Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00158/10.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/04/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO.
Sumário:I) – A remoção de consequências (que pode passar por uma via activa) que resulta da anulação de uma adjudicação, mediante processo de execução, insere-se ainda numa via de tutela primária da posição do interessado, perante a lesão antijurídica, distinta da tutela secundária reparatória da responsabilidade pelo facto danoso.
II) – Se o objecto da acção prossegue esta última, improcede o apontado erro na forma de processo sob invocação que a pretensão deveria ter lugar em sede executiva.
III) – Bem assim improcede a excepção de caso julgado oposto à pretensão indemnizatória de lucros cessantes com sustento de que no processo que conduziu à anulação foi julgado improcedente pedido de adjudicação à autora, tirando daí implícito que lhe foi negado direito ao lucro esperado pelo acolhimento da proposta, quando essa improcedência é sustentada em razão que não afasta seu alcance na sequência de efeitos da anulação.
IV) – É, porém, de entender que não é devido tal lucro cessante, situados que estamos em domínio de responsabilidade pré-contratual, aferindo-se a indemnização pelo interesse contratual negativo.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:G...-Valorização dos Lixos, Protecção do Ambiente, Lda e Outro(s)...
Recorrido 1:Empresa Municipal de Águas e Residuos de Vila Real, EM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
G... – Valorização dos Lixos, Protecção do Ambiente, Ldª, e DV – Recolha Local, Exploração, Saneamento e Limpezas, Ldª (ambas com sede …) interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Mirandela que, em acção administrativa comum intentada contra EMARVR – Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Vila Real, E.M. (Avª…), a absolveu da instância relativamente a um dos pedidos e julgou improcedentes outros.

Concluem as recorrentes:
A) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que determinou a absolvição da Recorrida da instância, relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 446.045,85, e julgou a ação improcedente relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 20.000,00 referentes a despesas com assessoria jurídica, e ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 30.000,00, a título de despesas com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada ao concurso público.

B) Julgou o Mmo. Tribunal a quo que existe coincidência entre os sujeitos, o pedido e a causa de pedir entre os presentes autos e no processo 79/05.9BEMDL, pelo que se verifica a exceção de caso julgado referente ao pedido na condenação no montante de € 446.045,85.

C) Contudo, as Recorrentes não submeteram à apreciação do Mmo. Tribunal a quo a pretensão que viram já apreciada na ação que correu termos sob o n.º 79/05.9BEMDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na medida em que as Recorrentes não pretenderam com a presente ação a declaração da nulidade do ato ou a adjudicação da prestação de serviços posta a concurso.

D) O que as Recorrentes pretendem com os presentes autos é, antes, a efetivação do seu direito de indemnização pela conduta ilícita praticada pela Administração, e da qual lhe resultaram prejuízos.

E) Ora, se, como foi dado como assente na factualidade provada, a Recorrida não cumpriu os deveres que para ela decorreram do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, optando antes, e em desrespeito pelo doutamente decidido, por manter na ordem jurídica o ato ilegal por ela praticado – e consubstanciado na criação de subcritérios e grelhas de pontuação numérica não previstas em fase anterior às propostas e na posterior omissão de reposição da ordem jurídica, conforme judicialmente ordenado, a prática desse ato ilegal subsume-se ao conceito de ilicitude, conforme este vem definido no artigo 6º do Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, vigente à data da prática dos factos. ŀϺ

F) Esta ilicitude foi reconhecida pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão proferido em 29 de Março de 2007, mas não foi, como deveria ter sido, sanada, nos termos legais, pela Recorrida, pelo que os efeitos do acto ilícito, não havendo sido sanados, permanecem na ordem jurídica.

G) O ato ilícito da Recorrida foi praticado com culpa, uma vez que, se a Recorrida tivesse usado da diligência que lhe é exigível – diligência exigível a um homem médio, o que, adaptado às circunstâncias da responsabilidade dos entes públicos, se traduz na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, respeitador da lei e dos regulamentos e das leges artis aplicáveis aos atos ou operações materiais que tem o dever de praticar- não teria deixado de se aperceber das ilegalidades cometidas durante o procedimento concursal que supra se elencaram, e da consequente invalidade da deliberação de adjudicação; e, usando dessa diligência, poderia tê-las evitado.

H) Esta ilicitude permite e é bastante para suportar com êxito a pretensão indemnizatória formulada pelas Recorrentes, porquanto, com a sua conduta ilícita (na qual optou por permanecer ainda depois da ordem judicial de anulação pelo Tribunal Central Administrativo), a Recorrida causou às Recorrentes os danos elencados e melhor justificados na petição inicial.

I) Ou seja, apesar de haver identidade de sujeitos entre estes autos e o referido processo 79/05.9BEMDL, essa identidade não se estende à causa de pedir – que naquele processo consistia nas ilegalidades do procedimento concursal suscetíveis de fundamentar a anulação da deliberação de adjudicação e nestes autos se consubstanciam no facto ilícito danoso praticado pela Recorrida e nos prejuízos por este causados na esfera das Recorrentes – nem ao pedido – que aqui se cinge à pretensão indemnizatória das Recorrentes, enquanto naqueles autos se limitava à petição de anulação da deliberação de adjudicação e a condenação da Recorrida a adjudicar às Recorrentes a prestação de serviços objeto do concurso público.

J) A causa de pedir na presente ação é constituída pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito indemnizatório das Recorrentes – assim, a prática do facto ilícito e danoso, com culpa, e os prejuízos por este gerados na esfera daquelas, sendo certo que a jurisprudência é unânime ao considerar que, no domínio da responsabilidade civil, “a vertente dos prejuízos – a par do evento e da culpa/risco – faz parte integrante da causa de pedir (complexa) - «origo petitionis»” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07/042005, disponível em http://www.dgsi.pt).

