Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00395/10.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/26/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:CONTRATO DE AVENÇA.
Sumário:I) – Se o contrato celebrado, de avença, não cobre as pretensões que a recorrente tinha na perspectiva de diferente qualificação, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao ter como improcedente a acção e absolver os réus do pedido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CJGMC
Recorrido 1:Direcção Regional de Educação do Norte
Recorrido 2:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
CJGMC (R. … Vila Nova de Gaia), interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa comum ordinária intentada no TAF do Porto contra Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) (R. … Porto) e Estado Português, julgada improcedente.
A recorrente conclui:

1) A Recorrente não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que declarou improcedentes todos os pedidos.

2) Pretende-se com este a alteração da decisão respeitante à matéria de facto dada como não provada e, consequente, outra solução jurídica que não a invocada pelo Tribunal a quo.

3) Por outro lado, pugna ainda a Recorrente pela aplicação de uma outra solução jurídica ao caso sub Júdice, considerando a matéria factual tal como foi respondida pelo Tribunal a quo.

Quanto à matéria de facto:

4) Entendeu o Tribunal a quo Quesito 1º da BI: “À A. foi atribuída a categoria profissional de Engenheira Civil de 2ª Classe”;

5) Quesito 8º da BI: “Durante os 13 anos de relação profissional com a 1ª R., a A. cumpriu um horário de trabalho que lhe fora determinado por superiores hierárquicos (…)”

6) Quesito 13º: “A A. tinha que justificar as suas ausências ao trabalho perante a 1ª R.”;

7) Quesito 15º: “A A. estava sujeita (…) à alçada disciplinar da 1ª R.”

8) Quesito 18º: “Sendo a 1ª R. a única entidade à qual a A. passou recibos entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 2009”.

9) Cabe referir que tais factos que aqui se consideram não provados, consistem em respostas resposta parcialmente positivas que o tribunal a quo deu aos referidos quesitos. Relevamos por isso apenas nesta parte, a matéria que em cada um dos factos o Tribunal a quo considerou não provada.

10) Quanto ao quesito 1º da Base Instrutória, muito embora se conceda que este mesmo quesito acaba por ficar provado pela resposta afirmativa dada pelo Tribunal ao quesito 2º, no âmbito do qual se provou que a A. “prestada um trabalho igual àquele que era e é desempenhado pelos colegas engenheiros que fazem parte dos quadros da DREN” (facto provado sob o n.º 30, vide Sentença), a verdade é que em sede da proferida Sentença, acabou o Tribunal – erroneamente – por dar algum enfase a este mesmo quesito 1º.

11) Relevou portanto o Tribunal que pese embora estas fossem as funções da Recorrente ao serviço da 1ª Recorrida DREN, não resultaria provado que foi atribuído à Recorrente a categoria de Engenheira de 2ª Classe.

12) Do depoimento da testemunha Eng.º LF, que foi chefia da Recorrente durante diversos anos na 1ª R. e Recorrida DREN, resultou que quando a A. foi integrada naquele serviço, o trabalho e as funções que lhe foram atribuídas foram, efetivamente, de Eng.ª de 2ª Classe (passagem do depoimento da testemunha Engª LF, do minuto 00:40:00 a 00:58:00).

13) Pelo depoimento de uma das chefias da Recorrente, demonstrou-se que esta só não tinha formalmente este título por via do vínculo precário e irregular (tal como a testemunha se referiu) pois que, na verdade, esta era efetivamente a função que lhe tinha sido atribuída pela 1ª Recorrida DREN.

14) Devendo por isso considerar-se integralmente provado tal quesito.

15) Quanto aos quesitos 8º e 15º, no âmbito do quesito 8º e mercê da resposta restritiva que deu, não considerou o Tribunal a quo que o horário de trabalho que a Recorrente cumpriu na Recorrida DREN lhe tenha sido determinado por esta.

16) Isto, note-se, muito embora admita na resposta que deu a esse mesmo quesito, que a Recorrente cumpria o mesmo horário que os colegas engenheiros que tinham um vinculo de emprego público com a Recorrida DREN. (facto provado 36 da Sentença).

17) Muito embora se entenda que a resposta à matéria de facto já é, por si só, por demais elucidativa quanto à determinação do horário, mais uma vez em sede de motivação da Sentença veio o Tribunal a quo relevar a inexistência dessa determinação superior para o cumprimento do horário por parte da Recorrida.

18) Por outro lado e quanto ao quesito 15º, respondeu o Tribunal a quo como não provado na parte em que se perguntava se a Recorrida estava sujeita à alçada disciplinar da Recorrida DREN, optando por considerar apenas provado que a Recorrente estava sujeita “à disciplina de funcionamento da DREN” (facto provado 42 da Sentença).

19) É inevitável considerar que um trabalhador que cumpre um horário fá-lo por imposição da entidade contratante – pois, se assim não fosse, não se falava sequer em cumprimento – por outro lado, da prova produzida em julgamento demonstrou-se que o horário respeitado pela Recorrente foi efetivamente determinado pela Recorrida DREN.

20) Algo que resultou provado dos depoimentos produzidos em audiência e julgamento (passagem do depoimento da testemunha Eng.º JM gravado entre o minuto 12:19 e 15:30); (passagem do depoimento daa testemunha Eng.º LF, do minuto 01:04:00 a 01:09:00) e (depoimento da testemunha MJM, do minuto 01:14:00 a 01:17:00 e ao minuto 01:21:00).

21) Considerando os depoimentos destas testemunhas – todas elas chefias da Recorrente quando esta trabalhava na Recorrida DREN – verifica-se que mal andou o Tribunal a quo ao dar respostas restritivas aos quesitos em causa.

22) Na verdade, mesmo conjugando a matéria destes quesitos com outros que foram considerados provados – nomeadamente os factos provados nos pontos 30, 37 e 46 – no âmbito dos quais se demonstrou a total situação de paridade de sujeição e subordinação da Recorrente às chefias da Recorrida DREN, deveria o Tribunal a quo concluir por dar como integralmente provados os quesitos 8º e 15º da BI.

23) Quanto ao quesito 13º, não deu o Tribunal a quo como provado que a Recorrente tinha que justificar à Recorrida DREN as suas ausências ao trabalho.

24) Considerou todavia provado o mesmo Tribunal, relativamente a este mesmo quesito, que a Recorrente “tinha que registar as suas saídas externas perante a DREN”. (facto provado sob o n.º 40 da Sentença).

25) A resposta positiva a parte deste quesito, crê-se, não pode ser dissociada da resposta no mesmo sentido à totalidade do mesmo quesito. Isto é, se entendeu o tribunal – e bem – que se provou que qualquer saída da Recorrente das instalações da Recorrida DREN tinha que ser registada, obviamente que daí decorre que as saídas que não o fossem passavam a carecer de justificação.

26) Se assim se demonstrou, então por maioria de razão tinha a Recorrente que justificar as quando – algo que nunca aconteceu – faltasse efetivamente ao serviço.

27) E foi isso mesmo que resultou da prova testemunhal produzida em audiência e julgamento (passagem depoimento da testemunha MJM ao minuto 01:25:00 a 01:28:00, gravado em CD constante dos autos); (passagem do depoimento da testemunha JCR ao minuto 00:33:00 a 00:35:00, gravado em CD constante dos autos).

28) Por conseguinte, conjugados estes depoimentos com os documentos 32 a 34 anexos à PI, dever considerar-se provado o quesito 13º da sua totalidade.

29) Quanto ao quesito 18º, perguntava-se se foi a 1ª R. a única entidade à qual a A. passou recibos entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 2009.

30) A tal matéria não deu o Tribunal a quo como provado que, nesse período de tempo, foi apenas e só à Recorrida DREN que a Recorrente emitiu recibos.

31) Na verdade, tal resposta restritiva do Tribunal – que depois foi realçada na motivação da Sentença proferida – não teve em menor consideração os documentos juntos aos autos com a petição inicial, isto é, a cópia de todos os recibos que a Recorrente emitiu à R. nesse período de tempo, ou seja, enquanto trabalhou para a mesma Recorrida DREN.

32) Tivesse o Tribunal a quo analisado devida e criteriosamente os recibos que constam como documentos 35 a 122 da Petição Inicial e, concluiria que tais recibos são todos eles sequenciais. Tal facto é demonstrativo de que só à Recorrida DREN é que a Recorrente emitiu recibos no tempo em que para aquela trabalhou.

33) Deverá pois considerar-se provado o quesito 18º da BI.

De Direito

34) Quanto à existência de uma relação de trabalho subordinado da Recorrente à Recorrida DREN, analisando a relação do trabalho prestado pela Recorrente à Recorrida entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 2009, em face da matéria que considerou provada e não provada, veio o Tribunal a quo a concluir, antes de mais, que não estávamos perante um contrato de trabalho administrativo ou, uma relação jurídica de emprego público.

35) Nesta errática ponderação, ignorou o Tribunal a quo, antes de mais, aos indícios que deve obrigatoriamente atender para se concluir se estamos perante um contrato de prestação de serviços ou perante um contrato de trabalho, seja ele do foro privado ou do setor público e administrativo. - Ac. STJ, 16.01.2008, n.º convencional JSTJ000, em dgsi.pt; Ac. STJ de 21.01.2009, processo 08S2270, em dgsi.pt; Ac. RP de 20.05.2013, processo n.º 142/11.7TTPRT.P1, em dgsi.pt e ainda Ac. RP de 11.112013, processo 184/12.5TTVCT.P1, em dgsi.pt.

36) A jurisprudência, bem como a doutrina, aponta então (de forma verdadeiramente unitária) que para a distinção entre um contrato de prestação de serviços e um contrato de trabalho, releva apurar se existe – pelos elementos indiciários apurados factualmente – uma subordinação do prestador do serviço à entidade contratante.

37) No caso vertente, mais do que esses elementos indiciários, entre a matéria considerada provada na Sentença proferida, consta os factos provados sob os números 20, 21, 22, 23, 24, 30, 31, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44.

38) Ainda que improceda a impugnação à decisão sobre a matéria de facto patente na presente apelação, a verdade é que os factos considerados provados pelo Tribunal a quo são manifestamente suficientes para concluir que a Recorrente não prestou serviço à Recorrida DREN, antes tendo prestado trabalho no âmbito de um vínculo que deverá necessariamente reconhecido como contrato de trabalho publico administrativo.

39) Por conseguinte, não poderia o Tribunal a quo deixar de concluir que estamos efetivamente perante um contrato de trabalho e não, como erradamente concluiu na Sentença, que estamos perante um contrato de prestação de serviços que perdurou por 16 anos, ininterruptamente.

40) O trabalho e a integração da Recorrente ao serviço da Recorrida DREN, em nada se distinguia do trabalho prestado pelos seus colegas igualmente engenheiros, que possuíam um vínculo de contrato de trabalho administrativo com aquela entidade.

41) Ao longo dos 16 anos de vínculo, nunca a Recorrida DREN exigiu da Recorrente qualquer resultado, mas sim o desempenho de um trabalho contínuo, sob as suas ordens e direções.

42) Ao contrário da Sentença proferida, entre a Recorrente e a Recorrida DREN existiu um contrato de trabalho, administrativo, nos mesmos termos dos demais colegas engenheiros da Recorrente que trabalhavam na Recorrida DREN,

43) O que deve ser reconhecido por este Tribunal.

Por outro lado,

44) Procedendo, como se espera, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos moldes alegados na presente apelação, acrescem de forma ainda mais evidente os factos conducentes à conclusão de que entre a Recorrente e a Recorrida DREN existiu, efetivamente, um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços.

45) Ademais, dão-se aqui por reproduzidas todas as considerações aludidas no anterior capítulo, porquanto as mesmas, por maioria de razão, sendo aplicáveis à decisão da matéria probatória definida na Sentença proferida, também o são no caso de proceder a impugnação sobre a decisão sobre a matéria de facto.

46) Reconhecido que deverá ser a existência de um contrato de trabalho entre a Recorrida DREN e a Recorrente, há que efetuar encontrar a solução de direito para o respectivo enquadramento e as consequências jurídicas da sua cessação contra a vontade da Recorrente.

47) Considerou então o Tribunal a quo que o contrato de trabalho existente entre a Recorrida DREN e a Recorrente é nulo por não preenchimento dos pressupostos previstos no art.º 18º, n.º 2 do DL 427/89, de 7 de Dezembro e; por outro lado, tal contrato de trabalho nunca se poderia considerar como contrato sem termo, por tal estar proibido pelo art.º 18º, n.º 4 do DL 427/89. de 7 de Dezembro (proibição essa mantida pela Lei n.º 23/2004 de 22 de Junho – art.º 10º, n.º 2 – e, depois, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, no seu art.º 92º, n.º 2.

48) Conclui assim o Tribunal que, mesmo na presença de um contrato de trabalho entre Recorrente e a Recorrida DREN, a consequência jurídica (única, dizemos nós), seria a de fazer incorrer o seu responsável em responsabilidade civil, financeira e disciplinar (art.ºs 10º, n.º 6 do DL n.º 184/89, regime que se manteve no art.º 36º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro).

49) Caso se entenda – como entendeu o Tribunal a quo – que o contrato de trabalho subordinado que existiu entre Recorrente e Recorrida DREN é nulo, sendo tal nulidade de conhecimento oficioso, então há que aplicar ao caso concreto as consequências dessa mesma nulidade.

50) Neste sentido, tais consequências estão desde logo previstas no artigo 289º do Código Civil.

51) No caso dos autos, caso se entenda que o contrato de trabalho subordinado que perdurou por 16 anos é efetivamente nulo, o efeito desse nulidade conduz ao pagamento à Recorrente da compensação do trabalho que foi prestado em condições iguais às dos seus colegas da Recorrida DREN, relativamente aos quais a prestação de trabalho da Recorrente foi exactamente igual, como resultou provado.

52) É esta a consequência a retirar da nulidade do contrato de trabalho, o que é sublinhado pela jurisprudência e pela doutrina: Ac. STJ de 22.03.2007, processo 07S364, em dgsi.pt; tal orientação representa aliás a corrente doutrinária dominante da qual pontifica Carlos Alberto da Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada pág. 616 e 617”.

53) Porquanto, no caso vertente não é possível a restituição de tudo o que foi prestado por casa uma das partes no âmbito do contrato. A prestação de trabalho por parte da Recorrente já foi integralmente prestada.

54) Se, nesta perspetiva, a Recorrente tivesse efetivamente recebido aquilo que deveria ter recebido na contraprestação desse trabalho, então, admite-se, nada mais haveria a prestar por qualquer uma das partes. Contudo,

55) Tal não se passa desta forma, porquanto, a Recorrente, pelo trabalho prestado, não recebeu as prestações a que tinha direito na sua integralidade.

56) Isto é, a Recorrente não recebeu a evolução salarial que auferiram os seus colegas em iguais condições às suas, pelo trabalho prestado à Recorrida DREN; não recebeu os devidos subsídios de férias e de Natal, bem como não recebeu a competente indemnização que a qualquer um dos trabalhadores teria direito no caso de uma cessação ilícita do contrato de trabalho público.

57) Dispõe o art. 59º nº1 al. a) da Constituição da República Portuguesa, que todos os trabalhadores têm direito a um salário igual perante um trabalho igual e, de acordo com a al. d) do mesmo preceito, todos os trabalhadores têm direito a férias pagas.

58) A A prestou trabalho igual ao das suas colegas, com vínculo de funcionários públicos, não tendo recebido, todavia, as mesmas remunerações.

59) Por conseguinte, não se podendo restituir – por verificação da aludida nulidade do contrato – tudo o que já foi prestado, há que fazer repercutir ao momento da execução do contrato os efeitos retroativos dessa nulidade, compensando assim a Recorrente

60) Por conseguinte, devem as Recorridas ser condenadas a pagar à Recorrente:

a. € 17.288,75, respeitante à diferença entre o vencimento auferido pela Recorrente e aquele a que legitimamente teria direito por força dos aumentos do salário que lhe corresponderia enquanto agente administrativa com contrato de trabalho, atendendo ao critério previsto no Regime das Carreiras do DL 404-A/98 de 18 de Dezembro;

b. € 40.948,32 dos respectivos subsídios de férias e de Natal no âmbito do contrato de trabalho administrativo que na verdade vigorou em lugar da chamada prestação de serviços ou, em via subsidiária, na quantia de € 37.721,35 a título de subsídios de férias e de Natal de acordo com o vencimento que auferiu efetivamente ao serviço da Recorrida DREN;

c. € 31.751,26 a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho que se considerou nulo, calculada a 45 dias por ano ou fracção de antiguidade de acordo com o último vencimento da Recorrente

61) Sendo que as diferenças salariais entre os montantes auferidos mensalmente pela Recorrente ao serviço da Recorrida e os vencimentos auferidos pelos seus colegas engenheiros comparativamente com os quais a Recorrente prestou o mesmo trabalho, ficaram provadas nos autos no ponto 25 dos factos provados descritos na Sentença.

Por outro lado,

62) Verificando-se a existência de um contrato de trabalho subordinado, está o Tribunal a quo a ir de encontro à posição da Recorrida DREN nos próprios autos, na parte em que a mesma defendeu que mesmo estando perante tal vínculo, nunca o mesmo poderia ser convertido em contrato de trabalho sem termo por proibição prevista no art. 10 nº2 da Lei 23/2004, de 22 de Junho.

63) Ora, ao concluir nesta perspectiva, dúvidas não restam que no caso vertente a Administração Pública contratou em sentido diverso daquele que o Estado, na pessoa do legislador, o previa.

64) E ao fim de 13 anos de contrato, vem a mesma Administração Pública invocar e beneficiar da nulidade do mesmo contrato, por si promovido, ao abrigo de uma lei criada pelo próprio Estado, do qual faz parte.

65) Tal postura é gravemente ofensiva da boa-fé, configurando abuso de direito nos termos do art. 334º do Código Civil, na modalidade de “venire contra factum proprium”, tal como oportunamente invocado pela Recorrente em sede de Réplica.

66) A Recorrida DREN sabia que estava a recorrer a uma forma de contratação ilegal.

67) Estamos perante um exercício ilegítimo de um direito, uma vez que o titular excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.

68) “Não é necessário que o agente tenha consciência de o seu procedimento ser abusivo, basta que o seja na realidade. Exige-se no entanto um abuso manifesto, isto é, que o sujeito ultrapasse de forma evidente os limites referidos neste artigo. O abuso de direito equivale à falta de direito, gerando as mesmas consequências jurídicas que se produzam quando uma pessoa pratica um ato que não tem o direito de realizar.” (Galvão Telles, Obrigações, 3º Vol. Ed. 6).

69) Daí que “A nulidade ou anulação do negócio podem ser acompanhadas do dever de indemnizar por parte de um dos intervenientes do negócio jurídico” (Castro Mendes, Teoria Geral, 1979m III – 685).

70) Dada a postura manifestamente intencional, grosseira e por isso consciente da Recorrida DREN, deverão as RR. ser condenadas na obrigação de indemnizar a Recorrente, nos mesmos montantes já peticionados nos autos e referidos no ponto 60 supra, montantes esses que representam o prejuízo sofrido pela mesma Recorrente com a conduta insolente da Recorrida DREN.

71) As próprias Recorridas, mormente a Recorrida DREN, ao escudar-se nas invocadas nulidades para não pagar as diferenças salariais e subsídios de férias e férias não pagas, fundamentando essa pretensão nos artigos 10º nº 6 do DL 184/89 e 36º nº 2 da Lei 12-A/2008, fá-lo em desrespeito à Constituição da Republica Portuguesa. Com efeito,

72) Dispõe o art. 59º nº1 al. a) da Constituição da República Portuguesa, que todos os trabalhadores têm direito a um salário igual perante um trabalho igual e, de acordo com a al. d) do mesmo preceito, todos os trabalhadores têm direito a férias pagas.

73) Por sua vez, dispõe o art. 18º da Constituição da República Portuguesa que os preceitos respeitantes aos Direitos, Liberdades e Garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

74) Tais princípios ora invocados são diretamente aplicáveis às relações jurídicas existentes, não podendo os mesmos serem ofendidos por actos ou por lei ordinária.

75) Assim, os artigos 10º nº 6 do DL 184/89 e 36º nº 2 da Lei 12-A/2008 enfermem de uma inconstitucionalidade material por violar o disposto nos art. 13º, 18º e 59º da CRP; inconstitucionalidades essas que se invocam para os devidos efeitos legais.

O réu Estado contra-alegou, concluindo:

A - Quanto ao recurso da matéria de facto:

1 - Das declarações da testemunha LF transcritas pela A.. não resulta desde logo que a A. tivesse a categoria de « engenheira de 2ª classe», não defluindo das declarações da mencionada testemunha que a A. ingressou na careira

2 - A A. usufruía de autonomia na gestão do seu tempo, não carecendo de «picar o ponto» , não se evidenciando das declarações prestadas que o horário de prestação de serviço da A. lhe fosse fixado.

3 -Não resulta dos elementos probatórios que a A. tivesse de justificar as suas faltas pois das declarações transcritas pela própria A. respeitantes a MJM ressalta que o que interessava era que o trabalho aparecesse feito , não tendo sido junto qualquer documento de justificação de falta mas tão só a indicar / justificar a sua saída externa.

4 - Não foram carreados elementos probatórios indicadores de que a A. estava sob a alçada disciplinar da 1ª Ré.

5 - Aliás, nos depoimentos prestados é sempre referida que a sua situação era diferente da dos outros colegas engenheiros com vínculo laboral.

6 - Não resulta, mormente dos recibos juntos que a A. apenas tenha emitido recibos à 1ª Ré.

7 - Destarte e tendo em conta as declarações prestadas e demais elementos documentais dos autos , evidencia mostrar-se que as respostas aos referidos quesitos não podia deixar de ser «limitada» e não cabal, uma vez que as realidades em discussão não resultaram «provadas e/ou confirmadas com a segurança e a certeza exigíveis no seu todo ou em parte».

8 - A A. e 1ª R. subscreveram contrato de prestação de serviços na modalidade de contrato de avença;

9 - Para se considerar se determinada relação jurídica é ou não contrato de trabalho depende de se saber se o trabalhador está ou não subordinado juridicamente tendo, para o efeito, de se atender a elementos concretos (aspetos parcelares dessa relação) que constituem indícios de subordinação ou índices da existência de contrato de trabalho

10 - Cada um destes elementos, tomado de «per se»i, reveste de patente relatividade, havendo de fazer um juízo de globalidade com vista à caracterização do contrato, não existindo nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos vários índices, desde logo porque cada um deles pode assumir um valor signficante muito diverso de caso para caso,

11 - Da realidade contratual global - considerando a intenção das partes (princípio da liberdade contratual), o facto de a 1ª Ré não ter fixado à A. horário de trabalho, de esta não ter de registar as presenças e de não estar sujeita a controlo de assiduidade nem ao poder disciplinar da referida 1° Ré, de não ser descontado à A. qualquer valor da retribuição fixa mensal no caso de não comparência, de não ter sido observado o regime de fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta da 1ª Ré, de a A. emitir recibos verdes e de não lhe ser pago subsídio de férias e de natal resulta ser de concluir pela preponderância dos elementos típicos do contrato de prestação de serviços;

12 - Daí a não comprovação, e diversamente do entendimento da A. na P. I, de uma relação laboral.

13 - Estamos, portanto , como concluiu o tribunal «a quo», perante um contrato de prestação de serviços na modalidade de contrato de avença celebrado e cumprido nos termos legais;

14 - Sem conceder, caso se considere que se está não perante um contrato de prestação de serviços mas perante um contrato de trabalho:

14.1 - Por força dos art°s 10°, n°6 do DL 184/89, de 2/6, e 36°, nº 2, da Lei n° 23/2004 , de 22.06, o exercício de atividades subordinadas - típicas do contrato de trabalho - acarreta a nulidade do contrato de prestação de serviços, produzindo , porém, este contrato, durante o período em que vigorou ou foi executado, todos os efeitos legais como se esse vício não se verificasse;

14.2 - O contrato vigente entre a A. e a 1ª Ré nunca poderia ser contrato de trabalho por tempo indeterminado quer porque quando começou a exercer as funções ser legalmente inadmissível tal modalidade de contratação quer porque mesmo que o fosse certo é que não foram cumpridas as formalidades legais que vieram a ser exigidas para a admissão de trabalhador mediante contrato por tempo indeterminado.

14.3 -Não está demonstrada a verificação dos requisitos exigidos para a contratação mediante contrato a termo , pelo que o eventual contrato de trabalho a termo seria nulo e sempre inconvertível em contrato sem termo.

14.4 - Assim, a relação contratual estabelecida entre A e R, se qualificada de contrato de trabalho , está ferida de nulidade por não ter sido realizada nos termos do disposto nos art.º 14°, n.° 1 ,e 41°, n.° 1 do DL n° 427/89, onde se estabeleceram princípios gerais em matéria de emprego público, de natureza imperativa;

14.5 - Na verdade, se o contrato de avença foi estabelecido fosse dos condicionalismos legais, então deveria ele ser considerado nulo, idêntica consequência a da nulidade - advindo se se concluísse que a relação estabelecida entre A. e 1ª R. configurava um contrato de trabalho sem termo ou a termo;

14.6 – À 1ª Ré por força do disposto nos art°s 35º, nºs 2, al, b), e 4 e 36º, n° 1, da Lei 12-A/2008, de 27.02, era legalmente impossível manter a relação contratual de avença celebrada com a A. a partir de 09.02.2009, por terem desaparecido os fundamentos legais que haviam permitido a sua celebração e sucessivas renovações;

14.7 - A 1ª Ré com a comunicação feita à Autora de não renovação do contrato e com o acordo feito com esta como sócia gerente da sociedade que passou a prestar os serviços que a A. prestava em nome individual, invocou, pelo menos, tácita ou implicitamente a impossibilidade ou inadmissibilidade de subsistência da relação anteriormente existente , por terem cessado os requisitos legais ao abrigo dos quais fora celebrado o contrato entre as partes;

14.8 - Assim, a cessação do contrato é lícita, dada a impossibilidade legal da sua subsistência;

14.9 - Como a única sanção estabelecida para a indevida celebração de contratos de prestação de serviços, por parte da Administração, é a prevista nos n.°s 6 e 7 do citado artigo 10º, em consequência da declaração de nulidade do contrato, o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efetivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, que pudessem derivar da diversa qualificação jurídica atribuível à relação contratual

14.10 - E como para entrar no Quadro de Pessoal dos Serviços do Ministério da Educação só seria possível mediante provimento ou nomeação -- v. art°s 4° e 14º, nos 2 e 3, do DL n° 427/89 e 2º, nº 2, da Lei 23/2004 não seria admissível à A. por força de qualquer de tais contratos (de avença ou de trabalho) integrar o referido quadro de pessoal único pelo não podia nunca aceder à categoria profissional de Técnico Superior de 2ª classe;

14.11 - Por conseguinte, não poderia a A. usufruir dos direitos resultantes da progressão nessa carreira pelo que, salvo melhor entendimento, não tem a A. direito às invocadas diferenças salariais.

14.12 - Assim sendo, a A. não teria direito a subsídios de férias e natal nem a diferenças salariais nem ainda a indemnização por antiguidade caso o ficcionado despedimento fosse como entende a A. ilícito pois a indemnização por antiguidade é em substituição da reintegração que, como vimos , não é admissível por impossibilidade legal.

14.13 - (Todavia para a hipótese que outrossim se nos afigura académica de se considerar o despedimento ilícito e haver lugar a indemnização por antiguidade em substituição da reintegração, atenta a retribuição da A. e tendo em conta que inexistiu procedimento disciplinar legal para o despendimento pelas razões atrás aduzidas, nunca o valor indemnizatório pela antiguidade poderia ser de 45 dias por cada ano mas teria de ser próximo do limite mínimo de 15 dias por cada ano);

15 - O princípio da igualdade salarial pressupõe um conceito de igualdade real com aplicação ao nível das relações estabelecidas, cujo apuramento só pode ser aferido e concretizado casuisticamente: igualdade de tratamento nas concretas situações de identidade de circunstâncias e tratamento diferenciado nas situações de ausência de tal identidade;

16 - Da aplicação dos 10º, nº 6 do DL 184/89 e 36º, n°2, da Lei 12-4/2009, não resulta a existência de tratamento discriminatório violador do princípio constitucional da igualdade por não se está perante contrato de trabalho válido e conforme com a lei.

17 - Aliás, não se vislumbra como é que interpretando e qualificando os factos que delimitam, concretamente, os contornos do caso sujeito como não correspondendo a uma vinculação juslaboral típica se possa concluir haver violação dos princípios programáticos Constitucionais convocados pelo Recorrente constantes dos arts. 13.°. 18.° e 59.º da C.R.P.

18 - Assim, resta-nos concluir, como a Mmª Juiz «a quo», pelo que inexistindo outros meios probatórios que deforma objetiva bastassem ou convencessem, não podia o tribunal senão concluir e decidir como decidiu, de facto e de direito;

19 - Por conseguinte, inexistindo qualquer erro na apreciação da prova e inexistindo violação de qualquer disposição (ou princípio) legal, a Mmª. Juiz "a quo" fez, salvo melhor entendimento uma correta interpretação da Lei.

Também o réu Ministério apresentou contra-alegações, encerrando-as com conclusão de que o recurso deverá serjulgado improcedente, e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida de absolvição dos RR dos pedidos formulados”.

*
Após vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, que o tribunal a quo” consignou como provados na decisão recorrida:
1) A 1ª R. é um órgão regional do Ministério da Educação (alínea A. da Matéria de Facto Assente).
2) No exercício dos seus poderes, a 1ª R. celebrou com a A. um intitulado “contrato de avença”, a 7 de Outubro de 1996, mediante prévia autorização do Secretário de Estado da Administração Educativa, concedida por despacho do dia 03 de Outubro de 1996 (alínea B. da Matéria de Facto Assente).
3) Reportando o início da sua vigência a 03 de Outubro de 1996 (alínea C. da Matéria de Facto Assente).
4) O contrato tinha uma duração de doze meses, renovável tacitamente por sucessivos períodos iguais de tempo (alínea D. da Matéria de Facto Assente).
5) Posteriormente, a A veio a celebrar com a 1ª R. em 1998 e 2007, respectivamente, duas adendas ao denominado “contrato de avença” (alínea E. da Matéria de Facto Assente).
6) Na primeira adenda datada de 1 de Abril de 1999, acordaram a substituição da cláusula quinta do contrato respeitante à cláusula remuneratória, introduzindo desta feita uma remuneração actualizada e prevendo as condições em que, anualmente, seria esta revista – designadamente tendo em consideração os aumentos da função pública ou superveniência de outros factores justificativos (alínea F. da Matéria de Facto Assente).
7) Enquanto que a segunda adenda, datada de 9 de Fevereiro de 2007, previa essencialmente a renovação do contrato original por um ano e a sua renovação por igual período se nenhuma das partes o denunciasse para termo (alínea G. da Matéria de Facto Assente).
8) Em Janeiro de 2009 a 1ª R. comunicou verbalmente à A. que o contrato intitulado “contrato de avença”, não seria novamente prorrogado (alínea H. da Matéria de Facto Assente).
9) Cessando os seus efeitos a partir do dia 9 de Fevereiro de 2009 (alínea I. da Matéria de Facto Assente).
10) Nos termos do aludido vínculo, competia à A. prestar serviços de engenharia, consubstanciados no acompanhamento de obras de construção, conservação, e remodelação de escolas básicas (2 e 3º Ciclos e Secundárias) (alínea J. da Matéria de Facto Assente).
11) Tudo mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de 242.700$00 (que actualmente corresponde € 1.210,58) (alínea K. da Matéria de Facto Assente).
12) No âmbito das suas funções e no cumprimento de ordens dos sucessivos presidentes da DREN, o trabalho da A. consistia em:
i) Elaboração de Projectos, Medições, Realização de Concursos limitados e Fiscalização de Obras de Conservação e de Remodelação de Escolas;
ii) Elaboração de Projectos, Medições, Realização de Concursos limitados e Fiscalização de Obras Adaptação de Instalações para Deficientes das Escolas;
iii) Fiscalização, Coordenação e Gestão de Empreitadas de Construção de Escolas, Pavilhões Desportivos e Ampliação de Edifícios Novos (criações e substituições);
iv) Elaboração de Projectos de adaptação de Espaços para Bibliotecas Escolares, Rede Nacional de Bibliotecas Escolares;
v) Elaboração de Projectos de Adaptação de Espaços para Instalação de Laboratórios;
vi) Elaboração de Projectos de Arranjos Exteriores, Traçados de Redes Gerais de Abastecimento de Água, de Esgotos Residuais e Drenagem de Águas Pluviais, sua Medição e Orçamentação, incluindo Execução de Perfis e o Cálculo de Volume do Movimento de Terras;
vii) Actos Públicos dos Concursos das Empreitadas;
vii.1) Comissões Técnicas de Abertura de Concurso
vii.2) Comissões Técnicas de Análise de Propostas.
13) Funções estas que a A. exerceu (alínea M. da Matéria de Facto Assente)
14) O trabalho levado a cabo pela A. era prestado pelo recorrente serviço público, levada a cabo por uma entidade de interesse público e de execução de interesses públicos (alínea N. da Matéria de Facto Assente).
15) Remunerado por dinheiros públicos (alínea O. da Matéria de Facto Assente).
16) No dia 19 de Janeiro de 2001 recebeu a A. uma convocatória, assinada pelo Director de Serviços Casimiro Rocha, dirigida a todos os técnicos da DIE, Chefe de Secção do SAT e Responsável pela Área do Planeamento, para comparecer numa reunião a realizar no dia 23 de Janeiro de 2009 pelas 10h (alínea P. da Matéria de Facto Assente).
17) No dia 22 de Junho de 2001 recebeu a A. uma convocatória, assinada pelo Director de Serviços Casimiro Rocha, dirigida a todos os Técnicos da DSRM, para comparecerem numa reunião a realizar no dia 25 de Junho de 2001, contendo a respectiva ordem de trabalhos (alínea Q. da Matéria de Facto Assente).
18) No dia 4 de Fevereiro de 2002 recebeu a A. uma convocatória, assinada pelo Director de Serviços Casimiro Rocha, dirigida a todos os Técnicos da Divisão de Instalações Escolares, para comparecerem numa reunião a realizar no dia 5 de Fevereiro de 2002, contendo a respectiva ordem de trabalhos (alínea R da Matéria de Facto Assente).
19) No dia 27 de Setembro de 2000, recebeu a A. uma convocatória, assinada pelo Director de Serviços Casimiro Rocha, intitulada de ORDEM DE SERVIÇO, comunicando uma reunião a realizar no dia 28 de Setembro de 2000 (alínea S. da Matéria de Facto Assente).
20) A A. desempenhou as suas funções nas instalações da 1ª R. (alínea T. da Matéria de Facto Assente).
21) Onde tinha inclusivamente um escritório exclusivo para laborar (alínea U. da Matéria de Facto Assente).
22) A A. utilizou, para o exercício das funções incumbidas, os meios de trabalho disponíveis e fornecidos pela 1ª R. (papel, canetas, computadores, impressores, fax, scanner, telefone, etc) (alínea V. da Matéria de Facto Assente).
23) Deslocando-se aos estabelecimentos escolares em viaturas da 1ª R (alínea W. da Matéria de Facto Assente).
24) Desde o início da relação de trabalho até à cessação da mesma, a A. passou com periodicidade mensal, recibos à 1ª R (alínea Y da Matéria de Facto Assente).
25) A diferença entre o vencimento auferido pela A. e aquele que corresponde a um agente administrativo com contrato de trabalho, cifra-se em € 17.288,75, nos termos do quadro abaixo descrito (alínea Z. da Matéria de Facto Assente) [reproduz-se com exacta imagem constante da sentença recorrida, que pese alguma “desconfiguração” e “cortes” ainda se mostra perceptível]:



26) Nunca foram liquidados à Autora os respectivos subsídios de férias e de Natal (alínea A1) da Matéria de Facto Assente).
27) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos (alínea B1) da Matéria de Facto Assente).
28) A Autora, com recurso à sociedade unipessoal “CC, Unipessoal, Lda” celebrou com a DREN, em 24 de Março de 2009, um contrato de prestação de serviços pelo período de 240 dias, tendo por objecto a fiscalização de projectos de empreitadas em várias escolas (alínea C1) da Matéria de Facto Assente).
29) A Autora, com recurso à sociedade unipessoal “CC, Unipessoal, Lda” celebrou com a DREN, em 16 de Novembro de 2009, um contrato de prestação de serviços pelo período de 300 dias, tendo por objecto a fiscalização de projectos de empreitadas em várias escolas (alínea D1) da Matéria de Facto Assente).
30) A A. prestava um trabalho igual àquele que era e é desempenhado pelos colegas engenheiros que fazem parte dos quadros da 1ª R. (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
31) A A. integrava comissões técnicas por nomeação dos seus superiores (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
32) No dia 19 de Março de 1999, a A. foi nomeada para integrar a Comissão Técnica de análise de propostas ao concurso de E-mail: correio@porto.taf.mj.pt empreitada da Escola Secundária de Paredes de Coura (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
33) No dia 16 de Janeiro de 2001, a A. foi nomeada para integrar a Comissão Técnica de análise de propostas ao concurso de empreitada de construção de um pavilhão desportivo incluindo arranjos de espaços exteriores na Escola Básica do 2º e 3º Ciclos de Silvares (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
34) No dia 5 de Dezembro de 2001,a A. foi nomeada para integrar a Comissão Técnica de análise de propostas ao concurso de empreitada de construção de um pavilhão desportivo incluindo arranjos de espaços exteriores na Escola Básica do 2º e 3º Ciclos de Briteiros (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
35) Tal como os restantes técnicos da Divisão de Instalações Escolares da 1ª R., a A. era convocada para as reuniões internas, nas quais participava e intervinha em paridade total com os restantes colaboradores da 1ª R. (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
36) No âmbito da relação profissional com a Direcção Regional de Educação Norte (DREN), a Autora cumpriu horário, tal como os demais colegas engenheiros em funções similares às suas, mas que possuíam contrato de trabalho com a DREN (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
37) A A. estava submetida a um controlo hierárquico e funcional pelos responsáveis da DREN (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
38) Tendo que prestar contas das deslocações que efectuava por mando da 1ª R., descriminando o trabalho desempenhado durante as mesmas (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
39) A A. cumpria um horário de trabalho de sete horas diárias (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
40) A A. tinha de registar as suas saídas externas perante a DREN (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
41) A A. tinha de, anualmente, apresentar um plano de férias à 1ª R., para que esta aprovasse e autorizasse o seu período e duração das férias (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
42) A Autora estava sujeita à disciplina de funcionamento da 1ª Ré (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
43) Era a 1ª Ré que organizava, controlava, orientava as suas tarefas, a sua agenda de trabalho (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
44) Não tendo a A. qualquer autonomia nessa organização (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
45) A Autora passou recibos à DREN no período que mediou Outubro de 1996 a Fevereiro de 2009 (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
46) A A. estava sujeita à constante direcção da DREN, actuando sempre sob sua supervisão (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
47) A situação resultante da falta de ganho de vínculo ao Estado, reportada aos anos de 2003 em diante, seguida do seu despedimento, causou frustração, nervosismo e ansiedade à Autora (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
48) Tal condicionalismo provocou à A. um constante estado de ansiedade (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
49) Que em nada abonava a sua capacidade de trabalho (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
50) Foi no decurso do circunstancialismo referido em 47) que a Autora viu deteriorado o seu estado de saúde (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
51) A Autora era titular de um cartão identificativo da DREN (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
*
O mérito da apelação:
Quanto à matéria de facto.

Julgado não provado que “À A. foi atribuída a categoria profissional de Engenheira Civil de 2ª Classe” (quesito 1º da BI), a recorrente entende que deverá ter-se como provado.

A recorrente alicerça a pretensão com base no depoimento da testemunha Engº LF.

Sem êxito, quando – mesmo sem colocar questão de como resulta a atribuição de uma categoria, ou, como colocou a recorrente pelo seu mandatário “formalismos à parte” - o depoimento da testemunha o que revela é que “dizer isso é um pouco forçado (…) quando ela ingressasse seria engenheira civil de 2 classe”, supondo uma hipótese, não uma realidade vivida.

Julgado não provado que “Durante os 13 anos de relação profissional com a 1ª R., a A. cumpriu um horário de trabalho que lhe fora determinado por superiores hierárquicos (…)” (quesito 8º da BI), que “A A. estava sujeita (…) à alçada disciplinar da 1ª R.” (quesito 15º da BI), e que “A A. tinha que justificar as suas ausências ao trabalho perante a 1ª R.”, a recorrente entende que tudo deverá ter-se como provado.

Remete para depoimentos de Engº JM, Engº LF e MJM (quanto à matéria do quesito 13º o depoimento desta última testemunha, da testemunha JCR e doc.s 34 a 34 anexos à P.I.).
Conforme resulta da fundamentação das respostas aos quesitos, elaborada em despacho autónomo, na formação da convicção quanto ao “horário de trabalho da autora, controle hierárquico e funcional, e prestação de contas das deslocações”, para além dos boletins itinerários, o Mmº Juiz teve em conta os depoimentos agora referidos e ainda os de outras duas testemunhas.
Ainda assim, sem adquirir convicção suficiente à prova dos quesitos.
Inequívoco que o sentido dos depoimentos prestados é o do desempenho de funções da recorrente em termos semelhantes aos demais colegas, cumprindo um horário de trabalho de forma semelhante (sem dependência de um relógio de ponto, e quando em serviço externo sem maior controle), mas sem melhor nota de que esse cumprimento o era em função do que superiores hierárquicos lhe haviam determinado ou que estivesse sujeita ao seu poder disciplinar, ainda que observando a disciplina de serviço vigente nas instalações da DREN, referindo as testemunhas quanto a justificações de ausências, mesmo quando questionadas por referência a tempos idos em que existiu picagem de ponto, que “o chefe sabia se ela estava ou não, os colegas sabiam, o trabalho aparecia feito, eu não sei, não faço ideia” (MJM), e que “nunca houve casos desses, de incumprimento” (JCR); documentalmente confrontamo-nos com algumas folhas de registos de presença, sem assinatura do “responsável do sector” (no lugar aí reservado), sem preenchimento de horas de entrada e de saída, e assinalando na sua maior parte “serviço externo”, e algumas informações de não comparência da autora ao serviço “por se encontrar em serviço externo”, subscritas pelo Chefe de Divisão.
Pelo que não se afigura existir o invocado erro de julgamento quanto a estes pontos.
Julgado não provado que “Sendo a 1ª R. a única entidade à qual a A. passou recibos entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 2009”, a recorrente entende que deverá ter-se como provado.
Remete para os duplicados de recibos anexos à p. i., chamando atenção para a sua ordem sequencial; mas não demonstra que esses promanem dos únicos livros de recibos que poderia ter usado, comunicados às Finanças, não arredando possibilidade da existência de outros; pelo que a prova documental oferecida não impõe diferente juízo.
Assim, também aqui sem erro de julgamento.
Quanto ao direito.
O tribunal “a quo” teve a acção como improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.
A autora/recorrente havia peticionado que fosse (i) reconhecida a existência e validade do contrato celebrado entre o A. e a 1.ª R., devendo o mesmo ser interpretado como um contrato de trabalho administrativo sem termo, desde 3 de Outubro de 1996; (ii) declarado ilícito o seu despedimento operado a 9 de Fevereiro de 2009; e, consequentemente, que fosse a 1.ª R. (ou o 2.º R) condenada (iii) a pagar-lhe a quantia de €31.751,26 referentes à indemnização por antiguidade calculada a 45 dias de retribuição
base e diuturnidade (a saber, à quantia mensal de €1.999,18 ilíquida), por cada ano completo ou fracção de antiguidade, a contar desde 1996, e juros legais a contar da citação, (iv) a quantia de €17.288,75 relativo às diferenças salariais que lhe são devidas, e juros legais a contar da citação, (v) a quantia de €40.948,32 referente aos subsídios de férias e de Natal que nunca foram pagos e a que a A. tem direito por força dos aumentos dos salários que lhe corresponderiam enquanto gente administrativa com contrato de trabalho, e juros legais a contar da citação, (vi) uma indemnização pelos danos morais sofridos no valor nunca inferior a € 15.000,00 ilíquidos e juros legais a contar da citação; subsidiariamente (em relação ao que consta em (v) supra) pede que o 1.º ou 2.º R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de €37.565,68 referente ao subsídio de férias e de Natal de acordo com o vencimento que lhe foi pago em cada ano e juros legais a contar da citação; e em admitida ampliação do pedido, a condenação da 1.ª R., ou em alternativa a 2.ª R., ao pagamento de todos os vencimentos da A., vencidos entre os 30 dias anteriores à propositura da acção e a data da última decisão judicial condenatória, acrescido dos devidos juros de mora à taxa legal a contar de cada um dos vencimentos.
Na fundamentação do juízo de improcedência, o tribunal “a quo” expendeu:
«(…)
Pretende, a A., em primeira linha, que se reconheça que o contrato celebrado entre a A. e a 1.ª R. é um contrato de trabalho administrativo sem termo.
Vejamos se tem razão.
Como se provou a 1.ª R. celebrou com a A. um intitulado “contrato de avença”, a 7 de Outubro de 1996, mediante prévia autorização do Secretário de Estado da Administração Educativa, concedida por despacho do dia 03 de Outubro de 1996, reportando o início da sua vigência a 03 de Outubro de 1996 sendo que o contrato tinha uma duração de doze meses, renovável tacitamente por sucessivos períodos iguais de tempo.
Posteriormente, a A veio a celebrar com a 1ª R. em 1998 e 2007, respectivamente, duas adendas ao denominado “contrato de avença” sendo que na primeira adenda datada de 1 de Abril de 1999, acordaram a substituição da cláusula quinta do contrato respeitante à cláusula remuneratória, introduzindo desta feita uma remuneração actualizada e prevendo as condições em que, anualmente, seria esta revista – designadamente tendo em consideração os aumentos da função pública ou superveniência de outros factores justificativo e a segunda adenda, datada de 9 de Fevereiro de 2007, previa essencialmente a renovação do contrato original por um ano e a sua renovação por igual período se nenhuma das partes o denunciasse para termo.
O contrato em causa foi denominado, pelas partes, “contrato de avença”.
De acordo com a cláusula quarta, foi celebrado nos termos do art.º 17º do DL n.º 41/84 de 3 de Fevereiro (com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 299/85, de 29 de Julho), cujo teor a seguir se transcreve:
1 - Os serviços e organismos poderão celebrar contratos de tarefa e de avença sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços.
2 - O contrato de tarefa caracteriza-se por ter como objecto a execução de trabalhos específicos, de natureza excepcional, sem subordinação hierárquica, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente
estabelecido, apenas se admitindo aos serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da tarefa e a
celebração de contrato de trabalho a prazo certo prevista no Decreto-Lei n.º 280/85, de 22 de Julho, for desadequada.
3 – O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam
funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença.
4 – Os serviços prestados em regime de contrato de avença serão objecto de remuneração certa mensal.
5 - O contrato de avença, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, pode ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
6 – Os contratos de tarefa e avença não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente.
7 – Os contratos de tarefa e avença ficam sujeitos autorização prévia do membro do Governo de que dependa o serviço contratante, a qual poderá ser delegada sem poderes de subdelegação.
Mais acordaram as partes que o contrato vigoraria pelo período de 12 meses que se consideraria tacitamente prorrogado por iguais períodos de tempo, se se mostrasse necessária a colaboração (cláusula quarta, parte final).
Nos termos do aludido vínculo, competia à A. prestar serviços de engenharia, consubstanciados no acompanhamento de obras de construção, conservação, e remodelação de escolas básicas (2 e 3º Ciclos e Secundárias) fornecimento de serviços a prestar junto da Direcção de Serviços dos Recursos Materiais, da DREN, deslocando-se sempre que lhe seja solicitado para fora da sede da DREN, para realização de tarefas compreendidas no âmbito do contrato, tudo mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de 242.700$00 mas sem direito a quaisquer prestações, tais como subsídio de férias, de refeição ou outro.
Dizia-se ainda no referido contrato que a A. prestaria os serviços sem subordinação hierárquica “não lhe conferindo o presente contrato a qualidade de funcionário ou agente administrativo” devendo, contudo, levar a cabo as tarefas que lhe forem distribuídas (cláusula sexta).
É certo que se provou que a A. desempenhou as suas funções nas instalações da 1ª R., onde tinha inclusivamente um escritório exclusivo para laborar e que utilizou, para o exercício das funções incumbidas, os meios de trabalho disponíveis e fornecidos pela 1ª R. (papel, canetas, computadores, impressores, fax, scanner, telefone, etc), deslocando-se em viaturas da 1ª R., que a A. prestava um trabalho igual àquele que era e é desempenhado pelos colegas engenheiros que fazem parte dos quadros da 1ª R., que integrava comissões técnicas por nomeação dos seus superiores e era convocada para as reuniões internas, nas quais participava e intervinha em paridade total com os restantes colaboradores da 1ª R.
Provou-se também que a A. cumpriu horário de trabalho de sete horas diárias, tal como os demais colegas engenheiros em funções similares às suas, mas que possuíam contrato de trabalho com a DREN e que estava submetida a um controlo hierárquico e funcional pelos responsáveis da DREN, tendo que prestar contas das deslocações que efectuava por mando da 1ª R., descriminando o trabalho desempenhado durante as mesmas, que tinha de registar as suas saídas externas perante a DREN e que tinha de, anualmente, apresentar um plano de férias à 1ª R., para que esta aprovasse e autorizasse o seu período e duração das férias.
Resulta ainda da factualidade que supra se descreveu que a Autora estava sujeita à disciplina de funcionamento da 1ª Ré que organizava, controlava, orientava as suas tarefas, a sua agenda de trabalho, não tendo a A. qualquer autonomia nessa organização e estando sujeita à constante direcção da DREN, actuando sempre sob sua supervisão.
Por outra banda, não se provou que à A. foi atribuída a categoria profissional de Engenheira Civil de 2ª Classe (resposta ao quesito 1º) e que a A. tomava, em conjunto com os seus pares decisões que vinculavam directamente a Administração da DREN (resposta ao quesito 3º).
E também não se provou que o horário de trabalho que cumpria foi determinado por “superiores hierárquicos” (resposta ao quesito 8º) e que a 1ª R. lhe impunha a assinatura de um registo de presença, tal como aos seus restantes colaboradores, tendo por obrigação, picar o seu cartão de acesso à entrada e saída das instalações da 1ª R., sempre que a tal eram obrigados os demais trabalhadores da DREN (resposta ao quesito 12º), assim como tinha de justificar as suas ausências ao trabalho perante a 1ª R. (resposta ao quesito 13º).
Não se provou também que a A. estava sujeita à alçada disciplinar da 1.ª R (resposta ao quesito 15º).
E não se provou que a 1:ª R. foi a única entidade à qual a A. passou recibos entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 2009 (resposta ao quesito 18º).
O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art.º 1152º do Código Civil).
Ora, não obstante da factualidade provada resultar (ultrapassado o carácter conclusivo da matéria factual provada) que a 1.ª R. exercia uma certa autoridade e direcção sobre a actividade da A. e, portanto certos “laivos” de contrato de trabalho, demonstrou-se que essa mesma 1.ª R. não lhe fixou um determinado horário nem lhe impôs a assinatura do registo de presenças nem que “picasse” o seu cartão de acesso.
Esses factos e, sobretudo (o que segundo entendemos é determinante), o facto da A. não estar sujeita ao poder disciplinar da 1.ª R. e de não se ter provado a sua exclusividade, afastam, a qualificação do contrato em causa como contrato de trabalho (em funções públicas).
Conclui-se, portanto, que não se constituiu uma relação jurídica de emprego público. O contrato celebrado entre as partes não é um contrato de trabalho em funções públicas e, muito menos, um contrato de trabalho em funções públicas sem termo.
Com efeito, ainda que se entendesse que o contrato em causa era um contrato de trabalho jamais poderia considerar-se a termo incerto porque a lei expressamente proíbe tal conversão - art.º 18º, n.º 4 do DL 427/89, de 7 de Dezembro (proibição essa mantida pela Lei n.º 23/2004 de 22 de Junho – art.º 10º, n.º 2 – e, depois, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, no seu art.º 92º, n.º 2.
Mas, antes do mais, sempre teríamos de considerar que o contrato seria nulo por não preenchimento dos pressupostos previstos no art.º 18º, n.º 2 do DL 427/89, de 7 de Dezembro.
“A celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade e constitui os dirigentes em responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos, sendo ainda fundamento para a cessação da comissão de serviço nos termos da lei” (art.º 18º, n.º 5 do mesmo diploma legal cujo sentido essencial foi mantido na Lei n.º 23/2004 – art.º 10º, n.º 3).
Como já evidenciamos, não é legalmente possível configurar este contrato como contrato (de trabalho) a termo incerto.
Por um lado, o DL n.º 427/89 de 7 de Dezembro estabelecia expressamente que a relação jurídica de emprego na administração Pública se constituía por nomeação e contrato de pessoal (art.º 3º) e que o contrato de pessoal só poderia revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo (art.º 14º) estando vedada a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente (art.º 43º).
Por outro lado, a possibilidade de celebração de contratos por tempo indeterminado permitida pela Lei n.º 23/2004 e, depois, pela Lei n.º 12-A/2008, não é aplicável ao contrato em causa já que estão em causa as condições de validade do mesmo (art.º 26º, n.º 1 da Lei n.º 23/2004) (Sendo certo também que tal contratação sempre teria de ser precedida, sob pena de nulidade, do devido processo de selecção).
Acresce que, caso se tivesse entendido, que o contrato de prestação de serviços em causa foi celebrado tendo em vista a prestação de trabalho subordinado, como alegava a A. o mesmo seria nulo apenas fazendo incorrer o seu responsável em responsabilidade civil, financeira e disciplinar (art.ºs 10º, n.º 6 do DL n.º 184/89, regime que se manteve no art.º 36º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro).
Como se evidencia em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2006 (processo 06S1544, publicado em www.dgsipt), “em consequência da declaração de nulidade do contrato, o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efectivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, que pudessem derivar da diversa qualificação jurídica atribuível à relação contratual; A única sanção estabelecida para a indevida celebração de contratos de prestação de serviços, por parte da Administração, é a prevista nos n.ºs 6 e 7 do citado artigo 10º, que faz recair sobre os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos a responsabilidade civil e disciplinar pela prática dos actos ilícitos, com a consequente cessação da respectiva comissão de serviço, bem como a correspondente responsabilidade financeira, efectivada através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado”.
Em sede de réplica e de alegações, a A. invoca a insconstitucionalidade dos art.ºs 10º, n.º 6 do DL 184/89 e 36º, n.º 2 da Lei 12-A/2008 por violarem o disposto nos art.ºs 13º, 18º e 59º da CRP.
Não tem razão já que, como vimos, não existiu uma autêntica relação laboral entre a A. e o 1.º R. e não pode considerar-se o “trabalho” por si prestado idêntico ao dos restantes trabalhadores do 1.º R. É certo que se provou que a A. prestava um trabalho igual àquele que era e é desempenhado pelos colegas engenheiros que fazem parte dos quadros da 1ª R. (facto vertido em 30)). Porém, em face da restante factualidade demonstrada, não se pode entender que as condições em que o trabalho era prestado eram as mesmas já que o A. não tinha um horário determinado, não tinha de assinar o registo de presenças nem picar o seu cartão de acesso à entrada e saída nem de justificar as suas ausências tal como os restantes funcionários e não estava sujeita ao poder disciplinar da 1.ª R.. Assim sendo, tem de concluir-se que a situação da A. não era a mesma da dos trabalhadores da R. pelo que a diferença de regime legal aplicável tem aí a sua justificação.
Em suma, não há fundamento legal para que se considere constituída uma relação jurídica de emprego público e consequentemente, para que daí se extraiam as devidas consequências em matéria de cessação de contrato de trabalho, como pretendido pela A.
Não obstante a precariedade e a cessação do contrato em causa tenham causado ansiedade, frustração e nervosismo à A., já vimos que tal cessação não pode considerar-se ilegal, tendo o contrato em causa, cessado por caducidade.
Termos em que se impõe a improcedência dos pedidos.
(…)».

O tribunal “a quo” entendeu que «não obstante da factualidade provada resultar (ultrapassado o carácter conclusivo da matéria factual provada) que a 1.ª R. exercia uma certa autoridade e direcção sobre a actividade da A. e, portanto certos “laivos” de contrato de trabalho, demonstrou-se que essa mesma 1.ª R. não lhe fixou um determinado horário nem lhe impôs a assinatura do registo de presenças nem que “picasse” o seu cartão de acesso. Esses factos e, sobretudo (o que segundo entendemos é determinante), o facto da A. não estar sujeita ao poder disciplinar da 1.ª R. e de não se ter provado a sua exclusividade, afastam, a qualificação do contrato em causa como contrato de trabalho (em funções públicas). Conclui-se, portanto, que não se constituiu uma relação jurídica de emprego público. O contrato celebrado entre as partes não é um contrato de trabalho em funções públicas e, muito menos, um contrato de trabalho em funções públicas sem termo.».
Não reconheceu, pois, a subordinação característica do contrato de trabalho.
Entende-se que não incorreu em erro.
Para além destes últimos referentes índices em que o tribunal se apoiou, logo em primeira aproximação recordou que o contrato celebrado foi expressamente denominado de “contrato de avença”, constando da cláusula sexta que a autora prestaria os seus serviços “sem subordinação hierárquica não lhe conferindo o presente contrato a qualidade de funcionário ou agente administrativo” (cfr. doc. junto com a p. i.).
Pese a sua “integração” nos Serviços com aproximação de situação a outros colegas, porventura com estatuto diferenciado mas cumprindo disciplina orgânica a mesmos modos, há que ver que o tipo de actividade desenvolvida, em comunhão, ou pelo menos em conjugação, de esforços, favorece essa coincidência prática, sob égide de uma organização, mas em que as “orientações não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços, pois, como é evidente, neste tipo contrato o beneficiário da actividade sempre terá de dar orientações ao prestador da actividade no sentido de este obter o resultado nos moldes por ele pretendidos” (Ac. do STJ, de 03-03-2005, proc. nº 04S3581).
Improcede, pois, a censura que em contrário a recorrente dirigiu à sentença.
No mais, o restante enredo de crítica trazida a recurso afigura-se de estéril discussão.
Alavanca da afirmação de que o tribunal “a quo” considerou existir um contrato de trabalho nulo, e que recusou que, mesmo a termo, pudesse ser convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Só que, inequivocamente, o tribunal não admitiu poder configurar-se o contrato celebrado como um contrato individual de trabalho (a termo incerto).
E o que fez foi apenas enunciar sob hipótese que, mesmo que o fosse, seria nulo e não convertível.
Tudo num plano subsidiário especulativo.
Pelo que, apesar de por aí se “estender” o discurso, se acaso a recorrente pudesse ter algum triunfo de razão (seja quanto às consequências da nulidade, seja na protecção constitucional que arvora relativamente à conversão), ele não seria um ganho de causa, pois que, subsistindo a afirmação de não se tratar de semelhante vínculo, daí não adviria, nem advém, retorno que cubra pretensão.
[De todo o modo, de mero obiter dictum, recorda-se aqui Ac. deste TCAN, de 21-10-2016, proc. nº 00330/04.2BECBR:
I.1-a relação profissional decorrente da celebração do contrato de avença celebrado não extravasou o âmbito do consignado no seu clausulado, sendo que nunca tal relação se desenvolveu em termos semelhantes a um contrato de trabalho;
I.2-deste modo não é possível reconhecer ao Autor o direito a quaisquer benefícios, além da contrapartida contratualmente fixada no contrato de avença.
II-A pretensão do Recorrente, ou seja, a "conversão" de um contrato de avença numa relação de emprego pública determinaria que o tribunal se substituísse ao legislador no exercício do poder legislativo;
II.1-é que a relação jurídica de emprego na Administração Pública, em qualquer das modalidades previstas na Lei, sempre teria que ser precedida de concurso público de selecção como, aliás, decorre do n° 2 do art° 47° da CRP;
II.2-assim, independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pelo Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia judicial a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público;
II.3-tal equivale a dizer que, a ser colhida a tese defendida pelo Autor, estar-se-ia a criar uma nova forma de acesso à função pública, pela via judicial, sendo que esta está dependente de concretização legislativa.]
Não cobrindo o contrato celebrado as pretensões que a recorrente tinha na perspectiva de diferente qualificação, e ficando caduco (como se refere na sentença e o recorrido Estado lembra), sem poder dar-se como verificado o arvorado despedimento ilícito, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao ter como improcedente a acção e absolver os réus do pedido.

*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 26 de Maio de 2017.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Joaquim Cruzeiro (em substituição)
Ass.: João Sousa Beato