Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00294/16.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/27/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; CPTA 2015; PRESSUPOSTOS;
TUTELA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
Sumário:I — No âmbito do disposto no artigo 120º do CPTA, na versão aprovada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, constituem critérios cumulativos de decisão da tutela cautelar, independentemente da natureza antecipatória ou conservatória da providência requerida: (i) o periculum in mora, ou seja, o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e (ii) o fumus boni iuris, na sua formulação positiva, isto é, seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
II — Não se verificando qualquer dessas situações, a providência cautelar não pode ser adoptada.
III — Confirmando-se a possibilidade de a providência requerida ser adoptada, pela verificação dos referidos critérios, a adopção da providência ou das providências pode ainda ser recusada, e é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
IV — A apreciação do fumus boni iuris a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA impõe um juízo cautelar que, em regra, se satisfaz com a mera verosimilhança ou probabilidade, estando excluída uma análise de tal forma detalhada que venha a desembocar, à margem do instituto da decisão da causa principal a que alude o artigo 121º do CPTA, na antecipação da decisão para a causa principal.
V — Se bem que a provisoriedade da tutela cautelar seja garantida pela caducidade em caso de não propositura ou da improcedência da acção principal, sendo, portanto, os seus efeitos juridicamente reversíveis, pode, nesse caso, verificar-se a sua irreversibilidade quanto aos efeitos de facto produzidos na esfera do requerido, o que se mostra mais premente no caso das tutelas cautelares antecipatórias, uma vez que a equivalência do conteúdo decisório cautelar com a decisão final a proferir no processo principal poderá satisfazer de imediato o interesse do requerente, com a eventual consequente perda de utilidade da acção principal.
VI — Negar ao requerente uma providência cautelar antecipatória significa conceder ao requerido o benefício da manutenção do status quo que a duração do processo principal consente; e se é certo que a adopção da requerida providência é susceptível de garantir a efectividade da tutela jurisdicional do requerente (artigo 268º, nº 4, da CRP), também certo é que o requerido, como todos, beneficia do não menos constitucionalmente garantido direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da CRP).
VII — Estando em causa tutela cautelar antecipatória, a summaria cognitio deverá ser integrada por um juízo de probabilidade especialmente forte, se bem que ainda no respeito pela lógica do processo cautelar, incompatível com a indagação exaustiva de questões cuja solução cabe no processo principal.
VIII — Se na base da tutela cautelar antecipatória pretendida estiver um ameaçado direito do requerente de provável existência contra um direito do requerido de improvável existência, o sentido da decisão penderá favoravelmente ao requerente.
IX — Sendo reciprocamente equivalente a probabilidade de qualquer das partes gozar dos contrapostos direitos que se arrogam, deve entender-se que não se impõe uma mudança de status quo a favor do requerente, pois, conceder a providência cautelar pretendida conduziria, nesse caso, a uma situação de irreversibilidade material injustificada dos efeitos da requerida providência cautelar. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Junta de Freguesia de Molelos
Recorrido 1:LFCF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Providência Cautelar Antecipatória - Recurso jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrente: Junta de Freguesia de Molelos

Recorrido: LFCF

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que indeferiu requerida providência cautelar de intimação do Requerido e ora Recorrido a abster-se de gravar e colher imagens da assembleia de freguesia de Molelos, concelho de Tondela, por qualquer meio ou recurso a quaisquer equipamentos, eletrónicos, manuais ou artesanais, deixando de perturbar o normal andamento da mesma e respeitando o seu funcionamento da Assembleia, quando nela está como na qualidade de eleito local e membro da mesma, tudo acrescido das demais consequências legais”.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

1. A Providência requerida não visa coartar a liberdade jornalística ou o direito de informação mas sim impedir as concretas perturbações geradas pelo Réu quando persiste, em desafio ao ordenado pelo Presidente da Assembleia e em desrespeito ao órgão, exercer em simultâneo as funções de jornalista e de membro local desse órgão autárquico.

2. Ao indeferir a providência, o Tribunal a quo lança mão de argumentos e entendimentos legais que manifestamente carecem de qualquer sustentação e que violam o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva ínsito no art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

3. A doutrina e a Jurisprudência admitem que, em certos casos, a antecipação de um determinado efeito possa ter carácter definitivo.

4. No caso dos autos, o recurso à providência cautelar, com os efeitos pretendidos, é o único meio de salvaguardar o direito da Autora.

5. Devia o Tribunal ter intimado a requerida nos termos peticionados, ainda que admitindo a definitividade dos seus efeitos.

6. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.

7. A provisoriedade da providência cessa perante o periculum in mora.

8. Ainda que não cesse, cabe ao Tribunal, para o minimizar, lançar mão do mecanismo do nº 3 do art 120º do CPTA.

9. A decisão recorrida violou s normas dos art.ºs 112º/1 e 120º/1, c) do CPTA e, ainda as normas dos art.ºs 20º, nº 1, 2 e 4 da Constituição da Republica Portuguesa.

Nos termos expostos e nos melhores de direito aplicável, deve o presente recurso ser admitido e como tal revogada a decisão, ordenando-se o decretamento da providência, tudo acrescido das demais consequências legais.”.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos imputados erros de julgamento, comportados pelas conclusões das alegações de recurso, designadamente, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e das normas dos artigos 112º, nº 1, e 120, nº 1, alínea c), do CPTA e artigo 20º, nºs 1, 2 e 4, da CRP.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:

«1º - Na sequência das eleições autárquicas do ano de 2013, foram eleitos, entre outros, na Freguesia de Molelos, concelho de Tondela, o aqui réu, pelo Partido Socialista, que exerce as funções de membro da Assembleia de Freguesia e os Senhores JAOD, que exerce as de Presidente de Junta e o Senhor HGR, que exerce as funções de Presidente da Assembleia de Freguesia, estes dois pelo Partido Social Democrata.

2º- Desde então e nos termos do art.º11, nº1 da Lei 75/2013 de 12 de Setembro, que a Assembleia de Freguesia tem reunido ordinariamente nos meses de Abril, Junho, Setembro e Novembro ou Dezembro.

3º- Em 21 de Dezembro de 2013, os eleitos locais daquela freguesia aprovaram nos termos do artº 10º nº 1, al. a) daquela lei, o Regimento da Assembleia de Freguesia de Molelos, que se junta como Doc. n.º 1 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

4º - Que regula e tem regulado desde então o funcionamento daquele órgão.

5º- Desde que foi eleito em 2013 que o Réu tem exercido as suas funções de eleito local, vogal da Assembleia de Freguesia de Molelos.

6º - O Réu é também diretor da publicação trimestral gratuita propriedade da Casa do Povo de Molelos, AUGACIAR, Doc nº 2 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

7º- Acontece porém que em Dezembro de 2015, na Assembleia ordinária da Assembleia do dia 21, o réu montou e colocou a funcionar para colheita de som e imagem uma câmara de filmar, para gravar a assembleia.

8º - Nenhum pedido de gravação foi feito chegar ao presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto,

9º - O presidente daquela Assembleia, HGR, na sua qualidade de presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto questionou de quem era a máquina.

10º - Ao que o Reu responder ser dele.

11º - O presidente da Assembleia de Freguesia pediu-lhe que a desligasse e este recusou fazê-lo, alegando ser “diretor do AUGACIAR”.

12º O presidente da Junta, no uso da palavra informou que não dava autorização pessoal para ser filmado.

13º - Após a abertura dos trabalhos da Assembleia o eleito local AF e RS usaram da palavra e questionaram sobre a qualidade em que o réu gravava, isto é, se enquanto eleito local ou enquanto diretor do Augaciar e se era ou não jornalista.

14º - Pela mesa da Assembleia ter dúvidas sobre a legalidade da gravação e filmagem, a sua eventual dupla qualidade de jornalista e eleito local e a falta de autorização da mesa para filmar,

15º - O presidente da mesa da Assembleia suspendeu então os trabalhos.

16º - Tudo conforme ata que se junta como doc nº 3 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

17º - No dia 29 de dezembro, na continuação da AF, o réu persistiu no comportamento de montar uma máquina de filmar e começou a gravar, colhendo imagens e som dos trabalhos, ainda antes do início da assembleia.

18º - Informando que iria gravar na qualidade de diretor do Augaciar.

19º - Questionado sobre se estava identificado como jornalista, respondeu que não o era, mas sim diretor do Augaciar.

20º - Questionado sobre em que qualidade está na assembleia, se enquanto jornalista ou eleito local, remeteu sempre as suas respostas para “diretor do Augaciar”.

21º - O presidente da mesa, face às dúvidas que demonstrou ter sobre a legalidade da gravação e colheita de imagens, decidiu colocar o assunto à votação da assembleia, nos seguintes termos: “Quem é que é a favor que seja filmada ou gravada a reunião?”.

22º - Votação essa que obteve um voto a favor da eleita EP e os votos contra de HGR, RS, RC, AF e RL.

23º - O réu recusou-se a votar a questão, por considerar se tratar de uma proposta ilegal.

24º - E continuou a gravar e colher imagens com a câmara de filmar.

25º - Face a tal deliberação e porque o Reu/requerido persistia em continuar a filmar, contrariando a deliberação, e por entender o Presidente da Assembleia que os trabalhos estavam a ser perturbados, solicitou a presença da GNR.

26º- Que compareceu no local.

27º - E questionaram os agentes ao eleito local, ora réu nos presentes autos, se tinha credencial para poder gravar e filmar.

28º - A GNR procedeu à sua detenção, com apreensão do material.

29º - E o réu acompanhou a GNR, saindo em conjunto da sala da Junta, onde decorriam os trabalhos da Assembleia.

30º - Tendo corrido posteriormente um inquérito judicial nessa sequência, na Comarca de Viseu, Tondela, com o nº 447/15.8GCTND, conforme melhor identificação no Doc nº 4 que se junta.

31º - Em que o réu foi acusado do crime de desobediência e condenado naquela comarca, havendo entretanto recorrido para o tribunal superior, da Relação de Coimbra, dessa sentença, aguardando a consequente decisão.

32º - Daquela reunião foi lavrada ata, que se junta como doc. nº 5 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

33º - Aconteceu ainda que o Presidente da Assembleia de Freguesia de Molelos, convocou uma reunião ordinária para o dia 23 de Abril de 2016.

34 º - E novamente nessa Assembleia o réu montou e colocou a funcionar, para colheita de som e imagem, uma câmara de filmar, para gravar a assembleia, ainda antes do seu início.

35º - O presidente daquela Assembleia, HGR, por nenhum pedido de gravação lhe ter sido feito chegar, na sua qualidade de presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto,

36º - Questionou de quem era a máquina.

37º - Ao que o Réu acabou por responder ser dele.

38º - O presidente da Assembleia de Freguesia questionou o Réu se tinha credencial de jornalista, à semelhança de outros jornalistas que ali se encontravam, nomeadamente a Sra. D. MCR e o Senhor AP.

39º - Ao que o Réu respondeu que o presidente não sabia o que era uma credencial, acabando por nunca se identificar sobre a qualidade em que gravava e colhia imagens.

40º - Informado pelo presidente da Assembleia que se tivesse identificação de jornalista podia continuar com a gravação e se não e tivesse e estivesse ali na qualidade de eleito local, deveria desligar a máquina.

41º - Recusou desligar o equipamento, respondendo que estava na qualidade de eleito local.

42º - e que “o senhor presidente e o juiz de Tondela nada sabiam sobre incompatibilidade de estatutos e órgãos de soberania.”

43º - Alegando que os dois cargos são compatíveis, não havendo incompatibilidade.

44º - O presidente retorquiu, informando que tem consigo um parecer da Anafre, a solicitação da Junta, e outro da CCDRC que confirmam a impossibilidade legal da gravação que o réu pretendia efetuar, na qualidade de eleito local, exibindo-os, conforme doc nºs 6 e 7, que se juntam e cujo conteúdo de dá aqui como integralmente reproduzidos

45º - E pedindo-lhe que desligasse a máquina de filmar, ao que este recusou fazê-lo.

46º - Informando que não aceitava qualquer parecer e só haveria uma coisa que o impedisse de gravar ou estar ali, que era uma decisão judicial.

47º - E como a Assembleia não a tinha, não desligava e viessem os pareceres que viessem e ele continuaria a gravar.

48º - O presidente da mesa da Assembleia, como o réu persistia na continuação da gravação, continuando a argumentar sobre a essa possibilidade legal e na compatibilidade do seu estatuto de diretor do Augaciar com o de eleito local, suspendeu então os trabalhos, agendando a sua continuação para o dia 27 de Abril pelas 21 horas no mesmo local.

49º - Tudo conforme gravação que posteriormente publicitou em diversos sítios da internet, designadamente no sitio da internet da casa do povo de Molelos e no Youtube, em:http://www.casadopovodemolelos.pt/verpagina/35

https://www.youtube.com/watch?v=0-JgYdxagbM

50º - No dia 27 de Abril na continuação da AF, o réu persistiu no comportamento e na vontade de filmar, colhendo imagens e som dos trabalhos na assembleia antes e depois do seu início.

51º - Pelo que a GNR procedeu de novo à sua detenção, novamente com apreensão do material.

52º - Tendo corrido um inquérito judicial nessa sequência, na Comarca de Viseu, Tondela, com o nº 106/16.4GCTND, conforme identificação na notificação anexa que se junta como doc. nº 8 que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

53º - Em que o réu foi acusado do crime de desobediência, estando em curso o processo, com agendamento da leitura da sentença para o próximo dia 29 de Julho.

54º - Sobre os factos atrás relatados muitas notícias saíram em diversos canais de comunicação escrita, como sejam a exemplo a folha de Tondela, Doc. nº 9, o Jornal de Tondela, doc nº 10 e o Diário de Viseu, Doc nº 11.

55º - E na internet, em diversos sítios.

56º - O réu desde sempre que prestou declarações sobre os fatos e fez questão de os publicitar, invocando sempre que podia exercer as suas funções de eleito local na assembleia de freguesia e colher imagens e sons também na qualidade de diretor do Augaciar, publicação da Casa do Povo de Molelos, exercendo os dois cargos em simultâneo.

57º - Além de que continua a dizer a toda a gente e a todos os órgãos de comunicação social, inclusive publicitar nas declarações que tem feito, que persistirá neste comportamento em todas as próximas Assembleias de Freguesia que se agendarem.

58º - Foi comunicado que a Assembleia não autorizava a colheita de som e imagem.

59º - O requerido, para além de deputado da Assembleia de Freguesia de Molelos, é diretor da publicação periódica trimestral “Augaciar”, propriedade da Casa do Povo de Molelos, registada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social sob o número de registo 126555, sujeita ao depósito legal (Decreto-Lei n.º 74/82, de 3 de Março) para publicações n.º 379087/14.».

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

A matéria assente verte, pacificamente, os factos julgados pertinentes à apreciação a que procedeu, assente essencialmente no relato efectuado pela Requerente.

Mas importa ter presente também a posição do Requerido.

Comecemos por transcrever, em parte, a sua versão, exarada na oposição que deduziu:

1. Corresponde à verdade a matéria de facto alegada nos artigos 1.º a 18.º (salvo quanto aos motivos invocados no art.º 8.º para a atitude do presidente da assembleia), a primeira parte do alegado no art.º 19.º (sendo falso que tivesse dito não estar identificado como tal), 20.º a 27.º, quanto à matéria alegada nos artigos 28.º e 29.º, remete-se para a transcrição que se junta, como documento 1, do diálogo ocorrido entre o requerido e o soldado da GNR, 30.º a 52.º, 59.º a 65.º, 70.º. (Doc. 1)

2. É falsa a restante matéria de facto alegada e, nomeadamente, é falso o requerido não ter exibido à GNR em 27 de Abril de 2016 qualquer documento ou título que o habilitasse a recolher som e imagem.

3. De facto, nesse dia, o requerido exibiu à GNR, ainda no local em que se reunia a assembleia de freguesia de Molelos, o cartão de equiparado a jornalista n.º TE-1…, emitido pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, como refere o próprio auto da GNR. (Doc. 1)

4. O requerido, para além de deputado da Assembleia de Freguesia de Molelos, é director da publicação periódica trimestral “Augaciar”, propriedade da Casa do Povo de Molelos, registada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social sob o número de registo 126555, sujeita ao depósito legal (Decreto-Lei n.º 74/82, de 3 de Março) para publicações n.º 379087/14. (Doc. 2 e 3)

5. Como director do periódico Augaciar, o qual é um órgão da imprensa regional, o arguido tem o estatuto de jornalista da imprensa regional - art.º 6.º, n.º 1, do Estatuto da Imprensa Regional (Decreto-Lei n.º 106/88, de 31 de Janeiro) e é por isso equiparado a jornalista.

6. Os aparelhos de gravação de imagem e som utilizados pelo arguido são de pequena dimensão, de mão, pesando menos de meio quilo, são digitais, totalmente silenciosos.

7. Em qualquer um dos eventos relatados no requerimento inicial, o requerido colocou o aparelho de gravação num tripé, atrás da zona em que se sentavam os deputados municipais e ele próprio, de modo a que os trabalhos da assembleia e as intervenções dos deputados ficassem gravados.

8. Em qualquer um dos eventos relatados no requerimento inicial, depois de accionar a gravação o requerido foi sentar-se no seu lugar de deputado da assembleia de freguesia, pronto para participar nos trabalhos.

9. A partir do momento em que o requerido accionou o funcionamento do aparelho, este não necessitava de qualquer outra intervenção ou assistência sua, pelo que o requerido apenas necessitaria, no final dos trabalhos, de accionar o botão de “stop”.

10. Não tinha a mesa da assembleia qualquer motivo válido para impedir ou proibir a gravação dos trabalhos.

11. Essa proibição não visava proteger nenhum interesse relevante, legalmente protegido nem impedir qualquer prejuízo ou dano.

12. Os trabalhos da assembleia, por força da lei e do seu regimento, são públicos e de livre acesso ao público, conforme o impõe o art.º 49.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, das Entidades Intermunicipais e do Associativismo Autárquico (Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro) - e também o art.º 32.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia de Freguesia de Molelos.

13. Decorrendo os trabalhos publicamente, não é necessário sequer o consentimento dos retratados (art.º 79.º, n.º 2, parte final, do Código Civil), o que é o mesmo que dizer que o jornalista pode proceder à gravação com, sem o seu consentimento, e mesmo contra a sua vontade.

14. A instalação pelo requerido do aparelho de recolha e gravação de som e imagem no local onde se ia realizar a assembleia de freguesia tinha como objectivo a recolha precisa da discussão e das deliberações que iriam ocorrer, de modo a com base nessa recolha poder elaborar notícia exacta da mesma, a publicar no Augaciar.

15. Tinha pelo exposto o requerido razões válidas para proceder à gravação da assembleia de freguesia de Molelos e o direito de o fazer, conforme artigo 22.º da Lei de Imprensa e 38.º da Constituição da República Portuguesa - normas que manifestamente não podem ser afastadas ou limitadas pelo Regimento da Assembleia de Freguesia de Molelos.

16. De resto, havia mais jornalistas presentes no local onde se realizavam os trabalhos da assembleia, não tendo havido qualquer oposição à gravação dos trabalhos por eles.

17. Tanto quanto se percebe o teor do requerimento inicial, o fundamento para a proibição de gravação dos trabalhos da assembleia ao requerido seria não poder ele acumular as funções de deputado da assembleia de freguesia com as funções de jornalista.

18. Sucede que não existe qualquer incompatibilidade entre o exercício do cargo com as funções de jornalista, não havendo disposição legal que proíba a acumulação de funções.

19. O verdadeiro motivo da ordem de paragem da gravação foi impedir o requerido de recolher a informação que lhe serviria de base para a elaboração de uma notícia.

20. Isto é, pretendeu a assembleia, no fundo, atentar contra a liberdade de imprensa - crime previsto e punido pelo art.º 33.º da Lei de Imprensa.

21. Por isso, sendo manifestamente ilegítima a ordem dada ao arguido para parar a gravação, não tinha ele de lhe obedecer e podia resistir-lhe, conforme previsto no artigo 21º da CRP: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias” - pelo que não cometeu qualquer crime.

22. Acresce que não se pode concluir do regimento da assembleia de freguesia, e nomeadamente do seu artigo 31.º, que as gravações permitidas são exclusivamente as aí previstas.

23. O comando incluso nessa norma destina-se apenas a reger as gravações efectuadas pelos serviços da assembleia, determinando que essas gravações apenas podem servir para a elaboração da acta (e por isso não servem, por exemplo, para ser disponibilizadas à comunicação social).

24. Pretenderia a requerente, segundo o teor do requerimento inicial, que os jornalistas elaborassem as suas notícias com base nas actas da assembleia – como se os jornalistas fossem obrigados a aceitar como única fonte essa acta.

25. Não tem qualquer sentido convocar para o caso a Lei de Protecção dos Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro) - a ser como pretende a requerente, teria conseguido tornar ilegal toda a actividade jornalística em Portugal e na União Europeia!

26. Como se disse, tinha o requerido direito a proceder à gravação dos trabalhos da assembleia, ao abrigo do disposto no artigo 22.º da Lei de Imprensa e 38.º da Constituição da República Portuguesa - conforme deliberações da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

27. Isso mesmo levou o secretariado da Comissão da Carteira Profissional a remeter à requerente, em 29 de Junho de 2016, o mail que se anexa e aqui dá por integralmente reproduzido, no qual, em resumo, lhe transmitia que o requerido, como director do jornal Augaciar, é equiparado a jornalista, tendo os direitos e os deveres dos jornalistas, que nessa qualidade podia permanecer nas reuniões da assembleia de freguesia de Molelos e aí recolher informação, que não há qualquer incompatibilidade entre o exercício de funções de deputado e de jornalista, que o impedimento pela assembleia do exercício dos direitos do requerido, enquanto jornalista, implica a prática do crime de atentado à liberdade de informação previsto e punido pelo artigo 19.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro). (Doc. 4)

28. Pelo exposto, não só não praticou o requerido qualquer acto ilícito, como, pelo contrário, cometeu a requerente um crime ao impedir no passado o requerido de, como jornalista, proceder à recolha de som e imagem dos trabalhos da assembleia.

29. Pelo exposto, pretende a requerente obter deste tribunal autorização para continuar a cometer esse crime.”.

Quanto à matéria de facto, pela relevância para a decisão da causa cautelar e melhor compreensão da situação fáctica e atinente enquadramento jurídico, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, 140º, nº 3, e 149º, nº 1, ambos do CPTA, impõe-se o aditamento dos seguintes factos, que resultam provados pelos documentos, não impugnados, adiante indicados:

«60º — Do auto de notícia lavrado pela Guarda nacional Republicana (NUIPC 116/16.4GCTND), datado de 28-04-2016, com menção do dia 27-04-2016 como o do «período dos factos», que identifica como arguido LFCF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta, designadamente, o seguinte: “Após ter desligado a câmara, o mesmo foi questionado o porquê de não respeitar a decisão da Assembleia para parar com as filmagens, ao que o mesmo respondeu, que podia filmar por ser o director do jornal «AUGACIAR», questionado se detinha alguma identificação da qualidade de jornalista, o mesmo responde que sim e apresentou uma declaração que lhe atribui a qualidade de director do dito jornal, questionado se tinha algum cartão de identificação de jornalista o mesmo responde que sim e apresentou-me o referido cartão, com o número TF-1…, válido até FEV2018.” — doc. 2 junto com a oposição.».

«61º — Pelo Secretariado da Comissão da Carteira profissional de Jornalista foi enviada ao Presidente da Assembleia de Freguesia de Molelos uma missiva por via electrónica, com data de 29-06-2016, vertida no doc. 5 junto com a oposição e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor, designadamente: “O Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tomou conhecimento de que o director do jornal “AUGACIAR”, Sr. LF, foi impedido de proceder à gravação áudio e vídeo da última assembleia de freguesia pública e que há expectativa de que tal se volte a repetir já na próxima assembleia, designada para amanhã.

Mercê da qualidade de director daquele periódico regional, o Sr. LF está habilitado com a carteira profissional de equiparado a jornalista TE-1..., que lhe garante, por força do art. 15º do Estatuto do Jornalista (Lei n. 1/99 de 13 de Janeiro, com a redacção dada pela Lei 64/2007 de 6 de Novembro), os mesmos direitos e deveres dos jornalistas, seja quanto aos direitos de acesso à informação, seja quanto à sujeição aos deveres éticos e ao regime de incompatibilidades.

O art. 9º do Estatuto do Jornalista estabelece que os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público, como é o caso de uma assembleia de freguesia, para fins de cobertura informativa, prescrevendo o art. 10º que os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer sem outras limitações além das decorrentes da lei, tendo o direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.

Não existe qualquer incompatibilidade entre a actividade jornalística e a de membro de uma assembleia de freguesia, desde que o mesmo não exerça funções executivas, em regime de permanência, em órgão autárquico (cfr. art. 3º/1, al. f), do EJ).

(…)”.».

«62º — Da acta da reunião ordinária da Assembleia de Freguesia de Molelos, datada de 21 de Dezembro de 2015, consta designadamente o seguinte:

(…) Estiveram presentes todos os elementos da assembleia de freguesia de Molelos. (…)

Tendo em consideração as dúvidas quantio à legalidade da gravação e filmagem dos trabalhos da Assembleia, pelo LF, de o mesmo poder estar na dupla qualidade de membro da Assembleia e jornalista e de não ter solicitado autorização, o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Molelos decidiu suspender a sessão.».

«63º — Da acta da reunião ordinária da Assembleia de Freguesia de Molelos, datada de 29 de Dezembro de 2015, consta designadamente o seguinte:

(…) Estiveram presentes: (…) LF (…)».

Vejamos o mais.

A situação carreada a juízo pelo requerimento inicial é essencialmente esta: O Requerido, na qualidade de eleito local, apresenta-se à participação em sessão da assembleia de freguesia de Molelos e, em simultâneo, na qualidade de director do Augaciar, publicação da Casa do Povo de Molelos, procede à recolha, por gravação, de imagens e de som da sessão.

A medida cautelar solicitada é, em síntese, a de que o Requerido seja intimado a abster-se de gravar e colher imagens da sessão da Assembleia de Freguesia de Molelos, quando nela participa na qualidade de eleito local.

A decisão recorrida concluiu que o decretamento da requerida medida cautelar “conduziria a uma situação definitiva e irreversível para o futuro, pelo que deve ser indeferida”.

A Recorrente entende que esta decisão viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva e das normas dos artigos 112º, nº 1, e 120, nº 1, alínea c), do CPTA e artigo 20º, nºs 1, 2 e 4, da CRP, considerando que a provisoriedade cessa perante o periculum in mora e, ainda que não cesse, cabe ao tribunal, para o minimizar, lançar mão do mecanismo do nº 3 do artigo 120º do CPTA.

Vejamos.

Ao presente processo é aplicável o CPTA na versão do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro.

Em matéria de processos cautelares, o novo regime previsto no artigo 120º consagra um único critério de decisão, quer as providências cautelares requeridas tenham natureza conservatória (de manutenção da situação existente), quer tenham natureza antecipatória (de antecipação parcial ou total, ainda que provisoriamente, a solução pretendida).

No âmbito do disposto no artigo 120º do CPTA, na versão aprovada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, constituem critérios cumulativos de decisão da tutela cautelar, independentemente da natureza antecipatória ou conservatória da providência requerida: (i) o periculum in mora, ou seja, o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e (ii) o fumus boni iuris, na sua formulação positiva, isto é, seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Não se verificando qualquer dessas situações, a providência cautelar não pode ser adoptada.

Confirmando-se a possibilidade de a providência requerida ser adoptada, pela verificação dos referidos critérios, a adopção da providência ou das providências pode ainda ser recusada, e é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências — como dispõe o nº 2 do referido artigo 120º.

Quanto ao fumus boni iuris, tal como vertido no nº 1 do artigo 120º do CPTA, como critério de decisão na adopção de providências cautelares, apresenta uma formulação positiva, ou seja, pressupõe uma avaliação, em termos sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou das ilegalidades que o mesmo invoca e provável procedência da acção principal (cfr. em jurisprudência válida para a versão actual do CPTA quanto ao fumus boni iuris na formulação positiva, entre outros, acórdãos do STA, de 28-10-2009, processo nº 0826/09; de 30-01-2013, processo nº 01081/12; acórdão do TCAN, de 14-03-2014, processo nº 01334/12.7BEPRT-A).

Como vertem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª ed., 2010, pág. 809, a propósito do critério do fumus boni iuris, na sua versão positiva, em redacção idêntica na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA à que actualmente consta desse nº 1, são «no essencial, aplicáveis, neste caso, os critérios que, ao longo do tempo, foram elaborados pela jurisprudência e pela doutrina do processo civil sobre a apreciação perfunctória da aparência do bom direito, a que o juiz deve proceder no âmbito dos procedimentos cautelares», remetendo em nota de rodapé para «Miguel Teixeira de Sousa, Estudos…, pág. 233; Lebre de Freitas et alii, Código…, vol. II, pág. 35; e Acórdãos do STJ de 24 de Maio de 1983, in BMJ nº 327, pág. 613, e de 23 de Janeiro de 1986, in BMJ nº 353, pág. 376, referenciados naqueles locais».

Na verdade, já defendia Alberto dos Reis, A Figura do Processo Cautelar, BMJ nº 03, pág. 72 que o “tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se (…) a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito”.

E isto porque, como denota Alberto dos Reis, ob. Cit., pág. 38, «a garantia cautelar aparece, assim, posta ao serviço duma actividade jurisdicional posterior, que há-de restabelecer, de modo definitivo, a observância do direito; é destinada, não propriamente a fazer justiça, mas a dar tempo a que a justiça realize a sua obra».

Na verdade, o processo cautelar — artigos 112º, nº 1, e 113º do CPTA — tem por finalidade garantir que a decisão proferida no processo principal, de cognição plena, tenha aptidão para, aquando da sua prolação, produzir todos os efeitos para que tende, sendo necessário que “na altura da decisão exista uma situação de facto a que possa adaptar-se a situação jurídica apreciada ou constituída mediante o processo”, como verte Alberto dos Reis, ob. Cit., pág. 53.

Naturalmente, os planos de apreciação envolvem os factos e o direito.

No plano factual, desde logo, é ónus do requerente alegar e demonstrar os pertinentes factos que permitam a formulação de um juízo de probabilidade de sucesso do seu pedido na acção principal.

No plano do direito, tal como a lei exige, deve avaliar-se, em exame perfunctório, segundo um juízo de verosimilhança e previsibilidade do resultado expectável, da probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

A apreciação do fumus boni iuris a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA impõe, assim, um juízo cautelar que, em regra, se satisfaz com a mera verosimilhança ou probabilidade, estando excluída uma análise de tal forma detalhada que venha a desembocar, à revelia do instituto da decisão da causa principal a que alude o artigo 121º do CPTA, na antecipação da decisão para a causa principal.

De resto, como refere Mário Aroso de Almeida, Medidas Cautelares no Ordenamento Contencioso – Breves Notas, Direito e Justiça, XI, 2, pág. 147, a propósito da necessidade da consagração deste critério do fumus boni iuris no âmbito da suspensão da eficácia de actos administrativos, «a consagração desde critério pressupõe o permanente respeito pela lógica da tutela cautelar, sendo, por isso, incompatível com a indagação exaustiva de questões cuja solução cabe no processo principal».

Todavia, se bem que a provisoriedade da tutela cautelar seja garantida pela caducidade em caso de não propositura ou da improcedência da acção principal, sendo, portanto, os seus efeitos juridicamente reversíveis, pode, nesse caso, verificar-se a sua irreversibilidade quanto aos efeitos de facto produzidos na esfera do requerido, o que se mostra mais premente no caso das tutelas cautelares antecipatórias, uma vez que a equivalência do conteúdo decisório cautelar com a decisão final a proferir no processo principal pode satisfazer de imediato o interesse do requerente, com a eventual consequente perda de utilidade da acção principal.

Nesse caso, a summaria cognitio deverá ser integrada por um juízo de probabilidade especialmente forte, se bem que ainda no respeito pela lógica do processo cautelar, incompatível com a indagação exaustiva de questões cuja solução cabe no processo principal.

Como vertido em sumário do acórdão deste TCAN, de 12-07-2013, processo nº 00904/12.8BEBRG:

I-As providências cautelares antecipatórias, visando obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado através de uma provisória antecipação dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa, antecipam a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção, excedendo a natureza simplesmente cautelar que caracteriza a generalidade das providências.

II-Estas providências quando decretadas consomem, de certo modo, o pedido material, uma vez que o antecipam, embora a alteração do status quo criado pelo acto a impugnar, não deixe de ser provisória, pois fica sujeita a confirmação no processo principal, isto é, à procedência da respectiva acção;

II.1-assume aqui relevo fundamental o fumus bonus iuris;

II.2-o juiz tem o poder e o dever de, ainda que em termos sumários/perfunctórios, avaliar a probabilidade da procedência da acção de que depende a providência, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir;

II.3-nestas providências (antecipatórias) o fumus (que mais não é do que a ponderação perfunctória acerca do carácter bem fundado da pretensão principal) tem de ser analisado na sua vertente positiva -; é preciso acreditar na probabilidade de êxito da pretensão principal.

Tal é, aliás, perfeitamente compreensível na medida em que não se pode beneficiar quem parece não ter razão.”.

Em todo o caso, como analisa Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Almedina, 2ª ed. pag. 219, «a actuação do juiz no âmbito dos procedimentos cautelares é daquelas que mais reclama a interferência dos factores da ponderação, do bom senso, do equilíbrio, enfim, da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes, sem graves riscos de prejuízos para o requerido, mas também sem excessivos receios de proferir uma decisão total ou parcialmente favorável ao requerente. Deve o juiz evitar que a decisão, qualquer que ela seja, agrave o litígio entre as partes, que tanto pode emergir da concessão ao requerente de uma providência materialmente injustificada, como da demissão da função de administrar a justiça, denegando, sem razão, a pretensão».

Vejamos em concreto.

Poder-se-á concluir que o decretamento da requerida medida cautelar “conduziria a uma situação definitiva e irreversível para o futuro, pelo que deve ser indeferida”?

As providências cautelares antecipatórias são admissíveis no atinente regime jurídico, sendo que na redacção anterior à carreada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, o artigo 120º do CPTA continha diferentes critérios para a adopção de providências cautelares de tipo conservatório e antecipatório, sucedendo-lhes um único, como acima já relembrámos.

Ora, negar ao requerente uma providência cautelar antecipatória significa conceder ao requerido o benefício da manutenção do status quo que a duração do processo principal consente; e se é certo que a adopção da requerida providência é susceptível de garantir a efectividade da tutela jurisdicional do requerente (artigo 268º, nº 4, da CRP), também certo é que o requerido, como todos, beneficia do não menos constitucionalmente garantido direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da CRP).

Na verificação sumária dos pressupostos de que depende a adopção da requerida providência cautelar, impõe-se, pois, um cuidado e ponderação acrescidos.

Atentemos, em primeiro lugar, no pedido cautelar: “intimar o réu a abster-se de gravar e colher imagens da assembleia de freguesia de Molelos, concelho de Tondela, por qualquer meio ou recurso a quaisquer equipamentos, eletrónicos, manuais ou artesanais, deixando de perturbar o normal andamento da mesma e respeitando o seu funcionamento da Assembleia, quando nela está como na qualidade de eleito local e membro da mesma, tudo acrescido das demais consequências legais.

O pedido, tal como formulado pela Requerente, apresenta-se pouco assertivo, não sendo claro que, para além da abstenção de gravação e colheita de imagens, pretenda também a sua intimação para que deixe de perturbar o normal andamento da reunião da assembleia ou, mais verosimilmente no contexto sintáctico-semântico, se esta referência é mera inferência, sem pretensão petitória, do facto da gravação e colheita de imagens pelo Requerido.

Em substância, a pretensão é a de que o Requerido se abstenha do exercício jornalístico, enquanto jornalista, quando participa nas sessões da Assembleia de Freguesia de Molelos enquanto seu membro.

E o que ressuma do exposto no requerimento inicial e matéria indiciariamente provada é que a alegada perturbação do normal andamento da reunião da referida assembleia advém, não de factos decorrentes directa e imediatamente do exercício de gravação jornalística (ruídos provocados pelo gravador ou directamente pela actividade jornalística em si), mas antes resultam, segundo se retira do relato do Requerente, das altercações decorrentes de posições antagónicas: A gravação audiovisual da sessão da Assembleia de Freguesia efectuada por um membro da mesma na simultânea qualidade de jornalista versus oposição a essa actividade por banda da Mesa daquela Assembleia de Freguesia de Molelos: O conflito emergente, é que, afigura-se, gerou a alegada perturbação ou perturbações, tudo ainda segundo o relato da Requerente.

Se, por um lado, a Requerente se arroga o direito a que as suas reuniões, aliás, públicas, não sejam alvo de gravação de imagem e som por um jornalista — com estatuto equiparado a jornalista, titulado por carteira profissional de equiparado a jornalista nº TE-1... (há notícia nos autos da existência desta carteira profissional em 2016) — que simultaneamente participa na sessão enquanto eleito local, pelo outro, o Requerido esgrime os direitos de liberdade de imprensa ínsitos no artigo 38º da CRP e 22º da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, com rect. nº 9/99, de 04/03, e alterações introduzidas pelas Leis nº 18/2003, de 11/06, 19/2012, de 08/05, 78/2015, de 29/07), bem como a ausência de norma legal ou regulamentar de impedimento, já que a sua participação enquanto eleito local não vem posta em crise, que não seja em mera alternativa na intervenção.

Além disso, as sessões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas — artigo 49.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL) estabelecido pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Lei nº 25/2015, de 30/03, nº 69/2015, de 16/07 e nº 7-A/2016, de 30/03. E ao argumento do direito à imagem que a Requerente verte no requerimento inicial, com a ressalva do disposto no nº 3, o direito à imagem que o nº 1 do artigo 79º do Código Civil consagra, não carece do consentimento da pessoa retratada, nas circunstâncias descritas no seu nº 2, a que se afigura subsumível a situação em apreço.

Mas então, o que está aqui em causa?

Fosse a questão de mera perturbação do funcionamento da assembleia, activa e directamente por facto do Requerido enquanto jornalista, a questão afigurar-se-ia ser de polícia, nos termos gerais, sendo que especificamente se prevê nos nºs 4 e 5 do artigo 49º do RJAL que a intromissão de cidadãos nas discussões é punida com coima, aplicada pelo juiz da comarca.

Se, porventura, é uma questão de ilegal acumulação de funções, então a questão é de impedimento ou então de incompatibilidade legal, sendo que só há incompatibilidade quando a lei a estabeleça (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª ed., pag. 948); ora, o Estatuto dos Eleitos Locais (EEL)(4) contemplam um regime de incompatibilidades (cfr. artigos 3º e 4º), o Código do Procedimento Administrativo (CPA/2015) prevê um regime de impedimentos no seu artigo 69º; também a Lei da Tutela Administrativa (LTA) (Lei nº 27/96, de 01 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 1/2011, de 30/11, e Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02/10) prevê no seu artigo 3º a perda de mandato em que incorrem os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas nas circunstâncias ali descritas.

Essas, e outras, são, todavia, questões que apenas a acção principal eventualmente decidirá, que não nesta sede cautelar, como já vimos.

O requerimento inicial menciona apenas um fundamento do pedido de decretamento da providência cautelar pretendida: Ali se afirma que a constante afronta, pelo Requerido, e perturbação por si geradas tem bloqueado e impedido o bom funcionamento daquele órgão, ofendendo o mais basilar princípio da democracia, o da plena liberdade (não perturbação/coacção) das deliberações e dos seus órgãos deliberativos e que, manifestamente, aquela sua conduta perturba de modo inexorável,Razão pela qual a autora se recorre deste procedimento cautelar”.

Mas, do que resulta da causa de pedir e da matéria de facto provada, não é exactamente assim.

A causa de pedir não carreia nenhum facto que revele que do acto de gravação da sessão da assembleia pelo Requerido constitua, em si mesmo (ruídos, aparato, etc), o factor de perturbação.

Do que resulta dos documentos juntos aos autos, a gravação limita-se ao posicionamento sobre um tripé de um gravador audiovisual de pequenas dimensões que fica ligado durante a sessão, ocupando o Requerido o seu lugar de eleito local, como o revelam as actas das reuniões, que registam a presença enquanto tal.

Portanto, do que vem alegado e provado, a concreta actividade jornalística do Requerido não constitui, em si mesmo, o factor de perturbação. Como vimos acima, a perturbação surge apenas do confronto activo entre duas posições: Por um lado, a posição do Requerido que, participando de tal sessão na qualidade de eleito local, mantém em funcionamento o engenho audiovisual que utiliza para a referida gravação jornalística, enquanto jornalista do jornal Augaciar e, por outro, a da Mesa da Assembleia de Freguesia que entende que o Requerido, enquanto eleito local integrante da Assembleia, não pode exercer a actividade jornalística, mediante captação de som e imagem por meios audiovisuais, durante a sessão da Assembleia de Freguesia.

No limite, a Mesa da Assembleia esgrime a impossibilidade de exercício simultâneo de ambas as actividades, mas não carreia um assertivo quadro normativo (legal ou regulamentar, esta, designadamente, no âmbito da autonomia normativa – artigo 241º da CRP) de que resulte probabilidade suficiente ao preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA, de que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (pretensão que, aliás, se ignora em concreto, mas se antolha pela causa de pedir e pedido cautelar).

E compete-lhe fazê-lo, pois pretendendo a Requerente, ainda que provisoriamente, uma mudança do status quo a seu favor, cabe-lhe a prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida, ou a deduzir, no processo principal.

Sendo certo que iura novit curia (artigo 5º, nº 3, do CPC), vejamos.

Como componente da organização democrática do Estado, prevê a Constituição a existência de autarquias locais, dotadas de órgãos representativos — deliberativos e executivos —, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (artigos 235º e 239º), afirmando-se o princípio da sua autonomia no artigo 6º, enquanto forma de administração autónoma territorial, mas que não exclui a tutela estadual (artigo 242º), e dotadas de poder regulamentar próprio nos limites que o artigo 241º verte. O poder político aí exercido pertence ao povo e é exercido nos termos a Constituição (artigo 108º).

Não esqueçamos que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, sendo que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como vertem os nºs 1 e 2 do artigo 18º da CRP, e mesmo no caso de suspensão do exercício de direitos, a Constituição contém uma cláusula de intangibilidade de certos direitos no nº 6 do artigo 19º.

Ora, no presente caso, por um lado, todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, como garante o artigo 48º da CRP, o que constitui um instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático (artigo 109º da CRP).

Assim, relativamente ao estatuto de titulares de cargos políticos, a lei dispõe sobre os deveres responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades, comanda o nº 2 do artigo 117º da CRP.

O Estatuto dos Eleitos Locais (definido pela Lei nº 29/87, de 30 de Junho), quanto ao regime e desempenho de funções dispõe no artigo 2º, nº 4, entre o mais, queos membros dos órgãos deliberativos e consultivos são dispensados das suas funções profissionais, mediante aviso antecipado à entidade empregadora, quando o exija a sua participação em actos relacionados com as suas funções de eleitos, designadamente em reuniões dos órgãos e comissões a que pertencem ou em actos oficiais a que devem comparecer”, sendo certo que no exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos princípios vertidos no artigo 4º do mesmo EEL, quer em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos, quer de prossecução do interesse público — dos quais se destacam a salvaguarda e defesa dos interesses públicos do Estado e da respectiva autarquia, o respeito pelo fim público dos poderes em que se encontram investidos, o não patrocínio de interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico, o dever de não usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha acesso no exercício das suas funções —, como também em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares, como o dever de participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos.

Por outro lado, temos em presença os direitos de liberdade de imprensa e meios de comunicação social, de expressão e de informação, vertidos nos artigos 38º e 37º, ambos da CRP, normas que cabem no âmbito da protecção directa, inseridas que estão no título II da CRP.

A actividade jornalística é regulada por lei — Lei nº 1/99(5), de 1 de Janeiro —, e nela se prevê que os indivíduos que exerçam, de forma efectiva e permanente, as funções de direcção do sector informativo de órgão de comunicação social são equiparados a jornalistas, com a obrigação de possuir um cartão de identificação próprio (artigo 15º).

No capítulo dos direitos, destacam-se para o que releva na economia deste aresto, a liberdade de expressão e de criação, a liberdade de acesso às fontes de informação e a garantia de sigilo profissional (artigo 6º).

No entanto, “as liberdades de informação e de imprensa, tal como quaisquer outros direitos, liberdades e garantias não constituem direitos ilimitados nem absolutos. É a própria Constituição que o admite desde logo no artigo 37º, nº 3, assim como a lei (ver a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas)” — acórdão do Tribunal Constitucional nº 292/2008, de 29-05-2008, processo nº 459/07 — pois, entre outros, podem não ser despiciendos eventuais aspectos atinentes à protecção de dados pessoais [na definição do artigo 3º, alínea a) da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, com Rect. nº 22/98, de 28/11, e actualização pela Lei nº 103/2015, de 24/08], quanto ao tratamento de dados pessoais [no conceito vertido na alínea b) do referido artigo 3º], que inclui a recolha e o registo de dados pessoais, sendo certo que, como princípio geral (artigo 2º) o tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

No âmbito das incompatibilidades, vertidas no artigo 3º, relevam as referidas nas alíneas e) e f):

e) Funções enquanto titulares de órgãos de soberania ou de outros cargos políticos, tal como identificados nas alíneas a), b), c), e) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, alterada pelas Leis n.ºs 39-B/94, de 27 de Dezembro, 28/95, de 18 de Agosto, 42/96, de 31 de Agosto, e 12/98, de 24 de Fevereiro, e enquanto deputados nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, bem como funções de assessoria, política ou técnica, a tais cargos associadas;

f) Funções executivas, em regime de permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo, em órgão autárquico.”.

Sem cair na tentação de operar aqui, nesta sede cautelar, uma exegese aprofundada que só poderá ter lugar no processo principal, sempre se dirá que a situação de membro de uma assembleia de freguesia não se afigura subsumível à previsão normativa da supra referida alínea e), porquanto esse não é um órgão de soberania (cfr. artigo 110º da CRP) e os seus membros não figuram no elenco dos cargos políticos vertidos nas referidas alíneas a), b), c), e) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, nem, por fim, estamos perante deputado em qualquer das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

Também não se mostra subsumível à supra transcrita alínea f), uma vez que a assembleia de freguesia é um órgão deliberativo (artigo 6º, nº 1, da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro), que não executivo (órgão executivo é a junta de freguesia, como dispõe o nº 2 do referido artigo 6º).

De resto, o que emana do referido regime jurídico de incompabilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos é um apertado controlo normativo constitucional e infra-constitucional ao exercício de funções pelos titulares de órgãos de soberania e titulares de outros cargos políticos, mas que, quanto aos eleitos locais se queda pelo presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais.

De notar, igualmente, que também o regime de incompatibilidades do exercício da profissão de jornalista com o desempenho de outras funções, se limita, quanto aos cargos políticos, apenas às funções enquanto titulares de órgãos de soberania ou dos cargos políticos que o nº 2 do artigo 1º da Lei nº 64/93 identifica, como vimos acima, sendo que, quanto aos eleitos locais, apenas abrange o presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais e nada mais; e limita-se ainda, mesmo no caso de funções em órgão autárquico, apenas a funções executivas, em regime de permanência (cfr. o referido artigo 3º do Estatuto do Jornalista).

Em conclusão, na base do pedido cautelar parece estar — embora não manifesta ou evidente, tanto quanto a actividade dirimente perfunctória permite concluir — a provável existência de um direito, não claramente definido.

Em contraposta posição temos o direito invocado pelo Requerido de livre exercício das funções de jornalista, de maior definição no contexto da causa. Todavia, de menor definição no caso do seu exercício simultaneamente à sua participação da assembleia de freguesia enquanto seu membro.

Tudo a carecer de aprofundado conhecimento no âmbito do processo principal, se a tanto se guindar tal causa.

De notar que a Recorrente na sua alegação de recurso e quanto ao fumus boni iuris, apoia-se no parecer emitido pelo Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social – a deliberação 225/2026, junta aos autos —, dele transcrevendo o seguinte (nosso sublinhado):

53. Em este propósito, assinala-se que se afigura eticamente questionável a admissibilidade concreta de exercício, em simultâneo, num mesmo ato, das funções da jornalista e de um membro de uma Assembleia de Freguesia. Em concreto, colocar a câmara a gravar num lado, enquanto se exerce o mandato de deputado no outro, configura o exercício do jornalismo que suscita questões de conduta profissional que são patentes.

54. Assim, entende o Conselho Regulador que o queixoso (aqui Réu, Recorrido), enquanto exerça o jornalismo e esteja presente na sessão para efeitos informativos - a finalidade por excelência do direito de acesso- não pode ser impedido de fazê-lo, mas já não poderá fazer valer os seus direitos de jornalista quando age enquanto membro da Assembleia de Freguesia..

Éticamente questionável” foi o argumento maior que aquela entidade reguladora encontrou para resolver a questão.

Quanto à requerida providência cautelar, se, por um lado, estamos perante um pedido de tutela cautelar que visa garantir a efectividade de um eventual direito ameaçado, por outro, na adopção de medidas antecipatórias para afastamento do periculum in mora, que o regime jurídico cautelar admite, pode casuisticamente ocorrer, como consequência, a criação de efeitos irreversíveis. Pode, pois, acontecer que, por força de uma tutela cautelar que, embora se apresente, para além de instrumental e acessória, como urgente e sumária, se antecipem de forma definitiva os efeitos da decisão final e, com isso, se ponham em causa as garantias do requerido a um processo equitativo na defesa de um direito de igualmente eventual existência.

Nessas circunstâncias, se com a adopção de uma tal providência ficaria garantida a efectividade da tutela jurisdicional do requerente (artigo 268º, nº 4, da CRP), também certo é que o requerido, como todos, beneficia do não menos constitucionalmente garantido direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da CRP).

Ora, se na base da tutela cautelar pretendida estivesse um ameaçado direito da Requerente de provável existência contra um direito do Requerido de improvável existência, o sentido da decisão penderia favoravelmente à Requerente, pela verificação do respectivo pressuposto.

Mas essa situação não se verifica, como vimos.

Nesse plano, a probabilidade de qualquer das partes gozar dos contrapostos direitos que se arrogam é reciprocamente equivalente.

Dever-se-á sacrificar o eventual ou provável direito do Requerido em favor do igualmente eventual ou provável direito da Requerente?

A resposta, com os fundamentos supra, afigura-se dever ser negativa. O direito invocado pela Requerente, pela análise perfunctória e atendendo ao que se apresenta como o fulcro da invocada perturbação da sessão da assembleia de freguesia, nos termos explanados, não se apresenta mais forte do que o invocado direito do Requerido que se lhe opõe, de molde a impor uma mudança de status quo a favor da Requerente preterindo o Requerido. Concedê-la, conduziria a uma situação de irreversibilidade material injustificada dos efeitos da requerida tutela cautelar.

Não ocorre violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e das normas dos artigos 112º, nº 1, e 120, nº 1, alínea c), do CPTA e artigo 20º, nºs 1, 2 e 4, da CRP.

Com os fundamentos supra, a decisão recorrida não deve ser revogada.

Não há lugar à aplicação do estatuído no nº 3 do artigo 120º do CPTA, pois a situação não se subsume à sua previsão normativa, não sendo caso de excessividade da medida cautelar na defesa dos interesses defendidos pela Requerente, como também não se vislumbra, nem a Requerente identifica, outra providência cautelar adequada, pelo que nenhuma nulidade aqui se verifica.

Improcedem os fundamentos do recurso.

Reitera-se que este acórdão tem por objecto a decisão sobre o pedido cautelar, não constituindo decisão sobre o mérito da questão de fundo controvertida que, com excepção do mecanismo ínsito no artigo 121º do CPTA que ora não está em causa, apenas poderá ser julgada no processo principal de que o processo cautelar depende.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida com os fundamentos supra exarados.

Custas pela Recorrente, por lhes ter dado causa (artigo 527º do CPC).
Notifique e D.N..

Porto, 27 de Janeiro de 2017
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Joaquim Cruzeiro
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1 Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
2 Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
3 Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.
4 Aprovado pela Lei nº 29/87, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pelas Lei nºs 7/89, de 15/12, 1/91, nº 10/01, nº 11/91, de 17/05, nº 11/96, de 18/04, nº 127/97, de 11/12, nº 50/99, de 24/06, nº 86/2001, de 10/08, nº 22/2004, de 17/06, nº 52-A/2005, de 10/10, e nº 53-F/2006, de 29/12.
5 Com as alterações introduzidas pela Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro, e Rect. nº 114/2007, de 20 de Dezembro.