Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00206/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/11/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS;
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO;
CADUCIDADE;
DIREITO DE COMPENSAÇÃO;
Nº 3 DO ART.252º DO REGIME DOS CONTRATOS DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS.
Sumário:1. No âmbito da função pública, a referência feita pelo legislador, no artigo 252º, nº 1, RCTFP, à declaração da entidade empregadora no sentido da não renovação do contrato compreende-se por o contrato a termo certo não estar sujeito a renovação automática e caducar no termo do prazo máximo de duração legalmente previsto, pelo que, no quadro do RCTFP, o direito à compensação por caducidade não está dependente em qualquer caso de declaração ou comunicação da entidade empregadora, sendo a regra a da caducidade do contrato no termo do prazo de forma automática ou (ope lege).

2. Se a razão de ser das normas que estabelecem a compensação têm como objectivo compensar uma situação de menor estabilidade, essa razão de ser sai até reforçada no sector público, porque não há conversão do contrato a termo certo em contrato com termo indeterminado.

3. Na perspectiva do trabalhador, nos casos em que o contrato atinge o limite máximo de duração justifica-se por maioria de razão a compensação, por prolongar a situação de precariedade e insegurança do trabalhador.

4. Tendo a norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, sofrido uma alteração pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, e tendo esta surgido na sequência da Recomendação nº 12/B/2012 do Provedor de Justiça, a apontar para o direito à compensação mesmo quando a caducidade resulta de se ter atingido o prazo máximo estipulado por lei, não vemos razão para não atribuir a esta alteração sentido interpretativo, passando a lei nova a integrar a lei anterior – artigo 13º, n.º1, do Código Civil.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:CMGSG...
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério Público veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, em defesa da legalidade democrática, contra o acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal, de 10.12.2012, lavrado em formação alargada, na acção administrativa especial que CMGSG moveu contra o Ministério da Educação para anulação do despacho de 17.10.2011 do Director do Agrupamento de Escolas IL que lhe indeferiu o pedido de pagamento de uma compensação pela caducidade do contrato celebrado entre a autora e aquele agrupamento e para a condenação da entidade demandada ao pagamento dessa compensação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O direito à compensação previsto no artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas verifica-se sempre que a caducidade do contrato a termo decorra de razões alheias à vontade do trabalhador.

2. A este entendimento não obsta o facto de o contrato celebrado prever a sua não renovação, desde que se conclua que a não renovação – e também a cláusula de não renovação aposta inicialmente – procede de motivos alheios à vontade do trabalhador.

3. Ao decidir em sentido contrário, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 252º, n.º3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e o artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
*

II – Matéria de facto.

A) A Autora celebrou com o Agrupamento de Escolas IL, um «Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Resolutivo Certo» (celebrado nos termos da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, decorrente de procedimento concursal previsto no Decreto-Lei nº 20/2006, de 31 de Janeiro), do qual se destaca o seguinte:

« (..)

a) A Lei nº 58/2008, de 11 de Setembro, aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas (doravante designado por RCTFP), com o âmbito de aplicação nos artigos 2° e 3° da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro;

b) O Trabalhador foi seleccionado conforme o disposto no Decreto-lei n° 20/2006, de 31 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 23 de Fevereiro, na sequência de procedimento concursal levado a efeito nos termos legais, reunindo as qualificações, competências e capacidades julgadas necessárias e suficientes para o desempenho das funções correspondentes ao posto de trabalho a ocupar;

c) As funções a desempenhar não correspondem a necessidades permanentes do serviço, ocorrendo a contratação a termo certo no quadro dos limites fixados pelo artigo 93° do RCTFP;

d) A Entidade Empregadora Pública e o Trabalhador estão no pleno exercício dos seus direitos, agindo livremente e de boa-fé, aceitando reciprocamente colaborar na obtenção de acrescidos níveis de qualidade de serviço e produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador;

É, livremente e de boa-fé celebrado o presente contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos do RCTFP e nas condições constantes das cláusulas seguintes:


Cláusula Primeira

Natureza e duração


1. O presente contrato de trabalho em funções públicas é outorgado a termo resolutivo certo, não estando sujeito a renovação.

2. O contrato tem data de início em 01/09/2010 e cessa em 31 de Agosto de 2011.


Cláusula Segunda

Justificação


I. É aposto termo resolutivo certo ao contrato com fundamento no disposto na alínea h) do n.º1 do artigo 93º do RCTFP, para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do órgão ou serviço.

2. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94° do RCTFP, estabelece-se que o motivo justificativo da outorga do presente contrato a termo certo é Horário não ocupado por professor do quadro.

3. O primeiro Outorgante considera que a referida justificação preenche o requisito legal de admissibilidade da celebração do presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da disposição legal identificada, circunstância que foi determinante para a formação da vontade contratual. Por seu lado, o Segundo Outorgante, reconhece e aceita como essencial tal circunstância, para todos os efeitos legais.

(...)


Cláusula Quinta

Remuneração


1. A remuneração base do Segundo Outorgante é fixada nos termos do disposto no artigo 215º do RCTFP, sendo de mil trezentos e setenta e três euros e treze cêntimos €, correspondendo ao índice 151, proporcional às horas aqui contratadas (...).

2. Sobre a remuneração incidem os descontos legalmente previstos.

4. O trabalhador tem direito ao subsídio de refeição fixado nos termos legais. (…) Cláusula Oitava


Informação

Em complemento do estipulado nas cláusulas anteriores, e em cumprimento do dever de informação previsto nos artigos 67º a 71° do RCTFP, fica consignado que em matéria de duração do trabalho, férias, faltas e licenças se aplica o determinado no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, com a última redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho.


Cláusula Nona

Disposições Finais


I. Nada foi convencionado entre as Partes Outorgantes directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente Contrato, além do que nele está escrito.

2. Tudo o que não estiver expressamente previsto no presente contrato é regido pelo disposto na Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e respectivo regulamento, aprovado pela Lei n° 59/2008, de 1] de Setembro, o ECD e demais legislação específica aplicável”.

B) A Autora em 17/10/2011, requereu à Directora do Agrupamento de Escolas IL, que: «(...) lhe seja abonada a compensação por caducidade a que tenho direito, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 252.° e nº 4 do artigo 253,° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela 59/2008, de II de Setembro» - Ver fls. 7 do processo administrativo.

C) O mencionado Requerimento, foi objecto da seguinte resposta: «Dado que Vossa Excelência não foi colocada em 1 de Setembro de 2010 e tinha 22 horas, e não estando legalmente prevista a possibilidade de renovação de contrato, a caducidade do contrato não decorre da não comunicação da entidade empregadora pública da vontade de o renovar, o que exclui a aplicação da Lei n.º 59/2008, conforme a circular B 11075804B da DGRHE.» - Vide fls. 6 do processo administrativo e 12 dos presentes autos.


*

III - Enquadramento jurídico.

Resulta dos factos provados na decisão recorrida que a autora celebrou, um “Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo Certo”, com o recorrido, ao abrigo da Lei n° 59/2008, de 11.09, para preencher horário não ocupado por professor do quadro e para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do agrupamento, estipulando-se como data de início 01.09.2010 e data de termo 31.08.2011.

Estipulou-se nesse contrato a remuneração base de 1.373,13 euros, correspondente ao índice 151, proporcional às horas contratadas, com os descontos legalmente previstos e direito ao subsídio de refeição fixado nos termos legais.

Estamos, pois, perante um contrato de trabalho em funções públicas a termo certo que caducou por ter chegado ao seu termo, sem ter havido qualquer comunicação à autora por parte do demandado da intenção de o renovar.

O acórdão recorrido concluiu que a caducidade dos contratos, a termo resolutivo, que tenham atingido a sua duração máxima legal e contratualmente prevista e não sejam por isso passíveis de renovação, não confere o direito à compensação prevista no n.º 3 do artigo 252° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela referida Lei n° 59/2008, de 11.09.


O recorrente discorda deste entendimento, defendendo, em síntese que: o direito à compensação previsto no artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas verifica-se sempre que a caducidade do contrato a termo decorra de razões alheias à vontade do trabalhador, o que aqui não sucede; a interpretação deste preceito sufragada pela decisão recorrida viola do disposto no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.

As questões a decidir, ligadas entre si, são, portanto: 1ª saber se face ao disposto no artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas a autora tem ou não direito a uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo, quando esta resulta, como no caso, da lei e não de vontade da entidade empregadora; 2ª saber se a interpretação acolhida no acórdão ora impugnado fere ou não a garantia constitucional da segurança no emprego, consignada no artigo 53º da Lei Fundamental.

Vejamos.

Desde já se adianta que se entende assistir razão ao recorrente, pelas razões apontadas na posição que fez vencimento no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-04-2014, processo nº 01132/13, que aqui se transcreve:

“ (…)

2.1.1. A matriz do regime do contrato de trabalho em funções públicas é o direito laboral, sendo que, no Direito do Trabalho, a compensação pela caducidade do contrato foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, diploma que aprovou, em anexo, o “(...) regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo”, mais conhecido como LCCT.

O nº 1 do art. 46º determinava a caducidade do contrato no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora comunicasse ao trabalhador até oito dias antes de o prazo expirar, a vontade de o não renovar, sendo que a falta de comunicação implicaria a renovação do contrato (nº 2 do mesmo preceito).

Por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito estipulava que “(...) a caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a (...)”.

Para alguma doutrina decorria do preceito o direito à compensação pela mera caducidade do contrato, independentemente da parte que lhe desse origem, salvo nas situações de caducidade decorrente da vontade do trabalhador, uma vez que nessa circunstância deixava de se verificar a razão que justificava a sua atribuição.

Entretanto, o Código do Trabalho (CT) de 2003 veio clarificar a questão no sentido de que a compensação não era devida nas situações em que a caducidade decorresse da vontade do trabalhador, passando o nº 2 do art.º 388º, a dizer que “(…) a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses”.

A norma mencionada mantém-se praticamente inalterada em face das alterações entretanto sofridas pelo CT.

No que se refere à natureza da compensação, segundo a doutrina maioritária, esta é comummente entendida como correspectiva à própria natureza precária do vínculo de emprego e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual. Neste sentido, JÚLIO GOMES (citação do Parecer da PGR nº 79/2004, de 27/4/2006) pondera que a referida compensação “(…) poderá ser pensada como um mero instrumento de política legislativa para encarecer o contrato a termo e, deste modo, desencorajá-lo. Mas parece que se trata de algo mais, variando, como varia, em função da antiguidade: parece que o que se pretende é compensar o trabalhador pela precariedade do contrato a termo”. Do mesmo modo, JOÃO LEAL AMADO (Prontuário de Direito do Trabalho, nº 62, CEJ 2002, p. 115) também afirma tratar-se de um “direito cuja ratio consiste em compensar o trabalhador pela situação de precariedade contratual em que se encontrou, em conceder um «suplemento de tutela» ao trabalhador contratado a termo”, destinando-se ainda a desincentivar a contratação a prazo. No mesmo sentido, LUIS M. MENEZES LEITÃO (citação do Parecer da PGR nº 79/2004, de 27/4/2006) considera que a atribuição pecuniária prevista se trata de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalhador celebrou, através da qual se visa tornar mais onerosa para o empregador a contratação a termo.

A ideia essencial que se firmou foi a de que a compensação assume uma função especial de tutela face a uma situação que a lei quis que fosse excepcional, atenta a precariedade do vínculo, por um lado, e, por outro lado, desincentivar a celebração deste tipo de contratos.

2.1.2. Em relação aos contratos a termo celebrados na Administração Pública e começando pela Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, podia aí ler-se no nº 1 do artigo 2º, que “(…) aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei”.

De entre essas especificidades, constavam justamente as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo, constantes do artigo 10º, no qual se determinava:

«1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática

2 - O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.

3 - A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho”.

Do quadro exposto resulta que não havia qualquer disposição nesta lei sobre a compensação pela caducidade do contrato, discutindo-se se haveria lugar nesta matéria à aplicação do nº 2 do artº 388º do CT, atenta a expressa remissão que para este diploma era feita no nº 1 do artº 2º, acima transcrito.

Acontece que, em primeiro lugar, o referido preceito refere expressamente que o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação é aplicável com as especificidades constantes da Lei nº 23/2004, sendo plausível que entre tais especificidades figurasse a falta de previsão de compensação pela caducidade do contrato. Tanto mais que, o legislador, no art. 10º deste último diploma, ao explicitar o regime especial do contrato a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas, refere que o mesmo “não se converte em caso algum, em contrato por termo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho”, sem mais.

Por conseguinte, parece que o legislador não quis remeter para o Código do Trabalho a aplicação de todo o regime da caducidade do contrato a termo, mas apenas a respeitante ao momento em que a mesma ocorreria, sem qualquer referência à compensação.

Realce-se, aliás, que o mesmo problema já se havia colocado no âmbito da contratação a termo feita pela Administração Pública, admitida ao abrigo do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, que remetia para o Decreto-Lei nº 64-A/89, de 7 de Fevereiro, toda a regulamentação do contrato de trabalho a termo, com excepção das especialidades decorrentes da natureza pública da entidade empregadora.

Por outro lado, a transposição pura e simples do nº 2 do artº 388º do CT depara-se com o problema de o preceito subordinar o direito à compensação quando a caducidade do contrato a termo decorra de declaração da entidade empregadora, o que não acontece no âmbito do regime da função pública como se verá.

A Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, manteve, no essencial, o regime do contrato a termo resolutivo como uma excepção, bem como as regras especiais previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.

Posteriormente, foi aprovado o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), seguindo de muito perto o regime fixado no Código do Trabalho (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), e na sua regulamentação, constante da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, mantendo-se as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.

Uma primeira nota que importa destacar, em relação ao regime anterior da Lei nº 23/2004, é que o legislador do RCTFP incorporou todo do regime do contrato a termo certo seguindo de perto o constante do CT.

Assim, admite-se, por exemplo, que, por acordo das partes, o contrato a termo certo não esteja sujeito a renovação (art. 103º, nº 1), tal como acontece no regime do CT (art. 140º).

Mas mantêm-se as especificidades tradicionais, tais como a proibição de renovação automática (art.104º, nº 2), estabelecendo-se limitações quer às renovações (não podendo ser renovado mais de duas vezes) quer em relação ao período máximo que não pode exceder três anos (art. 104º, nº 3).

Dispõe-se também, em conformidade com a natureza excepcional deste instrumento jurídico, que a renovação do contrato está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração (nº 3 do art. 104º), disposição aliás, similar à do CT (art.140º, nº2).

No que se refere ao regime da caducidade, na versão originária, o art. 252º sob a epígrafe “Caducidade do contrato a termo certo”, dispunha:

“1- O contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora pública ou o trabalhador não comuniquem, por escrito, 30 dias antes do prazo expirar, a vontade de o renovar.

2- Na falta de comunicação pelo trabalhador presume-se a vontade deste renovar o contrato.

3- A Caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses”.

4- Para efeitos da compensação prevista no número anterior a duração do contrato que corresponda a fracção do mês é calculada proporcionalmente.

Ora, é precisamente esta norma, em especial o seu número 3, cujo sentido e alcance importa determinar.

Para uns, a cessação do contrato a termo certo com fundamento na sua caducidade, por se ter atingido o termo do prazo estipulado, dá sempre origem ao pagamento de uma indemnização ao trabalhador, quer se trate do termo do prazo inicial, quer se trate do termo do prazo de uma das suas renovações.

Outros, porém, questionam se o legislador não pretendeu consagrar a compensação apenas nos casos em que o contrato de trabalho a termo certo não seja renovado por falta da comunicação escrita nesse sentido por parte da entidade empregadora pública, ou seja, apenas quando o contrato a termo certo é, ainda, susceptível de renovação, nos termos dos art.º 103º a 105º do RCTFP.

De acordo com esta tese, seguida no Acórdão recorrido, só quando a entidade empregadora pública pudesse, em abstracto, renovar o contrato a termo certo é que haveria lugar a compensação ao trabalhador.

Caso a entidade empregadora pública não pudesse renovar o contrato a termo certo, porque essa renovação lhe estaria vedada por lei, a compensação a que se refere o art.º 252º, n.º 3, do RCTFP já não seria devida. Segundo este modo de ver as coisas, a caducidade dos contratos a termo por decurso do prazo máximo legal ou que não sejam passíveis de (outra) renovação, não confere o direito à compensação prevista no nº 3 do art.252º do RCTFP.

Vejamos.

2.1.2.1. No âmbito do regime estabelecido no CT, uma vez que o contrato só caduca no termo do prazo estipulado desde que haja comunicação expressa da vontade de o fazer cessar quer pelo empregador quer pelo trabalhador, não há lugar a caducidade automática (art. 388º, nº 1). (Neste sentido, cfr., entre outros, JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 2º ed., Wolters kluwer, Coimbra Editora, 2009, p. 108).

Com efeito, como vimos, a caducidade opera normalmente através de uma declaração de caducidade feita pela entidade patronal, cujo conteúdo se traduz numa declaração de não renovação do contrato. Em consonância com este regime, de acordo com o estatuído no nº 2 do art. 388º, do CT, o direito à compensação emerge quando a caducidade do contrato a termo certo decorra de declaração do empregador.

Diferentemente, no âmbito da função pública, a referência feita pelo legislador, no art. 252º, nº 1, RCTFP, à declaração da entidade empregadora no sentido da não renovação do contrato compreende-se por o contrato a termo certo não estar sujeito a renovação automática e caducar no termo do prazo máximo de duração legalmente previsto.

O que significa que, no quadro do RCTFP, o direito à compensação por caducidade não está dependente em qualquer caso de declaração ou comunicação da entidade empregadora, sendo a regra a da caducidade do contrato no termo do prazo de forma automática ou (ope lege).

Neste contexto, não fazendo o legislador depender em caso algum a caducidade do contrato de declaração expressa nesse sentido pela entidade empregadora, não vemos que a tese perfilhada no Acórdão recorrido tenha guarida na letra da lei.

Em qualquer situação, mesmo tratando-se de um contrato cujo termo estipulado seja de seis meses, por exemplo, se a entidade empregadora não comunicar ao trabalhador a vontade de o renovar até trinta dias antes do prazo expirar, o contrato caduca por força da lei e não por interferência de declaração de vontade da entidade empregadora.

Assim sendo, não faz desta forma sentido argumentar, como se extrai do Acórdão recorrido, que, tendo a caducidade no caso dos autos ocorrido por esgotamento do prazo máximo legal e não por falta de comunicação da vontade de renovação da entidade empregadora, a Autora não tem direito à compensação prevista no nº 3 do art. 225º do RCTFP.

Como ficou dito, estando proibida a renovação automática do contrato, a comunicação da entidade empregadora só faz sentido quando se pretenda operar sua renovação, sendo que na falta de tal comunicação o contrato caduca sempre do mesmo modo (automaticamente) quer se trate da primeira quer da última renovação.

O que importa, pois, sublinhar é que em qualquer caso a caducidade ocorre pelo decurso do prazo do contrato, ope lege, e não por efeito da declaração da entidade empregadora.

Mas a tese do Acórdão recorrido também não tem apoio na ratio dos preceitos em causa, uma vez que não vemos motivos quer do lado do trabalhador quer de interesse público que justifiquem o direito à compensação apenas quando se trate do termo do prazo de uma das renovações intermédias do contrato, mas já não quando a caducidade ocorrer no fim da última renovação.

Com efeito, afigura-se inapropriado invocar para fundamentar o direito à compensação no primeiro caso, isto é, quando a caducidade ocorra antes do prazo máximo de duração do contrato a termo, a violação das expectativas jurídicas dos trabalhadores de verem renovado o seu contrato. Este argumento é contrário ao carácter excepcional dos contratos a termo certo que o legislador impõe que sejam celebrados apenas dentro das condições excepcionais previstas na lei, o que significa que não há qualquer expectativa de renovação do contrato digna de tutela jurídica.

O mesmo se diga, atendendo à razão de ser da compensação.

Considerando que a situação de precariedade que emerge do contrato a termo é, no essencial, idêntica, seja ele celebrado com uma pessoa colectiva pública, seja ele outorgado com um empregador privado (cfr. o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nº 79/2004, de 27/4/2006), a verdade é que esta situação de precariedade merece mais tutela no âmbito da função pública, uma vez que, ao contrário do sector privado, o contrato a termo certo nunca se converte em contrato sem termo.

Por conseguinte, se a razão de ser das normas que estabelecem a compensação têm como objectivo compensar uma situação de menor estabilidade, essa razão de ser sai até reforçada no sector público, porque não há conversão do contrato a termo certo em contrato com termo indeterminado.

Por outro lado, na perspectiva do trabalhador, nos casos em que o contrato atinge o limite máximo de duração justifica-se por maioria de razão a compensação, por prolongar a situação de precariedade e insegurança do trabalhador.

Finalmente, acresce que, desonerar nestes casos a entidade empregadora pública não contribui para desencorajar a celebração destes contratos, indo contra o pretendido pelo legislador ao configurá-los como excepcionais.

Resta ainda realçar que, de qualquer modo, se dúvidas existissem sobre a tese perfilhada, as mesmas devem considerar-se ultrapassadas neste momento.

Como se pode ler no Acórdão que acolheu esta revista, após a Recomendação nº 12/B/2012 do Provedor de Justiça, o artigo 252.º, n.º 3, RCTFP, sofreu alteração imposta pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, tendo passado a dispor:

«3 - A caducidade do contrato a termo certo confere ao trabalhador o direito a uma compensação, exceto quando aquela decorra da vontade do trabalhador».

Decorre do mencionado preceito que, salvo os casos em que a caducidade decorra da vontade do trabalhador, esta norma vem consagrar de forma inequívoca o direito à compensação em qualquer situação de caducidade do contrato de trabalho a termo certo.

Em face do atrás exposto, mesmo admitindo que o sentido e alcance da lei antiga não fosse evidente, a verdade é que podemos dizer que a solução acolhida pela lei posterior se limitou ainda assim a clarificar uma solução que corresponde no fundo ao que já se podia extrair quer do texto quer da ratio do preceito anterior.

Além do mais, a solução expressamente consagrada vem também ao encontro do sentido interpretativo que já se impunha por corresponder a razões de justiça e de combate à precariedade do emprego.

Deste modo, a situação da Autora é subsumível à compensação prevista no citado n° 3 do artº 252° do RCTFP, nos termos fixados pela primeira instância.

(…)”

E extrai-se da Recomendação nº 12/B/2012 do Provedor de Justiça (tal como, em termos idênticos constava já da sua Recomendação nº 8/A/2011):

“(…)

Ora, nem as exigências de interesse público nem a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública colidem com o regime legal da compensação pela caducidade do contrato consagrado no CT e à data aplicável à Administração Pública, nos termos da Lei nº 23/2004.

Aliás, dir-se-á que bem pelo contrário: são essas mesmas exigências de interesse público que concorrem para fundamentar o direito à compensação existente, na medida em que tal direito visa igualmente «... em conjugação com outros aspectos de regime do contrato a termo certo, garantir a harmonização da situação precária de trabalho emergente com o princípio da estabilidade e segurança do emprego plasmado no art.º 53º da Constituição», como bem assinalou a Procuradoria-Geral da República no Parecer n.º 23/97 (7).

O que as exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública ditaram, isso sim foi a impossibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado. Daí resulta a necessidade de adaptar a essa circunstância as regras de renovação e de caducidade do contrato, previstas no CT.

(…)

Pelo que o disposto no nº 3 do artigo 252º do RCTFP mais não é do que uma transposição mutatis mutandis do que estava prescrito no nº 2 do artigo 388º do CT (2003). Ou seja, para que os efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato não deixassem de ser iguais – e os mesmos que à data já vigoravam na Administração Pública - houve que reformular os termos da respetiva previsão normativa de forma a tornar exequível a sua estatuição.

E assim, onde o Código do Trabalho - por prever a renovação automática dos contratos (e subsequente conversão, ultrapassados os limites legais) - dispôs que «... a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação (...)», o RCTFP determinou que ... a caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação (...)» (8). Deste modo, reformulando o preceito do CT em termos correspondentes, o RCTFP compatibilizou-o com o seu específico regime de caducidade, decorrente da inexistência de renovação automática e de conversão contratual.

13 – Resulta deste percurso hermenêutico que a interpretação que faço do nº 3 do artigo 252º do RCTFP não só respeita o princípio vertido no nº 2 do artigo 9º do Código Civil como é a única que traduz o pensamento legislativo. Na verdade, no caso em apreço, aquele pensamento encontra na letra da lei bem mais que um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Defendo pois que, à semelhança do regime laboral comum, sempre que a caducidade do contrato não decorra da sua vontade, o trabalhador tem direito à respetiva compensação. Pelo que, numa interpretação correta, a previsão do nº 3 do artigo 252º só pode ser lida no sentido de que a verificação do requisito da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de renovar o contrato se afere formalmente. Ou seja, não havendo a comunicação que a lei refere, o trabalhador terá direito à compensação pela caducidade do respetivo contrato, independentemente da causa que motiva o silêncio do empregador.

(…)

Note-se que, no fundo, é o que se passa em todos os casos em que a renovação do contrato ainda seria permitida mas já não se verifiquem, no momento da renovação, as exigências materiais que ditaram a sua celebração. Seja por não se ter esgotado a sua duração máxima ou atingido o limite de renovações permitido.

A aceitar-se a interpretação veiculada pela Administração (o que não se concede), teríamos de concluir que também nestes casos, como a caducidade do contrato decorre de imperativo legal, estaria excluído o direito à compensação. Isto porque, determinando o nº 3 do artigo 104º do RCTFP que a renovação do contrato – sob pena de nulidade - está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, sempre se poderia afirmar que na inexistência deste requisito a caducidade do contrato opera forçosamente, independentemente da vontade do empregador.

14 - Refira-se ainda que o entendimento perfilhado pela Administração é questionável face ao determinado pelo Direito Comunitário, nomeadamente no que respeita às disposições contidas na Diretiva 1999/70/CE, do Conselho e no acordo-quadro anexo, relativos ao contrato de trabalho a termo.

A Diretiva referida «... tem como objectivo a aplicação do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrada a 18 de Março de 1999 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)» (artigo 1º). Encontra-se igualmente vocacionada para a aplicação junto do sector público, como tem evidenciado a jurisprudência do TJUE (9). A jurisprudência deste Tribunal internacional tem esclarecido que «... o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância na proteção dos trabalhadores». (10) Além do mais, «... o acordo-quadro destina-se a enquadrar o recurso sucessivo a esta última categoria de relações de trabalho, considerada fonte potencial de abusos em prejuízo dos trabalhadores dependentes» (11).

(…)

Abusos que se manifestam, além da precariedade da situação laboral pelo prazo da sua duração em si mesmo considerado, na progressão de carreira (não existe progressão em situações de contrato a termo) e na prática, as mais das vezes, de salários mais reduzidos do que os que são pagos aos trabalhadores efetivos.

Em síntese, o facto de as partes terem conhecimento da necessária caducidade do contrato a termo, não promove o afastamento da incerteza quanto à sua situação no mercado laboral. Contrariamente à tese ora defendida por alguns serviços da Administração e em alguns sectores da doutrina juslaboral.

O trabalhador cujo contrato de trabalho a termo caducou tem, na verdade, uma única certeza: está desempregado. Por isso, desconhece quando e como poderá ser novamente integrado no mercado de trabalho. Trata-se de uma incerteza que se manifesta independentemente da certeza quanto ao termo/caducidade do contrato de trabalho. É esta incerteza que quer o Código do Trabalho quer o RCTFP expõem e não aquela que alguma doutrina tem vindo a referir. Para estes últimos, «... quando inexista qualquer incerteza na relação juslaboral porque as próprias partes assim o estipularam, não é devida qualquer compensação ao trabalhador». (12) Esta perspectiva mostra-se contrária à necessidade de proteção dos trabalhadores, tal como se extrai quer da legislação nacional quer da legislação comunitária, máxime através da Diretiva 1999/70/CE, do Conselho. Pelo que, nessa medida, a compensação mostra-se como necessária para acautelar os direitos e interesses do trabalhador a termo.

Numa economia de pleno emprego, esta assunção poderia manifestar-se como irrelevante uma vez que os mecanismos de oferta e procura se equilibrariam. No entanto, não é essa a realidade atual. E, manifestamente, tanto o Direito nacional como o Direito europeu têm demonstrado uma maior preocupação com a situação de desemprego em que o trabalhador é colocado quando termina a relação laboral a prazo.

(…)

Neste mesmo sentido se tem vindo a pronunciar a jurisprudência nacional, a propósito dos contratos de trabalho docente a termo resolutivo, como se confirma através, entre outras, das decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (4ª UO, Proc. n.º 39/11.0BELSB, de 30.03.2011 e Proc. n.º 544/11.9BELSB, de 27.01.2012), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (Proc. n.º 684//10.1BECTB, de 29.06.2011), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (UO1, Proc. n.º 219/11.9BEBRG), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (UO1, Proc. n.º 180/11.0BEALM), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Proc. n.º 1928/10.5BESNT, de 23.11.2011).

(…)”


A interpretação defendida pelo ora recorrente, com apoio na jurisprudência e nas recomendações acima transcritas são as que melhor se coadunam com a garantia constitucional da segurança no emprego, consignada no artigo 53º da Lei Fundamental.

E a mais consentânea com a legislação comunitária acima citada.

Tendo a norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, sofrido uma alteração pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, e tendo esta surgido na sequência da Recomendação nº 12/B/2012 do Provedor de Justiça, a apontar para o direito à compensação mesmo quando a caducidade resulta de se ter atingido o prazo máximo estipulado por lei, não vemos razão para não atribuir a esta alteração sentido interpretativo, passando a lei nova a integrar a lei anterior – artigo 13º, n.º1, do Código Civil.

Isto porque a Recomendação tinha em vista, como é óbvio, situações pendentes, anteriores à entrada em vigor do novo diploma, embora sem perder de vista a possibilidade de surgirem casos futuros.

Procede, pois, o recurso, devendo ser revogado o acórdão recorrido e, em consequência, julgada a acção totalmente procedente.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que:

1. Revogam o acórdão recorrido.

2. Julgam a acção totalmente procedente, e, em consequência:

2.1. Anulam o acto impugnado.

2.2. Condenam a entidade demandada a pagar à autora as quantias peticionadas.

Custas pela entidade recorrida em ambas as instâncias.


*

Porto, 11.02.2015
Rogério Martins
Esperança Mealha
Hélder Vieira, em substituição e com voto vencido que segue:

- Sobre leis interpretativas, a propósito da aplicação das leis no tempo a que se refere o artigo 13º do CC, esclarece Batista machado — in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1982, p. 247:

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

Em acórdão deste TCAN, de 28-04-2014, recurso nº 157/12.8BEVIS, de que fui relator, foi acolhido entendimento do qual resulta que a alteração da norma ínsita no nº 3 do artigo 252º do RCTFP não tem carácter interpretativo, mas antes inovador, pois interpretar a versão antiga adoptando a solução que a lei nova veio consagrar só é possível com atropelo directo e violento do disposto no nº 2 do artigo 9º do CC, por carecer de um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei.

Como se sabe, os elementos estruturais das normas legais são, em regra, a previsão e a respectiva estatuição.

Vejamos o segmento correspondente à previsão da norma ínsita no nº 3 do referido artº 252º, tendo presentes as normas sobre a interpretação da lei vertidas no artº 9º do Código Civil:

“A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar”.

Para que um concreto caso seja subsumível a tal previsão, é pressuposto:

1. A existência de um contrato, válido, a termo certo;

2. Que esse contrato seja renovável, ou seja, cuja renovabilidade seja legalmente admissível;

3. Que, sendo o contrato renovável, não haja sido comunicado, por escrito, 30 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o renovar;

O cerne da questão situa-se em torno da renovabilidade que não da caducidade do contrato.

Se é certo, por um lado, que a caducidade do contrato ocorre por decurso ou no termo do prazo estipulado, por outro lado também é verdade que a caducidade pode não ocorrer.

E a caducidade do contrato não ocorre nas situações em que é renovado — aí, é a renovação do contrato que impede a sua caducidade.

Acresce que o contrato só pode ser renovado se tal for legalmente admissível — sem o que não faria sentido lógico e jus-semântico o verbo renovar na expressão «vontade de o renovar», atendendo aos princípios que regem a actuação da Administração Pública, de que se salientam o da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa fé Cfr. artºs 3º, 4º e 6º-A do CPA.

Não sendo legalmente admissível a renovação, o contrato caduca no seu termo, o que significa que finda ex lege que não ex voluntate.

Assim, aquele nº 3 do artigo 252° era transparente no sentido de que situações como a dos autos não beneficiavam da compensação.

A ratio da compensação deve ainda ter em conta o regime que se descortina subjacente à contratação a termo resolutivo.

A eventual precariedade resultante, para o trabalhador, da celebração de um contrato a termo resolutivo é apreensível a priori para um cidadão ou trabalhador médio, aquando da sua celebração.

O único factor de imponderabilidade relevante para o trabalhador decorre da possibilidade de renovação ou não renovação do contrato, que apenas depende da entidade pública empregadora no caso de ser legalmente admissível a renovação.

Daí, a nosso ver, a diferenciação que o legislador entendeu plasmar na lei na versão originária.

Sendo admissível a renovação do contrato, esta apresenta-se como uma legítima expectativa de prolongamento da situação de emprego que, a gorar-se, confere o direito a uma compensação, pois o trabalhador que havia organizado a sua vida em seu torno viu-se dela privado.

O que já não ocorre quando é alcançado o termo do contrato em situação de impossibilidade legal de renovação, facto que é consabido a priori (aquando da celebração ou da última renovação do contrato legalmente admissível) e implicitamente aceite pelo trabalhador que, assim, não se vê perante uma decisão de termo do seu contrato de forma inopinada, como acontece na anterior situação de não renovação em que a mesma ainda era admissível.

Com a devida vénia, retoma-se aqui uma parte dos fundamentos do voto de vencido do Exmº Juiz Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos, no referido acórdão do STA, de 03-04-2014, proc. nº 01132/13:

“A compensação compensa o quê? Não o desemprego (que se segue à caducidade do contrato), pois a protecção aos desempregados faz-se através do regime geral previsto para o efeito. Também não é exacto que a compensação corresponda à «situação de menor estabilidade» trazida pelo contrato a termo. É que essa «situação» persiste ao longo da vida do contrato e, se devesse ser compensada, sê-lo-ia então ao longo da vigência dele.

Assim, o que ali se compensa é a consumação do risco de instabilidade inerente ao contrato a termo – a qual só se verifica com o fim do contrato. Portanto, ao prever uma compensação pagável ao trabalhador, a lei onera, não a própria contratação a termo, mas a cessação dela. E, com essa oneração, a lei visa instar a entidade patronal a substituir o contrato a termo pela contratação sem prazo.

Neste sentido, e como a posição vencedora disse, a compensação é um instrumento de combate à precariedade do emprego. Mas, se o é, conclui-se que ela foi prevista por razões de oportunidade; e não de justiça «stricto sensu», pois esta cinge-se ao cumprimento das obrigações pactuadas.

Ora, se a compensação visa incentivar o trânsito dos contratos a termo para a contratação sem prazo, a redacção inicial do art. 252°, n.° 3, do RCTFP podia razoavelmente afastá-la – sem com isso incorrer em qualquer inconstitucionalidade – sempre que tal trânsito fosse legalmente impossível; e era isso que sucedia «in casu».

Porque posteriormente achou que essa solução legal não era a preferível, o legislador alterou-a (através da Lei n.° 66/2012, de 31/12), fazendo-o em benefício do trabalhador despedido e para repetir, na esfera pública, o que acontece no Direito do Trabalho. Mas esta alteração não é – como supõe a posição vencedora – meramente interpretativa. Trata-se, antes, de uma redacção inovadora na sua letra e no seu espírito e, por isso mesmo, só aplicável para o futuro (art. 12° do Código Civil) – deixando indemnes as situações pretéritas, como a que está presentemente «sub specie».”.

Em qualquer caso, estamos perante opções do legislador, não sendo, no caso, admissível ao intérprete uma interpretação ab-rogante, que sacrifica parte da norma, pois não se concluiu pela existência de contradição insanável de que não resultasse nenhuma regra útil.

Pelo contrário, a norma em causa apresenta-se à interpretação com meridiana clareza e transparência, sem permitir sacrificar parte da norma ou ignorá-la em atropelo, aliás, do disposto no nº 2 do artigo 9º do CC.

A descortinar-se essa necessidade de sacrifício, não se vislumbra que tal se impusesse por razões de lógica, ou seja, por impossibilidade prática da solução normativa; e também não se mostra necessária por razões de ordem valorativa, ou seja, porque se haja alcançado valorações subjacentes às disposições em causa incompatíveis entre si.

Ademais, se tal norma se apresentasse contrária ou em violação da legalidade, de normas ou princípios constitucionais, então a solução passaria, não por uma interpretação ab-rogante com sacrifício de parte da norma, mas antes pela declaração da respectiva ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Assim, exceptuando casos contados, como, v.g., o previsto no artigo 10º do CC em sede de integração de lacunas, os tribunais, sob pena de desrespeito pelo princípio constitucional da separação e interdependência de poderes — artigo 111º da CRP —, não pode substituir-se ao próprio legislador.

E este é o ponto fulcral em que assentam as supra exaradas razões da discordância com o julgado em vencimento.