Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00749/11.2BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 10/24/2014 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Luís Migueis Garcia |
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Sumário: | I) – Reveste natureza tributária a pretensão de pagamento do custo com ramal de ligação de saneamento, no que não são competentes os tribunais administrativos.* *Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | Águas de G..., S.A |
Recorrido 1: | DOA.., |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Águas de G..., SA (...), em acção administrativa comum sob a forma ordinária do TAF do Porto, na qual é réu DOA (...), interpõe recurso jurisdicional da sentença, perante parcial decaimento. A recorrente havia peticionado que fosse julgada a acção, na qual é autora, procedente, com acolhimento dos seguintes pedidos: a) Condenar o Réu no cumprimento das disposições conjugadas dos art.ºs. 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, e 9.º, n.ºs. 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, designadamente na ligação da sua habitação à rede pública de saneamento; b) Condenar o Réu no pagamento do valor de €2.543,36 (dois mil quinhentos e quarenta e três euros e trinta e seis cêntimos), a título de capital, decorrente da falta de pagamento dos custos de instalação do ramal de saneamento; c) Condenar o Réu no pagamento dos juros de mora que, contados à taxa legal anual de 4%, perfazem na presente data – 4 de Março de 2011 – o valor de €112,05 (cento e doze euros e cinco cêntimos), bem como nos juros vincendos até efectivo e integral pagamento. d) Condenar o Réu no pagamento do montante correspondente ao total de despesas e encargos da Autora com o presente processo judicial, nomeadamente, com honorários aos seus advogados e solicitadores contratados para o efeito, em montante a fixar em execução de sentença. e) Condenar o Réu nas custas judiciais e na respectiva procuradoria condigna. A sentença, depois de considerar o réu obrigado à ligação, absolveu-o do pedido condenatório no pagamento dos custos de instalação, em capital e juros (bem assim de cumulado pedido de pagamento de encargos e despesas com o processo). Discorda a recorrente do assim decidido quanto à (parcial) absolvição do réu, oferecendo em recurso as seguintes conclusões: A - O presente recurso versa questões de direito, na medida em que as normas que servem de fundamento jurídico à douta Sentença Judicial, proferida pelo digníssimo Tribunal "a quo", deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma distinta. B - O presente recurso também se fundamenta na contradição entre os fundamentos legais invocados e a conclusão, bem como falta de suporte legal na fundamentação da douta sentença, absolvendo o recorrido dos pedidos de condenação no pagamento com base em fundamentos subjetivos. C - Dispõe o art.º 150.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.° 23/95 de 23 de Agosto: "As redes de águas residuais domésticas dos edifícios abrangidos pela rede pública devem ser obrigatoriamente ligadas a esta por ramais de ligação." Igualmente, considerando o art.° 9.º, nº 1, do Decreto-Lei n.° 207/94, de 6 de Agosto: "É obrigatório instalar em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar, sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais..." D - No que aos ramais de saneamento concerne, estrutura já aqui definida, é obrigação da Recorrente proceder à sua instalação, conforme os art.° 4.º, n.º 2, al. h), do Decreto-Lei n.° 207/94 de 6 de Agosto, "Promover a instalação, substituição ou renovação dos ramais de ligação dos sistemas;»; art.º 282.° do Decreto Regulamentar n.° 23/95, de 23 de Agosto" Os ramais de ligação devem considerar-se tecnicamente como partes integrantes das redes públicas distribuição e drenagem, competindo a entidade gestora promover a sua instalação»; art.° 6.º, n.° 3, do Regulamento revisto e art. 15.º n° 1 do Regulamento atual e Cláusula n.° 35ª, nº 2, n.° 2, do Contrato de Concessão" ... competindo à concessionaria promover a sua construção, instalação, conservação, substituição e/ou renovação» E - Salienta-se, ainda, o estabelecido no atual regime de abastecimento de água e saneamento, Decreto-Lei n.° 194/2009, de 20 de Agosto, que, no Capítulo VII - Relações com os Utilizadores, no art.' 69.°, n.°1: "Todos os edficios, existentes ou a construir com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou saneamento de águas residuais, devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de conceção e dimensionamento em vigor e estar ligados aos respetivos sistemas públicos." F - Sufragando a obrigatoriedade de ligação dos edifícios abrangidos pela rede pública, dispõe ainda o Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de Maio, que veio revogar o Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro, que apenas são licenciáveis os sistemas particulares caso não existam redes públicas. G - Importa também, desde já, distinguir a «instalação", "substituição" e/ou "renovação" e "conservação" dos ramais de ligação, partes integrantes da rede pública, para efeitos da responsabilidade pelo seu custo. H - De facto, é inequívoco que a responsabilidade pelas atividades que consubstanciam a instalação, conservação e substituição é da Entidade Gestora do respetivo sistema, mas o legislador estabelece que apenas a substituição ou renovação é feita a expensas daquela. I - Por conseguinte, dispõe a Cláusula 35.ª, nº 3, do Contrato de Concessão: "Pelo primeiro estabelecimento de ramais de ligação será cobrado ao Utilizador o valor das obras respetivas de acordo com medição e preços constantes do Tarifário.", Clausula 66ª n°1 e ainda o art.' 65.°, n.° 6, do Regulamento: "Pela instalação dos ramais de ligação será cobrada aos proprietários, usufrutuários ou aqueles que detém a legal administração do prédio, os encargos inerentes da sua execução da respetiva tarifa de ligação por fogo ou fração", com idêntica redação o disposto no atual regulamento no art.º 16.° n.° 3 e 4"... proceder ao pagamento do preço de ligação, ramal e CRL". J - O Município, entidade concedente dos serviços concessionados, no caso sub judice o Município de G..., transferiu para a Concessionária o encargo de gerir a prestação dos serviços públicos essenciais, sujeitando-a aos seus poderes de tutela e superintendência. Em que especialmente se destaca o poder do Município aprovar o Regulamento daqueles serviços, bem como os respetivos Tarifários ou Preçários, limitando-se a Concessionária a promover a sua aplicação. K - A Lei n.° 58/2005, de 29 de Dezembro, (Lei da Água) também impõe, no art.º 82.°, que no regime das tarifas a aplicar esteja assegurada a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, visando ainda uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária, nos termos do respetivo Contrato de Concessão, e o cumprimento dos critérios definidos na Lei e nas orientações do Instituto Regulador. L - Aliás, nesse sentido, a E..., I. P., defende que os tarifários têm que permitir a recuperação dos custos diretos e indiretos suportados com a prestação dos serviços, em conformidade com o estabelecido na Diretiva 2000/60/CE do Parlamento e Conselho, de 23 de Outubro. M - Atente-se ao teor do documento junto sob o n.°4, emitido pelo IRAR, atualmente E..., I. P., no seu ponto n.° 3: «... a partir de tal ligação ou a partir do momento em que, tendo sido notificado para tal ligação, o utente não disponibilizou o prédio para o efeito, pode a entidade gestora começar a cobrar a taxa ou a tarifa de disponibilidade de água e/ou saneamento (desde que aprovada pelas instancias municipais competentes e de acordo com a estrutura definida no Contrato de Concessão que exista), como ainda os preços relativos aos ramais de ligação executados, nos termos do disposto na Lei da Finanças Locais". N - De acordo com o disposto na Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, atualmente revogada pela Lei n.° 2/2007, de 15 de Janeiro, os Municípios têm a faculdade de exigir aos seus utentes os custos de construção dos ramais domiciliários, não obstante os mesmos serem pertença do domínio público. O - Estabelecendo o art.º 13.°, n.° 2, do referido Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que a Concessionária, precedendo aprovação pelo Concedente, "tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização e está autorizada a recorrer ao regime legal de expropriação...". P - Mais acresce que todos os tarifários aplicados pela Autora, previamente estabelecidos e aprovados pelo órgão deliberativo do Município, Assembleia Municipal de G..., foram sujeitos à apreciação daquela entidade reguladora. Não existindo qualquer observação no sentido de considerar que os custos de instalação dos ramais não estivessem repercutidos nos tarifários, mas sim, pelo contrário, corroborando a necessidade desse custo ser imputado aos utentes, quer pela via direta do pagamento dos ramais de ligação, quer pela via indireta no pagamento das tarifas fixas de saneamento. (vide Recomendação IRAR n.° 1/2009, disponível no sítio da Internet www.E....pt). Q - Preceitua a Cláusula 63ª do Contrato de Concessão, n.° 1: "a concessionária tem direito afixar, liquidar e cobrar, relativamente a cada um dos serviços as seguintes tarifas e taxas: b. b) tarifa de ligação (redação atual de preço) b.d) taxas de construção de ramais"(redação atual de preço de ramal) R - bem como o Preçário anexo 1 do Regulamento atual e anterior TARIFÁRIO, estando aí previstas os preços/tarifas de ligação, de ramal de ligação e de caixa de ramal de ligação. S - Mais acresce salientar que a cobrança da instalação de ramais de ligação remonta à data da criação dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, designadamente, e com interesse para o caso em apreço, levada a efeito pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento do Município de G.... T - A decisão recorrida contraria a maioria das decisões judiciais, proferidas por diferentes tribunais, em pedidos em tudo semelhantes aos que foram objeto desta decisão, ora posta em crise, todos tendo concluído pela legalidade e legitimidade da cobrança dos custos de instalação dos ramais de ligação. (Junta-se, a título meramente exemplificativo, cópia das sentenças proferidas no âmbito do Proc.º n.° 5228/05.4TBGMR, que correu termos pelo 5° Juízo Cível do Tribunal de Guimarães, e do Procº' n.° 1234/ 10.5BEPRT, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto). NESTES TERMOS, e nos mais de Direito doutamente supridos pelos Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores, se requer se dignem julgar o presente Recurso procedente, por provado, revogando a douta Sentença Judicial proferida pelo digníssimo Tribunal de 1.ª instância, no que concerne aos pedidos de condenação no pagamento, com todas as consequências legais. O recorrido não contra-alegou. * O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado conforme previsto no art.º 146º, nº 1, do CPTA, nada tendo dito.* Feito confronto com questão de competência, pronunciou-se a recorrente.* Dispensando vistos, cumpre decidir.* A apreciação do recurso passa por dar resposta à questão de competência; acolhida que seja, e averiguada se há alguma contradição entre fundamentos e decisão, cinge-se à questão de saber quem arca com os custos do ramal de saneamento.* Os factos, que o tribunal a quo deu como provados:1. Em 19/05/1983, representantes da Câmara Municipal de G...-Serviços Municipalizados de Electricidade, Água e Saneamento e o Réu DOA celebraram dois contratos de fornecimento de água, respectivamente, para os prédios existentes na Rua de SC..., da freguesia de J..., a que passaram a corresponder os números de consumidor 39480 e 39481, respectivamente - cfr. o documento 2 junto com a petição inicial, a fls. 15-18 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 2. Em 31/10/2001, representantes da Autora e da Câmara Municipal de G... celebraram "Contrato de Concessão de Exploração e Gestão dos serviços Públicos Municipais de Água e Saneamento de G...", por via do qual a Autora se comprometeu a promover a instalação de ramais de ligação de saneamento nas diversas freguesias do concelho de G... - cfr. o documento 1 junto com a petição inicial a fls. 12-14 e o documento de fls. 133-217 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 3. Ao abrigo do contrato referido no ponto anterior, a Autora e a Câmara Municipal de G... acordaram no seguinte: CLAUSULA 59ª TARIFA, TAXAS E FACTURAÇÃO 1. Todos os serviços prestados aos utilizadores serão facturados pela Concessionária com base no Tarifário em vigor e de acordo com a legislação aplicável. 2. Nas facturas por si emitidas, a concessionária fará a discriminação dos serviços prestados, das correspondentes tarifas e taxas e volumes de água abastecida e de águas residuais recolhidas que dão origem às verbas debitadas, aos encargos de disponibilidade e de utilização, assim como identificará sempre o IVA... (...) CLAUSULA 63º TARIFÁRIO 1. A concessionária tem direito a fixar, liquidar e cobrar, relativamente a cada um dos serviços as seguintes tarifas e taxas: a) Pelo Serviço de Distribuição de Água: (...) b) Pelo Serviço de Saneamento: b. a) tarifa volumétrica b.b) Tarifa de ligação; b. c) Taxas por outros Serviços a. d) Taxas de Construções de ramais 2. A fixação, pela Concessionária, das tarifas e taxas está sujeita a aprovação prévia do Concedente, e respeitará os princípios consagrados na legislação aplicável, designadamente o disposto no art. 150 do DL 379/93 de 5/11, bem como o disposto na cláusula 69ª. 3. A Concessionária não poderá cobrar quaisquer tarifas ou taxas diferentes das referidas no número anterior, nem aplicá-las de forma distinta da estabelecida no Contrato, nem onerar a qualquer título ou por qualquer forma o preço do Serviço respectivo. (...) CLAUSULA 66° CONSTRUÇÃO DE RAMAL 1. As taxas de construção de ramal destinam-se a cobrir os custos de construção dos ramais domiciliários de abastecimento e de saneamento no primeiro estabelecimento. (...) CLAUSULA 67º TAXAS POR OUTROS SERVIÇOS 1. Em complemento ao tarifário essencial a Concessionária poderá cobrar os Utilizadores por prestação de outros e serviços ou trabalhos, conforme o disposto no número seguinte. 2. Quando o Utilizador solicitar a prestação do serviço respectivo, a Concessionária pode cobrar o seu custo, que corresponde a um preço fixo e único por cada serviço prestado, aplicando-se, até à Revisão prevista na Cláusula 69ª, os valores constantes do Anexo X(...) CLAUSULA 68º TARIFA DE LIGAÇÃO A tarifa de ligação destina-se a cobrar os custos de construção da rede pública (de água e águas residuais) que permite disponibilizar o Serviço a todos os Utilizadores (...)» - cfr. o documento 1 junto com a petição inicial a fis. 12-14 e o documento de fls. 133-217 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 4. Em 08/05/2006, 23/06/2006 e 30/06/2006 a Autora fez publicar no Jornal de N..., na secção de Publicidade, o texto intitulado "Esclarecimento à População - Ligação ao Saneamento Público" - cfr. o documento 5 junto com a petição inicial, a fls. 39-41 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 5. Em 04/07/2006, o Instituto Regulador da Água emitiu informação acerca de uma Reclamação relativa a obrigação de ligação de uma factura emitida pela AdB... - cfr. o documento 4 junto com a petição inicial, a fls. 25-26, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 6. Em 30/11/2009, a Autora remeteu ao Réu, sob correio registado com aviso de recepção, dois ofícios referências Edital 88/8 e 88/9, sob o assunto: «Ligação de saneamento no local», referentes aos clientes n.° 39481 e 39480 e às ligações para a Rua de SC..., n.OS 6 e 8, respectivamente, de onde consta, além do mais, o seguinte: «Caro Cliente, Águas de G..., S.A., é a entidade responsável pelo Serviços Públicos Municipais de Águas e Saneamento do Município de G.... O nosso objectivo é aumentar a sua qualidade de vida e estamos já a colocar ao seu dispor um sistema público de drenagem de águas residuais. Relativamente à ligação da sua habitação à rede pública, de acordo com o comprimento médio de ramal no seu arruamento, os valores a pagar são: 0.5 Ramal saneamento: O 160mm 8Mts 663,33 € + IVA 20% 0.5 Câmara de ligação: Profundidade 1 Mts 177,89 € + IVA 20% 1 Tarifa de ligação 218,51 € + IVA 20% Total com IVA: 1.271,68 € Estes valores, segundo o disposto no Art. 22º do Regulamento Municipal de Drenagem Pública e Predial de águas Residuais no Concelho de G... e Art. 150 do Decreto Regulamentar n° 23/95 de 23 Agosto, deverão ser liquidadas até ao dia 30 de Dezembro de 2009. Após ter procedido a tais pagamentos, deverá efectuar a ligação da sua habitação à rede pública, até ao próximo dia 29 de Janeiro de 2010. (...) Em anexo, enviamos-lhe um impresso de ligação de saneamento que deverá preencher e entregar nos nossos serviços. (...)» - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial, a fls. 19-24, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 7. Em 04/01/2010, a Autora emitiu as factura/recibo, n.os 013100100000786 e 013100100000778, ambas com data limite de pagamento de 25/01/2010 e no valor de € 1,271,68 cada, com a seguinte descrição: «Ramal saneamento 841,22 1 Ligação de Saneamento 218,51 IVA 20% 211,95» - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial, a fls. 27-28 dos autos, cujo teor de dá por inteiramente reproduzido. 8. A presente acção foi intentada em 10/03/2011 - cfr. fls. 2 dos autos. * O direito.No âmbito da jurisdição administrativa, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artº 13º do CPTA). Suscitou-se questão de competência, medida do respectivo poder jurisdicional. O tribunal “a quo” julgou: “(…) a presente acção parcialmente procedente e em consequência decido: . Condenar o Réu na obrigação de ligação das suas habitações à rede pública de saneamento; . Absolver o Réu dos demais pedidos formulados. (…)”. A recorrente, autora da acção, obteve, pois, ganho de causa a respeito da sua pretensão em ver o réu sujeito à obrigação de ligação à rede pública de saneamento. Já, para além do mais, quanto ao pagamento de custos do ramal, não lhe foi favorável a sentença dada. Objecto do presente recurso é este decaimento quanto aos custos de ligação. Decidiu já este TCAN, nos processos 02708/11.6BEPRT, de 28-06-2013, e 02507/10.2BEPRT, de 13-09-2013 (publicados em www.dgsi.pt) – processos em que foi parte a ora recorrente: I. Atendendo ao critério formal da fonte da obrigação, que é a lei, ao regime económico, que é de monopólio, à indispensabilidade do serviço e à sua natureza comutativa, a tarifa ou preço do serviço de abastecimento de água/saneamento terá a natureza de taxa, constituindo receita tributária. II. Se, assim, importa ser considerado e quando o que está em discussão se prende não com uma relação jurídico privada de discussão em torno de incumprimento das obrigações decorrentes de contrato de fornecimento/prestação de serviço, mas, ao invés, de discussão quanto a alegadas ilegalidades praticadas no quadro relação jurídico pública, na sujeição e fixação/aplicação de determinado Regulamento de Taxas por parte da A. ao R., então, dúvidas não podem existir que se trata de questão fiscal para a qual o tribunal administrativo “a quo” carece de competência em razão da matéria. III. Não se está perante um litígio de direito privado relativo a uma relação contratual de prestação de serviço de saneamento, sendo que a reclamação das verbas em questão resulta da exigência imposta autoritariamente pela A., ora recorrente, da tarifa de ligação e de alegados “custos” à mesma associados como contrapartida do serviço prestado. IV. Ora as questões suscitadas, mormente, sobre a necessidade/legalidade da aplicação daquela tarifa revestem uma natureza fiscal entendendo-se, como tal, «todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas. Conforme aí se desenvolve, é de questão fiscal que se trata. Colhendo a orientação firmada pelo Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, em Ac. de 10.04.2013, Proc. n.º 015/12, no qual veio a firmar-se o entendimento de que no “… domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo ‘preços’ utilizado naquela Lei equivale ao conceito de ‘tarifas’ usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal …”, na mesma razão de ser refluindo semelhante doutrina ao caso em mãos. À face do ETAF na jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respectivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais. A distribuição legal da competência entre os vários tribunais tem na sua base, como resulta das leis estatutárias e do processo, um princípio de especialização da função jurisdicional pelo reconhecimento da vantagem de reservar certas matérias de tribunais que, pela sua organização e composição, tendencialmente melhor assegurem a realização da justiça (Ac. do TP de 14/5/1997-Proc. nº36943). Compete aos tribunais tributários, além do mais, conhecer dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais (art.º 49º, nº 1, a), IV), do ETAF). Lembra a recorrente que, actuando com veste de ius imperium, emerge uma resolução autoritária que impõe pagamento de uma prestação pecuniária sem que seja dada qualquer alternativa, com o objectivo de prossecução do interesse público, sendo adequada a forma da acção, e … sendo que “a questão principal nos presentes autos é de natureza administrativa, estando a questão tributária prejudicada por aquela”. Mas, então,… questão tributária existe! E prejudicada como? Não quer a recorrente que seja emitida pronúncia, e com triunfo de pretensão? A prejudicialidade opera, e apenas, em sentido contrário: o reconhecimento da obrigação de ligação, seja a título principal, ou apenas incidental (ou pedido apenas de cumulação aparente), pode servir, e ter de servir, ao pedido de condenação no pagamento do seu custo; o inverso já não ocorre. Argumenta que recorrente que as pretensões são incindíveis, que a declaração apenas da obrigatoriedade da ligação revela-se inexequível. Mas não é assim. O que o tribunal cuidou de saber, e o que se lhe procurava em pronúncia, foi definir se a obrigatoriedade (legal) existia ou não, em confronto com uma mera voluntariedade (de ligação ao ramal). O interesse em agir esgota-se, no ponto, no atingir dessa definição. É de lembrar que “o caso julgado não se confunde, evidentemente, com a exequibilidade da decisão. Há sentenças que, como vimos, gozam de força executiva, apesar de não terem transitado em julgado. Tal como há sentenças transitadas que, por não condenarem nenhuma das partes em qualquer prestação, ou por se tratar de sentenças estrangeiras não revistas nem confirmadas, carecem de exequibilidade” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 686, nota de rodapé 2). Como no caso. Pese a autora ter formulado o pedido de “Condenar o Réu no cumprimento das disposições conjugadas dos art.ºs. 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, e 9.º, n.ºs. 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, designadamente na ligação da sua habitação à rede pública de saneamento”, e na, na mesma linha, o tribunal ter proferido uma estatuição de “Condenar o Réu na obrigação de ligação das suas habitações à rede pública de saneamento”. Cfr. Ac. do STA, de 10-07-2013, proc. nº 01176/12 : I - A sentença judicial, como acto jurídico que é, está sujeita a interpretação, valendo nesse domínio, por força do disposto no art. 295º C. Civil, os critérios de interpretação dos negócios jurídicos. II - Deve, pois, ser interpretada, nos termos previstos no art. 236º/1 do C. Civil, de acordo com o sentido que dela possa deduzir um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário. No que foi pedido e no que foi estatuído, com toda a desenvoltura que resulta da leitura integral, nunca esteve em causa uma condenação de facere a cargo do réu/recorrido, como aparentemente parece resultar do dictum final. Tão só o reconhecimento a um estado de sujeição. E esse é o sentido que é confirmado quando ao réu se lhe quer imputar custos em que a autora incorre por… ser ela a efectuar essa ligação. Já em tempos idos escreveu o Prof. Alberto do Reis (CPC Anotado, Vol. II, 3ª ed.ª, Coimbra, 1949, págs. 364/5) que «Se a acção for de mera declaração ou constitutiva, a fórmula a que nos referimos não é adequada. Não faz, então, sentido que que se peça a condenação do réu; o que tem de se pedir é que o tribunal faça a declaração ou reconhecimento da existência do direito ou do facto, ou que emita a providência tendente a produzir a mudança jurídica respectiva». Mais argumenta com a falta de força executiva das suas notas de cobrança. Ora, isso justificará que venha a juízo, mas não dita da competência. E, como se assinala nos supra referidos acórdãos deste TCAN, «(…) Na verdade, do facto da exploração e prestação do serviço ser titulado ou prestado ao utente por empresa privada no quadro ou abrigo de contrato de concessão e do incumprimento pelo utente de notas de cobrança emitidas pela concessionária não estar provida de força executiva, não podendo portanto, dar lugar a um imediato processo de execução fiscal, tal não significa que a relação jurídica que se estabelece entre aqueles sujeitos seja ela uma relação jurídica administrativa visto que não está em causa nem um qualquer incumprimento de contrato administrativo estabelecido ou outorgado entre as partes, nem as normas convocadas como infringidas e os fundamentos do litígio que se apresentam se reconduzem ou podem qualificar como normas administrativas.». Refere que outras entidades recorrem aos tribunais administrativos ou mesmo comuns, para cobrança coerciva de receitas. Porventura. Mas na definição que agora resulta também se não nega o direito de acção, e antes aqui vale o que for de legalidade, não uma regra do precedente que o nosso sistema não comporta. Especial referência merece por banda da requerente o decidido no Ac. do Trib. de Conflitos, de 21-01-2014 (tanto quanto podemos supor, terá em mente o proc. 044/13). Mas não se vê daí apoio para a sua visão das coisas, que defende estarmos perante questão administrativa a dirimir nos tribunais administrativos. O que daí resulta, e no caso aí apreciado, é a competência dos tribunais judiciais, admitindo que «a competência, em razão da matéria poderá passar para o âmbito dos tribunais tributários se o objecto do litígio se centrar ou pelo menos envolver a discussão da legalidade do “preço” ou das “tarifas”.» Não pode, pois, no que vem a recurso, manter-se o decidido em sentença. Antes a conclusão é a da incompetência material do tribunal administrativo para a peticionada condenação ao pagamento dos custos de ligação do ramal (capital e juros - alíneas b) e c) do petitório). Excepção dilatória que dita a absolvição da instância (art.ºs. 278º, nº 1, a), e 577º, a), do CPC). * Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em revogar a decisão na parte recorrida, absolvendo o réu da instância nos limites e termos supra expostos.* Custas: sem custas as do recurso; pela autora as da 1ª instância.Porto, 24 de Outubro de 2014. Ass.: Luís Migueis Garcia Ass.: Frederico Branco Ass.: João Beato Sousa |