Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00543/09.0BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 11/18/2010 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Drº Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro |
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Descritores: | PROGRESSÃO NA CATEGORIA PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PRÉ-EFEITOS DE ACTOS NORMATIVOS |
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Sumário: | 1. Os actos legislativos não podem produzir efeitos jurídicos quando não estejam ainda em vigor nos termos constitucional e legalmente prescritos, sob pena de inconstitucionalidade por violação do princípio da segurança jurídica. 2. Á progressão nos escalões, decorrente da permanência de um determinado módulo de tempo no escalão imediatamente anterior, que se vença entre 1/1/2008 e 1/3/2008 é aplicável o disposto nos nºs 19º e 20º do DL nº 353-A/89, de 16/10, e não a Lei nº 12-A/2008, de 27/2, a qual só entrou em vigor em 1/3/2008. 3. O artigo 119º nº 1 da Lei 67-A/2007 de 31/12 apenas pretende dizer que as alterações de posicionamento remuneratório ocorridas após a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008 têm eficácia retroactiva a 1/1/2008, sem pretensão de revogar as normas do DL nº 353-A/89 sobre progressão nos escalões. * * Sumário elaborado pelo Relator |
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Data de Entrada: | 05/24/2010 |
Recorrente: | Sindicato... |
Recorrido 1: | Município de Albergaria-A-Velha |
Votação: | Maioria |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte 1 - O Sindicato…, identificado nos autos, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 27/2/2010 que absolveu o Município de Albergaria-a-Velha dos pedidos que contra ele formulou em representação do seu associado S…, designadamente que fosse determinada a mudança do seu associado para escalão e índice imediatos àqueles em que actualmente se encontra, e a pagar-lhe as respectivas diferenças salariais desde a data em que completou o módulo de tempo, acrescidas de juros de mora à taxa legal. Conclui as suas alegações da forma seguinte: a) O douto aresto recorrido violou a alínea a) do nº 2 do artigo 19º do DL nº 353-A/89, em vigor no período em que o sócio do recorrente completou o módulo de tempo, porquanto o artigo 119º nº 1 da Lei do OE para 2008, Lei nº 67-A/2007, faz remissão para uma lei e um regime nem definidos nem publicados, que não podiam vigorar face ao disposto no artigo 119º nº 2 da CRP e dos artigos 1º a 2º da Lei nº 74/98 republicada pela Lei nº47/2007 e nº 1 do artigo 118º da Lei nº 12-A/2008; b) Ainda que fosse reconhecido à norma da Lei nº 67-A/2007, Lei do OE 2008, a capacidade, ou melhor, a habilitação para regular o período entre 01.01.08 e 01.03.08 (artigos 117º nº 4 e 118º nº1 da Lei nº 12-A/2008), sem conceder, a norma do artigo 119º da Lei 67-A/2007 e aquelas a que se reporta o nº 4 do artigo 117º da Lei nº 12-A/2008, padeciam de dupla inconstitucionalidade; c) Violariam o nº 2 do artigo 119º e o nº 3 do artigo 112º da CRP na medida em que as disposições em causa da Lei nº 12-A/2008 não podiam vigorar antes de publicadas; d) Violariam a alínea a) do nº 2 do artigo 56º da CRP por preterição do artº 56º da CRP, por preterição dos formalismos impostos pela Lei nº 23/98 de 26.05, por se tratar de normas referentes ao núcleo estatutário dos trabalhadores da Administração Pública. e) Pelo que o aresto recorrido viola a alínea a) do nº 2 do artº 19º do DL nº 353-A/89 em vigor segundo as regras do artº 119º, nº 2 da CRP e dos artsº 1º e 2º da Lei nº 74/98 republicada pela Lei nº 47/2007 e nº 1 do artº 118º da Lei nº 12-A/2008; f) Ao aplicar a norma em causa do artº 119º da Lei nº 67-A/2007, o aresto recorrido viola o nº 2 do artº 119º e o nº 3 do art. 113º da CRP. e) Ao aplicar a mesma norma do Orçamento de Estado para 2008 o aresto em causa viola também a alínea a) do nº 2 do art. 56º da CRP. O MFF contra-alegou, concluindo assim: a) O associado do A., S…, como asfaltador do Quadro da Câmara Municipal de Albergaria–a-Velha, estava inserido numa carreira horizontal em que eram necessários 4 anos de permanência no escalão 4 para poder progredir ao escalão seguinte. – Cfr. o acórdão do Pleno do STA, para uniformização da jurisprudência, proferido a 17 de Janeiro de 2007, no Proc. nº 694/2006. b) O … encontrava-se no escalão 4 desde 9 de Setembro de 2002 pelo que deveria ascender ao 5º escalão a 9 de Setembro de 2006. c) Sucede, porém, que as Leis nºs 43/2005, de 29/08 e 53-C/2006, de 29 de Dezembro, vieram determinar a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão entre 30 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007. d) Acresce que, pela Lei do Orçamento do Estado para 2008, Lei nº 67-A/2007, de 31/12, foi revogado o regime de progressão nas categorias previsto no DL nº 353-A/89, a partir de 1 de Janeiro de 2008. e) Consequentemente, quando em 10 de Dezembro de 2008 o associado do Recorrente S… requereu ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha a sua progressão ao escalão 5, não tinham decorrido 4 anos, nem mesmo 3, para que tal fosse viável, pelo que a decisão recorrida não merece censura. f) Por outro lado, não se verifica, como se demonstrou, qualquer inconstitucionalidade das normas que o Recorrente invoca. g) Com efeito, e salvo o devido respeito, o Recorrente não interpreta correctamente a norma do nº 1 do art. 119º, da LO para 2008 (Lei nº 67-A/2007) porquanto preceituando a mesma que a partir de 1 de Janeiro de 2008 a progressão nas categorias se operaria segundo as regras para alteração do posicionamento remuneratório previstas na Lei, a publicar, de Vinculação, Carreiras e Remunerações dos trabalhadores da função pública, (o que veio a verificar-se a 27 de Fevereiro de 2008) tal norma revogou, a partir de 1 de Janeiro de 2008, toda e qualquer progressão nas categorias com fundamento nos módulos de tempo de serviço, passando a progressão a fazer-se através da avaliação e mérito nos termos da Lei, a publicar, de Vinculação, Carreiras e Remunerações. h) – Revogada, pois, legitimamente, a partir de 1 de Janeiro de 2008, pela Lei nº 67-A/2007, a progressão nas categorias nos moldes em que se vinha a realizar em conformidade com o DL nº 353-A/89, o aresto recorrido não podia deixar de julgar improcedente a respectiva acção, por inexistir a alegada inconstitucionalidade. i) – Com efeito, a eficácia da revogação, determinada pela Lei do Orçamento para 2008, do regime de progressão nas categorias por módulos de tempo de serviço previsto no DLº 353-A789, nada tem a ver com a eficácia da publicação (ou não publicação) e da vigência (ou não vigência) da Lei de Vinculação, Carreiras e Remunerações, reguladora do novo regime da progressão nas categorias. j) – Consequentemente, não se vislumbra qualquer violação da norma da a), do nº 2, do art. 19º, do DL nº 353-A/89,cujo regime de progressão por módulos de tempo foi revogado pela LO para 2008, nem a violação do nº 2 do art. 119º da CRP, pois não está aqui em causa a eficácia da publicação da Lei de Vinculação, Carreiras e Remunerações, mas tão só a eficácia da revogação daquele regime de progressão. k) – A revogação do regime antigo de progressão nas categorias pela Lei do Orçamento para 2008 – nº 1 do art. 119º - impediu, como é óbvio, qualquer repristinação do DL nº 353-A/89, ou a nova vigência desta, a partir de 1 de Janeiro de 2008 até 1 de Março seguinte, data em que entrou em vigor a Lei de Vinculação, Carreiras e Remunerações, a qual veio definir em novos moldes a progressão dos funcionários públicos. l) - A norma do nº 1 do art. 119º da Lei do Orçamento de Estado para 2008 – Lei nº 67-A/2007 – ao contrário do que afirma o Recorrente, não enferma de qualquer inconstitucionalidade, pois se limitou a revogar um regime de progressão nas categorias que se revelou incongruente, dada a sua aplicação conduzir a que todos os funcionários públicos acabassem em chefes ou atingissem o topo da carreira, independentemente do seu mérito ou desempenho. m) - Acresce que a referida norma e aquelas a que se reporta o nº 4 do art. 117º da Lei 12-A/2008 (Lei da Vinculação, Carreiras e Remunerações) não padecem de dupla inconstitucionalidade, porquanto: n) – e relativamente à conclusão c) das alegações do Recorrente, não estão em causa, sendo até irrelevantes para o caso, as normas da Lei da Vinculação, Carreiras e Remunerações, (Lei nº 12- A/2008) pelo que, de forma alguma, poderiam violar a Constituição da República., tivessem ou não vigência antes da sua publicação, pois o cerne da questão reside na revogação do regime antigo e retrógrado previsto no DL nº 353-A/89 pela Lei do Orçamento do Estado para 2008, mais precisamente pelo nº 1 do seu art. 119º. E esta revogação não se mostra inquinada por qualquer inconstitucionalidade. o) – Quanto ao que se salienta na conclusão d), a revogação do regime de progressão nas categorias pela Assembleia da República não tem que obedecer ao formalismo previsto pela Lei nº 23/98, de 28 de Maio (audição dos representantes dos trabalhadores), pelo que não foi violada a invocada norma da a) do nº 2 do art. 56º da CRP, tanto mais quanto é certo que esta norma constitucional apenas se refere ao direito das associações sindicais em participar “na elaboração da legislação do trabalho”, pelo que manifestamente não é o caso de não participarem na revogação do regime de progressão nas categorias. A questão terá a sua sede própria na Lei da Vinculação, Carreiras e Remunerações, que consagrou o novo regime de progressão. p) Por último, acrescentar-se-á, que a decisão recorrida tomou por respaldo a jurisprudência pacífica do Tribunal Central Administrativo Sul – Cfr. os arestos citados de 30/04/2009, proferido no Proc. nº 04 803/09 e de 22/10/2009, Proc. nº 05163/09, ambos publicados na Base de Dados do Ministério da Justiça. (www.dgsi.pt). O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 2. Na sentença recorrida deram-se por assentes os seguintes factos: A) S… é sócio do Autor, tendo pedido a intervenção deste para propor a presente acção – cfr. doc. nº 1 anexo à p.i; B) O sócio do Autor era funcionário do quadro de pessoal em regime de direito público da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha ocupando o lugar de operário qualificado, Asfaltador, do dito quadro. C) Em 10/12/2008, o sócio do Autor apresentou na Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha requerimento endereçado ao Exmo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, pedindo a sua mudança para o escalão seguinte (5) da respectiva categoria com fundamento no facto de ter completado o módulo de tempo previsto no escalão antecedente fixado no artigo 19º do DL nº 353-A/89 – cfr. doc. nº 6 à p.i. D) O referido requerimento não obteve resposta. 3. O associado do recorrente, operário qualificado, asfaltador, do quadro de pessoal do recorrido, solicitou a mudança do 4º para o 5º escalão, por entender que no dia 11/1/2008 completou o módulo de tempo de serviço necessário à progressão. Como o requerimento não obteve qualquer resposta veio pedir ao tribunal a condenação do Município na prática do acto que o mude para o 5º escalão e o pagamento das respectivas diferenças salariais desde a data em que completou o módulo de tempo, acrescidas de juros de mora à taxa legal, invocando para tal a violação do artigo 19º do DL nº 353-A/89 de 16/10, diploma vigente no período entre 1/1/08 e 1/3/08, e a inconstitucional do artigo 119º nº 1 da Lei nº 67-A/2007 de 31/12 (Lei do Orçamento Geral do Estado), por determinar que a esse período seja aplicada uma lei ainda não publicada e por preterição das regras da negociação colectiva. O recorrido entende que o associado do recorrente não adquiriu o direito à progressão porque, sendo a carreira horizontal, não completou os quatros anos necessários à mudança de escalão, que o artigo 119º da Lei nº 67-A/2007 revogou o DL nº 353-A/89, devendo aplicar-se desde 1/1/2008 as novas regras de alteração do posicionamento remuneratório constantes da Lei 12-A/2008 de 27/2, e que a feitura dessa norma não está dependente da audição dos representantes dos trabalhadores. Como se vê, são três as questões que se impõe conhecer: (i) natureza horizontal ou vertical da carreira em que se encontra inserido o associado do recorrente; (ii) revogação do DL nº 353-A/89 pelo artigo 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007 e inconstitucionalidade material da norma desse artigo; (iii) inconstitucionalidade formal do citado artigo 119º, no caso de se entender que a norma é aplicável à situação dos autos. Desde a contestação que o recorrido vem defendendo que a “carreira de asfaltador” é uma carreira horizontal e por conseguinte a progressão depende da permanência de quatro anos no escalão imediatamente anterior (al. a) do nº 2 do art. 19º do DL nº 353-A/89). A sentença não analisou essa questão, sendo certo que se a carreira for horizontal nem sequer é necessário conhecer das restantes questões levantadas nos autos, pois nesse caso o associado do recorrente não chegou a adquirir o direito à progressão ao 5º escalão antes da entrada em vigo da Lei 12-A/2008. Com efeito, como se encontrava no 4º escalão desde 9/9/2002 só completava o módulo de tempo de 4 anos em 11/1/2009, uma vez que entre 30/8/2005 e 31/12/2007 as Leis 43/2005 de 29/8 e 53-C/2006 de 29/12 suspenderam a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão. Acontece que a carreira do associado do recorrente não é uma carreira horizontal, como defende o recorrido, mas sim uma carreira vertical. Não existe “carreira de asfaltador”, mas sim “carreira de operário qualificado” onde se integra a profissão de asfaltador. O artigo 26º do DL nº 404-A/98 de 116/12, diploma que estabeleceu as regras sobre ingresso, acesso e progressão nas carreiras de regime geral, impôs a obrigatoriedade de ser revista a Portaria nº 739/79 de 31/12, tendo em vista a actualização dos níveis de qualificação das carreiras operárias, o que foi concretizado pela Portaria nº 807/99 de 21/9. No nº 3 desta Portaria a profissão de asfaltador é integrada na carreira de operário qualificado e no nº 6 descreve-se o conteúdo funcional dessa carreira como sendo o «exercício de funções de natureza executiva de carácter manual ou mecânico com graus de complexidade variáveis, enquadradas em instruções gerais bem definidas exigindo formação completa num ofício ou profissão». Para efeitos remuneratórios, os mapas anexos ao DL nº 404-A/98 e DL nº 412-A/98, de 30/12, estruturaram a carreira de operário qualificado em quatro categorias (operário, operário principal, encarregado e encarregado geral), cada uma com vários escalões, o que pressupõe diferenciação em exigências, complexidade e responsabilidade e acesso por promoção. Não há pois que invocar o artigo 38º do DL nº 247/87 de 17/6, e a jurisprudência que sobre ele foi firmada, no sentido de que não é taxativa a enumeração das carreiras horizontais nele indicadas (Ac. do STA de 17/1/2007, rec. nº 0694/06), porque a natureza vertical da carreira de operário qualificado resulta directamente do DL nº 412-A/98 e da Portaria nº 807/99, ambos revogados pela Lei nº 12-A/2008. Mais complexa é a segunda questão, ou seja, saber se o artigo 119º da Lei nº 67-A/2007 teve a pretensão de revogar as regras de progressão constante do artigo 19º do DL nº 353-A/84 e se é inconstitucional ao ordenar a aplicação de uma lei que ainda não entrou em vigor. Como se informa nos autos, sobre esta questão já foi produzida jurisprudência em sentido divergente: no sentido de que, por força do nº 1 do artigo 119º daquela lei, foram derrogadas as disposições do DL nº 353-A/89, decidiram os Acs do TCAS, no rec. nº 04803/09 de 30/4/2009 e rec. nº 05163/09 de 21/10/09 e do Ac do TCAN no rec. nº 363/09 de 8/7/2010; no sentido de que o DL nº 353/-A/89 não foi revogado por aquele artigo, mas apenas pela Lei nº 12-A/2008, o Ac. do STA. rec. nº 0958/09 de 26/5/2010. No acórdão do TCAN considerou-se que o artigo 119º é uma “norma transitória” que, apesar de integrada na Lei do Orçamento para 2008, é uma norma relativa ao novo regime de progressão nas carreiras, não havendo impedimento constitucional a que o legislador possa atribuir eficácia retroactiva a esse novo regime. Nesse acórdão diz-se o seguinte: “A letra do artigo 119º nº1 da Lei nº67-A/2007 não suscita grandes dúvidas: o legislador quis que a partir de 01.01.2008 fossem aplicadas as regras de progressão nas categorias que haviam de constar da lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº109/2005, iria ser publicada, definindo e regulando os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da função pública, e que produziriam efeitos a partir daquela data, ou seja, 01.01.2008. E esta interpretação textual mostra-se perfeitamente suportada pelos demais elemento interpretativos, nomeadamente o sistemático, pois que, da leitura conjugada do antigo e do novo regime, facilmente resulta que as regras para alteração do posicionamento remuneratório, previstas nesse novo regime, foram elaboradas de modo a abranger, também, as situações relevantes desde 01.01.2008. É isso que resulta, cremos, da ponderação do estipulado nos artigos 47º nº7, e 113º nº1, da Lei nº12-A/2008. Este escopo integrativo, e de complementaridade, que parece ter assistido a vontade do nosso legislador, é partilhado também, cremos, por relevante doutrina, segundo a qual em virtude de o nº 1 do artigo 113º determinar que, para efeitos de alteração obrigatória da posição remuneratória, são contabilizadas as avaliações de desempenho dos anos de 2004 a 2007, então as primeiras alterações obrigatórias de posição remuneratória poderão ocorrer e produzir os seus efeitos a 1 de Janeiro de 2008, conforme, aliás, expressamente se previu no nº1 do artigo 119º da Lei 67-A/2007 de 31 de Dezembro [Paulo Veiga Moura e Cátia Arrimar, Os Novos Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores da Administração Pública, Comentário à Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, em anotação ao artigo 47º]. A norma do artigo 119º nº1 da Lei 67º-A/2007, é assumida, pois, como disposição transitória do próprio novo regime de progressão nas carreiras que, fruto das circunstâncias, ao invés de integrar a lei que consagra tal regime, foi inserida na Lei do Orçamento para 2008. Face ao mais que provável atraso na publicação do regime que viria a integrar a Lei nº 12-A/2008, e para preservar a coerência útil do regime por ela consagrado, o legislador resolveu adiantar essa norma, através da qual não só derrogava, tacitamente, a aplicação das regras do artigo 19º do DL nº 353-A/89, como também atribuía retroactividade à aplicação das novas regras [ver artigo 7º nº 2 do Código Civil. Na jurisprudência, sobre esta derrogação tácita, ver AC TCAS de 30.04.09, Rº04803/09, e AC TCAS de 22.10.09, Rº05163/09]. Deste modo, o artigo 119º nº1 da Lei 67º-A/2007, ao prever que as regras da nova lei, a publicar, produzissem efeitos a partir do dia 01.01.2008, teve como objectivos claros, por um lado, salvaguardar o regime que viria a integrar essa nova lei [nomeadamente o nº 7 do seu artigo 47º], e, por outro lado, afastar qualquer possibilidade de ser aplicado o DL nº353-A/89 ao período entre 01.01.2008 e 01.03.2008, pois entraria em claro conflito com as regras novas [alteração do posicionamento remuneratório]. Assim, cremos que a nossa questão se coloca, inteiramente, no âmbito da aplicação da lei no tempo [ver artigo 12º do CC], e não no âmbito da eficácia da lei [artigos 119º nº1 c) e nº2 CRP, 1º nº1 e 2º nº1 Lei Formulário], questão esta que não nos é pedido, ao menos directamente, que resolvamos. Na verdade, o que o nosso recorrente alega é que o artigo 119º nº1 da Lei nº 67º-A/2007 padece de inconstitucionalidade material por violar o artigo 119º nº2 da CRP, e, também, o artigo 112º nº3 da CRP, por desrespeitar uma lei de valor reforçado [Lei Formulário], ou seja, uma lei que deve ser respeitada por outros actos normativos. Significa isto que, para ele, a eficácia na aplicação da Lei nº12-A/2008 ao período de tempo que vai de 01.01.2008 a 01.03.2008 fica comprometida pela ulterior publicação desse diploma legal. E, de facto, assim seria, caso o artigo 119º nº 1 da Lei do Orçamento não tivesse de ser interpretado como norma transitória relativa à aplicação retroactiva das novas regras do novo regime de progressão na carreira, apenas circunstancialmente inserida na Lei do Orçamento. Mas, devendo-o ser, como vimos, tudo se reduz à possibilidade de eficácia retroactiva dessas novas regras, dado que, do que se trata, é de saber se era permitido ao legislador fazer esta divisão temporal de aplicação das duas leis [DL nº 353-A/89 e Lei nº 12-A/2008]. Apesar da questão não nos ter sido colocada neste patamar, e, por isso, não se impor a sua abordagem, sempre diremos que à luz do preceituado no artigo 12º do Código Civil, sobre a aplicação das leis no tempo, nada parece impedir que o legislador o tenha feito. Desde logo, não o impede a nossa Lei Fundamental, dado que o princípio da não retroactividade não tem força de princípio constitucional senão no domínio do direito criminal [ver artigo 29º da CRP], e parece não o impedir, também, a lei ordinária, na medida em que, não obstante a regra da lei dispor para o futuro, é permitido atribuir-lhe a eficácia retroactiva desde que ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que ela se destina a regular. Ora, no presente caso, as referidas novas regras vêm dispor sobre o conteúdo da relação jurídica de emprego público, duradoura, nada impedindo que abranja também as relações jurídicas já constituídas [artigo 12º nº1 e nº2 CC. Ver, a respeito, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2006, páginas 227 a 242]. Para o STA, o artigo 119º não contém qualquer revogação expressa, total ou parcial do DL nº 353-A/89, nem dele resulta a revogação tácita ou implícita «pois que essa revogação só veio a ser expressamente consagrada na Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro [art. 116º, al. u)], o que seria naturalmente incompreensível se a mesma tivesse sido já operada por diploma anterior. Teríamos então um diploma a ser revogado por duas vezes, o que é, do ponto de vista técnico e jurídico, perfeitamente inconcebível». Retomando a letra do artigo 119º, o acórdão do STA diz o seguinte: «O que este preceito da Lei n° 67-A/2007, que é uma lei de aprovação do Orçamento do Estado, nos veio dizer é que, a partir de 1 de Janeiro de 2008, a progressão nas categorias vai obedecer às regras que virão a ser estabelecidas em lei que há-de surgir posteriormente, e que essa lei futura produzirá efeitos a partir daquela data. Há que convir que se trata de um método pouco ortodoxo de determinação da eficácia das leis, o de estabelecer ex ante, em normação provisória, a retroactividade da aplicação ou da produção de efeitos de uma lei futura, sendo certo, para mais, que essa mesma lei futura não só silencia essa eficácia retroactiva, como fixa, ela própria, para data posterior à da sua publicação a respectiva vigência e produção de efeitos. Na verdade, dispõe o art. 118º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008 que, sem prejuízo da sua entrada em vigor (para certos efeitos) no dia seguinte ao da publicação, “a presente lei entra em vigor no 1º dia do mês seguinte ao da sua publicação e produz efeitos nos termos dos nº s 3 a 7”, dos quais não resulta qualquer produção de efeitos anterior. Do que decorre naturalmente uma de duas conclusões: (i) ou o referido art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, ao fixar a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos do novo regime de progressão nas categorias, que há-de vir a ser estabelecido em lei futura, contém a ressalva implícita das situações desenvolvidas ainda ao abrigo do DL n° 353-A/89, diploma que só veio a ser revogado justamente pela nova lei (Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro); (ii) ou, a admitir-se que o citado art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007 fixa, sem qualquer ressalva, a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos dessa lei futura, então essa prescrição foi necessariamente derrogada pelo conteúdo da nova lei, concretamente pelo citado art. 118º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (lex posterior priori derrogat). Em qualquer dos casos, é inequívoco que à progressão nas categorias por mudança de escalão, decorrente da permanência por um módulo de tempo de 4 anos no escalão imediatamente anterior, que se vença entre 01.01.2008 e 01.03.2008, é aplicável o disposto nos arts. 19º e 20º do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro, diploma que só veio a ser revogado pela Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (novo regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), a qual fixou a sua entrada em vigor e a respectiva produção de efeitos em data posterior à da sua publicação». A nosso ver, a dificuldade de resolução deste caso reside na circunstância de se querer interpretar o artigo 119º da Lei 67-A/2007 como abrangendo os trabalhadores que à data da entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008 tivessem completado os módulos de tempo necessários para progredirem automaticamente nos respectivos escalões. Se aquele artigo 119º tivesse entrado em vigor no mesmo momento que a Lei nº 12-A/2007, como deveria ter acontecido, certamente que o direito à progressão já adquirido não podia ser afectado pela aplicação da nova lei, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança decorrentes do princípio do estado de direito (art. 2º da CRP). Mas como entrou em vigor em 1/1/2008, ao contrário das novas regras de alteração do posicionamento remuneratório que apenas entraram em vigor em 1/3/2008 (cfr. art. 118º da Lei nº 12-A/2008), coloca-se o problema de saber se era possível aplicar uma lei a um período em que ela ainda não está em vigor. Ora, esta questão deve ser á luz do princípio geral da segurança jurídica, do qual decorre o princípio da proibição de pré-efeitos de actos normativos, segundo o qual, na definição de Gomes Canotilho, «os actos legislativos e outros actos normativos não podem produzir efeitos jurídicos (pretensão de eficácia) quando não estejam ainda em vigor nos termos constitucional e legalmente prescritos» (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed. pág. 259). Portanto, a pretensão de se aplicar a Lei nº 12-A/2008 ao período anterior à sua vigência viola o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, na medida em que atinge posições jurídicas constituídas com base numa lei vigente e com a qual os trabalhadores da Administração Pública contavam. Na verdade, o que o artigo 119º pretende dizer é as alterações de posicionamento remuneratório ocorridas após a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008 têm eficácia retroactiva a 1/1/2008. Somente após 1/3/2008, como de resto resulta do nº 4 do art. 117º da Lei 12-A/2008, é que as alterações de escalões se processam nos termos dos arts. 46º a 48º e 113º, com efeitos retroactivos a 1/1/2008. Mas dizer-se que após 1/1/2008 começaram a vigorar as novas regras de alteração de escalões e que o DL nº 353-A/89 foi revogado é algo muito diferente que o texto do artigo 119º não comporta. A constitucionalidade material desta norma só se salva pois quando interpretada no sentido de que não pretende abranger os trabalhadores da Administração Pública que até à data da entrada em vigor da lei para que remete tenham completado os módulos de tempo necessários para progredirem automaticamente nos escalões até aí existentes. Ao decidir em sentido oposto, considerando que à progressão nessas circunstâncias se aplica o disposto no art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, e, por via desta, o regime que veio a ser estabelecido na Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por violação das aludidas disposições legais. Procede, assim, a alegação do recorrente no que concerne é segunda questão. E daí decorre, naturalmente, que fica prejudicado o conhecimento da outra questão, relativa à inconstitucionalidade da citada norma do art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, norma que se entendeu não ser aplicável à situação dos autos. 4. Com os fundamentos expostos, acordam em: a Conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido; b) Julgar procedente a acção, condenando o Réu Município de Albergaria-a-Velha a reposicionar a associada do Autor no 5º escalão da sua categoria, ao qual progrediu automática e oficiosamente a 11.01.2008, e com efeitos remuneratórios reportados a 01.02.2008, acrescida de juros de mora à taxa legal. c) Custas pelo Réu no TCA e no TAF. TCAN, 18 de Novembro de 2010 Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela Ass. José Augusto Araújo Veloso (vencido, de acordo com a posição manifestada no AcTcan de 8/7/2010 - Proc. 363/09) |