K) De todo o modo, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a eficácia do caso julgado apenas se torna “extensiva à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva, desde que se verifiquem os restantes requisitos do caso julgado” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.1990, disponível em http://www.dgsi.pt)

L) No presente caso, e ainda que se entendesse que existe identidade da causa de pedir, no que não se prescinde nem concede, é absolutamente indiscutível e manifesto que não existe identidade de pedidos.

M) No processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela sob o número 79/05.9BEMDL, os pedidos formulados pelas Recorrentes eram, por um lado, a anulação do ato praticado pelo Conselho de Administração da Recorrida, que adjudicou a prestação de serviços de recolha, transporte e limpeza de resíduos sólidos urbanos do concelho de Vila Real ao consórcio constituído pelas sociedades FCC/F...; e por outro lado, a condenação da Recorrida a adjudicar a prestação de serviços objeto do presente concurso público às Recorrentes.

N) Na presente ação, o pedido formulado pelas Recorrentes consubstancia-se apenas na condenação da Recorrida a pagar às Recorrentes os prejuízos que, pela sua conduta ilícita e culposa, lhes causou.

O) Trata-se de uma pretensão indemnizatória simples, insuscetível de pôr em causa a decisão judicial firmada no Acórdão do TCA Norte.

P) Refira-se que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Tribunal a quo, não pretendem as Recorrentes receber o montante referente à adjudicação da prestação de serviços que foi objecto do concurso público em causa nos autos 79/05.9BEMDL.

Q) O montante peticionado de € 446.045,85 corresponde apenas a um resultado do critério utilizado pelas Recorrentes para a fixação do quantum indemnizatório, de acordo com o princípio da reconstituição natural e da teoria da diferença, consagrados nos artigos 562º, 564º e 566º do Código Civil.

R) Pelo exposto, a douta sentença recorrida deveria ter julgado improcedente a exceção de caso julgado.

S) Considerou o Mmo. Tribunal a quo a existência de erro na forma do processo, uma vez que “a ação adequada a reconhecer o direito [das Recorrentes] é a prevista no art.º 176º do CPTA de acordo com a fundamentação e justificação dada pelos Autores citados [Aroso de Almeida e Carlos cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos], a que se adere, e não a ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual”.

T) Antes de mais, refira-se que o Mmo. Tribunal a quo sustenta este entendimento numa incorreta interpretação dos factos alegados pelas Recorrentes, uma vez que estas não peticionam uma indemnização fundada no não cumprimento da ordem de anulação do contrato ou da falta de notificação da existência de uma causa legítima de inexecução.

U) As Recorrentes sustentam a sua pretensão indemnizatória na existência de uma conduta ilícita - pois que contrária à Lei, e especificamente aos artigos 8º, 9º, 11º, 13º, e 14º, todos do Decreto-Lei 197/99 de 8 de Junho; e ao estabelecido nos documentos concursais - e culposa – porque não conformada com a diligência exigível à R. - da Recorrida, que gerou um dever de indemnizar, na medida dos danos causados às Recorrentes.

V) Não pretendem as Recorrentes que a Recorrida execute a decisão contida no Acórdão proferido pelo TCA Norte em 29/03/2007, no âmbito do processo 79/05.9BEMDL, nem a atribuição da indemnização por causa legítima de inexecução, prevista no artigo 178º do CPTA – causa essa que, ademais, nunca foi invocada.

W) O Acórdão não fez surgir na ordem jurídica uma qualquer obrigação na esfera jurídica das Recorrentes – antes se impondo à Recorrida, em toda a plenitude, os efeitos dessa condenação, sendo certo que decorre do próprio teor literal da disposição legal contida no artigo 176º do CPTA que esta confere uma faculdade às Recorrentes e não uma imposição legal.

X) Neste enquadramento, o que decorre do acórdão de anulação não é uma obrigação de execução que impenda sobre as Recorrentes, mas diversamente, a obrigação, para a Recorrida, de, por respeito ao princípio da legalidade que deve conformar a sua atuação e em obediência às decisões judiciais validamente tomadas, de executar a sentença, nos termos do artigo 175º do CPTA.

Y) O não cumprimento pela Recorrida das obrigações que para si emergiram da decisão judicial proferida teve como efeito o não saneamento da ordem jurídica de um ato (judicialmente considerado) ilícito, bem como dos seus efeitos.

Z) Assim, os fundamentos da presente ação de responsabilidade são, logicamente, os prejuízos emergentes para as Recorrentes do facto ilícito (e culposo) praticado pela Recorrida, que esta não corrigiu, não obstante o judicialmente ordenado no Acórdão já mencionado.

AA) Assim, se é verdade que nos termos do nº 2 do artigo 2º do CPC, “a todo o direito (…) corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”, então não é menos verdade que a ação adequada a fazer valer a pretensão indemnizatória das Recorrentes é a ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967 e alínea h) do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

BB) Por outro lado, se é certo que, como defende a douta sentença recorrida, “Se, como se veio a verificar, a Ré não deu execução àquela decisão, poderiam as interessadas /AA fazer valer o seu direito à execução perante o TAF”, não é menos certo que, o facto de não terem requerido a execução daquela sentença não constitui impedimento à responsabilização da Administração pelo facto ilícito que cometeu - caso assim não se entendesse, estaríamos perante uma total desresponsabilização da Administração pelos factos ilícitos por si cometidos.

