Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
A&A, Lda vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 24 de Maio de 2016, e que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta contra o Município de Guimarães e onde era solicitado que se devia:
a) Declarar a anulação do ato de adjudicação dos Lotes de terreno 11, 12, e 13 à Sociedade Autora, por erro na identificação e a composição dos imóveis no Regulamento da Hasta Pública;
b) Condenar a Câmara Municipal de Guimarães a restituir à Sociedade Autora a quantia de € 8,775 pagos aquando da arrematação e da adjudicação provisória, acrescidos dos respetivos juros moratórios, assim reconstituindo a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…
Em alegações a recorrente concluiu assim:
1ª Por Edital datado de 11 de Outubro de 2010, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães fez saber que seriam vendidas em Hasta Pública, entre outras parcelas, os seguintes três lotes de terreno, situados na freguesia de Vila Nova de Sande:
Número | Localização/Freguesia | Área | Matriz
Registo Predial | Finalidade | Valor base de Licitação |
14 | Lugar da Ponte Velha/Sande Vila Nova | 88,20m2 – Lote 11 do Alv. Loteamento nº 42/94 | U…Sande Vila Nova | Edifício de 2 pisos, para habitação unifamiliar | 11.450 |
15 | Lugar da Ponte Velha/Sande Vila Nova | 88,20m2 – Lote 12 do Alv. Loteamento nº 42/94 | U…/Sande Vila Nova | Edifício de 2 pisos, para habitação unifamiliar | 11.450 |
16 | Lugar da Ponte Velha/Sande Vila Nova | 88,20m2 – Lote 13 do Alv. Loteamento nº 42/94 | U…/Sande Vila Nova | Edifício de 2 pisos, para habitação unifamiliar | 11.450 |
2ª No Edital é referido que “o respetivo programa encontra-se afixado no átrio da Câmara Municipal e no sítio da internet do Município www.cm-guimaraes.pt, podendo, ainda, os respetivos processos serem consultados na Divisão de Património Municipal da Autarquia, nas horas normais de expediente”, tendo um representante da Sociedade Autora consultado o processo e, em particular, o Alvará de Loteamento 42/94.
3ª No referido Alvará 42/94, os Lotes 11, 12 e 13 estão descritos da seguinte forma:
a) Lote nº11 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº12, do sul com lote nº10, do Nascente com lote nº 16 e 17 e do Poente com lote nº5 (separado por zonas verdes e passeios);
b) Lote nº12 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº13, do sul com lote nº11, do Nascente com lotes nº 17 e 18 e do Poente com lote nº6 (separado por zonas verdes e passeios);
c) Lote nº13 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº14, do sul com lote nº12, do Nascente com lote nº 18 e 19 e do Poente com lote nº7 (separado por zonas verdes e passeios), sendo dos documentos que se encontram anexos ao processo administrativo em causa não consta a referência a qualquer aditamento aprovado posteriormente.
4ª Considerando a informação constante no Alvará de Loteamento 42/94, a Sociedade Requerente entendeu apresentar uma proposta para a aquisição dos lotes 11, 12 e 13 referentes às parcelas nº 14,15 e 16 que constam do Regulamento da Hasta Pública, assim confiando que a documentação que lhe foi fornecida pelos serviços do Município estava correta, nomeadamente que a poente estivessem separada dos lotes fronteiriços por “zonas verdes e passeios”.
5ª Na compra de qualquer terreno qualquer comprador ou vendedor reflete e pondera sobre o seu enquadramento e sobre a envolvência do mesmo que, na verdade, compõe o imóvel.
6ª Não se compreende a redação do referido facto, nomeadamente a palavra “teria”, assim se deixando impugnado o mesmo, seja considerando a redação do artigo 16º da petição inicial, seja considerando o teor da Contestação, seja tendo em conta o processo administrativo junto aos autos.
