Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00355/04 |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 03/10/2005 |
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Relator: | Valente Torrão |
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Descritores: | MÉTODOS INDICIÁRIOS - ÓNUS DA PROVA - IRS |
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Sumário: | Quando a Administração Tributária apura a matéria tributável para efeitos de IRS, por métodos indiciários, cabe-lhe provar a verificação dos respectivos pressupostos legais, cabendo ao contribuinte alegar e provar factos que demonstrem que a quantificação encontrada pela Administração Tributária se afasta da realidade. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. A.., contribuinte fiscal nº , residente ma Rua António Jardim, 193 – r/c Direito, 3000 – Coimbra, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Coimbra que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação do IRS dos anos de 1991 e de 1992, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1ª- A decisão de “lançar mãos dos métodos indirectos” carece de devida e inequívoca fundamentação, e ao contrário do que alega o ERFP, não pode assentar em juízos de probabilidade. 2ª- O principio da verdade da declaração não foi posto em crise pela Administração Fiscal. 3ª - O principio do inquisitório não foi observado nestes autos. 4ª- A amostragem a uma empresa juridicamente distinta e a falta de fundamentação de critério na escolha da margem normal para o ramo de actividade (nota de rodapé 7 folhas 13), e censurada pela senhora juíza, traduz vicio flagrante de falta de fundamentação. 5ª- A fundamentação do relatório fiscal teria de partir de outros factos, que não, a amostragem de uma empresa da empresa objecto de fiscalização. 6ª-Esta decisão denega objectivamente a justiça, porque criticando a falta de fundamentação da decisão e dos critérios ainda utilizados pelos SIT, ao mesmo se faz adesão, constituindo oposição entre fundamentos e a decisão 7ª-Foram violadas as regras dos artigos 48°, 49°, 74°, 750, 77°,78°, 84°, 87° e 88° da LGT, 668, n° 1, alínea. b), d), 158°, 664°, 264° do CPC, 13°,99°, 125° do CPPT. Termos em que, nos melhor de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento, revogando-se a decisão recorrida sendo substituída por outra que decrete a nulidade das liquidações ora impugnadas por prescrição, ou anulabilidade, por falta de fundamentação de métodos e critérios, na utilização dos métodos indirectos, erro na quantificação, omissão de pronúncia da decisão e contradição entre a fundamentação e a mesma decisão.
2. O MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (v. fls.183).
3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.
4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância: a) Os Serviços de Fiscalização Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra procederam a exame à escrita do impugnante marido, enquanto comerciante em nome individual, nos exercícios de 1991, 1992 e 1993, fiscalização essa que decorreu entre 95.12.12 e 96.03.10, em resultado da qual foi elaborado o relatório de fiscalização de que se junta cópia de fls. 68 a fls. 75 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, de onde, além do mais, consta o seguinte: “Em termos percentuais nota-se uma certa constância das margens brutas de comercialização rondando os 20%, a qual se encontra muito abaixo da margem normal para o ramo da actividade comercial em questão. A fim se justificar esta afirmação procedeu-se por amostragem ao cálculo da margem comercial efectiva, conforme se demonstra em anexo 1 a esta informação. NOTA (1) os preços de venda recolhidos na amostragem datam de 15.03.96 e constam dos artigos expostos nesse dia nas lojas referidas atrás no ponto 2; (2) os artigos para homem são os mais vendidos representando a maior fatia de vendas. À media simples da margem comercial obtida em anexo (93%), é necessário retirar: - IVA 17% - Desconto de cartão jovem 10% - Taxa do multibanco 5% - Desconto de 50% efectuado em época de saldos (para não prejudicar o S.P. considera-se que metade do volume de negócios é realizado na época de saldos) Atendendo a estas deduções chega-se à margem comercial efectiva do 45%, obtida do seguinte modo:: 93%- 17% - 10% - 5% = 61% identifica-se com a margem com. s/ saldos 61%/2 = 30,5% “ “ “ (61% + 30,5%) /2 = 45% “ com a média simples da margem comercial, entrando em linha do conta com a parte (1/2) do volume de negócios, efectuado em época de saldos “.
b) Os impugnantes foram notificados por cartas registadas com aviso de recepção datadas de 96.06.11 que lhes foi, além do mais, fixado o rendimento colectável para o ano de 1991 em 11.855.893$00, para o ano de 1992 em 16.101.998$00 e para o ano de 1993 em 4.798.276$00 e de que poderiam reclamar da fixação da matéria tributável para a comissão de revisão. Cfr. doc.s de fls. 17 a 19 juntos com a douta P.I. sob. doc. 1, doc. 2 e doc. 3 – ofícios n°s 3715, 3716 e 3717, respectivamente.
c) Através de requerimento entrado no Serviço de Finanças de Coimbra 1 em 96.06.17, os impugnantes reclamaram para o “Sr. Presidente da Comissão Distrital de Revisão da Matéria Colectável de Coimbra” nos termos que melhor constam dos doc.s de fls. 20 a fls. 27 dos autos e cujo teor aqui se da também por reproduzido para todos os legais efeitos Doc. n° 4 junto com a douta P.I. Cfr. também inf. de fls. 56.
d) A comissão distrital de revisão reuniu em 96.09.26 com a presença do Sr. Dr. J.. como vogal do contribuinte e da Sr. Drª S.. como perito de apoio ao referido vogal, cfr. fls. 28 a fls. 30 que aqui se dão igualmente por reproduzidas, tendo-se chegado a acordo “nos montantes de 7.512.839$00, 11.386.606$00 que, apurados por métodos indiciários, serão acrescidos aos valores declarados para apuramento da matéria colectável, respeitante aos anos de 1991, 1992 e 1993, respectivamente, com os seguintes fundamentos: Anos de 1991 e 1992: Aceitar que a margem comercial mais consentânea para o contribuinte em questão é de 40%, tendo em consideração que na época normal é de 61% e na dos saldos é de 20%, aceitando contudo que o volume de negócios foi repartido igualmente por aquelas duas épocas. De salientar que a margem de 20% na época de saldos é a que resulta dos elementos declarados em 1993, exercícios em que o contribuinte apenas teve movimento em Janeiro, por ter cessado a sua actividade neste mês. Ano de 1993: Aceitar os valores declarados, por o contribuinte ter efectuado apenas transacções no mês de Janeiro em que estava a decorrer a época dos saldos e resultar daqueles elementos uma taxa de 20%. Assim, o lucro tributável em falta apura-se com base nos seguintes elementos:
Ano de 1991 Ano de 19922 CEV declarado 35.570.670$00 53.681.694$00 Margem de comercialização 40% 40% Volume de negócios calculado 49.798.938$00 75.154.372$00 Volume de negócios declarado 42.634.500$00 64.964.500$00 Lucro tributável em falta 7.164.438800 10.189.872$00 Doc. nº 5 junto com a douta PI. Cfr. também inf. de fls. 56.
e) Posteriormente, foram efectuadas e à impugnante notificadas as liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios respectivos, relativas aos períodos de 1991 e 1992, pelos valores que constam do ponto 1. supra, às quais foram atribuídos os n°s também ali discriminados e para que ora se remete, todas com data limite de pagamento em Janeiro de 1997. Docs. nºs 8 e 9 juntos com a douta PI. fls. 53 a fls. 54 dos autos.
f) A impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 1 em 97.0 1.20. Cfr. carimbo no cabeçalho da douta PI.
Mais se provou que: g) 0 estabelecimento dos impugnantes tinha dois locais de venda. Facto extraído do alegado no artigo 13º da reclamação para a comissão de revisão para efeitos de IVA – 2º § - (cfr. fls. 33 dos autos) e para o qual se remete expressamente no artigo 21º da douta PI. Foi confirmado pela 2ª testemunha quando disse que se tratava “ de uma empresa onde no rés-do-chão trabalhava a testemunha e o seu patrão, na secção de homem, e no 1º andar a esposa do seu patrão e a outra empregada Alice”.
h) Em cada local de venda trabalhava cada um dos impugnantes com uma empregada (idem). . 5. De acordo com as conclusões das alegações, são duas as questões a decidir nos presentes autos: a) A da ilegalidade do recurso a métodos indirectos no apuramento da matéria tributável (conclusões 1ª e 2ª); b) A da errada quantificação da mesma matéria (conclusões 4ª a 6ª).