CC) Ou seja, a responsabilidade extracontratual da Recorrida existe na medida em que esta praticou um facto ilícito culposo gerador de danos na esfera das Recorrentes – independentemente de estas terem ou não praticado qualquer ato posterior à prática dessa ilicitude.

DD) Nem se pode dizer, ao contrário do exposto na sentença, que a possibilidade de recurso à ação de responsabilidade extracontratual da administração poria em causa “a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, sobretudo no interesse dos eventuais contra-interessados”, já que no caso da ação indemnizatória destes autos, não está em causa a “estabilização das situações jurídicas”, uma vez que as Recorrentes não vão colocar em causa a posição contratual da Administração ou as posições dos contra-interessados, mas apenas exercer o seu justo direito a uma indemnização pelos danos causados pela atuação ilícita da Administração.

EE) O processo adequado para se conhecer da pretensão indemnizatória gerada pela responsabilidade civil de entidades administrativas adveniente da prática de factos ilícitos é a ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, de que as Recorrentes lançaram mão.

FF) A douta sentença recorrida julgou ainda “a ação improcedente relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de 20.000,00 € referentes a despesas com assessoria jurídica e ao pedido de condenação no pagamento do valor de 30.000,00 € a título de despesas com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada ao concurso público”.

GG) No domínio do direito administrativo impera o princípio da reposição natural quanto à indemnização, que impõe que o lesado deva reconstituir a situação anterior, isto é, repor as coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.

HH) Caso não se tivesse verificado a conduta ilegal da Recorrida, que determinou a anulação do ato de adjudicação as Recorrentes não se teriam visto obrigadas a propor a ação do contencioso pré-contratual, que correu termos sob o n.º 79/05.9BEMDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, e, portanto, a despender o montante de € 20.000,00 em assessoria jurídica para acompanhamento daquele processo.

Z) Assim, os fundamentos da presente ação de responsabilidade são, logicamente, os prejuízos emergentes para as Recorrentes do facto ilícito (e culposo) praticado pela Recorrida, que esta não corrigiu, não obstante o judicialmente ordenado no Acórdão já mencionado.

AA) Assim, se é verdade que nos termos do nº 2 do artigo 2º do CPC, “a todo o direito (…) corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”, então não é menos verdade que a ação adequada a fazer valer a pretensão indemnizatória das Recorrentes é a ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967 e alínea h) do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

BB) Por outro lado, se é certo que, como defende a douta sentença recorrida, “Se, como se veio a verificar, a Ré não deu execução àquela decisão, poderiam as interessadas /AA fazer valer o seu direito à execução perante o TAF”, não é menos certo que, o facto de não terem requerido a execução daquela sentença não constitui impedimento à responsabilização da Administração pelo facto ilícito que cometeu - caso assim não se entendesse, estaríamos perante uma total desresponsabilização da Administração pelos factos ilícitos por si cometidos.

CC) Ou seja, a responsabilidade extracontratual da Recorrida existe na medida em que esta praticou um facto ilícito culposo gerador de danos na esfera das Recorrentes – independentemente de estas terem ou não praticado qualquer ato posterior à prática dessa ilicitude.

DD) Nem se pode dizer, ao contrário do exposto na sentença, que a possibilidade de recurso à ação de

responsabilidade extracontratual da administração poria em causa “a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, sobretudo no interesse dos eventuais contra-interessados”, já que no caso da ação indemnizatória destes autos, não está em causa a “estabilização das situações jurídicas”, uma vez que as Recorrentes não vão colocar em causa a posição contratual da Administração ou as posições dos contra-interessados, mas apenas exercer o seu justo direito a uma indemnização pelos danos causados pela atuação ilícita da Administração.

EE) O processo adequado para se conhecer da pretensão indemnizatória gerada pela responsabilidade civil de entidades administrativas adveniente da prática de factos ilícitos é a ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, de que as Recorrentes lançaram mão.

FF) A douta sentença recorrida julgou ainda “a ação improcedente relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de 20.000,00 € referentes a despesas com assessoria jurídica e ao pedido de condenação no pagamento do valor de 30.000,00 € a título de despesas com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada ao concurso público”.

GG) No domínio do direito administrativo impera o princípio da reposição natural quanto à indemnização, que impõe que o lesado deva reconstituir a situação anterior, isto é, repor as coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.

HH) Caso não se tivesse verificado a conduta ilegal da Recorrida, que determinou a anulação do ato de adjudicação as Recorrentes não se teriam visto obrigadas a propor a ação do contencioso pré-contratual, que correu termos sob o n.º 79/05.9BEMDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, e, portanto, a despender o montante de € 20.000,00 em assessoria jurídica para acompanhamento daquele processo.

II) Considerou a sentença recorrida que “não sabemos, porque nada foi alegado a esse respeito, se, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão do TCAN, remeteram para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, com indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário, para que nesse processo, e não nos presentes autos, pudesse a Ré ser condenada a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial. Ou seja, a provar-se que as AA. pagaram aquela quantia, não sabemos qual o montante de taxas de justiça pagas, para que nestes autos pudessem exigir a diferença entre 50% da sua soma e o que invocam ter pago em

assessoria jurídica”.

JJ) Salvo melhor opinião, o raciocínio do Mmo. Tribunal a quo padece de graves lacunas.

KK) Antes de mais, porque tendo a sentença sido proferida na fase de articulados, a fase de instrução do processo não se encontrava ainda devidamente concluída, pelo que cabia às Recorrentes alegar a existência dos danos – o que fizeram – e, na fase adequada – de instrução - , proceder à prova da sua existência e quantificação – no caso, dos danos relativos ao despendido em assessoria jurídica.

LL) Por outro lado, a disposição legal que prevê a possibilidade da parte vencedora requerer à parte vencida as quantias pagas a título de honorários de mandatário, nos moldes descritos pelo Mmo. Tribunal a quo na sentença recorrida, apenas ter sido introduzida pelo Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor em 20 de Abril de 2009.

MM) Ou seja, à data em que foi proferido o Acórdão pelo TCA Norte, não existia qualquer disposição legal que previsse a faculdade das partes vencedoras se verem ressarcidas das despesas com assessoria jurídica, pelo que carecem de qualquer fundamento as razões apresentadas na sentença para a improcedência do pedido de condenação.

NN) Por outro lado, no que tange aos € 30.000,00 peticionados pelas Recorrentes, referentes aos custos em que as Recorrentes incorreram com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada a concurso público, incorreu também a sentença em erro de julgamento sobre os factos alegados.

OO) Efectivamente, a proposta das Recorrentes, em virtude dos vícios do procedimento contratual, perdeu toda a utilidade para que tinha sido elaborada, já que havia sido preparada para ser apreciada em conformidade com todos os critérios legais aplicáveis, e por causa da conduta ilícita da Recorrida, acabou por se ver inutilizada sem que tenho sido apreciada de acordo com aqueles critérios.

PP) Os € 30.000,00 peticionados correspondem a uma indemnização pelas despesas havidas com vista ao negócio frustrado em virtude da conduta ilícita da Recorrida – dano que possui uma efectiva conexão com a apresentação das Recorrentes a concurso e pela violação, pela Recorrida, pela tutela da confiança das Recorrentes.

QQ) Tais despesas foram contraídas na expectativa de que o concurso fosse levado a cabo de acordo com a legalidade, pelo que integram o conceito de prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, constituindo, portanto, dano indemnizável.

RR) A douta decisão recorrida viola, pois, entre outros, o disposto nos artigos 562º,563º, 564º e 566º do Código Civil, 2º, 6º e 7º do Decreto-Lei 48051 de 21 de Novembro de 1967, n.º 2 do artigo 2º, artigo 581º e alínea e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, do n.º 1 do artigo 173º e artigo 176º do CPTA, e 26º do Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que declare improcedentes as excepções aduzidas, e procedente os pedidos de condenação formulados.

Sem contra-alegações.

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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal, notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, deu parecer no sentido de não provimento do recurso.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
*
A decisão recorrida abordou questões de caso julgado e de erro na forma de processo, que julgou determinantes da absolvição da instância com relação a um dos pedidos formulados; bem assim julgou improcedentes outros dois pedidos; o que o recurso questiona é o erro de julgamento em que o tribunal “a quo” terá incorrido em todas essas matérias.
*
Os factos, elencados como provados na decisão recorrida:
1. Por anúncio publicado na III série do DR n.º 208, de 3/11/2004, a R. lançou concurso público a adjudicação da prestação de serviços de recolha, transporte e limpeza de resíduos sólidos urbanos de Concelho de Vila Real;
2. Nessa sequência, e por deliberação tomada em 18 de Fevereiro de 2005, a ré adjudicou á FCC/ F... , em consórcio, aquela prestação de serviços;
3. Dessa deliberação apresentou a autora, em Março de 2005, acção de Contencioso pré-contratual, destinada á impugnação do referido acto administrativo;
Cfr. art.ºs 2, 9, 12 e 13 da PI, confirmados nos artºs 1, 2 da contestação.
4. Como resulta da petição apresentada no processo em causa, (Proc. n.º 79/05.9 BEMDL) o autor formulou, para além do pedido de anulação do acto em causa, o pedido de condenação da ré "a adjudicar a prestação de serviços que foi objecto de concurso público às autoras, por terem sido as mesmas a apresentar a proposta mais vantajosa”"
5. Dá-se aqui por reproduzido o acórdão do TCAN de 29/3/2007 que, pronunciando-se sobre o recurso interposto de 1ª instância, decidiu o seguinte: “Esta ilegalidade tem de conduzir à anulação da deliberação do CA da EMARVR, por violação dos artigos 94° do DL n.º 197/99, de 8 de Junho, e 4.º n.º2 do Programa de Concurso, bem como dos princípios da transparência e da imparcialidade, e à consequente revogação da sentença recorrida, que assim não decidiu.
Na verdade, não há motivos que justifiquem o aproveitamento da deliberação impugnada, na medida em que a diferença global entre a pontuação dos quatro microcritérios nas duas propostas em causa [0.88], conjugada com a diferença entre a classificação final das mesmas [0.54], permite, à partida, que seja equacionada a hipótese de o concurso dever ter um diferente vencedor.
Mas essa avaliação, de carácter predominantemente técnico, deve ser efectuada pela entidade administrativa competente, e não pelo tribunal, motivo pelo qual nunca poderia, in casu, proceder o pedido de condenação também formulado pelas autoras da acção administrativa pré-contratual.
DECISÃO
Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, o seguinte:
- Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogar a sentença recorrida;
- Julgar a presente acção administrativa parcialmente procedente, e, em conformidade, anular a deliberação nela impugnada”.; - fls.34 a 55 dos autos
6. O acórdão foi notificado às partes por cartas registadas de 29/3/2007 – cfr. fls. 310-313 (SITAF) do Proc. 79/05.9BEMDL;
7. A presente acção deu entrada em 9/4/2010 – fls. 60 dos autos ( proc. físico).
*
O direito:
O tribunal “a quo” absolveu a ré da instância «relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de 446.045,85 € – art.ºs. 576 , n.º 2, 577.º, al. i), 580.º, n.º 1, 193.º e 278.º, n.º 1, al a) e e) e do CPC.», e bem assim julgou a acção improcedente «relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de 20.000,00 € referentes a despesas com assessoria jurídica, e ao pedido de condenação no pagamento do valor de 30.000,00 € a título de despesas com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada ao concurso público supra referido».
Fundamentou nos seguintes termos:

«(…)
A Ré vem invocar excepção de caso julgado alegando que o TCAN julgou improcedente o pedido de condenação formulado pelas autoras da acção administrativa pré-contratual e que dizia respeito à adjudicação, a si, da prestação de serviços que foi objecto de concurso público.
Conclui a Ré que há violação de caso julgado se se considerar, como pretende agora e de novo a A que deveria ter sido ela a primeira classificada.
A excepção de caso julgado consiste em ser proposta uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir que tenha sido decidida por decisão judicial de que já não admita recurso ordinário, isto é, por decisão judicial passada ou transitada em julgado - cfr. arts. 577.º, al. i), 580.º, 581.º, 628.º e 629.º todos do CPC.
Nos termos do art.º 581.º do CPC, sob a epígrafe de “requisitos … do caso julgado”, repete-se “… a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir …” (n.º 1), que há “… identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica…” (n.º 2), que existe “… identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico …” (n.º 3) e que há “… identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (…) nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido …” (n.º 4).
Portanto, o caso julgado visa exactamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança indispensável à vida de relação em sociedade – Cfr.- Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 705 e Miguel Teixeira de Sousa in: “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª edição, Lx 1997, pág. 568 . Por outro lado, “... tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior …” (art. 580º, n.º 2 do CPC).
Ora o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão judicial decorrente do seu trânsito em julgado (cfr. art. 628º do CPC), sendo que como afirma Miguel Teixeira de Sousa o “... caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário …”, já que “... após o proferimento de uma decisão judicial verifica-se a extinção do poder jurisdicional do juiz (cfr. art. 613º, n.ºs 1 e 3 do CPC), o que significa que o tribunal não pode, motu próprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada …” (in: ob. cit., págs. 567 e 572). Cfr. também, Ac. do TCAN, proc. 1009/08, de 23/9/2011, em posição que se segue.
O caso julgado possui aquilo que se denomina de limites objectivos, temporais e subjectivos (identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica - art. 581.º, n.º 2 CPC), sendo que será, assim, através da análise dos supra referidos três elementos (sujeitos, pedido e causa de pedir) que se obterá e se definirá a sua extensão.
Não merece contestação que nos presentes autos e nos da decisão transitada em julgado os sujeitos são os mesmos.
Vejamos então o pedido e causa de pedir.
Como vimos há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico sendo que existe identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico
Temos, assim, que o problema do âmbito objectivo se prende com a determinação do “quantum” de matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor de indiscutibilidade do caso julgado, sendo que este abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art. 659.º, n.º 2 “in fine” e 713.º, n.º 2 ambos do CPC), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento da providência solicitada.
Contudo, sustenta, neste âmbito, M. Teixeira de Sousa que como “(...) toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (...)” (in: ob. cit., págs. 578/579).
Por outro lado, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença (cfr. entre outros, Ac. do STJ de 09.05.1996 in: CJ/ASTJ, Ano IV, Tomo II, págs. 55 e segs.); que o preenchimento da excepção exige a verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir (cfr., entre outros, os Acs. do STA de 11.11.2004 - Proc. n.º 046414, de 30.11.2005 - Proc. n.º 034/04, de 04.02.2009 - Proc. n.º 0861/06, de 27.01.2010 - Proc. n.º 0551/09, in www.dgsi.pt), sendo que tal como se decidiu no acórdão do TCAN de 17.06.2010 (Proc. n.º 00059/2003-Penafiel in: «www.dgsi.pt») os “… limites objectivos do caso julgado, que supõe a imodificabilidade da situação jurídica fixada na sentença, definem-se por referência ao objecto do processo, que é constituído pela pretensão do autor individualizada em função da causa de pedir”.
A A. pede a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 496.045,85 € que descrimina da seguinte forma: Margem de lucro ( 9,09 % do valor da execução) reportado à execução do contrato que ascende a 446.045,85 €; 30.000,00 € que correspondem a despesas havidas com a preparação da proposta; montante de 20.000,00 € relativo a custos que incorreu com a acção do contencioso pré-contratual.
Ora, em consideração dos factos provados temos forçosamente de considerar que, para além da identidade de sujeitos, há identidade do pedido e causa de pedir porque, o antecedente lógico do pedido de condenação no valor 446.045,85 € não se verifica. E não se verifica porque o TCAN decidiu que “nunca poderia, in casu, proceder o pedido de condenação também formulado pelas autoras da acção administrativa pré-contratual” e que consistiu, precisamente, no pedido de “adjudicar a prestação de serviços que foi objecto de concurso público às autoras, por terem sido as mesmas a apresentar a proposta mais vantajosa”.
Ora, se aquele pedido de condenação de adjudicação da prestação de serviços foi julgado improcedente, não podem vir agora as AA, por violação do caso julgado, pedir uma condenação correspondente a uma margem de lucro (9,09 % do valor da execução) referente à execução daquele contrato.
Portanto verifica-se a excepção de caso julgado referente ao pedido na condenação no montante de 446.045,85 €
Alega também a Ré que há erro na forma de processo porque é em sede de execução de sentença, através do processo previsto nos art.ºs 173.º e ss do CPTA, que haveria se ser exigido qualquer comportamento ou indemnização.
As AA. defendem que a decisão do TCAN que anulou a deliberação de adjudicação não faz gerar qualquer obrigação de execução para as AA, nem carece de qualquer seu comportamento processual ou de qualquer outra para ser exequível. Mais alegam que “não se trata aqui de estabelecer os fundamentos da acção de responsabilidade, como pretende a R., mas tão só alegar que o acto ilícito praticado pela R. não foi expurgado da ordem jurídica, seja através do cumprimento do acórdão, seja através da invocação de causa legitima de execução”; e que “sendo que os fundamentos da presente acção de responsabilidade são, logicamente, os prejuízos emergentes para as AA. do facto ilícito (e culposo) praticado pela R, que esta não corrigiu, não obstante o judicialmente ordenado no Acórdão já mencionado”.
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção; por outro lado, o pedido constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que este se move - 615, n.º 1 al. e) do CPC.
Como dissemos o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar - art. 581.º, n.º 3 do CPC.
As AA. pedem que a R. seja condenada a pagar-lhes o montante de 496.045,85 €. Para tanto, invocando que o TCAN anulou o acto de adjudicação à entidade FCC/F..., alegam que a R. não cumpriu a “Douta ordem Judicial de anulação do contrato, mantendo integralmente a deliberação de adjudicação do concurso público, cuja execução mantém até à presente data” (art.º 35.º da PI); e que “Não tendo tão pouco notificado as AA. da existência de uma eventual causa legitima de inexecução do judicialmente ordenado” ( art.º 36.º da PI).
Sob a epígrafe ”Dever de executar” o n.º 1 do art.º 173.º do CPTA, que se insere no Capitulo IV (“Execução de sentenças de anulação de actos administrativos”) prevê que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado”
Nos termos do art.º 176.º (“Petição de execução”), “1- Quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.° 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição. //2 - A petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contado desde o termo do prazo do n.º' 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito”.
O acórdão do TCAN constituiu a Ré no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado. Se, como se veio a verificar, a Ré não deu execução aquela decisão, poderiam as interessadas/AA fazer valer o seu direito à execução perante o TAF, no prazo de seis meses, a contar do termo do prazo de três meses desde a data de notificação do acórdão; ou no prazo de 6 meses desde a data de notificação da invocação de causa legitima de inexecução.
No dizer de Aroso de Almeida e Carlos Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “Diferentemente do que sucedia no âmbito do anterior processo de execução de julgados (cfr. artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 256-A177), o interessado não tem de requerer a execução ao órgão que praticou o acto anulado antes de se poder dirigir ao tribunal. A Administração dispõe dos prazos legalmente estabelecidos no artigo 175.° para executar a sentença de anulação. Se a Administração não o fizer dentro desses prazos, que são diferenciados em função do tipo de prestação em causa - ou se, dentro desses prazos, não der fundamentada conta, nos termos do artigo 163.°, n.° 3 (ex vi artigo 175.°, n.° 2), de que considera existir causa legítima de inexecução -, o interessado dispõe do prazo (preclusivo) de seis meses para se dirigir ao tribunal. A nosso ver, este é um prazo de caducidade, que se conta nos termos do artigo 279 .° do Código Civil (…) .
Note-se que o prazo para recorrer à via judicial foi, deste modo, significativamente reduzido neste domínio, uma vez que o artigo 96., n.º 1, da LPTA o fixava em três anos . Houve a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, sobretudo no interesse dos eventuais contra-interessados (…)”. (Sublinhado meu)
Nos termos do art.º 2.º, n.º2 do CPC a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo. Neste caso a acção adequada a reconhecer o direito é a prevista no art.º 176.º do CPTA de acordo com a fundamentação e justificação dada pelos Autores citados, a que se adere, e não a acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual.
Por outro lado, não veríamos como é que se asseguraria a mais rápida estabilização, ou a estabilização tout court, da presente situação se se apreciasse o pedido de condenação correspondente a 9,09 % do valor total da execução de trabalhos que constituem a prestação de serviços em causa, sem dar a possibilidade dos contra interessados se pronunciarem quanto a essa pretensão, de acordo com o que o art.º 177.º do CPTA especificamente prevê.
Concluímos pelo erro na forma do processo, que não pode ser convolada para a forma processualmente adequada. Como não foi invocada causa legitima de inexecução, o prazo de seis meses para intentar a acção a que o art.º 176.º, n.º 2 CPTA alude começou a contar desde 29/6/2007. Portanto, na data em que a acção foi proposta (9/4/2010 ) já tinha caducado o direito correspondente.
Dispõe o art.º 3.º, n.º 1 do RCP que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O art.º 25.º do RCP, com a epígrafe “Nota justificativa”, que se insere no capítulo IV (Custas de parte), prevê o seguinte:
“1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.
2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
(…)
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º “
Por sua vez o art.º 26.º estipula:
“Regime
(…)
2 - As custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.
3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
(…)
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior”
Quando as AA. vêm pedir que a Ré seja condenada a pagar-lhes 20.000,00 € que incorreram com a acção do contencioso pré contratual relativo a assessoria jurídica, não sabemos, porque nada foi alegado a este respeito, se, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão do TCAN, remeteram para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, com indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário, para que nesse processo, e não nos presentes autos, pudesse a Ré ser condenada a 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial.
Ou seja, a provar-se que as AA. pagaram aquela quantia, não sabemos qual o montante de taxas justiça pagas, para que nestes autos pudessem exigir a diferença entre 50% da sua soma e o que invocam ter pago em assessoria jurídica.
Portanto, improcede o pedido de condenação no valor de 20.000,00 €.
Finalmente o pedido referente à condenação no montante de 30.000,00 €, que as AA. formulam a título de despesas que tiveram com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada a concurso, é improcedente porque lhe faltam os pressupostos da obrigação de indemnizar, como sejam a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada.
Tendo presente o que o TCAN decidiu, e que supra se enunciou, falta a ilicitude porque as AA. sempre incorreriam naquelas despesas para poderem apresentar-se a concurso – ou seja, inexiste, no que a este aspecto concerne, comportamento activo ou omissivo voluntário da Ré consistente na ofensa de direitos de terceiro ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios ou, ainda, que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis ou regras de ordem técnica e de prudência comum;
Falta a culpa porque não se coloca relativamente a essas despesas, um nexo de imputação ético-jurídica do facto à Ré, ou juízo de censura pela falta de diligência exigida a uma pessoa normalmente diligente ou a um funcionário ou agente típico;
Inexiste nexo de causalidade entre a conduta da Ré (que graduou outrem em 1º lugar no concurso em causa, e cuja decisão foi anulada) e o dano ou prejuízo que as AA. tiveram na preparação, elaboração e apresentação da sua proposta apresentada a concurso
(…)»

Vejamos.
I) - O erro na forma de processo:
Perante a invocação de um determinado direito ou interesse legalmente protegido, e escolhida pelo autor a pretensão que contra o réu pretende deduzir, deve aquele eleger de entre os instrumentos processuais criados aquele que for legalmente configurado como o mais adequado.
O erro na forma de processo, contemplado no artigo 199º (da anterior versão) do Código de Processo Civil (actual art.º 193º do CPC), é uma nulidade processual, que consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 31-01-2008, proc. nº 00620/04.BEBRG:
“…a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir”.
Ora, muito claramente, as autoras não prosseguem qualquer tutela executiva.
«O processo executivo visa obter, pela via judicial, as providências materiais que concretizem, no plano dos factos, aquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no processo declarativo, quer se trate do pagamento de quantia certa, da entrega de coisa certa, ou da prestação de facto, positivo ou negativo» (Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4º ed., Almedina, 2003, págs. 342/3).
A execução, no caso, e para a hipótese, teria por título o mencionado Ac. de 29-03-2007, proc. nº 79/05.9 BEMDL.
Refere a decisão recorrida que “O acórdão do TCAN constituiu a Ré no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”.
O que cabe perguntar é se a pretensão agora em juízo (aquela sobre que reflectiu a decisão da excepção, i. e., o pedido de condenação no pagamento do valor de 446.045,85 €) se pode identificar com o que no plano dos factos – por actos jurídicos ou operações materiais – traduziria a modificação que foi introduzida na ordem jurídica pela sentença de anulação, com as vinculações dela resultantes; por outras palavras, se se essa seria forma de execução dos efeitos repristinatórios da anulação.
A resposta é negativa.
A remoção de consequências (que pode passar por uma via activa) que resulta da anulação insere-se ainda numa via de tutela primária da posição do interessado, perante a lesão antijurídica, distinta da tutela secundária reparatória da responsabilidade pelo facto danoso.
O anterior Ac. deste TCAN (de 29-03-2007, proc. nº 00079/05.9 BEMDL – in http://www.dgsi.pt) respeita a acção e contencioso pré-contratual, pela qual foi anulado acto de adjudicação, motivando censura “a criação pelo júri, depois de conhecido o conteúdo das propostas, dos quatro microcritérios”.
Derivaria como dever a cumprir a retoma do procedimento sem tal pecha, mas já não a integração na esfera jurídica das autoras da almejada vantagem a que agora se propõem.
Viesse a proposta das recorrentes, no novo devir do procedimento, a obter ganho, eleitas adjudicatárias, e pudessem elas obter “margem de lucro (9,09 % do valor da execução) referente à execução daquele contrato”, sempre seria por isso, pela execução do contrato, não porque o dever jurídico de execução da sentença de anulação a tanto obrigasse.
É a própria decisão recorrida (a propósito da excepção do caso julgado) a lembrar que «o antecedente lógico do pedido de condenação no valor 446.045,85 € não se verifica. E não se verifica porque o TCAN decidiu que “nunca poderia, in casu, proceder o pedido de condenação também formulado pelas autoras da acção administrativa pré-contratual” e que consistiu, precisamente, no pedido de “adjudicar a prestação de serviços que foi objecto de concurso público às autoras, por terem sido as mesmas a apresentar a proposta mais vantajosa”», não se compreendendo, pois, que, na afirmação de que não poderia tal adjudicação constituir providência de execução, para aí se remeta a sua, ainda mais afastada, “decorrência” (na construção empregue, por sequencial ao “antecedente lógico”) lógica…
II) - O caso julgado:
O direito a que as autoras aqui se arrogam tem fonte na responsabilidade.
A situação narrada é, em síntese, a seguinte (cfr. p. i.):
- foram proponentes no concurso;
- o acto de adjudicação foi anulado;
- a execução espontânea da sentença de anulação não teve lugar (nem foi comunicada causa legítima de inexecução), mas também não é viável, pois que os serviços contratados, que vêm a ser prestados pela adjudicatária aproximam-se do termo em que se esgota contratação;
- a sua proposta seria a ganhadora;
- tiveram os invocados danos, por via da prática do acto ilegal de adjudicação, de que pretendem ser ressarcidas.
Nem em causa, nem em pedido, se identifica com a anterior acção de contencioso pré-contratual.
O tribunal “a quo” coloca inciso relativamente à circunstância do anterior Ac. do TCAN ter negado a adjudicação da prestação de serviços que foi objecto de concurso público às autoras; convoca que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença; daí retira que não poderá ser arbitrada às autoras pagamento da “margem de lucro (9,09 % do valor da execução) referente à execução daquele contrato”.
Mas sem razão.
No caso julgado implícito que preside à improcedência do pedido de impugnação está como causa invalidante “a criação pelo júri, depois de conhecido o conteúdo das propostas, dos quatro microcritérios”, considerando-se ainda que «a diferença global entre a pontuação dos quatro microcritérios nas duas propostas em causa [0.88], conjugada com a diferença entre a classificação final das mesmas [0.54], permite, à partida, que seja equacionada a hipótese de o concurso dever ter um diferente vencedor. Mas essa avaliação, de carácter predominantemente técnico, deve ser efectuada pela entidade administrativa competente, e não pelo tribunal, motivo pelo qual nunca poderia, in casu, proceder o pedido de condenação também formulado pelas autoras da acção administrativa pré-contratual.».
Nada que reverta na conclusão alcançada pelo tribunal “a quo”.
Da anulação estatuída não rege vinculação da qual resulte que a adjudicação não pudesse recair sobre a proposta das autoras, e que por isso, a título de responsabilidade, elas não possam peticionar indemnização pelo lucro cessante.

III) – A responsabilidade:
Notar-se-á que, como vincadamente as autoras referenciam na sua petição inicial, e novamente dão respaldo no recurso, é na prática do acto administrativo ilegal consubstanciado na adjudicação anulada que reside fonte de responsabilidade aquiliana que entendem dar abrigo às suas pretensões, e em que a inexecução, nada acrescentando de novo em causa e dano, surge apenas na perpetuação do estado de coisas.
A responsabilidade é, no entanto, e fora de dúvidas – e atribuía-se-lhe, ou não, foros de autonomia - uma responsabilidade pré-contratual (cfr. Acs. do STA, de 20-06-2013, proc. nº 01360/12; de 14-01-2016, proc. nº 01403/12).
É domínio em que o Supremo Tribunal Administrativo, como dá conta no seu Ac. de 20-06-2013, no proc. nº 01360/12, «tem entendido que os danos resultantes da violação das normas concursais ocorrida previamente à celebração do contrato obrigam apenas à reparação do interesse contratual negativo, isto é, dos danos decorrentes da frustração das expectativas de conclusão do negócio, dano de confiança, excluindo, por isso, a reparação do interesse positivo que a celebração de um contrato válido poderiam trazer à outra parte. Ou seja, vem sendo entendido que, por esta via, não poderão ser ressarcidos os lucros que o lesado porventura obteria se o facto ilícito não fosse praticado e o contrato fosse validamente celebrado.
Para tanto são invocados dois fundamentos essenciais; por um lado, tratar-se de uma situação onde o valor a proteger é o da confiança pelo que só deverão ser ressarcidos os prejuízos resultantes da violação da frustração ilícita do direito ao contrato e, por outro, considerar-se ser esse o único e verdadeiro dano que atinge o lesado já que “este continua a poder celebrar outros contratos, com a sua capacidade negocial apta a obter o lucro que obteria com a celebração do negócio frustrado. A detenção da capacidade de obter o lucro (noutros negócios) é que determina, em termos de razoabilidade e justiça, que - em regra - o dano negativo não compreenda o “lucro esperado” naquele contrato.” (Acórdão de 23/09/2003 (rec. 1527/02).). Se assim é, isto é, se o lesado continua com a sua capacidade negocial intacta e, por essa razão, pode alcançar noutros negócios os benefícios que poderia ter obtido com o negócio frustrado não haverá que indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo, atenta a inexistência de danos que nessa vertente pudessem ser quantificados e merecer protecção jurídica.
Por isso, mais não fora, por força do disposto no artº 8.º/4 do CC, cumpre respeitar essa jurisprudência.».
Como escreve Esperança Mealha, “Em termos simplistas, o interesse contratual negativo corresponde aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a expectativa do contrato, e o interesse contratual positivo traduz o benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada (vantagem económica que se obteria com a execução do contrato)” – in “Responsabilidade Civil nos Procedimentos de Adjudicação dos Contratos Públicos”, Revista Julgar, nº 5, pág.113.
Assinala-se que «existe uma “incompatibilidade entre o ressarcimento correspondente ao interesse positivo e o correspondente ao interesse negativo” (cfr. P. MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. II, Coimbra, 2008, p. 1004). Vale isto por dizer que não pode a Recorrente pretender ser colocada na posição em que estaria se não tivesse havido concurso (sendo indemnizada pelos danos associados ao interesse contratual negativo) e, simultaneamente, na posição em que estaria se o acto adjudicatório adoptado no âmbito desse concurso não fosse ilegal (sendo indemnizada pelos danos associados ao interesse contratual positivo)» - Ac. do STA, de 14-01-2016, proc. nº 01403/12.
Assim, sendo essa a solução que logo de direito se impõe na presente hipótese, negando a pretensão das autoras - renovada em recurso -, pese o seu ganho quanto às questões da instância, haverá que julgar improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da peticionada indemnização por lucros cessantes no valor de € 446.045,85.
No mais.
O réu impugnou expressamente a ocorrência dos alegados danos.
Dentro das plausíveis soluções de direito, torna-se indispensável para decisão dos pedidos de indemnização a fixação de temas da prova sobre os quais possa recair instrução e julgamento, e estando esse primeiro passo ausente do processo, impõe-se que o tribunal “a quo” retome esse momento, prosseguindo aí ulteriores trâmites.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em, concedendo parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, antes julgando improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da peticionada indemnização por lucros cessantes no valor de € 446.045,85, baixando os autos para trâmites supra definidos com vista à decisão do mais peticionado.

Custas: por recorrentes e recorrida, em proporção com o vencimento/decaimento.

Porto, 4 de Março de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins