº119/99, de 14.04]. Dos diferentes diplomas legais que, sucessivamente, foram regulando a atribuição do subsídio de desemprego [DL nº169-D/73, de 30.03, DL nº183/77, de 17.01, DL nº79-A/89, de 13.03, e DL nº119/99, de 14.04] pode concluir-se que o que se pretende garantir é a existência de um «plafond» mínimo de subsistência ao trabalhador durante o período em que ele, involuntariamente, se encontra desempregado. No fundo, trata-se de procurar minorar uma situação resultante da perda das retribuições anteriormente auferidas pelo trabalhador, assumindo, por isso, o subsídio de desemprego, uma natureza compensatória da perda de rendimentos resultantes da situação de desemprego [ver AC STA/Pleno da 1ª Secção, de 15.03.2001, Rº38962].
Tendo presente este objectivo da lei perfeitamente compreensível, resulta que também neste âmbito deverá valer e vigorar o princípio de não acumulação, que, no texto aplicável ao presente caso, nos diz que as prestações de desemprego não são acumuláveis com [nomeadamente] prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho [ver artigo 47º, nº1 alínea a), do DL nº119/99, de 14.04. E, antes deste, artigo 33º do DL nº79-A/89, de 13.03, segundo o qual as prestações de desemprego não são acumuláveis com outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho nem com prestações de pré-reforma].
Poderá questionar-se se a referência às prestações compensatórias efectuada na alínea a) do nº1 do artigo 47º do DL nº119/99 integra as retribuições que o trabalhador deixou de auferir, e referidas no artigo 13º, nº1 alínea a), do DL nº64-A/89, de 27.02, e, depois, no artigo 437º, nº1, da Lei nº99/2003, de 27.08, mas, a fazê-lo, cremos que a resposta a dar nunca poderá ir no sentido da exclusão destas retribuições do princípio de não acumulação. Desde logo, se não pode haver acumulação de prestações de desemprego com outras prestações compensatórias, temos que, por maioria de razão, não a poderá haver com prestações salariais referentes ao mesmo período. Mas, e sobretudo, porque entendemos que a prestação social de desemprego, tendo na sua base a ausência involuntária das retribuições resultantes do emprego, nem sequer nos permite que falemos em acumulação entre as duas, pois a ocorrência destas últimas retira pura e simplesmente a base de sustentação da primeira, e isto mesmo que as retribuições do emprego resultem de póstuma sentença que declara o despedimento ilícito.
É nesta linha que vai, cremos, o artigo , nº2 alínea a) [2ª parte], do DL nº133/88, de 20.04, segundo o qual são prestações indevidas, designadamente, as que forem concedidas sem a observância das condições determinantes da sua atribuição, ainda que a comprovação da respectiva inobservância resulte de posterior decisão judicial.
Este último diploma [DL nº133/88], que regula, desde 01.05.88, a responsabilidade emergente do recebimento de prestações sociais indevidas, diz que o recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respectivo valor, sem prejuízo da observância do regime de revogabilidade dos actos administrativos [art. 1º], sendo que a restituição do valor das prestações indevidamente pagas pode ser efectuado através de pagamento directo ou por compensação com prestações devidas pelas instituições [artigo 6º].
No seu artigo 15º, o DL nº133/88 diz que os actos administrativos de atribuição de prestações feridos de ilegalidade são revogáveis nos termos e nos prazos previstos para os actos administrativos constitutivos de direitos […], e que o respectivo prazo de revogação começa a contar a partir da data em que o acto foi praticado, ainda que os seus efeitos se reportem a momentos anteriores, ou da data de decisão judicial de que resulte a ilegalidade na atribuição da prestação [artigo 16º nº1].
Ora, na decorrência do que já dissemos, temos para nós que a sentença que declarou ilícito o despedimento do agora recorrido, por decisão unilateral da sua entidade empregadora, não tornou ilegal o acto de deferimento da atribuição do subsídio de desemprego que se fundou nessa causa de desemprego involuntário. Nas circunstâncias em que ele foi proferido, esse acto de deferimento beneficiava dos pressupostos legais e cumpria o objectivo visado pelo legislador, ou seja, compensar o trabalhador, ora recorrido, da perda da retribuição resultante da situação de desemprego involuntário.
Não estaremos, assim, perante um caso de revogação de acto administrativo ilegal [artigo 141º do CPA], porque não o era, dado que se justificou legalmente e cumpriu o objectivo social pretendido. Aliás, mesmo que o fosse, sempre uma eventual revogação decorrente do despacho impugnado, de 11.01.2008, estaria dentro do prazo de um ano resultante do artigo 28º, nº1 alínea c), e nº2, da LPTA [aqui aplicável], tendo em consideração que tal prazo deveria ser contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença de que resultou a ilegalidade na atribuição da prestação, ou seja, desde 05.02.2007.
Trata-se, pois, de um acto válido, e que válido permanece, uma vez que o despacho impugnado não pretendeu revogá-lo tendo visado somente a restituição, por compensação, do montante das prestações que apenas se configuraram de atribuição indevida à luz de posterior sentença judicial. A razão de ser da restituição funda-se, assim, não na ilegalidade do acto de deferimento, mas antes no princípio de não acumulação, que surge aqui como corolário do princípio da proibição do enriquecimento sem causa e do princípio do não locupletamento à custa alheia, os quais vigoram, enquanto princípios gerais, também neste âmbito do direito administrativo [ver, entre outros, Professor Afonso Queiró, in Lições de Direito Administrativo, volume I, 1976, página 310].
Prescreve o nº2 do artigo 473º do CC que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido ou que foi recebido por uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. E é patente que, no presente caso, estamos perante uma causa que ao tempo existia, mas deixou de existir.
Cremos não quedarem dúvidas de que as normas legais, supra referidas, nomeadamente o artigo , nº2 alínea a), do DL nº133/88, de 20.04, e 47º, nº1 alínea a), do DL nº119/99, de 14.04, não poderão deixar de encontrar a sua dimensão impositiva à luz destes princípios gerais, que não são mais do que emanações do senso comum [artigo 9º do CC].
É perfeitamente compreensível que o trabalhador venha a ser obrigado a restituir quantias recebidas a título de subsídio de desemprego, quando, posteriormente, venha a receber os salários de que esteve privado durante o período em que se encontrava naquela situação de desempregado, deixando, assim, de ter causa para a retenção daquelas prestações sociais. Isto é senso comum.
É certo que a fundamentação aduzida no despacho impugnado não faz referência à sentença que declarou ilícito o despedimento do ora recorrido, e condenou a sua entidade patronal, SA. …, a pagar-lhe retribuições que integram o período de tempo em que recebeu as prestações de desemprego, criando situação de acumulação ilegal de prestações de desemprego com prestações salariais. Antes teve na sua base, ao que tudo indica, o envio das folhas de remuneração referentes a esse período, efectuado pela SA. … na sequência dos pagamentos que lhe foram impostos pela sentença. O que, bem vistas as coisas, vai dar ao mesmo resultado, não alterando a razão de ser da ordenada restituição.
É certo, também, que a fundamentação de direito invocada no despacho impugnado é reduzida à alusão ao princípio da não acumulação e ao DL nº119/99, de 14.04. Todavia, estando na base da restituição razões de senso comum, traduzidas nesse princípio que está explícito no artigo 47º do diploma referido no despacho, não vemos que haja qualquer tipo de dificuldade para que uma pessoa normal, colocada na concreta situação do ora recorrido, possa entender exactamente o alcance e o sentido do despacho impugnado, e a ele possa reagir de forma esclarecida, como aliás aconteceu.
Mas, vejamos, mesmo que assim não fosse, e ocorresse erro nos pressupostos de facto ou insuficiente fundamentação de direito, cremos bem que tratando-se, como aqui se trata, de acto praticado no exercício de poderes vinculados, e correspondendo o efeito jurídico por ele produzido ao que decorre dos princípios e normas legais referidas atrás, nada obstava, antes tudo aconselhava, à aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo [ver AC STA de 11.02.99, Rº038962].
Na medida em que decidiu de forma diversa, considerando que o despacho impugnado violava o regime legal aplicável, carecia de suficiente fundamentação de direito, e violava o artigo 140º do CPA, o acórdão do TAF errou no seu julgamento, e deve, por via disso, ser revogado, com a consequente improcedência da acção administrativa especial intentada pelo ora recorrido.
Assim se decidirá.
DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, no seguinte:
- Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e revogar o acórdão recorrido;
- Julgar improcedente a acção administrativa especial, e, em conformidade, absolver o réu Instituto de Segurança Social, I.P., do pedido.
Custas pelo ora recorrido, em ambas as instâncias - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabelas I-A e I-B a ele anexas.
D.N.
Porto, 11.01.2013
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro