Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
VABRF vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 30 de Dezembro de 2015, e que indeferiu a providência cautelar intentada contra a Junta de Freguesia de Gondufe e a Fábrica da I... de S. MG, tendo como contra-interessado JCA – Construção Unipessoal Lda, e onde era requerido:
“…que julgue procedente por provada a presente providência cautelar e, em consequência decrete o embargo das obras de construção da supradita casa Mortuária e seus anexos”…
Em alegações o recorrente concluiu assim:
1. Na presente providência cautelar, vem requerido o Embargo judicial de obra nova, obra esta consubstanciada nos trabalhos de recuperação do rés-do-chão, do edifício sito na Rua de São MG, e tendente à sua utilização como Casa Mortuária.
2. Portanto, a questão a decidir passa por aferir da verificação dos requisitos legais de que dependerá o decretamento do embargo judicial de obra nova.
3. A providência cautelar consubstanciada no embargo de obra nova mostra-se, em abstracto, legalmente admissível no domínio do contencioso administrativo, como resulta aliás expressamente do disposto no art.º 112º, n.º2, do CPTA, do qual resulta a possibilidade de o interessado lançar mão das providências especificadas no Código de Processo Civil.
4. O embargo da obra nova constitui justamente umas das providências cautelares especificadas no CPC, havendo de convocar a disciplina aí constante de molde a aferir dos pressupostos do decretamento da providência (art.º 1º do CPTA).
5. Nos termos do disposto no art.º 397º, n.º1, do Código de Processo Civil, “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
6. Como refere António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume”, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, Maio, de 2006, pág. 242, “o embargo de obra nova é uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias, na medida em que através da mesma se pretende obter a estabilização da situação de facto, até que seja resolvido o litígio principal”.
7. No que concerne aos requisitos, tendo em conta o estatuído no art.º 397º, n.º1, do CPC, já transcrito, constituem requisitos para o decretamento da providência: (i) que o requerente seja titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse; (ii) que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; (iii) que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou possa causar prejuízos ao requerente.
8. Em relação ao primeiro dos requisitos, refere o Cons. Abrantes Geraldes (Aut. Cit., pág. 250), “… o embargo de obra nova tem como objectivo defender o interessado quando este seja prejudicado no seu património, senão protegê-lo de todos os efeitos reflexos causados através da ofensa dos seus direitos materiais. Pode ser requerido quando tenha sido afectado o direito de propriedade, outro real pessoal de gozo ou a posse formal, já não quando os actos, mesmo que ilícitos, apenas afectem o interessado na esfera dos seus direitos de personalidade”.
9. Relativamente ao segundo dos pressupostos enunciados, o decretamento do embargo pressupõe que a obra ou os trabalhos em curso já tenham ofendido, o direito a que o Requerente se arroga, não bastando, ao contrário do que é regra no procedimento cautelar comum, a existência de um justo receio de ocorrência de lesão dos direitos do requerente (Idem, pág. 249).
10. Finalmente, cumpre também evidenciar – acompanhado, mais uma vez, o Insigne Autor – que o embargado deverá ser dirigido contra uma obra nova, somente podendo ser embargadas “… obras que impliquem uma modificação substancial de uma coisa e se não traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente”.
11. Feito que está o enquadramento jurídico-dogmático de que depende a apreciação da retensão formulado pelo Requerente, cumpre regressar ao concreto da situação trazida a juízo pelas partes, em ordem a dirimir o presente conflito.
12. Analisado o Requerimento inicial, constata-se que, em parte substancial do articulado, o Requerente procura fundar a procedência do embargo nos eventuais efeitos que poderão advir da utilização do prédio em referência nos autos como Casa Mortuária, utilização esta contra a qual se tem insurgido o Requerente.
13. Ora, como foi posto em evidência, o embargo de obra nova, enquanto providência cautelar de natureza conservatória, tem como pressuposto indissociável, a existência de uma lesão (ou ameaça de lesão) à esfera jurídica do Requerente, lesão essa que terá de radicar nos próprios trabalhos da obra, e cuja paralisação é solicitada ao Tribunal, não se situando dentro do perímetro da relevância jurídica eventuais prejuízos ou lesões que possam vir a ocorrer em resultado da posterior e concreta utilização que vier a ser dada ao imóvel, após a conclusão dos respectivos trabalhos de obra.
14. Portanto, tudo quanto resulta alegado pelo Requerente relativamente a hipotéticos prejuízos, incómodos e transtornos emergentes do espaço em referência como casa mortuária, mostra-se totalmente irrelevante para efeitos do decretamento do embargo, e por inexistir qualquer correlação entre os trabalhos de obra e a eventual utilização que venha a ser dada ao espaço sob intervenção.
15. Feita esta delimitação, restará, então, com relevância para análise, o indagar dos eventuais prejuízos para a esfera jurídica do Requerente (recorde-se que somente será relevante o que tenha sido alegado pelo Requerente relativamente à sua própria esfera jurídica, e posto não ter este legitimidade para actuar em nome de terceiros que, porventura, se possam sentir lesados com a construção).
16. Neste enfoque, e percorrido todo o discurso vertido do requerimento inicial, constata-se que o Requerente não reside em local que se situe nas imediações do local onde as obras foram iniciadas, sendo que as obras se encontram a ser realizadas num edifício independente das demais construções existente nas imediações, não se mostrando consubstanciada qualquer violação da concreta esfera jurídica do Requerente que porventura possa resultar dos trabalhos em curso.
17. Por outro lado, cumpre também evidenciar que, dentro do conceito de novidade da obra ficou explicitado, os trabalhos em causa nos presentes autos não se subsumem ao conceito de obra nova passível de legitimar a procedência do presente embargo.
18. Efectivamente, e como resulta do descrito dos trabalhos a realizar, está em causa uma mera recuperação do rés-do-chão do edifício conhecido como residência paroquial, trabalhos consubstanciados na limpeza e reparação de paredes exteriores, como reparação e substituição das caixilharias existentes, procedendo-se também à execução de alguma paredes interiores de compartimentação, bem como à recuperação e melhoria dos interiores, por forma a adequá-los à finalidade a que tal espaço se destina, tratando-se assim de trabalhos de simples adaptação e melhoria do existente (e limitadas à uma fracção do edifício em causa – o seu rés-do-chão), trabalhos estes que pela sua natureza e finalidade, não apresentam a novidade indispensável que os permitam qualificar como uma verdadeira obra nova passível de legitimar uma reacção cautelar, por via do embargo de obra nova.
19. Pelo exposto, e atenta a falta de fundamentos juridicamente atendíveis que permitam a procedência da pretensão do Requerente, restará, então, julgar totalmente improcedente a presente providência cautelar, o que aqui vai decidido.
20. O Recorrente entende que se encontram reunidos os requisitos para o embargo judicial de obra nova;
21. Determina o CPC, aqui aplicável por força do CPTA que são necessários 3 requisitos para que seja decretada a providência Cautelar de embargo da obra nova;
22.
i) O início de uma obra no sentido lato (“obra trabalho ou serviço novo”)
ii) Ofensa dum direito real ou pessoal, de gozo, ou da posse, em consequência dessa obra.
iii) O Prejuízo ou ameaça de prejuízo.
23. O Exmo. Juiz do Tribunal “A Quo” fundamentou a sua decisão quanto ao requisito n.º 2.º e n.º 3.º mencionado no artigo 22.º deste articulado, em síntese no seguinte:
“Feita esta delimitação, restará, então, com relevância para análise, o indagar dos eventuais prejuízos para a esfera jurídica do Requerente (recorde-se que somente será relevante o que tenha sido alegado pelo Requerente relativamente à sua própria esfera jurídica, e posto não ter este legitimidade para actuar em nome de terceiros que, porventura, se possam sentir lesados com a construção).
Neste enfoque, e percorrido todo o discurso vertido do requerimento inicial, constata-se que o Requerente não reside em local que se situe nas imediações do local onde as obras foram iniciadas, sendo que as obras se encontram a ser realizadas num edifício independente das demais construções existente nas imediações, não se mostrando consubstanciada qualquer violação da concreta esfera jurídica do Requerente que porventura possa resultar dos trabalhos em curso……..” (Sublinhado nosso).
24. Pese embora o requerente não resida não imediações do local onde as obras foram iniciadas, isso não consubstancia de per si, sem mais, que o mesmo não seja afectado pelas obras, tal como se demonstrou no requerimento inicial.
25. O direito ofendido pela obra nova pode ser o direito de propriedade ou outro direito real de gozo.
26. Como é referido na petição inicial, a construção nova em causa (construção da casa mortuária) deita directamente para a via pública, ficando em cima de uma curva, sem passeios, onde o perigo de acidentes é iminente!
27. A existência de uma casa mortuária nas imediações das residências de vários vizinhos terá como consequência o denegrir da vida dos particulares da Freguesia de Gondufe.
28. Mais concretamente afectará o estado psicológico do recorrente, assim dos restantes vizinhos, que passarão a ter funerais e ambientes mórbidos à porta da sua casa, bem como constantes músicas fúnebres e actos fúnebres pesarosos constantes.
29. O que trará ao Recorrente e demais população subscritora do abaixo-assinado grande tristeza, dor, intranquilidade e desconforto.
30. De realçar, que o recorrente juntou aos autos, com a petição inicial, um abaixo-assinado das gentes da Freguesia de Gondufe, em que os mesmos manifestam o seu desacordo com as obras que a Junta de Freguesia pretende levar a efeito, com conhecimento da Fabrica da I..., no edifício da Residência Paroquial, que tem como destino a casa Mortuária.
31. Mais, tal afectará o direito de repouso dos habitantes de Gondufe, uma vez que as actividades prosseguidas pela casa mortuária, que se encontra em construção, geram ruído não só pelas músicas fúnebres como pela aglomeração de pessoas que se fará sentir fora da casa mortuária e pelos avisos dados (sobre a situação dos falecidos e outras informações relacionadas com o seu funeral) através do sistema de som que dar conhecimento a toda a freguesia.
32. Todas as situações retratadas enquadram-se objectivamente nos requisitos” Ofensa dum direito, real ou pessoal, de gozo, ou da posse, em consequência dessa obra” e “ O prejuízo ou ameaça de prejuízo;
33. Ao invés do decidido pelo Exmo. Juiz do Tribunal “ A Quo”, que entendeu não se verificarem os supra referidos pressupostos, pelas razões supra aduzidas, e que por uma questão de economia processual não as reproduzimos.
34. Quanto ao último pressuposto “ O início de uma obra”, o Exmo. Juiz do Tribunal de que se recorre decidiu o seguinte:
“
Finalmente, cumpre também evidenciar – acompanhado, mais uma vez, o Insigne Autor – que o embargado deverá ser dirigido contra uma obra nova, somente podendo ser embargadas “… obras que impliquem uma modificação substancial de uma coisa e se não traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente”.
Efectivamente, e como resulta do descrito dos trabalhos a realizar, está em causa uma mera recuperação do rés-do-chão do edifício conhecido como residência paroquial, trabalhos consubstanciados na limpeza e reparação de paredes exteriores, como reparação e substituição das caixilharias existentes, procedendo-se também à execução de alguma paredes interiores de compartimentação, bem como à recuperação e melhoria dos interiores, por forma a adequá-los à finalidade a que tal espaço se destina, tratando-se assim de trabalhos de simples adaptação e melhoria do existente (e limitadas à uma fracção do edifício em causa – o seu rés-do-chão), trabalhos estes que pela sua natureza e finalidade, não apresentam a novidade indispensável que os permitam qualificar como uma verdadeira obra nova passível de legitimar uma reacção cautelar, por via do embargo de obra nova.
Por outro lado, cumpre também evidenciar que, dentro do conceito de novidade da obra ficou explicitado, os trabalhos em causa nos presentes autos não se subsumem ao conceito de obra nova passível de legitimar a procedência do presente embargo. (sublinhado e negrito nosso).
35. Não podemos estar mais em desacordo com esta decisão, com todo o devido respeito!
36. Tem sido entendimento da doutrina que, constituem, por exemplo, obra, trabalho ou serviço, como tal susceptível de embargo, a abertura duma cave (…), a extracção de areia e outros materiais inertes do leito de um rio ou das suas margens (…), o corte de árvores(…)
37. Os trabalhos descritos em 34 deste articulado não podem deixar de constituir uma obra ou trabalho susceptível de embargo!
38. No entender do recorrente estão reunidos todos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar de embargo de obra nova.
Os Recorridos e contra-interessado, notificados para o efeito, contra-alegaram tendo apresentado as seguintes conclusões:
1 - O embargo de obra nova constitui uma das providências cautelares especificadas previstas no CPC e, aplica-se ao contencioso administrativo por força do disposto no art. 112º, n.º 2 do CPTA.
2 - Visando prevenir ou conservar uma determinada situação de lesão ou ofensa do direito de propriedade, ou qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, até que esteja resolvido o litígio principal. Primeiro requisito, para que a providência cautelar seja decretada.
3 – Porém, o Recorrente em momento algum do seu articulado alega que direito de propriedade, ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse, foi violado, apenas se refere a direitos de personalidade.
4 - Nomeadamente, quando refere: “ A existência de uma casa mortuária nas imediações das residências de vários vizinhos terá como consequência o denegrir da vida dos particulares da freguesia de Gondufe.
Mais concretamente afectará o estado psicológico do A. assim como dos restantes vizinhos, que passarão a ter funerais e ambientes mórbidos à porta da sua casa ….”
E, “ Mais, tal afetará o direito ao repouso dos habitantes de Gondufe ….”
5 – Ora, os direitos de personalidade não são tutelados mediante o recurso à presente providência cautelar, conforme bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo.
6 – Neste sentido também, o Cons. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, pág 250 “ …o embargo de obra nova tem como objectivo defender o interessado quando este seja prejudicado no seu património … . Pode ser requerido quando tenha sido afectado o direito de propriedade, outro direito real pessoal de gozo ou a posse formal, já não os actos, mesmo que ilícitos, apenas afectem o interessado na esfera dos seus direitos de personalidade”. (sublinhado nosso)
7 - Até porque, do sentido lei infere-se que o direito real ou pessoal, de gozo, ou de posse aqui em causa, será sobre uma determinada coisa.
8 - O segundo requisito que se afigura necessário preencher para ser decretada a providência cautelar, de saber se o ora Recorrente foi ofendido no seu direito na sequência da obra, também, em nossa modesta opinião, não se encontra verificado.
9 – Porquanto, este não alega, nem faz prova do direito ofendido directamente com a execução da obra e, enquanto a mesma está a decorrer. Limitando-se a alegar possíveis e futuras consequências, que a sua conclusão e o destino que irá ser dado ao edifício, poderão ter quanto aos direitos de personalidade das gentes de Gondufe.
10 – Pelo que, também quanto a este aspecto decidiu bem o Meritíssimo Juiz a quo, quando na douta sentença refere “ … tudo quanto resulta alegado pelo Requerente relativamente a hipotéticos prejuízos, incómodos e transtornos emergentes do espaço em referência como casa mortuária, mostra-se totalmente irrelevante para efeitos do decretamento do embargo, e por inexistir qualquer correlação entre os trabalhos de obra e a eventual utilização que venha a ser dada ao espaço sob intervenção”.
11 – Também, o último dos requisitos a preencher para o decretamento da providência não se verifica, porquanto, o Requerente não sofreu qualquer prejuízo com a execução da obra.
12 – Uma vez que, não reside nas imediações onde a obra decorre. Localizando-se a sua habitação a cerca de um quilómetro de distância.
13 – Ora, nenhum dos requisitos que se afiguram condição sine qua non para que a providência cautelar fosse decretada, se encontram preenchidos.
14 – Pelo que, os Recorridos concordam na íntegra com o conteúdo da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo cuja fundamentação de direito, se encontra clara, concisa e sustentada pelas disposições legais constantes da mesma.
15 - Por outro lado, do arrazoado apresentado pelo Recorrente no seu douto articulado, não resulta qualquer inovação relativamente aos factos alegados no seu requerimento inicial.
16 – Por último, as obras que estão a ser levadas a cabo no edifício em litígio nos presentes autos, não consubstanciam o conceito de obra nova subjacente à presente providência cautelar.
17 – Porque, se tratam de trabalhos de adaptação e melhoria, apenas do rés-do-chão de forma, a adapta-lo à finalidade pretendida. Traduzindo-se na limpeza e reparação das paredes exteriores, reparação e substituição das caixilharias, execução de algumas paredes divisórias.
18 – Logo, deverá ser mantida in tottum e, em consequência, julgar improcedente o recurso ora interposto pelos recorrentes.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, mas com fundamento diverso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao ter decidido pelo indeferimento da presente providência cautelar.
2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente, e permanece não impugnado, o seguinte quadro factual:
1) O Requerente reside na Rua do B…, Gondufe;
2) O Requerente é membro eleito da Assembleia de Freguesia de Gondufe;
3) Na reunião ordinária da Junta de Freguesia de Gondufe, realizada em 29 de Janeiro de 2015, foi deliberado, por unanimidade, protocolar com a Fábrica da I... da Freguesia de Gondufe, a cedência dos fundos da residência paroquial para a construção da casa mortuária, por se haver entendido que “o espaço se enquadra no projecto pretendido” – doc. 7 junto pela Requerida Freguesia;
4) Em 25 de Maio de 2015, foi celebrado entre a Freguesia de Gondufe e a Fábrica de I... de S. MG, um protocolo de cedência, o qual apresenta o seguinte clausulado (cfr. doc. 13 junto pela Freguesia de
Gondufe):
Clausula 1ª
……Pelo segundo outorgante foi dito que cede gratuitamente ao primeiro outorgante, o rés-do-chão da Residência Paroquial, existente no prédio inscrito na matriz predial sob o n.º 1… (cento e trinta e três), sito na Rua de S. M…, n°… desta freguesia, com as condicionantes referidas nas cláusulas seguintes. …………………
Clausula 2ª
……A presente cedência será feita pelo prazo de 20 anos, renovável automaticamente por sucessivos períodos de 10 anos, caso não haja denúncia de qualquer uma das partes com sessenta dias seguidos de antecedência. ………………………..
Clausula 3ª
……A cedência das instalações destina-se a instalar a casa mortuária da freguesia. ……...
Clausula 4ª
……O primeiro outorgante compromete-se a assegurar o bom uso da mesma e a mantê-la em boas condições de utilização. …………………………
Clausula 5ª
……Constituem encargos da responsabilidade do primeiro outorgante o pagamento das obras de restauro, bem como as despesas com o consumo de água, eletricidade e gás, ou outros que sejam de consumo continuo e desgaste rápido………………..…
Clausula 6ª
……O primeiro outorgante compromete-se a assegurar o bom uso das instalações (rés do chão), bem como limpeza e obras de manutenção que ao longo do tempo seja necessário.
Clausula 7ª
……Em caso de denúncia (clausula 2ª) o segundo outorgante não terá de ressarcir o primeiro outorgante…
5) Para efeitos de restauro do edifício destinado a casa mortuária, foi elaborada uma memória descritiva, na qual consta o seguinte (doc. 12 junto pela Freguesia de Gondufe):
“(…)
A presente memória descritiva é referente à proposta de recuperação e um edifício que se situa na Rua de S. M…, Gondufe, próximo da I... e Cemitério local e que, actualmente se encontra num estado de conservação razoável mas com utilização apenas ao nível do primeiro andar. Com o presente projecto de arquitectura, pretende-se recuperar os espaços disponíveis ao nível do rés-do-chão de modo a criar as condições necessárias para instalar a Casa Mortuária de Gondufe.
O edifício será totalmente recuperado ao nível do rés-do-chão com base numa intervenção que assenta na limpeza e recuperação integral das paredes exteriores, reparação e colocação de caixilharias exteriores em madeira para pintar e execução de algumas paredes interiores de compartimentação. Tendo em conta as características do espaço, pretende-se materializar um programa simples com um espaço amplo para câmara ardente, uma sala de apoio com uma pequena copa e instalações sanitárias.
No sentido de melhorar o conforto térmico pretende-se isolar algumas paredes exteriores com acabamento pelo interior em gesso cartonado para pintar de cor branca. Os tectos serão areados e pintados de cor branca e propõe-se ainda o reforço da laje de tecto com recurso a perfis metálicos HEB (dimensão a definir pela especialidade) igualmente pintados de cor branca. O tipo de iluminação será o mais indicado e será definido pela especialidade.
Na câmara ardente as paredes interiores serão mantidas em granito à vista.
Os materiais de revestimento serão em granito amarelo de Ponte de Lima com o local de permanência da urna diferenciado com aplicação de soalho flutuante de Carvalho.”
6) Para efeitos de realização da empreitada foram endereçados convites a várias sociedades, no sentido de apresentarem orçamento – docs. 15 a 19 juntos pela Freguesia Requerida;
7) Na sessão ordinária da Assembleia de Freguesia de Gondufe, realizada em 25 de Junho de 2015, o Requerente fez uso da palavra, tendo manifestado desacordo quanto a ser implantada a casa mortuária no rés-do-chão da residência paroquial, propondo que fosse implantada na sede da junta de freguesia – doc. 8 junto pela Freguesia Requerida;
8) Na reunião da Junta de Freguesia de Gondufe, realizada em 30 de Julho de 2015, foi deliberado adjudicar à sociedade JCA Construções, LDA, a obra relativa à Casa Mortuária, pelo valor de € 36.536,95 + IVA, cuja execução tinha um prazo de 90 dias a contar da data da consignação – doc. 14 junto pela Freguesia de Gondufe;
9) O Município de Ponte de Lima, mediante deliberação tomada em reunião da Câmara realizada em 28 de Setembro de 2015, deliberou atribuir à Freguesia de Gondufe uma comparticipação financeira no valor de € 20.000,00, destinada à obra “Reconstrução da Casa Mortuária” – doc. 20 junto pela Freguesia;
10) O local onde a obra se encontra a ser realizada situa-se na Rua de S. MG, Gondufe;
11) O prédio em cujo rés-do-chão se encontra a ser realizada a obra caracteriza-se por ser um edifício independente das demais construções existentes nas imediações – docs. 1 a 5, 11 e 12 juntos pela Freguesia de Gondufe e fotos juntas pelo Requerente em 08.10.2015;
12) Entre o local onde a obra se encontra a ser realizada e o local onde se situa a residência do Autor distam, pelo menos, algumas centenas de metros;
13) O requerimento inicial foi apresentado em 29 de Setembro de 2015, sendo remetido por fax – fls.02 ss do suporte físico dos autos;
2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
I- No presente processo cautelar está em causa providência cautelar de embargo de obra nova.
A Digna Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, vem levantar a questão de saber se no caso dos autos o recorrente poderia ter recorrido à presente providência cautelar, atento o disposto no artigo 399º do CPC.
Refere este artigo o seguinte:
“ Não podem ser embargadas, nos termos desta secção, as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quendo, por o litigio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses do lesados se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso”.
Ou seja, refere este artigo que não podem ser embargadas, nos termos desta secção, as obras públicas quando esteja em causa uma relação jurídico-administrativa e a defesa desses direitos se deve efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso.
Neste caso, o embargo de obras públicas não pode ser realizado nos termos desta seção, ou seja, nos termos do Código de Processo Civil, uma vez que está em causa uma relação jurídico-administrativa. Assim, a ocorrer embargo, este terá de se efectivar através dos meios previstos no contencioso administrativo. Estamos perante uma norma que atribui à jurisdição administrativa a competência para a apreciação destes litígios, não estando em causa que as obras públicas não possam ser embargadas.
Ver, neste sentido, Acórdão do TCA Sul, tirado no processo n.º 071004/11, de 27-01-2011, quando refere:
I – A lei administrativa prevê o procedimento cautelar de embargo de obra nova levada a cabo por pessoas colectivas públicas – artigo 112º nº 2 do CPTA.
II – Incorporando o artigo 414º do CPC uma norma de atribuição de competência, com a mesma se pretende significar não que o embargo de tais obras (públicas) é legalmente inadmissível, mas apenas que os tribunais materialmente competentes para o seu conhecimento e decretamento são os tribunais administrativos e não os tribunais comuns, pelo que é àqueles que compete decretar o embargo de obras ilegalmente promovidas pela Administração e consubstanciem relações jurídicas administrativas, todo isto com a ressalva de outros meios cautelares previstos na lei processual administrativa não forem suficientes ou adequados para assegurar a protecção do requerente (vg. através do processo cautelar de suspensão de eficácia do acto).
No entanto a questão que agora se coloca é a de saber se o recorrente pode recorrer à presente providência cautelar quando a utilização da suspensão do acto de realização da obra poderia produzir o mesmo efeito. Ou seja, pretende-se saber se o recorrente teria que utilizar, em primeiro lugar, os meios cautelares consagrados no contencioso administrativo. Isto porque, refere-se no artigo 399º do CPC, que não podem ser embargadas obras públicas, nos termos desta secção, quando a defesa dos direitos ou interesses do lesado se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso.
Com a reforma do contencioso administrativo ocorrida em 2004, passou a ser admitido recurso ao maior amplo leque possível de providências cautelares, incluindo as constantes do Código de Processo Civil. É o que decorre do princípio da tutela judicial efectiva, ao consagrar que os tribunais podem adoptar as providências cautelares indispensáveis à regulação provisória dos interesses envolvidos, não devendo ocorrer restrições a esse acesso, a não ser os decorrentes da lei.
Neste sentido, veio o n.º 2 do artigo 112º do CPTA consagrar que podem ser adaptadas, além das providências especificadas do Código de Processo Civil, as que de forma exemplificativa vêm enumeradas no referido n.º 2.
Assim sendo, passou a haver recurso, no procedimento administrativo, a toda a panóplia de providências cautelares, incluindo as consagradas no CPC. Por esta razão nada obsta a que o recorrente não pudesse vir socorrer-se do embargo de obra nova para fazer valer os seus direitos.
Ou seja, quando no artigo 399º do CPC se diz que a defesa dos direitos ou interesses do lesados se deve efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso, passou, partir de 2004, a ser possível também recorrer às providências cautelares constantes do CPC para efectivação desses direitos, e por essa razão, também ao embargo de obra nova.
De notar que o actual artigo 399º do CPC, corresponde ao artigo 414º do anterior Código, cuja redacção foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, ou seja, quando ainda não estava em vigor o novo contencioso administrativo. A regra do actual artigo 399º do CPC é uma regra de competência, e não uma forma de limitação de acesso a qualquer providência cautelar. Se no novo procedimento administrativo nos podemos socorrer de qualquer providência cautelar constante do CPC, e se o objectivo do recorrente é embargar uma obra pública, não vemos como não possa socorrer-se deste meio processual para exercer os seus direitos. Não estamos a falar, é evidente, sobre se tem razão na pretensão material. Apenas estamos a analisar a possibilidade de o recorrente poder socorrer-se do meio cautelar ora em causa, concluindo nós, pela positiva. Não é pelo facto de o recorrente poder socorrer-se da suspensão do acto que se decidiu pela reconstrução ou do acto de adjudicação da obra que leva a que não possa socorrer-se do embargo de obra nova. A escolha da providência cautelar compete, em primeiro lugar, ao requerente através da dedução do pedido, não estando nós perante um processo de jurisdição voluntária.
No entanto, o recurso às providências cautelares constante do CPC, têm como limitação a necessidade de estas se terem de adaptar à natureza jurídico-administrativa das situações em presença (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista 2010, pág 752). Ou seja, estas providências encontram-se sujeitas ao regime estabelecido no procedimento administrativo, com as adaptações, é evidente, e decorrentes da especificidade de cada providência. É o que se retira do artigo 112º n.º 2 do CPTA, quando refere que podem ser adoptadas as providências especificadas no CPC, com as adaptações que se justifiquem.
Além de se terem de submeter à tramitação do processo cautelar constante do contencioso administrativo, têm as mesmas também de se sujeitar aos critérios estabelecidos neste contencioso para a sua apreciação. Esta questão, como referem os autores anteriormente citados “…é sobretudo relevante no que diz respeito aos critérios de que depende a atribuição das providências que constam do artigo 120º, na medida em que se afigura inarredável, a aplicação destes critério…”. Ver também, no mesmo sentido, José Carlos Vieira de Andrade, in, A justiça Administrativa, Lições, 2015, 14º edição pág. 292.
Ou seja, a apreciação das providências cautelares específicas do CPC têm de ser analisadas segundo os critérios estabelecidos no CPTA, e não os constantes no CPC. Esta especificidade deriva de estarmos no âmbito de relações jurídico-administrativas, que que têm de ser analisadas enquanto tal, e não perante meras relações de direito privado.
Analisando a nossa situação concreta verifica-se que na decisão recorrida se concluiu que o recorrente poderia ter-se socorrido do embargo de obra nova para fazer valer os seus direitos, no entanto a análise da providência incidiu sobre os critérios estabelecidos no CPC e não no CPTA.
Não pode assim proceder a decisão em causa quando aos seus fundamentos.
No entanto, como estão reunidos os pressupostos para que se possa conhecer do mérito da causa, iremos proceder a esse conhecimento nos termos do artigo 149º do CPTA.
II- Os critérios de decisão para a adopção de providências cautelares, vêm regulados no artigo 120º do CPTA que refere:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2. Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
...
Do exposto verifica-se que a providência cautelar poderá ser decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, tendo sido consagrado a juridicidade material –“fumus boni iuris”, na sua vertente mais forte, como padrão da decisão cautelar. Ou seja, a providência poderá ser decretada, mesmo sem a prova do receio do facto consumado ou da difícil reparação do dano, e independentemente dos danos que a concessão possa causar aos interesses públicos ou privados em jogo. A aplicação da alínea a) está assim reservada para situações de evidência e certeza na procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal em que o papel que é dado ao “fumus boni iuris” (ou aparência de direito) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante (conforme refere José Carlos Vieira de Andrade, in, A Justiça Administrativa, 4.ª edição, pág. 307) para a decisão da adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto.
No entanto e se não se enquadrar a providência na previsão prevista na alínea a), teremos de analisar se se verificam os critérios previstos nas alíneas b) e c), sendo certo que, para se conceder a providência, não basta a verificação dos requisitos aí referidos, pois também se terá de verificar o pressuposto previsto no n.º 2, ou seja, que os danos que resultariam da concessão da providência, que não possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa. Em qualquer dos casos, e como resulta do n.º 3 deste mesmo artigo, a adopção da providência terá de ser necessária para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente no processo principal.
Chegados aqui, cumpre enquadrar a situação sub judice nos critérios de decisão do referido artigo 120º do CPTA.
Nos presentes autos vem o requerente solicitar embargo de obra nova
Está assim excluída liminarmente a situação prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 120º do CPTA, já que não está em causa uma providência antecipatória mas sim conservatória, uma vez que o embargo de obra nova tem a natureza de conservatória dado que pretende manter o status quo, até à decisão do processo principal.
Teremos assim de proceder ao enquadramento do presente pedido face às alíneas a) e b), transcritas anteriormente.
A alínea a) está, como referimos supra, reservada para situações de evidência da procedência do processo principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto. Na verdade, e se tomarmos em atenção os exemplos ali descritos, verificamos que estamos perante situações de manifesta evidência, onde se não tem dúvidas sobre a procedência da acção principal, sem se ter de recorrer a mais indagações. Como refere Mário aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao CPTA, pág. 603, “ a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.
No nosso caso concreto, estamos com a Digna Procuradora Geral-Adjunta quando refere que estamos perante vícios apontados que não se descortinam.
Vejamos o que está em causa.
Na reunião ordinária da Junta de Freguesia de Gondufe, realizada em 29 de Janeiro de 2015, foi deliberado, por unanimidade, protocolar com a Fábrica da I... da Freguesia de Gondufe, a cedência dos fundos da residência paroquial para a construção da casa mortuária, por se haver entendido que “o espaço se enquadra no projecto pretendido” (n.º 3 da matéria de facto dada como provada).
Nesta sequência foi celebrado, em 25 de Maio de 2015, entre a Freguesia, ora recorrida, e a Fábrica de I... de S. MG, um protocolo de cedência do espaço que consta de um rés-do-chão de um prédio.
É este espaço está a ser recuperado para a Casa Mortuária de Gondufe.
Consta da memória descritiva das obras a realizar, que: “o edifício será totalmente recuperado ao nível do rés-do-chão com base numa intervenção que assenta na limpeza e recuperação integral das paredes exteriores, reparação e colocação de caixilharias exteriores em madeira para pintar e execução de algumas paredes interiores de compartimentação. Tendo em conta as características do espaço, pretende-se materializar um programa simples com um espaço amplo para câmara ardente, uma sala de apoio com uma pequena copa e instalações sanitárias.
É a recuperação deste edificado que está em causa com o presente embargo de obra nova.
Em primeiro lugar, e como primeiro argumento que nos leva a concluir que a presente providência não pode proceder é de referir que um embargo de obra nova tem que se verificar perante uma obra nova (passe a redundância) e não perante a recuperação de um edificado, como o descrito anteriormente.
Ver, neste sentido, Acórdão RP, 28-05-1985, CJ, III, pág. 250, quando refere: “ A providência de embargo de obra nova justifica-se em função do prejuízo ou da possibilidade de prejuízo. Obras secundárias, de acabamentos ou aproveitamentos de obras anteriores não justificam a providência”.
Ver ainda Acórdão TRG 4621/10.5TBBRG.G1., de 01-02.2011 3. Apenas podem ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais, acabamentos, ou na mera reconstrução de uma situação preexistente.
Ora, estando em causa nos autos obras de recuperação de um rés-do-chão de um edifício, ainda que para que no mesmo funcione uma casa Mortuária, e se essas obras assentam, entre outras coisas, na limpeza e recuperação integral das paredes exteriores, reparação e colocação de caixilharias exteriores em madeira para pintar, não podemos concluir estarmos perante um obra nova para os efeitos ora em causa.
Por seu lado o recorrente não indica que lei ou que normativo viola a recuperação do edificado, ou a implantação da casa Mortuária no referido local. Vêm invocadas generalidades sem consistência. Refere o recorrente que obra deita directamente para a via pública, ficando em cima de uma curva sem passeios, onde o perigo é eminente(sic). De notar que estamos a falar da reconstrução de um rés-do-chão de um edifício já existente no local e não de uma obra nova, pelo que não faz sentido o argumento referido. Por seu lado, estamos a falar de um edifício independente relativamente a outras edificações (n.º 11 da matéria de facto dada como provada). Não vem alegado nem se vê que normas poderão ser violadas com a construção da casa mortuária no local onde vem referido.
Sustenta que a existência da casa mortuária prejudica o valor dos prédios contíguos, afectará o seu estado psicológico e o dos vizinhos. Afectará ainda o direito ao repouso, ao ambiente e propriedade privada do requerente e vizinhos. Estamos perante um arrazoado de argumentos sem consistência. De notar que o requerente dista centenas de metros do local e não se encontra na apresente acção como autor popular, pelo que não faz sentido falar do problema dos vizinhos, quando estes não são parte na acção. Não está em causa, como vemos, a violação e qualquer disposição legal que condicione a possibilidade da reconstrução e instalação da casa Mortuária no local.
A obra decorre de vários actos administrativos, como se vê do n.º 3 da matéria de facto dada como provada, ou seja, da deliberação de protocolar com a Fábrica da I... a cedência do espaço, e da deliberação de adjudicação da obra, pelo que também não se pode concluir que ocorra inexistência de acto, como invoca o recorrente. De notar que as deliberações da Junta de Freguesia sobre a recuperação de obras não estão sujeitas a audiência prévia, uma vez que não decorrem do procedimento de um particular relativo a uma pretensão junto da administração. Aliás não se percebe esta alegação.
Por seu lado o recorrente não demonstra que seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido pela obra, como um dos pressupostos para solicitar o embargo de obra nova. Como se refere no Acórdão TRP 1560/12.9TJPRT.P1, datado de 19-02-2013 I - O embargo de obra nova tem como pressupostos que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo;
Ou seja, do exposto não se vê como pode a pretensão do recorrente vir a ser procedente no processo principal. É manifesto que a sua pretensão não tem fundamento válido, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto referente à alínea a) do artigo 120º do CPTA para que a providência possa ser decretada. Isto na sua vertente do fumus malus. É que é manifesto no caso dos autos a falta de fundamento da pretensão no processo principal.
Não ocorrendo este pressuposto para o deferimento da presente providência cautelar fica prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos.
Assim sendo, não se encontrando preenchido o pressuposto relativo ao fumus boni iuris na sua vertente de fumus malus para que se possa vir a deferir a presente providência, tem a mesma que ser indeferida.
3 – DECISÃO
Nestes termos, acorda o colectivo de juízes deste Tribunal em revogar a decisão recorrida e indeferir a presente providência cautelar, ainda que com os presentes fundamentos.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco |