Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00290/15.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL; ERRO NA FORMA DE PROCESSO; ARTIGOS 193.º E 196.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
N.º 2 DO ARTIGO 38º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção, e constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil).

2. A impropriedade do meio processual, uma excepção inominada, não expressamente prevista e que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, traduz-se em usar a administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

3. Verifica-se esta excepção se a autora veio pedir em acção administrativa comum o reconhecimento a receber por um determinado escalão se por acto consolidado na ordem jurídica a autora foi contratada em categoria inferior,*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CEPS
Recorrido 1:Instituto Politécnico do Porto; Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão (ESEIG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

CEPS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 31.01.2017, pelo qual foi julgada procedente a excepção inominada prevista no n.º2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que absolveu da instância os Réus, Instituto Politécnico do Porto e Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão (ESEIG), na acção administrativa comum que a ora Recorrente intentou contra os ora Recorridos para reconhecimento da categoria de Assistente do 2° triénio e à categoria retributiva, de Assistente de 2°triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, com efeitos a 10.10.2008, e ao pagamento à Autora dos diferenciais remuneratórios, vencidos e vincendos, entre os valores das remunerações mensais pagas pelo índice 100, como Assistente de 1° triénio e as devidas como Assistente de 2° triénio, com Mestrado, índice 140, que nesta data, calculados desde Outubro de 2008, com juros, se quantificam em €53.963,07 (cinquenta e três mil novecentos e sessenta e três euros e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal até integral pagamento dos mesmos.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao julgar-se aí procedente a excepção inominada do artigo 38º, 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; sustenta que atendendo aos pedidos formulados no reconhecimento do direito a um dada retribuição (cuja prescrição apenas opera 1 ano após a cessação do vínculo laboral) e na condenação das demandadas do pagamento dos créditos liquidados, a Autora utilizou a forma de processo adequada, a acção administrativa comum, como previsto no artigo 37º n.ºs 1,2 al. a), d) e e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O Instituto Politécnico do Porto contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificado deste parecer, o Instituto Politécnico do Porto veio manifestar a sua inteira concordância com o mesmo.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional

A) A Autora peticiona o reconhecimento do direito a uma retribuição devida (pela categoria estatutária de carreira) e a condenação ao pagamento da quantia dos créditos salariais vencidos e a vencer.

B) A adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, ou seja, do pedido ou conjunto de pedidos e formulados pelo Autora

C) Incidindo os pedidos formulados no reconhecimento do direito a uma dada retribuição e na condenação das demandadas ao pagamento dos créditos liquidados, a Autora utilizou a forma de processo adequada: acção administrativa comum (artigo 37º n.ºs 1,2 al. a), d), e e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

D) Nos autos peticiona-se o pagamento da remuneração devida pela categoria prevista na lei - nos estatutos de carreira -, no âmbito de uma relação jurídica de emprego público.

E) A acção foi instaurada em 07.01.2015, estando, nesta data, a Autora vinculada aos Réus, por vínculo contratual na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, por força da conversão ope legis, operada pelo artigo 7º, n.º,1, do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/08, do seu anterior contrato administrativo de provimento, havendo assim continuidade de vínculo (v. artigo 85º da Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações).

F) O reconhecimento do direito a uma determinada remuneração, devida, mas não paga, no âmbito de um contrato de trabalho origina créditos salariais ou laborais.

G) A remuneração no âmbito de um contrato de trabalho é um direito indisponível na pendência do contrato.

H) Os créditos laborais prescreviam decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato - artigo 245º, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, ou por remissão, no caso, do artigo 4º, n.º,1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para o disposto no Código do Trabalho que prevê no artigo 337º, tal prazo prescricional.

I) O contrato de trabalho em funções públicas, substancialmente, um contrato de trabalho é uma relação jurídica tendencialmente paritária; pelo que, os poderes que o tribunal administrativo utiliza quando decide contra uma entidade pública empregadora, uma acção administrativa comum, são idênticos aos que o tribunal comum utiliza quando decide acções laborais contra quaisquer empresas, em nada perturbam a actividade administrativa pública.