No entanto, embora não conste das conclusões, a recorrente invoca também a prescrição da dívida nas alegações. Ora, quanto a esta questão cabe dizer o seguinte: a) Embora a prescrição não constitua fundamento de impugnação, a jurisprudência tem admitido a sua invocação no processo de impugnação porque, verificada esta, ocorre inutilidade superveniente da lide. . b) Embora o objecto do recurso seja delimitado pelas conclusões das alegações, só devendo conhecer-se de questões nelas suscitadas, a prescrição é de conhecimento oficioso, pelo que iremos apreciar a mesma.
5.1. Uma vez que à data dos factos estava em vigor o CPT e hoje vigora a LGT, regulando a mesma matéria, há que examinar essa sucessão de regimes aplicando-se o disposto no artigo 297º do Código Civil.
5.1.1.Nos termos do artigo 34º, nº 1 do CPT era de 10 anos o prazo de prescrição, contado a partir do ano seguinte ao da ocorrência do facto tributário. No entanto, a dedução de impugnação constituía facto interruptivo da prescrição (nº 3 do mesmo artigo), sendo certo que no caso dos autos esta foi instaurada em 20.1.1997. De acordo com o nº 3 do mesmo artigo, cessava o efeito interruptivo da prescrição quando o processo estivesse parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, contando-se neste caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação. Ora, examinando os autos verificamos a fls. 92 e 92 verso que estes estiveram parados por facto não imputável ao contribuinte desde 6.7.1999 a 8.8.2000. Então efectuando a contagem do prazo de acordo com o artigo 34º citado, temos: a) Desde 1.1.1992 até à instauração da impugnação decorreram cinco anos e 19 dias; b) Após 7.7.2000 até à presente data decorreram cerca de quatro anos e oito meses. Adicionando os referidos prazos temos os mesmos perfazem cerca de nove anos, oito meses e dezanove dias, pelo que não está verificado o prazo de dez anos acima referido. E, se relativamente ao imposto do ano de 1992 a prescrição não está verificada, menos o está quanto ao imposto do ano de 1993.
5.1.2. Apreciando a prescrição de acordo com o artigo 48º da LGT, o respectivo prazo é de oito anos, mas, atento o disposto no artigo 297º, nº 1 do Código Civil conta-se apenas a partir de 1.1.1999, data da entrada em vigor da LGT. Então, de acordo com este diploma verifica-se que a prescrição também ainda não ocorreu.
5.2. As questões suscitadas nas conclusões das alegações estão correcta e suficientemente tratadas na sentença recorrida, na qual se escreveu o seguinte:
“Da leitura do relatório de fiscalização resulta com nitidez que o fundamento nuclear das correcções efectuadas por métodos indiciários é a enorme divergência existente entre as margens comerciais “declaradas” e as efectivas (de 20% declarada para 45% apurada por amostragem em 96.03.15, nos artigos expostos nas mesmas lojas que eram então do impugnante marido e pertencem agora a sociedade comercial que os impugnantes constituíram com o mesmo objecto, “em tudo idêntica em substância apenas diferente na forma jurídica”). Por outro lado, refere também o Sr. P.F.T. que a margem bruta de comercialização que emana da escrita nos anos fiscalizados está também “muito abaixo da margem normal para o ramo de actividade comercial em questão”. Apesar da magreza da factualidade levada ao relatório e do estilo sintético da exposição, entendo que a divergência apurada só poderia conduzir a mesma conclusão a que chegou o Sr. P.F.T.: se a margem comercial emergente da escrita do impugnante era, nos anos fiscalizados, de 20% e a sociedade constituída vende os mesmos artigos e tem a mesma organização de factores produtivos, incluindo a mesma gerência do estabelecimento que a antecedeu (em tudo idêntica na substância, só diferindo na forma jurídica), levando os seus preços de venda a uma margem comercial efectiva de 45% (mesmo considerando que metade do volume de negócios e realizado em época de saldos), estamos, por si só, perante um forte indicador de que os valores das vendas declarados nos anos fiscalizados não correspondem aos verdadeiros e que houve “omissão de receitas relativas as vendas de mercadoria” Também não detecto nenhuma insuficiência instrutória. Tendo em conta as características próprias desta actividade comercial, não se vê que outras diligências pudessem ter sido efectuadas no apuramento da verdadeira margem comercial. Sendo os seus clientes anónimos consumidores finais, não estaria disponível qualquer fiscalização cruzada ou outra diligência para apuramento do valor das vendas. Decorre quase intuitivamente do sobredito a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável e, por conseguinte, a necessidade de recorrer a tributação por métodos indiciários. Como diz o Ex.mo Representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações, só o facto de se estar perante pequenos retalhistas gera por si só grandes dificuldades à determinação directa, porque os registos contabilísticos oferecem muito pouca informação, porque não há registos individualizados dos vários artigos e dos vários preços. E, como é sabido, a obrigação de emissão de um talão de vendas por cada transmissão de bens ou prestação de serviços só foi instituída pela Lei nº. 71/93, de 26.11, que deu nova redacção aos artigos 39º e 46.° do C.I.V.A. De resto, os impugnantes também não apontam nenhuma diligência adicional que pudesse ter sido realizada no apuramento do lucro real e não contrapõem nenhum método de determinação directa que estivesse ao alcance do Sr. P.F.T. E não há dúvida que estariam em posição privilegiada para o indicar porque se encontram agora, como se encontravam então, em contacto directa com a informação justificativa. Ora, uma vez recolhidos indícios suficientemente sólidos de que os proveitos declarados não conferem com a realidade fiscal do contribuinte, a sua obrigação é pôr em causa a escrita dos impugnantes e proceder as correcções necessárias, pois que deve ser tributado o lucro real. Cessa aqui a presunção da veracidade da sua escrita, passando a recair sobre os impugnantes o ónus de carrear para os autos factos que ponham em duvida o facto tributário indiciado. Contrapõem, então, os impugnantes que “tanto a amostragem como a determinação dos 45% de taxa de lucro estão inquinados de vários vícios e por consequência não poderão traduzir a percentagem real de lucro nem a média de margem de comercialização real (artigo 10º da reclamação para a Comissão de Revisão - fls. 33 dos autos - para que remetem no artigo 21º da douta impugnação). Quanto a amostragem: 1º. Não existe comparação entre a margem de venda praticada antes e depois da constituição da sociedade “Marques & Maia, Lda.”. Antes, era uma jovem empresa, com uma funcionária e dois locais de venda, praticando preços muito baixos para enfrentar a concorrência no sector; agora, é uma empresa com um nome muito conhecido no mercado, três locais de venda, seis funcionários, bons fornecedores e bom crédito; . 2° - Não se leva em conta que muita roupa é vendida a preço de custo, para atenção de clientes amigos; 3.° - o preço e flexível, sendo muitas vezes os fornecedores que fixam os valores pelos quais devem ser vendidos os seus produtos, consoante a concorrência das marcas; 4º - nos anos fiscalizados, ainda não existia o proteccionismo nem a “febre” da procura das marcas, que só hoje são um fenómeno social; Quanto à margem de comercialização média: - a maior parte do volume de negócios de saldo é para escoamento das peças (“monos”), com um desconto de 50% sobre o preço normal, gerando vendas abaixo do preço de custo e uma média anual de 2% sobre o custo, quando somado aos produtos que são vendidos em saldo com um desconto menor. Retornando a amostragem: os impugnantes traçam, assim, um quadro de contraste entre o frágil e nascente estabelecimento daqueles remotos anos de 1991 a 1993 com a solidez comercial e financeira da sociedade a que deu lugar, em 1996. Pretendem que era também diferente a clientela de uma e outra, sendo esta mais sensível ao valor da marca. E consideram que não há nenhuma razão para pôr em causa a escrita com base na margem de lucro de 1996 porque as margens variam de acordo com as políticas comerciais dos fornecedores e as oscilações das marcas concorrentes. Devo começar por salientar que os impugnantes não foram tão longe quanto deviam ter ido na alegação de factos que demonstrem o quadro assim esboçado. Todo o alegado se desenvolve, nesta parte, em largas pinceladas, pendendo para uma expressão menos descritiva e mais impressionista, privilegiando as adjectivações e descurando as descrições de factos concretos que permitissem ao Tribunal confirmar a realidade transmitida. Fala-se em “preços acessíveis” e “mais baixos para o sector”, em “outras firmas já conhecidas” com as quais tinha que competir, em “muita roupa” que era vendida a preço de custo a “clientes e amigos” mas não se identificam uns e outros, sequer exemplificativamente, nem se procura quantificar a diferença de preços. Ficando a ideia que aponta para a notoriedade objectiva destes factos, no que não se concede minimamente. Quanto às diferenças entre o estabelecimento do impugnante e a “Marques & Maia, Lda.”, importa salientar que não estamos perante um estabelecimento que encerrou e outro que abriu no lugar dele, com diferente organização de factores produtivos, geradores de uma nova posição no mercado. 0 que resulta do relatório não e uma cisão entre um antes e um depois, mas uma solução de continuidade, de transição sem sobressaltos em que a única coisa que mudou foi a “forma jurídica”. De acordo com o alegado nos autos - até pelos impugnantes - foram as soluções de mercado adoptadas no estabelecimento nos anos fiscalizados e a capacidade de iniciativa e valia técnica do seu gerente que gerou a robustez da sociedade, até porque a carteira de fornecedores e de clientes fiéis, o bom crédito e o bom nome são valores comerciais que não se adquirem de um dia para o outro: conquistam-se e sedimentam-se no tempo. Assentam na confiança e na constância. Teriam, por isso, que ser os impugnantes a dizer com clareza quais eram as circunstâncias em 1996 que não se verificavam em 1991 a 1993. Mudaram o tipo de clientela? A clientela que ia para outro estabelecimento que fechou passou a consumir ali? Os produtos eram diferentes ou foi lançado um novo produto com muito sucesso? Eram outros os fornecedores? Foram adoptadas novas técnicas de venda? Nesta parte, dizem os impugnantes apenas que em 1991, 1992 e 1993 ainda não havia a “febre” da procura das marcas, parecendo com isso querer dizer que agora já podem pedir um pouco mais pelo seu produto de marca. Mas, ainda que assim fosse, deveriam pelo menos exemplificar com o preço a que era vendida uma peca de determinada marca nesses anos (com expressão quantitativa no volume de vendas) e no ano de fiscalização (expurgada da inflação). Para que o Tribunal pudesse concluir que a diferente adesão ao valor inserto na marca fosse geradora de distorções na margem de comercialização apurada. De qualquer modo, do pouco que concretamente se alegou nesta parte, menos ainda se provou, como se alcança do ponto 3.2. supra. Provado ficou apenas que o estabelecimento dos impugnantes tinha dois locais de venda (3.1.7.) e em cada local de venda trabalhava cada um dos impugnantes com uma empregada (3.1.8.). Mas não se provou que o n.° de funcionários diferisse agora e que ali trabalhassem 6 funcionários em 1996 (3.2.1.). Sabe-se apenas (porque o relatório também o diz) que em 1996 existia mais um estabelecimento de venda ao publico (na Rua Ferreira Borges). Mas não resulta do relatório que a amostragem tivesse sido colhida apenas neste último ou sequer que aí diferisse o preço do praticado nas lojas do Centro Comercial preexistentes. Em conclusão, não há dados objectivos nos autos que nos permitam concluir por erro técnico relevante na amostragem gerador de distorções quantitativas nos valores por ela apurados. Quanto a margem de comercialização: Não foi posta em causa a margem de comercialização apurada pela fiscalização em período normal de vendas. 0 que os impugnantes pretendem - se bem interpreto - é que a margem de comercialização em época de saldo é muito mais baixa (cerca de 2%). Fazendo, assim, descer a margem média para os efectivos declarados de 20%. Ora, em primeiro lugar, se bem vejo, uma margem de lucro de 2% em época de saldos não vai ao encontro da margem média de 20% que a contabilidade da impugnante denuncia, mas de uma margem bem superior (31,5% (61% + 2% : 2), ou 29% se considerarmos os 5% para cartão visa), considerando que metade dos produtos são vendidos em época de saldo e que, tradicionalmente, o desconto do saldo não é cumulado com outros descontos, nomeadamente o de cartão jovem Em segundo lugar, os impugnantes não demonstram ali como chegaram a margem de comercialização de 2%. Introduziram o valor aleatório de 2% depois de encontrarem uma margem de comercialização negativa em época de saldos de - 24,9%! Se a A.F. tivesse recorrido aos 2% nos mesmos termos, poderiam os impugnantes clamar pela falta de fundamentação! Em terceiro lugar, afigura-se-me que no exemplo do artigo 34º da reclamação se cai num erro de raciocínio. E que, se analisarmos, por exemplo, o abatimento percentual do valor do I.V.A., na parcela superior, não se considera o I.V.A. suportado a montante sobre o valor da compra (100), apenas se abatendo o I.V.A. A margem de comercialização (93 - 17). Todavia, o I.V.A. suportado pelo consumidor final em época normal é de 32,81 (193 - 17). Na época normal, ao vender-se a 193 cobra-se 32,81 a título de I.V.A. Destes, 17 correspondem aos que o fornecedor reteve aos impugnantes e que estes têm direito a deduzir e 15,81 são os que os próprios impugnantes cobram ao consumidor em nome do Estado. Em valores líquidos de I.V.A., o custo foi de 83 (100 - 17%) e a venda foi de 160,19 (193 - 17%), o que dá exactamente a mesma margem de comercialização apurada no relatório para valores ilíquidos - 93% . Na época de saldo, a vender-se a 96,5, cobra-se 16,4 a titulo de I.V.A. Em valores líquidos de I.V.A., o custo foi de 83 e a venda foi de 80,95, pelo que - se não estou em erro - a margem de lucro e negativa de 3,6% (+ os - 5% para o cartão visa), e não os pretendidos 24,9%. E que, ao vender-se a preço de custo ou com uma margem de comercialização negativa, todo o I.V.A. cobrado está incluído na parcela do I.V.A. deduzido a montante. 0 I.V.A. não interfere com a margem de comercialização porque uma das suas propriedades e justamente a da neutralidade. E é um imposto sobre o consumo (o único encargo definitivo e o que recai sobre o consumidor final), pelo que, o que conta para a receita é o valor cobrado a final. Para os intermediários o imposto é dedutível. Assim, pegando no exemplo dos impugnantes, no produto comprado a 100 (I.V.A. incluído) foram retidos pelo fornecedor 17 a título de I.V.A. Quando se vende em saldo a 96,5 (I.V.A. incluído) cobram-se 16,4 a título de I.V.A. ao consumidor final, sendo este o valor do imposto definitivamente suportado por este. Quanto ao intermediário, como tem direito a deduzir 17 não há nenhuma perda nesta parte, o Estado é que havia recebido imposto a mais que deve restituir. Poderia contrapor-se que, ao apurar-se uma margem negativa de 3,6% em época de saldos se está a dar razão aos impugnantes, visto que a margem média de lucro é inferior aos 40% apurados ainda que superior aos 20% declarados (61% + (-3,6): 2 = 28,7%). A verdade é que, se mesmo com uma margem de comercialização negativa de 24,9% na venda dos “monos” os impugnantes reconhecem que conseguiam lucros de 2% na época de saldos, com uma margem comercial negativa real de 3,6% na venda dos mesmos “monos” a margem de lucro na época dos saldos rondará os 20% apurados pela A.F. Em quarto lugar, consta da acta da Comissão de Revisão - e os impugnantes não contestam - que a margem de 20% na época de saldos é a que resulta dos elementos declarados em 1993, exercício em que o contribuinte apenas teve movimento em Janeiro, por ter cessado a sua actividade neste mês. A ser assim, é a própria contabilidade dos impugnantes nesse ano que desmente o por si alegado. Em quinto e último lugar, os impugnantes não lograram demostrar o que alegam nesta parte. Não se provou que a maior parte do volume de negócios de saldo fosse para escoamento de peças, com um desconto de 50% sobre o preço anterior, no período normal de venda (3.2.7.). Não ficou, assim, demonstrado o erro na qualificação e na quantificação do acto. Pelo que a douta impugnação improcede na totalidade”.
Pelo exposto, o recurso não merece provimento.
6. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em três UC. Porto, 10 de Março de 2005 |