Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
VAT, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra a Caixa Geral de Aposentações, “com vista à impugnação do Despacho da Direção da CGA, de 29 de Outubro de 2013, no segmento em que não procedeu à contabilização, para efeitos de cálculo do montante da pensão, de todo o tempo de serviço prestado … em França”, inconformado com o Acórdão proferido em 15 de Novembro de 2013, através do qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
Formula o aqui Recorrente/VAT nas suas alegações de recurso, apresentadas em 8 de Janeiro de 2013, as seguintes conclusões:
“1ª O aresto em recurso julgou a ação impugnatória improcedente por entender que o tempo de serviço prestado em França com descontos apenas revelava para efeitos de aquisição do direito à aposentação mas já não para efeitos de cálculo do montante da pensão a receber, pelo que tendo o A. reunido as condições para se aposentar antecipadamente não era necessário contabilizarem-se os períodos contributivos de França.
2ª Salvo o devido respeito, ao julgar improcedente a ação de impugnação e ao considerar que os períodos contributivos do A. efetuados em França não deveriam ser contabilizados e considerados para efeitos da pensão unificada que lhe foi atribuída, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, violando frontalmente o disposto no nº 2 do artº 4º do DL nº 361/98 e o disposto no artº 45º do Regulamento CEE nº 1408/71 e no artº 52º do Regulamento CEE nº 883/2004. Na verdade,
3ª Na vigência do DL nº 143/88 e do DL nº 159/92, a pensão unificada só era atribuída aos trabalhadores que fossem abrangidos e tivessem efetuado descontos para os regimes de proteção social nacionais, isto é, para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações. Contudo,
4ª Por força do disposto no Regulamento CEE nº 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho – que consagrara o princípio da totalização dos períodos contributivos prestados no seio da União europeia – o legislador nacional teve de proceder à adaptação da legislação nacional, tendo o DL nº 361/98 procedido ao “alargamento do âmbito pessoal do regime da pensão unificada a trabalhadores que, cumulativamente, sejam beneficiários de sistemas de segurança social de países com os quais Portugal tenha convenção sobre tal matéria” (v. Preâmbulo do diploma). Consequentemente,
5ª Face ao disposto no nº 2 do artº 4º do DL nº 361/98 e nos Regulamentos (CEE) do Conselho Europeu n.º 1408/71, de 14 de Junho de 1971, e (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, de 29 de Abril de 2004 - que revogou e substituiu o Regulamento de 14 de Junho de 1971 -,a pensão unificada baseia-se e tem em consideração não só os períodos em que ocorreu pagamento de quotizações para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações mas também os períodos em que se efetuaram descontos para o sistema de proteção social de qualquer País membro da União Europeia, sendo estes períodos considerados como se se tratassem de períodos cumpridos ao abrigo da legislação nacional.
6ª Ora, estava demonstrado nos presentes autos que o A. efetuou descontos durante vários anos para o regime de proteção social de França, sendo facto notório e público que este País integra a União Europeia e que, como tal, os períodos contributivos nele realizados beneficiam do disposto no Regulamento CEE nº 1408/71 e no atual Regulamento (CE) nº 883/2004, razão pela qual o ato impugnado só poderia deixar de considerar e de contabilizar o tempo de descontos efetuado pelo A. em França se e na medida em que tais períodos contributivos não fossem necessários para efeitos de atribuição da pensão unificada - pois quer o artº 45º do Regulamento CEE nº 1408/71 quer o artº 6º do atual Regulamento (CE) nº 883/2004 só mandam atender aos períodos contributivos prestados noutro País da União na medida em que tal seja necessário, sendo certo que se esta necessidade se verificar tudo se passa como se os períodos contributivos cumpridos noutro País da união tivessem sido prestados em Portugal.
7ª Porém, ao contrário do que sustentou o aresto em recurso, a necessidade de contabilização dos períodos contributivos efetuados no estrangeiro releva não só para efeitos de aquisição do direito mas também para cálculo do montante das prestações, como à evidência resulta do nº 3 do artº 45º do regulamento CEE nº 1408/71 e do artº 52º do Regulamento CEE nº 883/2004.
8ª Ora, por força do disposto no nº 4 do artº 37º-A do estatuto da aposentação, se tivesse sido considerado no cálculo da pensão unificada os anos de contribuições em França, a percentagem de penalização que o A. teria sofrido na sua pensão seria, no máximo de 21% - ou seja, menos 6% do que aquela que lhe foi aplicada-, pelo que é por demais inquestionável que o tempo com contribuições do A. num País da União europeia não era de todo indiferente para efeitos de aquisição e montante das prestações em que se traduz a pensão unificada, daí resultando que a sua não consideração por parte do ato impugnado representava uma clara violação do disposto no nº 3 do artº 45º do regulamento CEE nº 1408/71 e do artº 52º do Regulamento CEE nº 883/2004, assim como do próprio nº 2 do artº 4º do DL nº 361/98.
9ª Aliás, no sentido desta violação basta ver que se os períodos contributivos efetuados em França tivessem sido realizados em Portugal, a aplicação conjunta das regras constantes dos artºs 4º do DL nº 361/98 e do artº 37º-A do estatuto da aposentação teriam determinado que o montante da penalização imposta ao A. no montante da sua pensão fosse efetivamente inferior a 27%, não ultrapassando tal penalização os 21%.
10ª Assim sendo, e sabendo-se que o objetivo dos citados regulamentos comunitários e da inovação constante do nº 2 do artº 4º do DL nº 361/98 foi justamente a de assegurar a igualdade de tratamento no benefício às prestações de segurança social a todos os trabalhadores nacionais dos Estados-Membros, independentemente do lugar de emprego ou de residência, mais notório se torna que, sob pena de se violar a igualdade pretendida, os períodos contributivos efetuados pelo A. em França teriam de ser considerados para efeitos de pensão unificada, determinando a contabilização de tais períodos contributivos que o montante da penalização imposta ao A. na sua pensão de aposentação fosse claramente inferior àquela que foi aplicada por não se terem considerado os referidos períodos contributivos.
11ª Por isso mesmo, julga-se que deve ser revogado o aresto em recurso e anulado o ato impugnado, impondo-se que a entidade demandada contabilize para efeitos de atribuição da pensão unificada o tempo de serviço com contribuições prestado em França e, em consequência dessa contabilização, apure o montante da pensão de aposentação devida ao A., de forma a que este não seja por forma alguma penalizado por também ter trabalhado (e contribuído) num País da União Europeia e, sobretudo, não seja diferenciado relativamente aos que apenas trabalharam em Portugal. Por fim,
12ª O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento ao não considerar procedentes os vícios de ordem formal imputados pelo A., pois não só estava demonstrado que a entidade demandada não dera cumprimento ao princípio da audiência dos interessados como seguramente a fundamentação empregue para justificar a não consideração do tempo de contribuições em França é insuficiente para um destinatário normal se aperceber do iter que determinou a entidade demandada a não considerar e contabilizar os períodos contributivos do A. num País da União europeia. Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogada a decisão em recurso e julgada procedente a ação especial de impugnação, anulando-se o ato impugnado no segmento em que não procedeu à contabilização, para efeitos de cálculo do montante da pensão unificada do A, de todo o tempo de serviço por ele prestado com contribuições em França e condenando-se a entidade demandada a proceder à contabilização daquele tempo de serviço e a proceder ao cálculo do montante da pensão unificada com base na sua consideração.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por despacho de 23 de Janeiro de 2014 (Cfr. fls. 113 Procº físico).
A aqui Recorrida/CGA veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 5 de Março de 2014 (Cfr. Fls. 118 a 124 Procº físico), nas quais concluiu:
“A) Entende a Caixa Geral de Aposentações que a decisão recorrida deve ser mantida por assentar em correta interpretação e aplicação da lei, designadamente, na parte em que não foi considerada a contagem de tempo, para efeitos de cálculo do montante da pensão, o tempo de serviço prestado em França.
B) Na verdade, para a abertura do direito à pensão unificada, são contados os períodos com contribuições para a CGA e para o CNP (vide n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro), mas não os cumpridos em regimes estrangeiros, inclusive de países da União Europeia (vide n.º 2 do mesmo artigo).
C) É o que resulta expressamente do referido diploma, quer na parte em que define o âmbito do seu objeto (artigo 1.º), quer quanto à articulação entre ambos os regimes de segurança social (n.º 1 do artigo 4.º), quer, ainda, quanto à repartição dos encargos decorrentes com a atribuição da pensão (artigo 10.º).
D) A ressalva que se faz na parte final do n.º 2 do artigo 4.º, que alude ao mecanismo de coordenação de legislações de segurança social previsto no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho, não veio permitir a totalização dos períodos de emprego no estrangeiro para efeitos de abertura do direito à pensão unificada, caso tal tempo fosse necessário para a aquisição de tal direito, sequer.
E) O que aquela norma veio permitir foi a compatibilização do referido mecanismo de coordenação previsto no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho, com o regime decorrente do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro, no sentido de não vedar a aplicação deste ao universo de funcionários com carreiras contributivas registadas em regimes de segurança social estrangeiros.
F) O referido Regulamento (CEE) n.º 1408/71 é um ato comunitário que visa coordenar as legislações nacionais de segurança social tendo em vista a proteção dos direitos de segurança social das pessoas que se deslocam na UE, atingindo-se tal objetivo através da totalização de todos os períodos tidos em conta pelas diversas legislações nacionais para aquisição do direito às prestações.
G) Ou seja, a totalização prevista por aquele instrumento legal não releva para efeitos de cálculo da pensão a fixar.
H) Diferentemente, já o regime previsto no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro, tem relevância em matérias como a do cálculo da pensão unificada (artigo 7.º e artigo 8.º), a da repartição de encargos (artigo 19.º) e mesmo quanto à atualização da pensão unificada pelas regras aplicáveis às pensões do último regime para o qual os interessados descontaram (artigo 12.º).
I) De acordo com o ponto 10.1 do Protocolo Administrativo celebrado entre a CGA e o CNP, homologado por Suas Excelências o Secretário de Estado da Segurança Social e o Secretário de Estado do Orçamento, ficou, nesta matéria, determinado que “Os períodos contributivos cumpridos ao abrigo de legislação de outro país não relevam para quaisquer efeitos no âmbito da pensão unificada, embora não sejam impeditivos da atribuição desta.”.
J) Em suma, resulta do disposto no artigo 45.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho, e no artigo 52.º do Regulamento (CEE) n.º 883/2004, que os períodos contributivos cumpridos ao abrigo de legislação de outro país apenas relevam para acesso à abertura do direito às respetivas prestações, não relevando para quaisquer efeitos no âmbito da pensão unificada.
L) Apenas, em caso de necessidade para a abertura do direito à prestação [é o que se pode extrair da expressão “(…) embora não sejam impeditivos da atribuição desta.”], os períodos contributivos para país estrangeiro da UE têm apenas essa, e única, função legal, de preencher os requisitos mínimos de acesso ao direito.
M) Todavia, tais períodos não podem ser legalmente considerados nem na base de cálculo da pensão, com vista a melhoria do seu montante global por acréscimo ao tempo de descontos efetuados para a CGA e CNP, nem para efeitos de diminuição da percentagem de penalização legalmente prevista, com vista à melhoria do montante global da pensão pela via da redução da percentagem de penalização, simplesmente porque não é o sentido das normas que regulamentam tal matéria.
N) É que considerar os períodos contributivos cumpridos ao abrigo de legislação de outro país para efeitos de redução da percentagem de penalização, é o mesmo que pretender que a função garantística (tempo de garantia) da(s) norma(s) que admitem a abertura (acesso) do direito, se materialize(m) em tempo de direito para efeitos de cálculo de pensão, no mesmo plano em que se encontram legalmente consubstanciados os descontos efetuados para a CGA e o CNP, o que retiraria todo o sentido teleológico àquela(s) norma(s).
O) Quanto a nós, ainda que por outras palavras, terá sido este o sentido dado pelo aresto recorrido à causa em apreço, o qual terá feito correta interpretação e aplicação da lei, devendo ser, por isso, mantida.
P) No que respeita aos vícios de violação de lei, por alegada falta de fundamentação, e de forma, alegadamente por falta de audiência prévia, comunga-se inteiramente com a interpretação dada pelo douto Acórdão recorrido, sem quaisquer reparos, respetivamente, por o autor ter sido esclarecido no essencial das motivações que conduziram ao indeferimento da sua pretensão e por bastamente já se ter pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão e sobre as provas produzidas.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a douta decisão recorrida, bem como o ato por ela mantido.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 14 de Maio de 2014, veio a emitir Parecer manuscrito em 19 de Maio de 2014 (Cfr. 139 a 140v Procº físico), o qual se mostra dactilografado a fls. 144 a 146 Procº físico, pronunciando-se, a final, no sentido do mesmo dever proceder parcialmente.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, os invocados “erros de Julgamento”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se entende como adequada e suficiente:
“A) Em 28 de Dezembro de 2010, o A. requereu à Caixa Geral de Aposentações (CGA) pensão de aposentação antecipada, indicando como “Data a considerar na aposentação 2011-09-01”, que “Pretende beneficiar da pensão unificada“, que “trabalhou em França” e que “Efetuou descontos” (cf. documento de fls. 1 a 9 do PA).
B) Em 27 de Abril de 2012, a CGA endereçou ao A. o ofício com a referência EAC221DN.1022185/00, que aqui se dá por integralmente reproduzido, sob o “Assunto: Pensão definitiva de aposentação. - Unificada…”, destacando-se o seguinte:
«Informo V. Exa. de que, ao abrigo do disposto no artigo 97º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro -, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2012-04-27, da Direção da CGA …, tendo sido considerada a situação existente em 2011-09-01, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de Setembro. O valor da pensão para o ano de 2011 é de € 450,23 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei nº 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:
(…)
OBSERVAÇÕES
A pensão foi fixada com base na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo requerente como sendo aquela em que pretendia aposentar –se (alínea a) do nº 1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de setembro).
Dado tratar-se de uma pensão unificada, não podem ser considerados os descontos efetuados no estrangeiro (artº 4º do DL 361/98, de 18/11)
O valor da pensão poderá, eventualmente, ser alterado, tendo em atenção o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, quando o Serviço informar o valor mensal das remunerações acessórias auferidas pelo exercício do cargo nos períodos de 2004-01-01 a 2005-12-31 e de 2009-09-02 a 2011-09-01 (com exceção dos subsídios de férias e Natal), independentemente da data em que foram pagas, indicando a legislação que permitiu o respetivo abono e ainda se sobre as mesmas incidiu o desconto de quotas para efeitos de aposentação e sobrevivência.
O montante da pensão, poderá também vir a ser alterado quando for obtida resposta do CNP ao ofício desta Caixa de 2012-04-02
O valor da pensão poderá, eventualmente, ser alterado, quando o Serviço informar os totais auferidos pelo exercício do cargo nos períodos de 2006-01-01 a 2011-09-01.
O montante da pensão foi reduzido em 3,14% por aplicação do Fator de Sustentabilidade para o ano de 2011.
Solicita-se ainda os totais dos vencimentos auferidos, passíveis de descontos para a CGA, no período de 2002-08-01 a 2003-03-31.» (destaque dos signatários) (cf. documento de fls. 92/93 do PA).
C) O cálculo da pensão foi efetuado nos termos do documento junto ao PA, que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 96/98 do PA).
D) Foi elaborado pela CGA um Mapa de contagem de tempo, que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 99/100 do PA).
E) Em 29 de Outubro de 2012, a CGA endereçou ao A. o ofício com a referência EAC221DN.1022185/00, que aqui se dá por integralmente reproduzido, sob o “Assunto: Alteração das condições de aposentação - Unificada…”, destacando-se o seguinte:
«Motivo de Alteração:
Inclusão das remunerações acessórias e Alteração da pensão estatutária do CNP Informo V. Exa. de que, nos termos do artigo 99º, nº 3 do Estatuto da Aposentação – Decreto – Lei nº 498/72, de 9 de dezembro – as atuais condições de aposentação do funcionário em referência, foram alteradas, por despacho de 2012-10-29 da Direção da CGA…, pelo motivo supra indicado. …» - despacho impugnado (cf. documento de fls. 115/116 e 126 do PA).
F) O cálculo da pensão foi efetuado nos termos dos documentos juntos ao PA, que se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo sido fixada a pensão unificada definitiva (cf. fls. 120/125 e 126 do PA).
G) Foi elaborado pela CGA um novo Mapa de contagem de tempo, que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 127/128 do PA).
H) O A. trabalhou em França e fez os respetivos descontos nos anos de 1971 a 1974 e 1976 a 1977 (cf. fls. 75/76 do PA).”
IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado, em função da factualidade provada.
Alega o Recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no nº 2, do artº 4º, do Dec. Lei nº 361/98 e o disposto no artº 45º, do Regulamento CEE nº 1408/71 e artº 52º, do Regulamento CEE nº 883/2004.
Terá igualmente incorrido em erro de julgamento ao não considerar procedentes os vícios de ordem formal imputados ao ato objeto de impugnação, a saber, a falta de fundamentação do ato e a falta de audiência prévia dos interessados.
O ato aqui objeto de impugnação é o despacho da Direção da CGA, de 29/10/2012, que decidiu não proceder à contabilização, para efeitos de cálculo do montante da pensão, do tempo de serviço prestado pelo aqui Recorrente em França.
DA EXISTÊNCIA DE ERRO DE JULGAMENTO NA IMPROCEDÊNCIA DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
O tribunal a quo julgou a ação improcedente, considerando que o tempo de serviço prestado em França apenas revelava para efeitos de aquisição do direito à aposentação, mas já não para efeitos de cálculo do montante da pensão a receber.
O regime da pensão unificada foi instituído pelo DL nº 143/88 e posteriormente objetivado pelo DL nº 159/92, os quais previam a possibilidade de atribuição da pensão unificada aos trabalhadores que fossem abrangidos pelos regimes de proteção social nacionais.
Em consonância com o Regulamento CEE nº 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho, o Estado português procedeu à adaptação da legislação nacional, tendo por via do DL nº 361/98 procedido ao “alargamento do âmbito pessoal do regime da pensão unificada a trabalhadores que, cumulativamente, sejam beneficiários de sistemas de segurança social de países com os quais Portugal tenha convenção sobre tal matéria” (Cfr. Preâmbulo).
Por forma a permitir uma mais eficaz visualização dos normativos em questão, refere-se no artº 4º do DL 361/98:
“Articulação dos regimes
1 — O regime da pensão unificada baseia-se na totalização dos períodos de pagamento de contribuições e de quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo os períodos de sobreposição contributiva contados uma só vez.
2 — Não relevam para efeitos da pensão unificada os períodos cumpridos ao abrigo de legislação de outro país, sem prejuízo do que se encontra previsto no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho.”
Consequentemente, a pensão unificada passou a ter em consideração não só os períodos em que ocorreu pagamento de quotizações, mas também os períodos em que se efetuaram descontos para o sistema de proteção social de qualquer País da União Europeia.
Na realidade, o invocado Regulamento (CEE) do Conselho Europeu n.º 1408/71, de 14 de Junho de 1971, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 5.07.1971, entretanto substituído pelo Regulamento (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, a 29 de Abril de 2004, veio determinar a igualdade de tratamento e no benefício das prestações de segurança social a todos os trabalhadores nacionais dos Estados-Membros, independentemente do lugar de emprego ou de residência, consagrando o princípio da totalização dos períodos, segundo o qual os períodos de emprego prestados num qualquer país da EU, sendo considerados como “…se se tratasse de períodos cumpridos ao abrigo da legislação aplicada por aquela instituição” (Cfr. nº 1 do artº 45º do Regulamento nº 1408/71).
Assim, em conformidade com o estatuído no referido regulamento comunitário e no nº 2 do artº 4º do próprio DL nº 361/98, para efeitos de atribuição da pensão unificada são obrigatoriamente considerados os períodos contributivos prestados em qualquer Estado membro da União europeia.
Aqui chegados, importa reafirmar que a contabilização dos períodos contributivos efetuados no estrangeiro releva não só para efeitos de aquisição do direito, mas também para cálculo do montante das prestações, como resulta do nº 3 do artº 45º do regulamento CEE nº 1408/71 e do artº 52º do Regulamento CEE nº 883/2004.
Objetivamente, nos termos do nº 4 do artº 37º do Estatuto da Aposentação, se tivesse sido considerado no cálculo da pensão unificada, os anos com contribuições em França, a percentagem de penalização que o aqui Recorrente teria sofrido na sua pensão seria substancialmente inferior, em face do que se mostra que o tempo com contribuições em França não é indiferente para efeitos da pensão atribuída.
A questão a apurar é pois verificar se os períodos contributivos prestados em França, durante cerca de 5 anos, deverão ser contabilizados para efeitos de atribuição da pensão unificada.
Como se viu já, o suscitado deverá pois ser apurado à luz do artº 4º, nº 2, do DL nº 361/98, de 18/11, no artº 45º, do Regulamento (CEE) nº 1408/71 e nos artºs 6º e 52º do Regulamento (CEE) nº 883/2004.
Na realidade, resulta sintomático do preâmbulo do Dec. Lei nº 361/98, de 18/11, que se mostra “conveniente reformular o regime da pensão unificada de modo a abranger as situações que do mesmo ainda se encontravam excluídas”.
“Como medida inovadora, tal diploma prevê o alargamento do âmbito pessoal do regime da pensão unificada a trabalhadores que, cumulativamente, sejam beneficiários de sistemas de segurança social de países com os quais Portugal tenha convenção sobre tal matéria”.
Por sua vez, e como se disse já, dispõe o artº 4º, nº 2, do aludido diploma, que “não relevam para efeitos da pensão unificada os períodos cumpridos ao abrigo da legislação de outro país, sem prejuízo do que se encontra previsto no Regulamento (CEE) nº 1408/71, do Conselho, de 14/06.”
Assim, para efeitos da atribuição da pensão unificada, deverão ser considerados para além dos períodos contributivos para a Segurança Social ou para a Caixa geral de Aposentações, ainda os períodos contributivos para o sistema de proteção social de qualquer Estado membro da União Europeia.
Correspondentemente, os cerca de 5 anos com contribuições prestadas pelo aqui Recorrente em França não podem ser ignorados em termos de contabilização, designadamente, da pensão unificada, minorando a penalização que lhe foi imposta.
Como sublinhou o Ministério Público no seu Parecer, se os períodos contributivos efetuados em França tivessem sido efetuados em Portugal, teriam determinado que o montante de penalização imposta na sua pensão fosse inferior aos 27% fixados, em face do que se não justificaria que os mesmos não fossem considerados para efeitos de pensão unificada, tanto mais que o objetivo dos referidos Regulamentos foi o de assegurar a igualdade de tratamento a todos os trabalhadores nacionais dos Estados membros, independentemente do lugar de emprego.
Tudo quanto se expendeu supra determinará pois que a decisão recorrida tenha incorrido em erro de julgamento, por violação do nº 2 do artº 4º do DL nº 361/98 e o disposto no artº 45º do Regulamento CEE nº 1408/71 e no artº 52º do Regulamento CEE nº 883/2004.
DA EXISTÊNCIA DE ERRO DE JULGAMENTO NA IMPROCEDÊNCIA DOS VÍCIOS FORMAIS
Entende o aqui recorrente que a decisão do tribunal a quo não efetuou uma correta interpretação do direito aplicável ao julgar improcedentes os vícios de forma traduzidos no incumprimento de direito de audiência prévia e do dever de fundamentação.
Sem necessidade de particular desenvolvimento da referida questão, atenta até a conclusão a que se chegou já, sempre se dirá, em qualquer caso, que o Despacho objeto de impugnação, sem prejuízo dos vícios já analisados, mostra-se inteligível e suficientemente fundamentado, pois que é percetível o itinerário cognoscitivo e valorativo que foi seguido na decisão adotada.
Acresce que, como sublinhado pelo Ministério Público, concluído o procedimento, nos termos do artº 97º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, não resulta objetivada a necessidade de introdução da audiência dos interessados, sendo que, em qualquer caso, atento o já precedentemente expendido, não alteraria a decisão a proferir. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se julgando procedente a Ação, anulando-se o ato objeto de impugnação, no segmento que não procedeu à contabilização, para efeitos de cálculo da pensão unificada, do tempo de serviço prestado em França, devendo, correspondentemente, proceder-se ao recálculo do montante da pensão atribuída.
Custas pela Entidade Recorrida.
Porto, 15 de Julho de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão. |