J) Condenar uma entidade pública empregadora a pagar uma indemnização ou um crédito laboral não é diferente de condenar uma empresa privada, entidade empregadora, a fazer o mesmo.

K) A entidade pública, no âmbito de uma relação laboral não exerce poderes de autoridade para lá, dos que decorrem do exercício dos poderes de direcção, enquanto entidade empregadora.

L) Num contrato de trabalho, a remuneração devida por categoria tipificada na lei, no caso no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, não exige a prática de um acto administrativo, porque o direito decorre directamente de normas jurídico-administrativas (no caso do estatuto de carreira e do diploma que fixa a estrutura retributiva da careira em causa) e não envolve a emissão de um acto administrativo

M) A pretensão formulada nos autos não se confunde com a de condenação à prática de ato devido (que segue a forma de acção administrativa especial), o que a Autora peticiona não é a emissão de um acto administrativo, do qual porventura dependa o reconhecimento do direito, mas o reconhecimento do direito a remuneração devida que decorre directa e imediatamente da lei e a correspectiva condenação ao pagamento dos créditos salariais apurados.

N) Não está no âmbito dos poderes conformadores das Rés pagar uma ou outra remuneração; esta está fixada na lei (anexo II do Decreto-lei n.º 408/89, de 18 de Novembro e a Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro - estrutura retributiva), devida por categoria também prevista na lei (Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico);

O) Errou o Juiz a quo ao dar como procedente a invocação de exceção inominada do artigo 38º, 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

P) Errou ao decidir que houve erro na forma do processo, obstante ao conhecimento do mérito do pedido em sede de acção administrativa especial.

Q) Atendendo aos pedidos formulados no reconhecimento do direito a uma dada retribuição (cuja prescrição apenas opera 1amno após a cessação do vínculo laboral) e na condenação das demandadas do pagamento dos créditos liquidados, a Autora utilizou a forma de processo adequada: acção administrativa comum (artigo 37º n.ºs 1,2 al. a), d) e e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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II – Matéria de facto.

Para decidir da matéria de excepção, o Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, sem preparos nesta parte:

1. A Autora foi admitida como docente na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão com a categoria dc Assistente, por via de processo concursal de recrutamento aberto pelo Edital n.° 688/2005, publicado no Diário da República, 22 série, n.° 137, de 19.07.2005, para selecção e admissão de Assistente para a área científica de Ciências e Tecnologias da Documentação e Informação.

2. Na sequência do provimento concursal foi celebrado entre o Presidente do Instituto Politécnico do Porto e a Autora contrato administrativo de provimento (2005/588), com data de 10.10.2005.

3. Por via de tal contrato, a docente iniciou funções nessa data de 10.10.2005, com a categoria de Assistente de lº triénio, índice retributivo 100.

4. O período de validade inicial contratual foi de três anos (até 09.10.2008).

5. Em 24.07.2006 a Autora foi aprovada no grau de Mestre em Engenharia Industrial — Área de Especialização em Logística e Distribuição.

6. Por Despacho do Presidente do Instituto Politécnico do Porto, de 31.10.2008, que autorizou a renovação por mais três anos do contrato administrativo da Autora, como Assistente (Despacho n° 3913/2009, DR, 2° Série, nº 21, de 30.01), o seu contrato foi renovado por mais um triénio, de 10.10.2008 a 09.10.2011, mantendo a categoria de Assistente do 1° triénio, índice 100.

7. Por despacho de 18.05.2012, do Presidente da Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, foi autorizada a renovação do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo ceno, na categoria de Assistente em regime de exclusividade, com o vencimento a auferir de 1.636,83 euros, correspondente ao 1° escalão, índice 100, escalão 1 do anexo II do Decreto-lei n.° 408/89, dc 18.11, e com a Portaria n.°1553-C/2008, de 31.12, com efeitos a partir de 10.10.2011 e término em 09.10.2013.

8. Na sequência do despacho de autorização de renovação contratual foi celebrada, com data de 25.05.2012 uma adenda ao contrato de trabalho a termo da Autora, na categoria de Assistente, 1°escalão, índice 100.

9. Por despacho de 30.09.2013, do Presidente da Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, foi autorizada a renovação do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, na categoria de Assistente cm regime de exclusividade, com o vencimento a auferir de 1.636,83 euros, o correspondente ao 1° escalão, índice 100, escalão 1 do anexo II do Decreto-lei n.° 408/89, de 18 de Novembro e com a Portaria n.° 1553-C/2008, de 31 de Dezembro, com efeitos a partir de 10.10.2013 e término em 09.10.2015.

10. Correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção administrativa especial, com o n° 308/08.7BELSB, intentada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (representado pelo mesmo mandatário que patrocina a presente acção) contra as aqui Rés, em representação da docente APSS, onde era pedida a “anulação do acto de 7.11.2007, da autoria do Presidente do IPP, que autorizou a renovação do contrato administrativo como assistente do 1° triénio, e, cumulativamente, serem as entidades demandadas condenadas à prática dos actos necessários para que a renovação do contrato de APSS seja efectivado e autorizado como configurando a atribuição da categoria de assistente do 2° triénio e, consequentemente, sejam pagos à docente os diferenciais, vencidos e vincendos, de vencimento entre os valores mensais pagos como assistente de ° triénio e os devidos como assistente de 2° triénio, acrescidos de juros de mora à taxa de juro legal até integral pagamento dos mesmos.”

11. A presente acção deu entrada neste tribunal em 27 de Janeiro de 2015.

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III - Enquadramento jurídico.


O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção, e constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a verificação de tal erro afere-se em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão (efeito jurídico, finalidade ou resultado) que o autor pretende obter do tribunal com recurso à acção – pedido que constitui vinculação temática para o tribunal – sendo que “a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo” Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição 1948 (reimpressão, 2005) Coimbra Editora, a págs. 285 a 289.

Neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31.01.2008, no processo 00620/04.BEBRG:

“…a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir”.

Pelo que, face ao exposto, e tendo presente os pedidos formulados, não ocorre, in casu, o alegado erro na forma de processo.

Em sede de formas de processos não urgentes, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos assenta num modelo dual – a acção administrativa comum e acção administrativa especial – distinguíveis consoante os pedidos respeitem ou não ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração – Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2. Ed., Almedina, p. 77 e seguintes.

Nos termos do disposto no artigo 46.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios, dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade.

Nos restantes casos, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum, especificando o n.º 1 do artigo 37º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial.

Dirigindo-se assim a acção administrativa comum a pretensões que não envolvam a condenação da Administração à emissão ou destruição de actos de autoridade.

Ou seja, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos optou claramente por associar à acção administrativa comum, por contraposição à acção administrativa especial, as acções em que não esteja em causa a prática ou omissão (ilegais) de actos administrativos.

Neste seguimento, estipula o artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, respeitante à acção administrativa comum, que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado – n.º 1.

E adita no seu n.º 2 que sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

Na primeira parte deste normativo consagra-se pois o entendimento jurídico, antes presente no direito substantivo materializado no artigo 7.º do DL n.º 48051 de 21.11.67, segundo o qual a falta de impugnação contenciosa de um acto administrativo tido como ilegal não impede o interessado de requerer a apreciação dessa ilegalidade no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, sendo que, neste caso, a ilegalidade é conhecida a título incidental servindo apenas de fundamento jurídico ao pedido de indemnização dos danos resultantes da prática do acto.

Avisando e exigindo o n.º 2 do artigo 38.º que a apreciação da ilegalidade do acto administrativo não impugnado, nas vestes de uma acção administrativa comum, só pode ter como finalidade uma pronúncia indemnizatória, nunca uma anulação ou declaração de invalidade do acto, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – vide, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209.

Pelo que o artigo 38.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do mesmo diploma) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Almedina, 2006, p. 278.

Aliás, na vigência da precedente Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso à então chamada acção de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente reconhecidos encontrava-se condicionada, como princípio, àquelas situações em que não existia um acto administrativo – neste sentido, Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, (Lições) Almedina, 3.ª edição, p. 137 e seguintes).

No sentido de que “…o artigo 38º do CPTA admite, por um lado, na linha do consagrado no artigo 7º do DL nº 48051 de 21.11.67, e sobretudo do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo possa ter lugar no âmbito de uma acção administrativa comum, mas já proíbe que este tipo de acção possa ser utilizado para obter o efeito típico resultante da anulação do acto inimpugnável, isto é, possa ser usada para tornear a falta de impugnação desse acto, com eventual ofensa do caso resolvido administrativo” ver o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2008, processo n.º 00620/04.4BEBGR.

A decisão recorrida termina, portanto, com acerto, quando absolve os Réus da instância por se verificar uma excepção inominada e não por erro na forma de processo.

Reproduzimos aqui o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 20.03.2015, no processo nº 2062/13.1BEPRT, a que aderimos:

“(…)

Cabe lembrar que “a invocação da inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado constitui excepção dilatória inominada - cfr. Acórdãos do TCA Sul de 02.02.2006 (Proc. n.º 12662/03), 16.02.2005 (Proc n.º 542/05), 27.05.2010 (Proc. n.º 06231/10), 30.06.2011 (Proc. n.º 07776/11), 19.01.2011 (Proc. n.º 07059/10 e Acórdão do TCA Norte de 13.08.2007 (Proc. n.º 01600/06.0BEVIS)” – Ac. do STA, Pleno, de 05-06-2012, proc. nº 01078/11.

E que não está em causa na tutela da norma distinta questão, de erro na forma do processo; esse resolve-se pela simples identificação de adequação ao pedido, independente da gravidade da invalidade; anulável ou nulo, se estamos perante acto de auctoritas, então procede-se à correcção de termos, vulgo convolação, reservando-se a questão da tempestividade ditada pelo vício a um outro patamar ontológico (mesmo que contemporâneo juízo de intempestividade até possa ditar a inviabilidade desse passo).

Assim, em boa verdade, aquando de um problema de inidoneidade processual (no estrito sentido como que o estamos a encarar, pois que, não raras vezes, também assim é apelidado o erro na forma de processo), nunca cabe falar em convolação.

«A inidoneidade do meio constitui uma excepção dilatória inominada cuja consequência é a absolvição da instância (arts. 493°, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi do art.1° da LPTA)» – Ac. do STA, de 09-11-2012, proc. nº 0738/12 [cfr., tb : Acs. do STA, de 11-04-2002, proc. nº 048282, e de 19-04-2005, proc. nº 0253/04; no dizer do Ac. do TCAS, de 29-01-2004, proc. nº 06942/03, «estando em causa a falta de um pressuposto processual insanável e não um problema relativo à ordenação formal dos actos processuais, nem o art. 265º, nos 1 e 2, nem o art. 265º-A, ambos do C.P. Civil, poderiam constituir fundamento para o juiz convidar o recorrente a corrigir a petição inicial (cfr. Pedro Madeira de Brito: “O Novo Princípio da Adequação Formal”, in “Aspectos de Novo Processo Civil”, 1997, pags. 38 e 40).».].

Bem foi aplicado o direito, não tendo senso possível equacionar qualquer violação do art.º 47º da CRP, que consagra a Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública, quando, por via da absolvição da instância, sequer verteu algum juízo implicativo ou em confronto com essa liberdade ou acesso, em qualquer mérito das suas dimensões mais particulares.

(…)”

Posição que reiterámos nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte de 06.11.2015, no processo 147/14.6 AVR, e de 09.06.2017, no processo 3005/15.3 BRG.

No caso concreto a Autora pede a condenação dos Réus a reconhecerem-lhe o direito “(…) à categoria de Assistente do 2° triénio e à categoria retributiva de Assistente de 2°triénio com Mestrado, índice 140, da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, com efeitos a 10/10/2008, data da primeira renovação contratual (…)” e, cumulativamente, a condenação dos Réus a contratá-la como “(…) Assistente de 2° triénio com Mestrado, desde 10/10/2008 e ao pagamento à A. dos diferenciais remuneratórios, vencidos e vincendos, entre os valores das remunerações mensais pagas pelo índice 100, como Assistente de 1° triénio e as devidas como Assistente de 2° triénio, com Mestrado, índice 140, que nesta data, calculados desde Outubro de 2008, com juros, se quantificam em €53.963,07 (cinquenta e três mil novecentos e sessenta e três euros e sete cêntimos),acrescidos de furos de mora à taxa legal até integral pagamento dos mesmos.”

A decisão recorrida, embora comece por referir o erro na forma de processo, apenas o faz para terminar do seguinte modo:

“Como referimos, no caso concreto o que a A. pretende obter com a presente ação administrativa comum é o que poderia obter caso tivesse instaurado, atempadamente a competente ação administrativa especial, o que aquela não fez, conformando-se com o mesmo durante anos.

Sendo que, conforme refere, no seu sumário, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20/03/2015, proferido no processo n.º 202062/13.1BEPRT [disponível em www.dgsi.pt], a cujo teor aderimos:

“(…) I) - Por força do art.º 38º, nº 2, do CPTA, «Nos casos em que a regulação de uma situação jurídica foi efectuada por acto administrativo inimpugnável, não é viável que, através de acção comum, sejam obtidos os efeitos que poderiam advir da sua anulação, com consequente reconstituição da situação que existiria se eles não tivessem sido praticados, nos termos do art. 173.º do CPTA.» (Ac. do STA, de 22-11-2011, proc. nº 0547/11).

II) – Esta inidoneidade processual resulta em absolvição da instância, insuprível.”

Pelo exposto, será de absolver os RR. da instância, por verificação da exceção inominada, prevista no nº 2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

A decisão não foi, pois, a de absolvição da instância por erro na forma de processo, mas antes de absolvição da instância por se verificar uma excepção inominada, ou seja, não expressamente tipificada na lei.

Mas usualmente designada por “impropriedade do meio processual”.

Em resumo, por ter sido indevidamente usada a forma de acção comum como meio de obter os resultados que seriam obtidos se tivesse sido interposta, em tempo, a adequada acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo que, entretanto, por não ter sido impugnado, se consolidou na ordem jurídica.

E, nesta perspectiva, foi acertada a decisão.

Defende a Autora que não há no caso um acto administrativo que tenha definido a sua situação jurídica.

Mais concretamente invoca (conclusões K) a N)): a entidade pública, no âmbito de uma relação laboral não exerce poderes de autoridade para lá, dos que decorrem do exercício dos poderes de direcção, enquanto entidade empregadora; num contrato de trabalho, a remuneração devida por categoria tipificada na lei, no caso no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, não exige a prática de um acto administrativo, porque o direito decorre directamente de normas jurídico-administrativas (no caso do estatuto de carreira e do diploma que fixa a estrutura retributiva da careira em causa) e não envolve a emissão de um acto administrativo; a pretensão formulada nos autos não se confunde com a de condenação à prática de ato devido (que segue a forma de acção administrativa especial), o que a Autora peticiona não é a emissão de um acto administrativo, do qual porventura dependa o reconhecimento do direito, mas o reconhecimento do direito a remuneração devida que decorre directa e imediatamente da lei e a correspectiva condenação ao pagamento dos créditos salariais apurados; não está no âmbito dos poderes conformadores das Rés pagar uma ou outra remuneração; esta está fixada na lei (anexo II do Decreto-lei n.º 408/89, de 18 de Novembro e a Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro - estrutura retributiva), devida por categoria também prevista na lei (Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico).