7ª Não há dúvida para qualquer das partes que há discrepâncias entre o que está nos documentos para que remete o regulamento e o que está, de facto, implantado no terreno, sendo que ao utilizar a expressão “teria” o Tribunal está a colocar incerteza quanto a algo certo: a existência da discrepância.
8ª A discrepância está assumida e evidenciada seja pela informação constante de fls.5, 12 e 15 do processo administrativo, seja pelos artigos 24º, 25º, 26º e 27º da Contestação.
9ª Existe discrepância entre a informação que consta no processo administrativo (ver documentos 3 e 4 da petição inicial) e a realidade que se encontra implantada no terreno, nomeadamente no que diz respeito aos acessos aos lotes em causa, ou seja, antes o acesso aos lotes era apenas pedonal e com zonas verdes, hoje o acesso aos mesmos lotes é carral. Facto que não estava vertido nos documentos fornecidos ao proponente.
10ª Deverá alterar-se o facto 10 da matéria dada como provada para a seguinte redação: Posteriormente, representantes da Sociedade autora deslocaram-se ao local e concluíram que a situação que se encontra no terreno não tem correspondência com a situação que está descrita no processo administrativo para o qual remetia o Edital referente ao Regulamento da Hasta Pública.
11ª O Município de Guimarães, em sede de Contestação, admite a existência de alterações ao aditamento para que se remete em sede de Regulamento
12ª Deverá ser dado como provado que: no processo titulado com o alvará de loteamento 42/94, estava previsto um arruamento de serventia às habitações de banda central, correspondente aos lotes 1 a 14, exclusivamente destinado a peões, e a alteração posterior, referente ao terreno do domínio público, consistiu na abertura de um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura.
13ª Diz o nº1 do artigo 95º do DL 280/2007 que aprovou o Regime Jurídico do Património Imobiliário público que “não há lugar à adjudicação, provisória ou definitiva, designadamente quando se verifique erro relevante sobre a identificação ou a composição do imóvel”, sendo que esta referência não se afigura que a referência legal a erro nos reporte para o erro ou vício na formação da vontade.
14ª A lei é clara a dizer que erro pode motivar a não adjudicação: a) a errada identificação do prédio; b) a errada composição do imóvel, pelo que aquilo que tem de se debater é se a identificação do imóvel e a sua composição estão erradas ou corretas. E, existindo erro, se esse erro em concreto é ou não relevante que merece ser tutelado.
15ª Na sua Contestação, o Réu Município descreve exatamente qual o erro sobre o qual estamos a debater: a) no processo titulado com o alvará de loteamento 42/94, estava previsto um arruamento de serventia às habitações de banda central, correspondente aos lotes 1 a 14, exclusivamente destinado a peões; b) e a alteração posterior, referente ao terreno do domínio público, consistiu na abertura de um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura.
16ª No Regulamento da Hasta Pública é dito aos interessados que: a) “Podendo, ainda, os respetivos processos serem consultados na Divisão de Património Municipal da autarquia”; b) Sendo que no Regulamento se refere de forma clara que os prédios objeto de controvérsia estão integrados no alvará 42/94.
17ª Em cumprimento do previsto, a Autora consultou o processo e os documentos que lhe estão subjacentes; verificou que, no alvará de loteamento 42/94, estava previsto um arruamento de serventia às habitações de banda central, exclusivamente destinado a peões e com zonas verdes.
18ª Confiando nas informações prestadas pelas entidades públicas; confiando nos documentos que consultou no processo; confiando nos documentos que lhe foram entregues pelos serviços municipais. A Autora apresentou uma proposta de aquisição dos lotes com um arruamento de serventia às habitações de banda central, exclusivamente destinado a peões e com zonas verdes.
19ª Posteriormente, a Autora verificou que o imóvel não estava composto da forma como estava descrito nos documentos, pois, e como reconhece o Município, onde antes havia espaços verdes e acesso apenas pedonal, temos agora um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura.
20ª A expressão legal “composição” não se pode referir apenas aos lotes em si mesmos, antes compreende, como decorre da etimologia da palavra, a maneira como os lotes estão ou se encontram dispostos, o respetivo aspeto, a forma de organização, sendo que, de forma evidente e relevante, a composição do imóvel na sequência da alteração é substancialmente diferente da composição inicial.
21ª É objetivamente relevante um processo administrativo que remete para lotes cujo acesso é meramente pedonal e com zonas verdes (conforme regulamento) ou para um processo administrativo que remete para arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura.
22ª Este é o erro. É objetivamente relevante. Merece a tutela do direito.
23ª Na sua Contestação, o Município de Guimarães evidencia, essencialmente, dois argumentos essenciais para não dar procedência à pretensão da Autora e que não devem proceder: a) que os lotes não sofreram qualquer desvalorização; b) que o município não pode garantir a imutabilidade das condições da dominialidade pública.
24ª Esta tese evidencia desde logo o reconhecimento da existência de uma alteração ao inicialmente previsto no alvará de loteamento e que a autora dos documentos existentes nos autos não poderia ter acesso a informação fidedigna.
25ª Não se consegue perceber qual a base que sustenta a afirmação de que o imóvel tal qual está implantado fisicamente está valorizado face ao que estava previsto documentalmente, pois então é o próprio Município quem assume estar a vender os lotes por preço inferior ao preço de mercado no que isso representa de prejuízo para o erário público.
26ª Não pode o Município garantir a imutabilidade do domínio público, mas deve garantir que os documentos administrativos retratem a realidade no momento – facto que assumidamente não acontece.
27ª No caso concreto, o acesso aos lotes de terreno não estava corretamente composto nos documentos que constituem o processo administrativo. Sendo que a maneira como o prédio interage com o domínio público é relevante a faz parte da composição do prédio.
28ª Não se compreende que o Tribunal afirme que impendia sobre a Autora o ónus de se deslocar ao local e confirmar a aptidão dos lotes.
29ª È da mais elementar essencialidade nas regras de segurança e confiança que devem regrar o procedimento administrativo começar por dizer que o Município tem o “ónus” de transmitir informação fidedigna, correta e adequada em ordem a que o cidadão decida de forma fundamentada.
30ª Não há um ónus que a autora tivesse de carregar de deslocação ao local. Se não houvesse discrepância entre o documento e a realidade e, porventura, os lotes não correspondessem às expectativas que remédio tinha a autora de aceitar a decisão.
31ª Esta posição do Tribunal tem o seu quê de desculpabilizante para o Município. Por um lado, assume implicitamente que pela análise dos documentos há discrepâncias que poderiam ter sido verificadas sacudindo o ónus; por outro lado, desculpa os erros cometidos pelo município carregando a autora com a obrigação de fiscalizar a legalidade do processo administrativo.
32ª Município e Tribunal acabam por concluir que a Autora, pela mera análise dos documentos, não poderia chegar a conclusão diversa da que chegou.
33ª Mal andou o tribunal ao decidir como decidiu. A sentença proferida violão disposto no referido artigo 95º do Decreto Lei que aprovou o regime Jurídico do património Imobiliário Público. Por tudo o exposto deverá ser revogada a Sentença em crise e proferido Acórdão que julgue procedente a pretensão da Autora.
O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no art.º 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se nos autos no sentido de ser negado total provimento ao recurso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
— se ocorreu erro de julgamento pelo Tribunal a quo por considerar que não ocorreu no acto ora impugnado erro nos pressupostos de facto.
Cumpre decidir.
2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos provaram-se os seguintes factos:
1. Por Edital datado de 11 de Outubro de 2010, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães fez saber que seriam vendidas em Hasta Pública “18 parcelas de terreno, situadas nas freguesias de Brito, Calvos, Ponte, Sande Vila Nova e Silvares”, conforme tudo melhor se alcança de cópia do edital que estará, igualmente, no processo a administrativo – cfr. doc.1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. No mesmo edital consta que “o respetivo programa encontra-se afixado no átrio da Câmara Municipal e no sítio da Internet do Município www.cm-guimaraes.pt, podendo, ainda, os respectivos processos serem consultados na Divisão de Património Municipal da Autarquia, nas horas normais de expediente”
3. Entre o objecto do concurso estavam as parcelas de terreno constantes do Regulamento da Hasta Pública cuja cópia foi junta aos autos, com a p.i., como doc.2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Os Lotes 11, 12 e 13 - referentes às parcelas 14,15 e 16 do Regulamento -, sitos na freguesia de Sande Vila Nova, do concelho de Guimarães, estão integrados no Alvará de Loteamento 42/92 – cfr. doc.2 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Um representante da Sociedade Autora deslocou-se aos serviços da Câmara Municipal a fim de consultar o processo e, em particular, os Lotes 11, 12 e 13 que se encontravam integrados no Alvará de Loteamento 42/94.
6. Da análise ao processo resultou que no referido Alvará 42/94, os Lotes 11, 12 e 13 estão descritos da seguinte forma:
a) “Lote nº11 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº12, do sul com lote nº10, do Nascente com lote nº 16 e 17 e do Poente com lote nº5 (separado por zonas verdes e passeios);
b) Lote nº12 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº13, do sul com lote nº11, do Nascente com lotes nº 17 e 18 e do Poente com lote nº6 (separado por zonas verdes e passeios);
c) Lote nº13 com a área de 88,20m2, a confrontar do Norte com lote nº14, do sul com lote nº12, do Nascente com lote nº 18 e 19 e do Poente com lote nº7 (separado por zonas verdes e passeios) ”. – cfr. doc.3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. A Autora apresentou uma proposta para a aquisição dos lotes 11, 12 e 13 referentes às parcelas nº 14,15 e 16 que constam do Regulamento da Hasta Pública.
8. O ato público da hasta pública realizou-se no dia 9 de Novembro de 2010 e os Lotes 11, 12 e 13 do Alvará 42/94 foram provisoriamente adjudicados à Autora;
9. No dia 9 de Novembro de 2010, a Sociedade Autora efetuou o pagamento da quantia correspondente a 25% do valor da adjudicação de cada um dos lotes, conforme tudo melhor se alcança de guia emitida pela Câmara Municipal de Guimarães – cfr. doc.5 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Posteriormente, representantes da Sociedade Autora deslocaram-se ao local e concluíram que a situação que se encontra no terreno não teria correspondência com a situação que está descrita no processo administrativo para o qual remetia o Edital referente ao Regulamento da Hasta Pública.
11. No dia 15 de Fevereiro de 2011, a Sociedade Autora requereu a anulabilidade da adjudicação provisória, assim como a restituição do montante de € 8.775 depositado na Tesouraria do Município – cfr. doc.6 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Posteriormente, a Câmara Municipal respondeu à Requerente através do ofício 155/PAT/ES – cfr. doc.7 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. Em 16 de Março de 2011, a Sociedade Reclamante solicitou, por escrito, a realização de uma reunião com os serviços técnicos responsáveis, o que ocorreu em 20 de Abril de 2011 – cfr. doc.8 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
14. Em 7 de Junho de 2011, a Sociedade Autora solicitou informações relativamente ao assunto em questão – cfr. doc. 9 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
15. A Sociedade Autora foi notificada, através do ofício com a referência 480/PAT/ES, de que o pedido de anulação da adjudicação provisória por si apresentado no âmbito da Hasta Pública 2/2010 e que deu origem ao processo à margem referenciado, foi indeferido por Despacho do Sr. Vereador DB datado de 27 de Julho de 2011 – cfr. doc.10 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
16. No referido despacho foi ainda “adjudicada definitivamente a arrematação” dos lotes em questão – cfr. doc.10 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
17. Tal decisão foi praticada pelo respectivo Vereador no uso de poderes delegados para o efeito pelo Presidente da Câmara, conforme despacho datado de 06.01.2011 a que se alude na notificação.
18. A Sociedade Autora, não se conformando com a decisão, apresentou recurso para o órgão delegante, ou seja, para o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães;
19. Por despacho de 12 de Setembro de 2011, recebido a 19 de Setembro de 2011, o órgão delegante indeferiu o recurso interposto, mantendo a decisão de adjudicação definitiva da arrematação dos lotes em questão – cfr. doc.11 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
I- O recorrente vem sustentar, nas suas conclusões 1 a 14, que deve ser alterada a matéria de facto. Refere que a redacção do artigo 10º encontra-se incorrecta, uma vez que se utiliza o vocábulo “teria” em vez de se afirmar categoricamente que a “ situação que se encontra no terreno não tem correspondência …”
Por seu lado, dever-se-ia dar como provado que no processo titulado com o alvará de loteamento 42/94, estava previsto um arruamento de serventia às habitações de banda central, correspondente aos lotes 1 a 14, exclusivamente destinado a peões, e a alteração posterior, referente ao terreno do domínio público, consistiu na abertura de um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura.
Estas alterações derivariam dos documentos juntos aos autos.
No que se refere à primeira questão e relativa ao facto de se dar como provado que os representantes da sociedade autora deslocaram-se ao local e concluíram que a situação que se encontra no terreno não tem correspondência com a situação que está descrita no processo administrativo, estamos perante uma conclusão e não perante um facto. O facto seria descrever a situação que consta do Alvará e a que se verificará no terreno. Ora a descrição da situação do Alvará encontra-se no ponto 6 da matéria de facto dada como provada. Por seu lado a descrição da situação dos lotes com o Aditamento encontra-se referida nos doc.s n.ºs 7 e 10 anexo à pi (n.º 12 e 15 da matéria de facto dada como provada), que por sua vez remetem para a consulta escrita que se encontra a fls. 15 do PA. O aditamento 1/06 que teria sofrido o loteamento encontra-se descrito a fls. 22 do PA.
É verdade que o artigo 10º do probatório já é, em si mesmo, conclusivo, mas a sua redacção torna-se inócua para a análise do mérito da presente acção, razão pela qual se conclui pela sua não alteração.
Quanto ao dar-se como provado que “ a alteração posterior, referente ao terreno do domínio público, consistiu na abertura de um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos lotes, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura”, também é uma questão que se retira dos documentos juntos aos autos. Estamos perante prova resultante de documento e não perante prova testemunhal ou mesmo pericial. Neste âmbito os factos referidos devem resultar da análise dos documentos sem necessidade de mais considerações. No ofício remetido pela Câmara Municipal e dirigido ao recorrente (doc. n.º 7-n. 2 do probatório) vem referido expressamente que o Alvará de Loteamento n.º 42/94 teve o Aditamento 1/06. Este aditamento encontra-se claramente referido na fls. 22 do PA. Não se torna assim necessário proceder a qualquer alteração da matéria de facto uma vez que constam do probatório os documentos que contêm a matéria relevante para análise do mérito da questão.
Indefere-se assim a alteração da matéria de facto.
II – No que se refere ao recurso quanto ao seu mérito, vejamos o que está em causa nos presentes autos.
Por Edital datado de 11 de Outubro de 2010, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães anunciou que seriam vendidas em Hasta Pública “18 parcelas de terreno, situadas nas Freguesias de Brito, Calvos, Ponte, Sande Vila Nova e Silvares”.
A Autora, ora recorrente, apresentou uma proposta para a aquisição dos lotes 11, 12 e 13 referentes às parcelas nº 14,15 e 16 que constam do Regulamento da Hasta Pública
O acto público da hasta pública realizou-se no dia 9 de Novembro de 2010 e os Lotes 11, 12 e 13, do Alvará 42/94, foram provisoriamente adjudicados à recorrente. No mesmo dia a sociedade Autora efectuou pagamento da quantia correspondente a 25% do valor da adjudicação.
No dia 15 de Fevereiro de 2011, a Sociedade Autora requereu a anulabilidade da adjudicação provisória, assim como a restituição do montante de € 8.775 depositado na Tesouraria do Município, invocando que tinha sido alterada a função dos lotes, o que levou a que tivessem perdido o interesse no negócio.
Depois de uma primeira comunicação em que a entidade recorrida refere à recorrente que o Alvará de Loteamento n.º 42/94 teve o Aditamento n.º 1/06, e depois de um encontro entre as partes, a sociedade Autora foi notificada de que o pedido de anulação da adjudicação provisória tinha sido foi indeferido por Despacho do Sr. Vereador DB, datado de 27 de Julho de 2011. No referido despacho foi ainda “adjudicada definitivamente a arrematação” dos lotes em questão.
É este despacho que a recorrente pretende ver anulado.
A recorrente vem, em resumo, sustentar que houve alteração posterior à venda dos lotes, e que essa alteração levou a que tivesse perdido interesse na compra.
A entidade recorrida sustenta que a alteração feita apenas se cingiu sobre terrenos do domínio público, tendo passado o acesso aos lotes indicados de uma zona de circulação exclusiva a peões para arruamento público, dotado de duas zonas de acesso pedonais.
Não ocorre qualquer alteração que leve à anulação do negócio em causa.
Na decisão recorrida refere-se:
Independentemente de nos alongarmos sobre entendimento do que poderá constituir “erro relevante” (tanto mais que a Autora, na sua p.i., nem disseca em que medida tal existiria), neste caso, conforme resulta claramente dos artigos 16º e 17º da p.i., a constatação de que “o terreno não corresponderia com a situação descrita no processo” é feita a posteriori de ter ocorrido a adjudicação (ainda provisória) dos lotes em questão.
Ora:
O ónus de se deslocar ao local e confirmar a “aptidão” dos lotes para os fins pretendidos cabia à autora, antes mesmo de ter apresentado propostas para a sua aquisição.
Fê-lo, entanto, só depois de lhe terem sido adjudicados os lotes. Aparentemente, cerca de 3 (três) meses depois, uma vez que a adjudicação data de dia 9 de Novembro de 2010 (altura em que a autora efetuou o pagamento da quantia correspondente a 25% do valor da adjudicação de cada um dos lotes) e a autora apenas requereu a respectiva anulação e restituição do montante depositado em 15 de Fevereiro de 2011.
O acto de adjudicação, aqui posto em crise, não padece de qualquer erro. Foram adjudicados os lotes certos (lotes 11, 12 e 13 referentes às parcelas nº 14,15 e 16 que constavam do
Regulamento da Hasta Pública). Aparentemente, não correspondem é às expectativas da Autora.
Somos, assim, de concluir que o acto de adjudicação dos lotes não padece de qualquer desconformidade que origine um vício de violação de lei, cumprindo julgar improcedente a argumentação da autora e, consequentemente, a presente acção, absolvendo-se o réu dos pedidos formulados.
À situação dos autos, estando em causa a venda em hasta pública de Lotes de terreno propriedade do Município de Guimarães, aplica-se o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 07 de Agosto, que aprovou o Regime Jurídico Do Património Imobiliário Público (RJPIP).
Refere o artigo 92º deste diploma que:
1 - Terminada a licitação nos termos do artigo anterior, a comissão adjudica provisoriamente o imóvel a quem tenha oferecido o preço mais elevado.
2 - O adjudicatário provisório deve, de imediato, efectuar o pagamento de 25 % do valor da adjudicação e declarar se opta pela modalidade do pagamento em prestações, se prevista no anúncio público, bem como se pretende que o imóvel seja para pessoa a designar, a qual deve ser identificada no prazo de cinco dias.
O artigo 94º menciona:
1 - No pagamento a pronto, a quantia remanescente aos 25 % já pagos é liquidada no prazo de 20 dias contados da data da notificação da adjudicação definitiva….
3 -O incumprimento pelo adjudicatário das obrigações previstas nos números anteriores implica a perda de quaisquer direitos eventualmente adquiridos sobre os imóveis, bem como das importâncias já entregues.
4 - Após o pagamento integral do valor da adjudicação é emitido o respectivo título de arrematação.
Por seu lado refere o artigo 95º que:
“1 - Não há lugar à adjudicação, provisória ou definitiva, designadamente, quando se verifique erro relevante sobre a identificação ou a composição do imóvel, a prestação de falsas declarações, a falsificação de documentos ou o fundado indício de conluio entre os proponentes.
Verifica-se da análise dos artigos anteriormente referidos e decorre da matéria de facto dada como provada que a solicitação da recorrente de ver anulada a adjudicação provisória dos lotes de terreno e a devolução dos 25% do valor da adjudicação pagos quando da adjudicação provisória, prende-se com o facto considerar que ocorreu erro relevante sobre a identificação ou composição do imóvel, sendo esta a única razão que poderia levar à anulação do acto.
Na verdade refere o artigo 95º anteriormente transcrito que não há lugar à adjudicação, provisória ou definitiva, designadamente, quando se verifique erro relevante sobre a identificação ou a composição do imóvel.
Assim sendo, a questão decidir está em saber se no caso dos autos teria ou não ocorrido erro relevante na identificação ou na composição do imóvel.
Segundo Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1983, pág. 233, erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
O erro-vicio, segundo Carlos Alberto da Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pág. 386, traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância- se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.
O erro segundo este Ilustre Autor, quando às suas modalidades, pode consistir em erro sobre a pessoa do declaratário, erro sobre o objecto do negócio e erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio.
Segundo Acórdão STJ proc. n.º 5223/05.3TBOER.L1S1, de 15-05-2012:
I - A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são.
II - O erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexactamente representadas, não teria realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes.
O erro na formação da vontade pode assim verificar-se quanto ao objecto do negócio. No entanto e como se refere no artigo 95º do (RJPIP, para que não há lugar à adjudicação, provisória ou definitiva, temos de estar perante um erro relevante.
Não se trata de um erro qualquer. Tem de ser relevante.
Neste caso compete a quem invoca o erro desmontrar os elementos integradores dessa relevância.
Como se refere no Acórdão do STJ anteriormente citado:
III - É relevante saber se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade.
IV - A demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio (arts. 251.º e 247.º, ambos do CC), constitui ónus de quem invoca o erro (art.º 342.º, n.º 1, do CC).
Feitas estas considerações vamos ao caso concreto.
O recorrente habilitou-se à compra de três lotes de terreno, propriedade do Município de Guimarães, colocados em hasta pública em 11 de Dezembro de 2010.
Consultou para o efeito o processo na Câmara Municipal, estando os lotes integrados no Alvará de Loteamento n.º 42/94.
Foram-lhe adjudicados provisoriamente os três Lotes e pagou, no acto de adjudicação provisória, 25% do valor da adjudicação.
Após a realização da Hasta Pública, representantes da recorrente deslocaram-se ao local e após essa deslocação solicitaram a anulação do negócio uma vez que “ agora foi-nos informado e deparamo-nos que os lotes 15, 16, 17, 18, 19, 20, e 21 foi alterada a sua função” (ver fls. 27- n.º 11 do probatório).
O Município respondeu que o Alvará de Loteamento n.º 42/94 teve o aditamento 1/06, que consistiu na alteração das áreas do domínio público e das obras de urbanização.
Na sequência deste ofício foi solicitado o agendamento de uma reunião com o Município.
Com data de 7 de Junho de 2011 veio a recorrente solicitar ao Município de Guimarães informações sobre o assunto em questão.
Nesta sequência veio a ser dada a informação de que não seria viável a anulação da adjudicação provisória e foi decidido proceder à adjudicação definitiva, pelo que foram dados 20 dias para a outorga do contrato e proceder à respectiva escritura de compra e venda.
Antes de se avançar na análise do mérito do recurso é de referir que a questão em apreciação nos autos apenas pode ser relevante para efeitos da devolução do montante pago em termos de adjudicação provisória. Na verdade, nos termos do artigo 94º do RJPIP o incumprimento pelo adjudicatário das obrigações previstas nos números anteriores implica a perda de quaisquer direitos eventualmente adquiridos sobre os imóveis.
No entanto, quanto ao mérito da questão ora em apreciação, tendo em atenção a matéria de facto descrita, é manifesto que não colhe o argumento da recorrente que ocorreu erro relevante na formação da vontade quanto da adjudicação dos Lotes de terreno em causa.
Em primeiro lugar, é de referir que a recorrente veio a concorrer à hasta pública sem previamente, como refere, ter verificado, no local, os locais que iria adquirir. Este comportamento demonstra, no mínimo, desatenção da recorrente, que apenas a si pode prejudicar.
Por outro lado, das missivas remetidas pela recorrente ao recorrido nunca foi referido que tinha ocorrido qualquer erro quanto à aquisição dos Lotes em causa. Muito menos que tivesse ocorrido um qualquer erro relevante.
Na sua primeira missiva, datada de 8 de Fevereiro de 2011, vem a recorrente referir que lhe foi dada a informação de tinha sido alterada a função dos Lotes 15 a 21. Ora, nestes Lotes não estão incluídos os Lotes da recorrente. Depois mais nada refere. Não refere que alterações foram feitas aos Lotes 11, 12 e 13, os Lotes que adquiriu, e como é que tais alterações a puderam induzir em erro.
O Município é que vem na sua resposta a este ofício referir que ocorreu alteração do Alvará de Loteamento com o Aditamento 1/06. No entanto, nos Lotes 15 a 21, referidos pela recorrente, não existia qualquer alteração. Esta informação, referente a alterações ao Loteamento, repetimos, foi dada pelo Município e não invocada pela recorrente que nada referiu nos seus requerimentos à Câmara.
A recorrente remeteu posteriormente um outro ofício, a 17 de Junho de 2011, após reunião com o Município, mas a solicitar informações. Nada referia quanto à eventual modificabilidade dos Lotes.
As alterações motivadas pelo Aditamento n.º 1/06, e referidas pelo Município, referem-se às partes do domínio público dos Lotes e apenas a estas. Estas alterações consistiram na abertura de um arruamento viário com 6 metros de largura, que permite o acesso carral aos mesmos, na eliminação da zona verde confrontante com a referida banda e na anulação do percurso pedonal inicial, com 3,50 metros de largura e a criação, em vez deste, de dois novos percursos pedonais, com 2,50 metros de largura. Ou seja, estamos perante alteração no domínio público dos Lotes, passando o acesso aos mesmos a ser permitido por carro, com dois percursos pedonais. Ora esta alteração, não invocada pela recorrente nas suas missivas à entidade demandada, repete-se, não podem ser consideradas como podendo configurar erro relevante. As alterações têm apenas a ver com o acesso ao Lotes e apenas no âmbito do domínio público dos mesmos.
De notar que como já referimos, temos de estar perante erro relevante. Para se materializar este conceito indeterminado teria a recorrente que invocar factos que se pudessem subsumir a esse conceito. E este era um ónus que lhe competia (artigo 3432º do CC). Não só a recorrente não vem invocar factos que posam qualificar de relevante o eventual erro sobre os Lotes em causa, como da matéria de facto dada como provada não se pode concluir que este tenha ocorrido. Não se sabe, nem foi invocado, como é que as alterações em causa tiveram influência, ou modificaram a configuração dos lotes e como é que isso influenciou a vontade de contratar da recorrente. Ora este era um ónus da recorrente.
Nestes termos e tendo em atenção o exposto tem de se concluir que não podem proceder as conclusões da recorrente não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe vem assacada, que assim se confirma, ainda que com a presente fundamentação.
3. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Notifique
Porto, 24 de Março de 2017
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco |