Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00659/13.9BEAVR |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/09/2015 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Aveiro |
![]() | ![]() |
Relator: | Helena Ribeiro |
![]() | ![]() |
Descritores: | NULIDADE; ANULABILIDADE; CADUCIDADE; INIMPUGNABILIDADE. |
![]() | ![]() |
Sumário: | A invalidade dos atos administrativos decompõe-se em duas modalidades essenciais: a nulidade e a anulabilidade. II- Um ato nulo é ineficaz, não produz qualquer efeito ab initio, é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão, pode ser impugnado a todo o tempo e perante qualquer tribunal e a nulidade pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo, tendo o seu reconhecimento natureza declarativa. III- Os atos anuláveis são eficazes, produzem todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão, são suscetíveis de sanação pelo decurso do tempo, pela verificação de um qualquer facto jurídico stricto sensu ou pela prática de determinados atos tendentes a fazer desaparecer a desconformidade de que padecem, e o seu reconhecimento tem natureza constitutiva. IV- A invalidade regra de um ato administrativo proferido em execução de normas legais organicamente inconstitucionais, é a anulabilidade. V- Não são impugnáveis os atos que se limitam a colocar em prática um ato administrativo anterior, conquanto não comportam nenhuma inovação em face do “status quo ante”, exceto se contra os mesmos forem deduzidos vícios próprios.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Recorrente: | JAFA |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE A-A-V e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO: JAFA, residente na Rua …, inconformado, interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 11/02/2014, que julgou procedentes as exeções suscitadas, de caducidade do direito de ação quanto ato datado de 27/11/2012 e de inimpugnabilidade dos atos datados de 24/07/2013 e 05/08/2013, todos questionados na ação administrativa especial que intentou contra a DIREÇÃO REGIONAL DE AGRICULTURA E PESCAS DO CENTRO (doravante DRAPC) e o MUNICÍPIO DE A-A-V, em que pedia: «a) A declaração de nulidade do acto administrativo constante do despacho de 27 de Novembro de 2012 do Director Regional Adjunto de Agricultura e Pescas do Centro, que decidiu a demolição e remoção das construções que se encontram no seu prédio; b) A declaração de nulidade do acto administrativo constante do despacho de 24 de Julho de 2013 do Presidente da Câmara Municipal de A-A-V que ordenou e aprazou para o dia 06 de Setembro de 2013 a demolição e remoção daquelas construções; c) A declaração de nulidade do acto administrativo (eventualmente um despacho do Presidente da CM), e a que se refere o ofício de 5 de Agosto de 2013, que determina a tomada de posse administrativa por parte dos serviços da Câmara Municipal “sobre” o referido prédio». ** O Recorrente alegou e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:«1ª- A inconstitucionalidade orgânica de um decreto-lei, por versar, sem autorização legislativa, matérias da reserva relativa da Assembleia da República, invalida não apenas a regulação do seu conteúdo substancial, no que respeita à matéria constitucionalmente reservada, mas também invalida a disciplina das competências que, para a prossecução das atribuições ali previstas, confere naquela matéria a órgãos da Administração Pública. 2ª- O desvalor jurídico do acto normativo organicamente inconstitucional é a nulidade, o que o torna juridicamente inapto para conferir atribuições e recortar competências aos órgãos administrativos que, na execução do mesmo, pratiquem quaisquer actos jurídicos, para os quais são por isso incompetentes. 3ª- Trata-se de uma incompetência absoluta, que gera a nulidade dos actos praticados, porque os poderes exercidos por estes órgãos administrativos extravasam as suas atribuições, não estando legalmente cometidos a algum outro órgão. 4ª- Mas não se entendendo que o vício dos actos administrativos seja a nulidade, então eles só ficarão imunes ao vício de inconstitucionalidade do diploma a coberto do qual foram praticados, quando se considerem juridicamente consolidados, ou seja, definitivamente incontroláveis. 5ª- A incontrolabilidade definitiva desses actos só se verifica após decorrer o prazo mais amplo da sua impugnabilidade ordinária, que é de um ano. 6ª- O Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março, versando sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República, e tendo sido aprovado pelo Governo sem autorização legislativa, é por isso organicamente inconstitucional, pelo que, e de harmonia com as conclusões precedentes, a decisão da DRAP é um acto nulo, ou pelo menos ainda juridicamente impugnável. 7ª- Os actos do presidente da CM são actos de execução, mas que introduzem efeitos jurídicos inovadores, sendo por isso susceptíveis de impugnação autónoma. 8ª- Pois, num caso o despacho fixa dia e hora para a execução, o que se traduz praticamente numa ameaça de execução forçada. 9ª- E no outro caso anuncia a tomada de posse administrativa de um prédio para demolição, sendo certo que a decisão exequenda não prevê tal posse administrativa. 10ª- Na decisão recorrida fez-se errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 29º, 120º e 133º/1 e 2, b) do CPA, artigo 51º/1 CPTA e artigos 3º/3 e 282º/3 CRP.» ** Apenas o Recorrido Município de A-A-V contra-alegou, enunciando as seguintes CONCLUSÕES de recurso:«a) Ao Recorrente não assiste razão, porquanto a presente ação foi intentada para além do prazo de três meses – nº 2 al. b) do art. 58º do CPTA. b) Com efeito, a eventual inconstitucionalidade das normas de direito em que o despacho impugnado se baseou são geradoras de mera anulabilidade e não de nulidade, razão pela qual a presente ação não podia ser proposta a todo o tempo. c) Só assim não seria se as normas inconstitucionais ofendessem o núcleo essencial de um direito fundamental, o que não é o caso. d) O DL nº 73/2009, de 32/03, que estabelece o regime jurídico da RAN, preceitua nos seus arts.20º e 21º, normas em que se fundamentou o despacho impugnado, a proibição de “non aedificandi” nas suas áreas. e) Ora, o “jus aedificandi” não é um direito fundamental, embora o direito de propriedade o possa ser. f) Daí que, tendo o despacho impugnado ordenando ao Recorrente a reposição da situação anterior na área da RAN,ao abrigo do disposto no citado DL nº 73/2009,em consequência de obras feitas por aquele, não viola qualquer norma constitucional. Mas ainda que violasse a mesma não era geradora de nulidade, como é jurisprudência pacifica e abundante do STA, que transcrevemos, mas tão somente de anulabilidade g) Por outro lado, os despachos do Sr. Presidente da Câmara ao dar cumprimento ao despacho do Sr. Diretor Regional da Direção Regional Centro, nada inovou, pelo que são necessariamente atos de execução, não susceptíveis de impugnação autónoma, já que não foram invocados vícios próprios h)A sentença recorrida não violou as normas legais referidas pelo Recorrente.» Termina, requerendo o não provimento do recurso e a manutenção da decisão recorrida. ** O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146.º do CPTA, pronunciou-se nos termos do parecer de fls. 245-246, pugnando pelo não provimento do recurso e pela consequente confirmação da decisão recorrida.** Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.** 2.DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO- QUESTÕES DECIDENDASDe acordo com as conclusões apresentadas pela Recorrente, que delimitam o objeto de recurso, está em causa saber se a decisão recorrida enferma de: (i) erro de julgamento de direito por ter considerado caducado o direito de ação em relação ao ato administrativo proferido pelo Diretor Regional Adjunto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, de 27/11/2012 e , consequentemente, absolvido o réu da instância. (ii) erro de julgamento de direito por ter considerado inimpugnáveis os atos praticados pelo Presidente da Câmara Municipal de A-A-V de 24/07/2013 e 05/08/2013. ** 3.FUNDAMENTAÇÃO3.1.MATÉRIA DE FACTO 3.1.1. Com relevo para a decisão da exceção da caducidade do direito de ação em relação ao despacho de 27/11/2012, o tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: « A) O Director Regional Adjunto da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, exarou em 27 de Novembro de 2012, sobre a informação nº 193/2012/NAJ, despacho com o seguinte teor:“Concordo. Notifique-se para procedimento de reposição do sol à situação anterior” (acto impugnado) – cfr. fls. 49 do P.A.. B) O A. foi notificado do aludido despacho no dia 27 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 58 do P.A..C) A p.i. relativa à presente acção administrativa especial foi remetida a Tribunal por correio electrónico no dia 13 de Agosto de 2013, tendo o A. peticionado a declaração de nulidade dos actos impugnados – cfr. fls. 1 dos autos»* 3.1.2. Com relevo para a decisão da exceção da inimpugnabilidade dos atos proferidos pelo Presidente da Câmara Municipal de A-A-V em 24/07/2013 e 05/08/2013, o tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:« A) Através de ofº datado de 2 de Abril de 2013, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de A-A-V foi comunicado pelo Director Regional Adjunto da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro a não reposição voluntária do terreno por parte do A. para que o Município procedesse “…às operações necessárias com vista à reposição da situação anterior à infracção” – cfr. fls. 63/64 dos autos.B) O Presidente da Câmara Municipal de A-A-V, no dia 24 de Julho de 2013, proferiu despacho com o seguinte teor:“1 - Informar o infractor de que no dia 05 de Setembro de 2013, pelas 08h e 30m, serão executados os trabalhos de cumprimento da notificação da DRAP Centro. Dar conhecimento à DRAP Centro” (…) (despacho impugnado) – cfr. fls. 66 do P.A.. C) Através de ofº datado de 5 de Agosto de 2013,dirigido ao A., assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de A-A-V foi o A. notificado de que “Mantendo-se o incumprimento da ordem de demolição de umas construções sitas em S. M..., neste Município, notifica-se V. Exa de que, ao abrigo do artº 106º nº 4 e artº 107º do Decreto- Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 27/2010, de 30 de Março, os competentes serviços da Câmara Municipal irão proceder à tomada de posse administrativa sobre o prédio acima identificado no próximo dia 05 de Setembro de2013, pelas 8.30m, a fim de procederem aos trabalhos de demolição, mantendo-se a posse administrativa pelo tempo necessário à completa execução dos trabalhos (…) (acto impugnado) – cfr. doc. 8 junto com a p.i..» *** 3.2 DO DIREITO 3.2.1. Do Erro de Julgamento Quanto à Exceção da Caducidade do Direito de Ação. O Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por nela se ter feito errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 29.º, 120.º e 133.º, n.º11 e 2, al. b) do CPA, artigo 51.º, n.º1 CPTA e artigos 3.º, n.º3 e 282.º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Seguindo a ordem apresentada pelo Recorrente na invocação dos erros de julgamento que assaca à decisão recorrida, cumpre conhecer, prima facie, do erro de julgamento relativamente à decisão que recaiu sobre a exceção da caducidade do direito de ação. 3.2.2. Antes, porém, de ajuizarmos sobre a procedência ou não do erro de julgamento assacado à decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação em relação ao despacho de 27/11/2011, importa fazer uma breve referência às formas de invalidade dos atos administrativos e suas consequências, designadamente, quanto à impugnação contenciosa de atos administrativos nulos e anuláveis. 3.2.3. A caducidade ou perempção, segundo Luís Cabral de Moncada, in “Lições de Direito Civil”, Vol. II, 3.ª Edição, Coimbra, págs. 430 e sgts. «…é o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de ter chegado o seu limite máximo de duração». Também F. Santoro-Passarelli, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1967, págs. 88 e segts. afirma que a caducidade «depende…unicamente do facto objectivo da falta de exercício do direito no prazo estabelecido» e «é inspirada …pela necessidade de limitar no tempo o exercício de um direito». Nos termos dos artigos 87.º, 88.º e 89.º, n.º1, al. h) do CPTA, art.º 493.º do CPC ( na versão aplicável) e 333.º do CC, a caducidade do direito de ação constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao prosseguimento do processo, inviabilizando, por conseguinte, o julgamento de mérito da pretensão deduzida na ação. Para aferirmos se ocorre ou não a caducidade do direito de ação tem de se averiguar se o meio processual utilizado pelo autor se encontra sujeito a algum limite temporal para a sua apresentação em juízo, seja um limite especial independentemente do desvalor das ilegalidades invocadas, como sucede nas situações referidas nos artigos 69.º, 98.º, n.º 2 e 101.º do CPTA, seja um limite definido em termos gerais, ou dito de outro modo, em função do desvalor das invalidades invocadas: inexistência, nulidade ou mera anulabilidade (cfr. art.º 58.º do CPTA). 3.2.4.Sobre o que deve entender-se por validade e invalidade dos atos administrativos, Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2011, 2.ª Edição, págs. 381 e 419 esclarece que a validade «…é a aptidão intrínseca do ato para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica …» ao passo que a invalidade é «…a inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir …”. Como salienta José Carlos Vieira de Andrade, in “Validade (do ato administrativo)”, DJAP, vol. VII, pág. 582, a «… validade diz respeito a momentos intrínsecos, pondo a questão de saber se o ato comporta, ou não, vícios ou malformações, em face das normas que estabelecem os termos em que é possível a produção de efeitos jurídicos por via de autoridade...”. De acordo com a melhor doutrina nacional, a validade dos atos administrativos afere-se, quer por referência (i) aos seus sujeitos, de modo a verificar a sua conformidade com as normas referentes às suas atribuições e com as suas competências legais, quer quanto aos poderes em razão da matéria e do lugar, quer quanto a saber se em concreto estão legitimados para os exercerem; quer por referência (ii) ao objeto mediato, de modo a verificar se o mesmo é possível física e juridicamente, determinado ou identificável, e idóneo; quer por referência (iii) ao procedimento; (iv) à forma; (v) ao fim; (vi) ao conteúdo; (vii) à decisão e (vii) à vontade. É consabido que os vícios de que um ato administrativo pode enfermar, nem sempre geram a sua anulabilidade, podendo mesmo determinar a sua nulidade ou até a sua inexistência. 3.2.5A inexistência jurídica traduz a modalidade mais radical de desvalor do ato administrativo, de tal modo que pode mesmo afirmar-se que o ato inexistente não passa de uma mera aparência de ato. Não se ignora a controvérsia doutrinal que existe quanto ao desvalor da “inexistência”, seu reconhecimento e consagração legal no nosso ordenamento jurídico (cfr., entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa em “Inexistência jurídica” in: “DJAP”, vol. V, págs. 231 e segs.; Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 413 e segs.). 3.2.6.Porém, nos quadros conceptuais mais clássicos do Direito Administrativo, a invalidade dos atos administrativos decompõe-se em duas modalidades essenciais: a nulidade e a anulabilidade. A nulidade e a anulabilidade encontram-se reguladas nos artigos 133.º a 136.º do CPA (na versão aplicável aos autos), e, anteriormente, encontravam-se previstas nos arts. 88.º e 89.º da LAL/84, e nos artigos 363.º e 364.º do Código Administrativo. 3.2.7.A nulidade, conforme é recorrentemente afirmado, constitui a forma mais grave de nulidade. Assim, um ato ferido de nulidade é ineficaz, não produzindo qualquer efeito ab initio, e insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (cfr. n.º 2 do art. 134.º e n.º 1 do art. 137.º, ambos do CPA). É suscetível de impugnação a todo o tempo e perante qualquer tribunal, e pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo e o seu reconhecimento tem natureza meramente declarativa (cfr. art. 134.º, n.º 2 do CPA). Note-se ainda que, perante a execução de um ato nulo os particulares têm o direito de desobediência e de resistência passiva. 3.2.8. Em contrapartida, a anulabilidade, para além de ser a regra, constitui uma forma de invalidade menos grave (cfr. art.º 135.º do CPA e Freitas do Amaral, in ob. citada, pág. 445/446). Como tal, os atos meramente anuláveis são eficazes, e produzem todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão (cfr. n.º 2 do art. 127.º do CPA,“a contrario”). Conforme escreve Tiago Serrão in “ A nulidade do acto inconstitucional”, Estudos de Direito Público, Colecção PLML, Coimbra Editora, pág.1 89 «enquanto não surgirem decisões juridicamente fortes para isso (…) o acto anulável vai vivendo, vinculando e produzindo os seus efeitos, como se válido e legal fosse”». Ademais, os atos administrativos anuláveis são, em tese, suscetíveis de sanação pelo decurso do tempo, pela verificação de um qualquer facto jurídico stricto sensu ou pela prática de determinados atos tendentes a fazer desaparecer a desconformidade de que padece (cfr. arts. 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2 e 141.º, todos do CPA). A anulabilidade é, assim, «remediável». Quanto à sanação de um ato administrativo pelo decurso do tempo, não desconhecemos que alguma doutrina tem vindo a contestar a conceção de que decorrido o prazo de impugnação contenciosa, o ato administrativo viciado de ilegalidade geradora da sua anulabilidade se sana, tudo se passando, a partir daí, como se de ato válido se tratasse, desde a sua origem. Nesse sentido veja-se Rogério Ehrhart Soares, in “Interesse Público, Legalidade e Mérito”, Coimbra, 1955, págs. 360/362, o qual já então chamava a atenção para o equívoco de se pensar que «existem entre inopugnabilidade e convalidação relações de causa-efeito», esclarecendo que a inopugnabilidade «é um conceito que funciona só em face do particular e que tem um valor exclusivamente adjectivo…com ele não se pretende traduzir uma qualificação intrínseca do acto, mas só se põe em relevo uma limitação num dos processos de fazer valer a invalidade». Há que notar, porém, que no Direito Administrativo se admite a sanação em sentido restrito dos atos administrativos, ou seja, que o direito de invocar a anulabilidade de um ato administrativo só pode ser exercido dentro do prazo fixado na lei, o mesmo é dizer, admite-se a caducabilidade em sentido processual. Os atos anuláveis, diversamente dos atos nulos, são obrigatórios para os particulares enquanto não forem anulados e a sua anulação carece de ser requerida dentro do prazo limitado, fixado por lei (cfr. arts. 136.º, n.º 2 do CPA, e 58.º do CPTA), perante um tribunal administrativo (cfr. art. 136.º, n.º 2 do CPA), e a decisão que declare a anulabilidade de um ato administrativo tem natureza constitutiva. Também J.C. Vieira de Andrade, in ob. citada, págs. 586/587, afirma que num “… sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a «invalidade-regra», em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos atos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de «presunção de legalidade»), do ato administrativo - para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves …”. Veja-se ainda, o mesmo Autor em “Nulidade e anulabilidade do ato” in: CJA n.º 43, JAN/FEV 2004, págs. 41 a 48, em especial, págs. 46/47, bem como Freitas do Amaral in: ob. cit., pág. 409). 3.2.9. Às situações que, perante a lei nacional, são suscetíveis de provocar a nulidade de um ato administrativo, reporta-se o artigo 133.º do CPA. Este preceito legal, para além de consagrar expressamente que «São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade» (cfr. n.º1 do art.º 133.º), prevê exemplificativamente, no seu n.º2, um conjunto de situações geradoras de nulidade. Entre essas situações, prevê-se na al. b) do n.º2 do art.º 133.º do CPA, invocada pelo Recorrente, que são nulos «Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre». Este preceito determina a nulidade dos atos administrativos feridos de vício de usurpação de poder, ou seja, quando praticados em violação do princípio constitucional da separação de poderes, a que se reportam os artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa. Na definição dada por Freitas do Amaral, in ob. cit. pág. 423 a usurpação de poder é « o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial, e portanto excluído do poder executivo». Traçadas estas coordenadas gerais, importa analisar o caso concreto. 3.2.10.No caso, o TAF de Aveiro considerou que os vícios que o autor/Recorrente assacou ao ato impugnado não o inquinavam de nulidade, e nessa conformidade, entendeu que a impugnação do ato in crisis estava sujeita ao prazo de impugnação de 3 meses previsto no artigo 58.º, n.º2, al. b) do CPTA. A decisão que o tribunal recorrido proferiu foi concretamente a seguinte: «Analisada a p.i. constata-se que o A. referiu ser o acto praticado pelo Director Regional Adjunto da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro nulo por se fundar em diploma – o D.L. nº 73/2009, de 31 de Março – que o A. considera ser organicamente inconstitucional, pelo que o acto que se funda em preceitos do referido diploma é nulo por carecer de elementos fundamentais – a competência e o conteúdo – cfr. item 62º da p.i.. Vejamos. A questão que importa determinar prende-se com a forma de invalidade de actos administrativos praticados ao abrigo de normas relativamente às quais é invocada a respectiva inconstitucionalidade, tendo sido perfilhado entendimento, pelo S.T.A., que a forma de invalidade de acto praticado ao abrigo de norma contida em diploma alegadamente inconstitucional é a mera anulabilidade, importando transcrever parcialmente e a título de exemplo sumário de Acórdão proferido pelo S.T.A. em 31 de Outubro de 2001, no âmbito do Proc. 026392: “I - A eventual inconstitucionalidade da lei ao abrigo da qual os emolumentos notariais foram liquidados, em virtude destes terem eventualmente a natureza de impostos e daquela lei não haver sido emitida pela Assembleia da República ou pelo Governo sob autorização da mesma, não gera a nulidade do acto de liquidação mas apenas a sua invalidade atípica.” Na esteira do aludido Acórdão revela-se igualmente útil transcrever parcialmente sumário de Acórdão proferido pelo S.T.A. em 23 de Março de 2000, no âmbito do Proc. 44374, do qual se retira que: “A inconstitucionalidade das normas de direito ordinário aplicadas não implica, por si mesma, a nulidade do acto administrativo.”, bem como sumário de Acórdão proferido pelo T.C.A. Sul em 15-04-2010, no âmbito do Proc. nº 05113/09: “I – O facto de um acto administrativo se fundar num regulamento ilegal ou inconstitucional é gerador do vício de violação de lei sujeito à regra geral da anulabilidade. II – A ilegalidade ou inconstitucionalidade desse regulamento não determina a nulidade automática do acto que o aplica. III – Verifica-se a excepção da caducidade se a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido foi intentada após o decurso do prazo de 3 meses previsto no nº 2 do art. 69º do CPTA. Com efeito, uma norma inconstitucional pode ser aplicada como fundamento de acto administrativo, afectando a sua validade, contudo são realidades distintas o vício da norma e o vício do acto, sendo que a aplicação de norma alegadamente inconstitucional como fundamento de direito de determinado acto administrativo apenas é susceptível de gerar a anulabilidade do mesmo, por erro nos pressupostos de direito (Cfr. igualmente neste sentido Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 29 de Abril de 2003, no âmbito do Proc. 0100/2003, disponível em www.dgsi.pt.), pelo que, ao contrário do sustentado pelo A. o acto impugnado, mesmo que se verificasse a inconstitucionalidade orgânica do D.L. nº 73/2009, de 31 de Março, sempre seria anulável e não nulo. Assim, face ao exposto e tendo o A. sido notificado do acto impugnado no dia 27 de Dezembro de 2012 tendo a presente acção administrativa especial sido intentada no dia 13 de Agosto de 2013, julga-se procedente a excepção dilatória de caducidade de direito de acção suscitada pelo R., absolvendo a Ré Direcção». E decidiu bem. Resulta da decisão recorrida que o TAF de Aveiro considerou procedente a exceção da caducidade do direito de ação suscitada pela DRAPC na sua contestação, com fundamento na consideração de que a procederem os vícios que o autor assaca ao despacho de 27/11/2012, os mesmos são causa de mera anulabilidade e não, como sustenta o autor/Recorrente, de nulidade, uma vez que os atos administrativos de aplicação de uma lei alegadamente inconstitucional são, por princípio, meramente anuláveis, e não nulos, e como tal, a sua impugnação encontra-se sujeita ao prazo de 3 meses previsto na al. b) do n.º2 do art.º 58.º do CPTA, que no caso dos autos foi ultrapassado. 3.2.11.Entende, porém, o Recorrente que ao invés do que foi decidido, a inconstitucionalidade orgânica de um decreto-lei, por versar, sem autorização legislativa, matérias da reserva relativa da Assembleia da República, invalida não apenas a regulação do seu conteúdo substancial, no que respeita à matéria constitucionalmente reservada, mas também invalida a disciplina das competências que, para a prossecução das atribuições ali previstas, confere naquela matéria a órgãos da Administração Pública, e que, assim, o desvalor jurídico do ato normativo organicamente inconstitucional é a nulidade, o que o torna juridicamente inapto para conferir atribuições e recortar competências aos órgãos administrativos que, na execução do mesmo, pratiquem quaisquer atos jurídicos, para os quais são por isso incompetentes. Ademais, sustenta também que não se entendendo que o vício dos atos administrativos seja a nulidade, então eles só ficarão imunes ao vício de inconstitucionalidade do diploma a coberto do qual foram praticados, quando se considerem juridicamente consolidados, ou seja, definitivamente incontroláveis, ou seja, após decorrer o prazo mais amplo da sua impugnabilidade ordinária, que é de um ano. E, conclui que o Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de março, versando sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República, e tendo sido aprovado pelo Governo sem autorização legislativa, é por isso organicamente inconstitucional, pelo que, e de harmonia com as conclusões precedentes, a decisão da DRAP é um ato nulo, ou pelo menos ainda juridicamente impugnável. Em suma, o Recorrente pretende que a referida ilegalidade, que aponta ao despacho recorrido seja enquadrada no instituto da nulidade, por forma a julgar-se tempestiva a impugnação do despacho recorrido e, para o caso de assim não ser entendido, que o prazo a considerar para a sua impugnação deverá ser o de um ano. 3.2.12. Como bem se elucida na decisão recorrida, estamos perante um ato administrativo praticado ao abrigo de uma norma contida num diploma legal [o Decreto-Lei n.º73/2009, de 31/03] alegadamente ferido de inconstitucionalidade orgânica. Embora na doutrina se discuta se a sanção jurídica que deve caber ao ato administrativo que aplique uma norma inconstitucional seja a nulidade, a verdade é que a jurisprudência que se tem vindo a firmar vai na linha da orientação que foi perfilhada na decisão recorrida, como se vê pela análise dos acórdãos nela citados. A este respeito, e com interesse, Mário Esteves de Oliveira e outros, in ob. citada, pág. 643 escrevem que «Como linha de orientação, o que poderá dizer-se, quando muito, é que o ato que seja execução de norma inconstitucional não será nulo, mas anulável, por erro sobre os pressupostos de direito, se esse for o único vício do acto e se ele (vício) não for enquadrável em nenhuma das alíneas do n.º2 do art. 133.º do CPA, sobretudo na alínea d)». No caso dos autos, nada foi alegado pelo autor/Recorrente no sentido do despacho impugnado configurar, ele próprio, uma estatuição administrativa que mantém uma relação autónoma de desconformidade com a Constituição, pelo que nos encontramos no âmbito da denominada inconstitucionalidade consequente dos atos administrativos, causada pela desconformidade com as leis que executam, elas próprias, alegadamente inconstitucionais. Aliás, como bem refere Tiago Serrão, in ob.cit., pág. 229, «por força do princípio da legalidade administrativa- que constitui de per se um princípio jurídico-constitucional estruturante- os actos administrativos relacionam-se, por regra, de modo imediato apenas com a lei e não com a Constituição» e só «excepcionalmente, o agir administrativo, expresso em actos administrativos, pode comunicar, de modo directo, com a Constituição». Sobre a questão de saber se a Constituição pode de per se servir de parâmetro de apuramento da conformidade dos atos administrativos, o STA, em acórdão de 13/03/2003, proferido no processo n.º 035590 considerou que «No domínio da prática de actos administrativos no exercício de poderes vinculados, o juízo de inconstitucionalidade não pode ser formulado, directamente, sobre os actos ou sobre as decisões que, contenciosamente os apreciem, mas sim e apenas sobre as normas jurídicas aplicadas, quer no seu teor, quer na interpretação adoptada em eventual violação de normas ou princípios constitucionais». Há que notar, porém, que não só o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 158/2005, de 29/03/2005, proferido no processo n.º 45/05 admitiu que um ato administrativo contenciosamente impugnado pode violar diretamente a Constituição, como existem já várias decisões dos tribunais administrativos nesse sentido. Vejam-se os Acórdãos do STA, de 16/12/2009, processo n.º 01069/09 e de 04/02/2010, processo n.º 0515/09. Mas, como já se expressou, no caso não estamos perante a invocação de uma situação de inconstitucionalidade imediata do ato administrativo, mas mediata. E sendo assim, o desvalor que a alegada inconstitucionalidade orgânica do D.L. n.º 73/2009 é suscetível de provocar no despacho impugnado praticado sob a sua égide, é apenas, na linha da jurisprudência citada na decisão recorrida, que acompanhamos, a da mera anulabilidade. Ora, de acordo com a previsão do art.º 58.º, n.º2, al. b) do CPTA a impugnação de atos administrativos anuláveis, que constitui a invalidade regra, tem lugar no prazo de 3 meses, a contar da notificação (art.º 59.º/1 do CPTA), prazo esse que por força do art.º 144.º do CPC na versão vigente à data dos factos, aplicável ex vi art.º 58.º/3 do CPTA, é contínuo, suspendendo-se, porém, durante as férias, caso em que o prazo de três meses se converte em 90 dias, ou nos termos do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA [no qual se determina que “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”] Como tal, assumindo estes pressupostos, tendo em conta que o autor/Recorrente foi notificado do ato impugnado no dia 27/12/2012 forçoso é concluir que o aludido prazo de 90 dias, previsto no art.º 58.º, n.º2, al. b) do CPTA há muito que se encontrava largamente ultrapassado quando, em 13/08/2013, a ação foi intentada. 3.2.13.O Recorrente sustenta ainda nas suas conclusões de recurso, para o caso de não se entender que o vício imputado ao despacho impugnado gera a sua nulidade, que o despacho impugnado só ficará imune ao vício de inconstitucionalidade do diploma a coberto do qual foi praticado, quando se poder considerar juridicamente consolidado, ou seja, definitivamente incontrolável, ou seja, após decorrer o prazo mais amplo da sua impugnabilidade ordinária, que é de um ano. No direito administrativo «é maioritário o entendimento de que o decurso dos prazos legalmente fixados para efeitos de impugnação contenciosa de um determinado acto administrativo ou para a propositura de uma acção para a defesa de um direito ou interesse por ele afectado implica a sua inimpugnabilidade, ou seja, a sua sanação em sentido restrito» e, por isso, «o ato anulável é caducável» (cfr. Tiago Serrão, in ob.cit., pág. 190). Assim, é incontroverso, que a impugnabilidade de um ato administrativo anulável está sujeita a um determinado prazo, findo o qual se preclude a possibilidade de exercício desse direito e o ato, apesar de inválido, passa a integrar a ordem jurídica como se de um ato válido se tratasse. É certo que, verificada qualquer uma das situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 4 do artigo 58.º do CPTA a impugnação de um ato administrativo anulável pode ocorrer para além do prazo de 3 meses previsto na al. b), n.º2 do art.º 58.º. Nesse preceito prevê-se: «4- Desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º2, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por: a) A conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; b) O atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável, ou à sua qualificação como acto administrativo ou como norma, c) Se ter verificado uma situação de justo impedimento». A solução normativa contida neste normativo, para além de inovadora, constitui um claro tributo ao princípio do pro actione consagrado no artigo 7.º do CPTA. Porém, a sua aplicação depende, para além do requisito temporal, da verificação de uma qualquer das situações previstas nas referidas alíneas, o que desde logo pressupõe que o autor tenha alegado circunstâncias que possam reconduzir-se a uma das situações aí previstas, pois só dessa forma o julgador poderá verificar, cumprido o contraditório, se a situação invocada se enquadra nesse preceito e, em conformidade, prorrogar o prazo para a propositura da ação até um ano a contar da notificação do ato. No caso, o ónus de alegar os factos constitutivos de um tal direito impendiam sobre o autor/Recorrente (cfr. art.º 342.º do C.Civil). Todavia, e paradoxalmente com o que parece ser a posição que agora defende, aquele não alegou qualquer circunstância suscetível de se enquadrar numa das alíneas do citado art.º 58.º, n.º4 do CPTA, como não requereu nenhuma prorrogação de prazo. Por tudo o que fica dito, improcede o apontado erro de julgamento que o Recorrente assaca à decisão recorrida. ** 3.3. Do Erro de Julgamento Quanto à Exceção da Inimpugnabilidade 3.3.1.Nas suas conclusões de recurso (cfr. 7.ª a 10.ª), o Recorrente manifesta-se ainda contra a decisão recorrida por a mesma ter julgado os atos atribuídos ao Presidente da Câmara como meros atos de execução e, em consequência, inimpugnáveis, quando, a seu ver, não se está perante atos de execução, mas em face de atos que introduzem efeitos jurídicos inovadores, conquanto, num caso o despacho fixa dia e hora para a execução, o que se traduz praticamente numa ameaça de execução forçada e, no outro caso, anuncia a tomada de posse administrativa de um prédio para demolição, sendo certo que a decisão exequenda não prevê tal posse administrativa. Mas sem razão alguma. 3.3.2.Sobre a questão da inimpugnabilidade dos identificados atos, o tribunal recorrido decidiu do seguinte modo: «Para a definição de “acto administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o enunciado no n.º 4 do art. 268.º da CRP. (…) O CPTA, no seu art. 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como acto contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se nesse preceito legal que “ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos …” (n.º 1). Naquela definição mostra-se pressuposto o conceito material de acto administrativo que se mostra enunciado no art. 120.º do CPA devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta. Os actos impugnados – ainda que se entenda que o ofício datado de 5 de Agosto de 2013 não constitui uma mera notificação dirigida ao A. – não são susceptíveis de impugnação judicial autónoma, dado serem meros actos de execução do acto praticado pelo Director Regional Adjunto de Agricultura do Centro em 27 de Novembro de 2012, importando elencar as características de um acto de execução. Socorrendo-nos das lições do Professor Diogo Freitas do Amaral (Cfr. “Direito Administrativo”, Vol. III, págs. 214 e seguintes.), temos que os actos de execução “(…) são os actos que a lei manda ou permite praticar após o termo da fase declarativa do processo gracioso, com vista a efectivar o cumprimento ou assegurar o respeito das determinações contidas no acto definitivo. (…)”. É importante averiguar até que ponto estes actos são impugnáveis face ao regime previsto no novo contencioso administrativo. À luz do CPTA, a questão da impugnabilidade ou não dos actos de execução prende-se não com a própria impugnabilidade em si, mas antes com as causas de invalidade que contra eles se podem fazer valer. A este propósito a opinião do Professor Mário Aroso de Almeida (Cfr. “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 1.ª edição, Almedina, pág. 130 e 131) tem interesse: “(…) por regra, os actos jurídicos de execução ou de aplicação de actos administrativos anteriores possuem eficácia externa e exprimem o exercício de um poder de definição jurídica típico do seu autor, contribuindo, assim, em maior ou menor medida, para completar a definição jurídica que tinha sido introduzida pelos actos que os precederam e em que eles se baseiam. Pense-se no acto que vem fixar o prazo final para o cumprimento de uma obrigação imposta por um acto precedente, sob ameaça de execução forçada. Embora este acto surja no seguimento da definição introduzida pelo acto anterior, certo é que introduz um efeito jurídico inovador e, portanto, a modificação do quadro jurídico pré-existente. Este acto não pode deixar de ser qualificado como um acto susceptível de impugnação. (…) Ora, é de continuar a admitir que não se podem invocar contra um acto administrativo vícios que já podiam e deviam ter sido invocados contra actos anteriores. E pode, neste sentido, dizer-se que a regra do artigo 53.º vale, em segunda linha, para os actos de execução ou de aplicação de actos administrativos, na parte ou na medida em que eles se limitam a reiterar a definição introduzida pelo acto que executam ou aplicam. Ponto é que não se deixe de reconhecer que os actos de execução ou de aplicação de actos anteriores podem ser impugnados com fundamento em vícios próprios que possam padecer – vícios próprios que podem respeitar à inovação, ainda que complementar, que vêm a introduzir na ordem jurídica, ou mesmo resultar do facto de se apresentarem em desconformidade com o acto que alegadamente visam executar ou aplicar (porventura, por ultrapassarem os limites traçados por esse acto).” No caso em apreço os “actos” impugnados não ultrapassam os limites do acto que visam executar – o proferido pelo Director Regional da Direcção Regional de Agricultura do Centro –, nada inovando, são actos de execução que têm em vista proceder à reposição do terreno na situação anterior à infracção ao Regime da Reserva Agrícola, nos termos previstos no nº 2 do artº 44º do D.L. nº 73/2009, de 31 Março, nos termos do qual “para efeitos do disposto no número anterior, as DRAP comunicam aos municípios as situações de infracção para que, em caso de não reposição voluntária, procedam às operações materiais necessárias à reposição da situação anterior à infracção”, pelo que, face à procedência da excepção de inimpugnabilidade dos actos em apreço, absolve-se o R. Município da instância – cfr. alínea c) do nº 1 do artº 87º do C.P.T.A..» Conforme bem se decidiu na decisão recorrida, os despachos emanados pelo senhor Presidente da Câmara Municipal de A-A-V, mais não visaram do que dar cumprimento ao despacho do senhor Diretor Regional da Direção Regional Centro, e como tal, nada inovaram, sendo claros atos de execução, não suscetíveis de impugnação autónoma, a não ser com fundamento em vícios próprios. 3.3.3. Dogmaticamente, são considerados meros atos de execução, aqueles que se limitam a colocar em pratica um ato administrativo anterior, esse sim, dotado de eficácia externa e apto a definir uma situação jurídica num caso concreto. Nesta esteira, os atos de execução nada acrescentam, nem retiram a esse ato, ou seja, não são atos que comportem uma qualquer inovação em face do “status quo ante”, mas antes atos que pressupõem e se baseiam na definição jurídica contida em atos anteriores. Assim, esses atos não são impugnáveis, exceto se contra os mesmos forem deduzidos vícios próprios. É nesta linha de orientação que se tem vindo a firmar jurisprudência consistente [ cfr. Acs. do TCA Sul, de 26/03/2009, rec. N.º 04714/09 e de 25/06/2009, proc. n.º 05141/09]. E é isso mesmo que resulta do disposto no artigo 51.º do CPTA. Deste modo, os atos que se limitam a pôr em pratica a estatuição já contida no ato exequendo são, em regra, irrecorríveis, por serem meramente confirmativos, não assumindo autonomamente a natureza de atos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, os quais, a existirem, emanam do ato que anteriormente definiu a situação do interessado. Conforme se discorre no Ac. do TCA Sul, de 25/06/2009, supra referido «… o fundamento da inimpugnabilidade dos actos de execução, em tudo semelhante ao que justifica a inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos, radica na consolidação da estatuição jurídica estabelecida em acto anterior, exigida pelo interesse público da estabilidade dos actos administrativos, sendo pois de presumir “jure et de jure” a concordância dos respectivos destinatários através da respectiva inércia contenciosa durante certo período de tempo. O fundamento legal dos arestos citados encontra-se nos nºs 3 e 4 do artigo 151º do CPA, quando dispõe que “os interessados podem impugnar administrativa e contenciosamente os actos ou operações de execução que excedam os limites do acto exequendo”, e que “são também susceptíveis de impugnação contenciosa os actos e operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo”. Da análise das duas disposições citadas, é possível concluir que a impugnabilidade dos actos de execução depende da concreta ilegalidade que lhes é imputada. Assim, se lhes é imputada uma ilegalidade própria [ou cuja fonte radique no próprio acto de execução], este é contenciosamente impugnável. Porém, se a ilegalidade do acto de execução derivar de alguma ilegalidade que já afectava o acto executado, obviamente que era este último que deveria ter sido objecto de impugnação, ficando deste modo impossibilitada a impugnação autónoma do acto de execução [cfr., neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e outros, no Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume II, 1ª edição, a págs. 245]. Deste modo, nos casos previstos no nº 3 do artigo 151º do CPA – de resto, em sintonia com o nº 4 do mesmo artigo –, a impugnabilidade do acto de execução será limitada ao que nele se inova em relação ao acto a que visou dar execução.(…) Também em Acórdão deste TCAN, de 21/09/2013, proferido no processo n.º 00572/09.4BECBR-B e com interesse para o caso, fixou-se jurisprudência no sentido de que «O critério de impugnabilidade contenciosa passa pela eficácia externa actual da decisão administrativa visada, ou, ao menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter». Veja-se ainda o Acórdão deste TCAN, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 02656/11.0BEPRT, onde se sumariaram as seguintes conclusões: «I. O conceito legal de “ato impugnável” inserto no art. 51.º do CPTA tem como pressuposto o estar-se em presença dum ato que encerre em si uma definição de situações jurídicas (art. 120.º do CPA), pelo que ficam excluídos automaticamente daquele conceito todos os atos, mesmo que procedimentais, que não envolvam ou não possuam qualquer segmento decisório. II. No aludido conceito inserem-se assim todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa. III. Em regra, os atos de execução só são passíveis de impugnação contenciosa autónomo na medida em que sejam inovatórios, por alterarem, excederem ou modificarem a situação definida pelo ato executado (arts. 151.º, n.ºs 3 e 4, do CPA e 51.º do CPTA). ». 3.3.4.Perante o exposto, não oferece dúvida que os atos impugnados cuja autoria é atribuída ao Presidente da Câmara são atos de mera execução do despacho proferido pelo Senhor Diretor Regional Ajunto da DRAPC em 27/11/2012, conquanto os mesmos se baseiam na definição jurídica efetuada por esse despacho, limitando-se a fazer operar a estatuição contida no mencionado despacho de 27/11/2012, tendo apenas em vista a reposição do terreno na situação anterior à alegada infração ao Regime da Reserva Agrícola Nacional, nos termos previstos no art.º 44.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31/03, de acordo com o qual as «DRAP comunicam aos municípios as situações de infracção para que, em caso de não reposição voluntária, procedam às operações materiais necessárias à reposição da situação anterior à infracção». Resta-nos assim concluir, que sendo os atos impugnados da autoria do Senhor Presidente de Câmara atos de mera execução, só passíveis de impugnação contenciosa autónoma na medida em que sejam portadores de vícios próprios ou quando sejam inovatórios, por alterarem, excederem ou modificarem a situação definida pelo ato executado (cfr. arts. 151.º, n.ºs 3 e 4, do CPA e 51.º do CPTA), e não tendo o autor/Recorrente assacado a esses atos vícios próprios, os mesmos são inimpugnáveis. Porque decidiu com base nestas premissas, e neste sentido, a decisão recorrida não enferma do apontado erro de julgamento que lhe vem assacado. ** 4.DECISÃO.Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional e, com a presente fundamentação, manter a decisão recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Notifique. DN. * Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).** Porto, 09 de outubro de 2015Ass.: Helena Ribeiro Ass.: Alexandra Alendouro Ass.: Rogério Martins |