O Instituto Politécnico do Porto contrapõe, apoiando o decidido pelo Tribunal a quo: a Autora peticiona cumulativamente o pagamento de quantias e bem assim a condenação do Réu à contratação da Autora; tal pedido configura-se na prática de um ato administrativo, aliás como confessa a Autora no artigo 28.º da sua Petição Inicial “estamos perante um ato vinculado da administração”; um acto ainda que vinculado é um acto administrativo praticado no estrito cumprimento da lei, não dependendo por isso de qualquer formulação discricionária da Administração Pública; por outro lado, a Recorrente pretendeu abranger no pedido por si apresentado períodos anteriores à por si alegada conversão trazida pelo Decreto-Lei n.º 207/2009. Quer dizer, pretendeu não apenas abranger períodos posteriores às renovações contratuais operadas posteriormente, em 2012 e 2013 (mencionadas no ponto 7 da matéria factual considerada provada na sentença a quo), mas também todo o período que lhes é anterior; o que por si só já implica que não pode (não poderia nunca) a satisfação do pedido da Recorrente (e a condenação do Recorrido) passar “sem o apagar dos efeitos” do Despacho do Presidente do IPP de 31.10.2008 que autorizou a renovação do contrato de provimento administrativo (o ato administrativo praticado), ou seja, sem a respectiva impugnação.

E, na verdade, há no caso um acto administrativo que se consolidou na ordem jurídica, incompatível com a pretensão remuneratória aqui deduzida.

Obviamente o direito à remuneração é fixado por lei.

Mas aqui não está apenas em causa o direito a uma determinada remuneração.

Está em causa o reconhecimento à contratação numa determinada categoria. A remuneração é uma consequência, essa sim, decorrente directamente da lei, do reconhecimento do direito a uma determinada categoria.

A Autora pretende ver-lhe reconhecido o direito a considerar-se contratada como Assistente de 2°triénio com Mestrado, índice 140, da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, desde 10.10.2008.

Direito que lhe foi negado pelo despacho do Presidente do Instituto Politécnico do Porto, de 31.10.2008, que autorizou a renovação por mais três anos (triénio de 10.10.2008 a 09.10.2011) do contrato administrativo da Autora, mantendo a categoria de Assistente do 1° triénio, índice 100 - facto provado sob o n.º 6.

Despacho depois mantido pelo despacho de 18.05.2012 do Presidente da Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, que autorizou a renovação do contrato de trabalho da Autora em funções públicas a termo resolutivo certo, na categoria de Assistente em regime de exclusividade, com o vencimento a auferir de 1.636,83 euros, correspondente ao 1° escalão, índice 100, escalão 1, com efeitos a partir de 10.10.2011 e término em 09.10.2013 – facto provado sob o n.º7.

Tal despacho, de 31.10.2008, definiu unilateralmente a situação jurídica concreta da Autora, como contratada na categoria de Assistente do 1° triénio, índice 100.

Trata-se, manifestamente, de um acto administrativo no conceito que nos é dado pelo artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991).

Acto este que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 meses, a que alude a alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Face ao disposto no artigo 38º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos a Autora não pode pretender agora um efeito incompatível com esse acto, ou seja, o mesmo que obteria com a anulação do acto, a saber, o reconhecimento a ser contratada como Assistente de 2°triénio com Mestrado, índice 140.

Do que se concluiu que a acção administrativa comum foi impropriamente utilizada no caso concreto, para obter o efeito que já não se pode obter através de acção administrativa especial de impugnação de acto, por este já se ter consolidado na ordem jurídica.
Termos em que se confirma a decisão recorrida.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 14.07.2017
Rogério Martins
Luís Garcia
Alexandra Alendouro