Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01644/04.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/01/2011
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
VIÚVA DE EX-BENEFICIÁRIO DA CPCFB
RECONHECIMENTO DE PERÍODOS CONTRIBUTIVOS
CADUCIDADE DO DIREITO DE REQUERER A PENSÃO
Sumário:O prazo de caducidade do artigo 48º do DL nº322/90, de 18.10, não se aplica aos casos em que o pedido de pensão de sobrevivência seja deduzido após o reconhecimento de prazos contributivos efectuado ao abrigo do DL nº335/90, de 29.10.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:09/17/2010
Recorrente:Instituto de Segurança Social - Centro Nacional de Pensões
Recorrido 1:M...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Instituto de Segurança Social - Centro Nacional de Pensões [ISS/CNP] interpõe recurso do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Viseu – de 23.03.2010 que o condenou a atribuir uma pensão de sobrevivência a M…o acórdão recorrido culmina acção administrativa especial em que M… pede ao tribunal a declaração de nulidade, ou anulação, do despacho da Chefe de Equipa que lhe indeferiu o pedido de atribuição de pensão de sobrevivência, e a condenação do réu a deferir esse pedido, com as consequências legais.
Conclui assim as suas alegações:
1- O CNP emitiu o ofício de 27.04.95, em cumprimento do disposto no artigo 4º do Despacho nº12-I/SESS/1995 com o objectivo de divulgar o Suplemento de Apoio Social junto dos cônjuges de ex-beneficiários da Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro de Benguela [CPPCFB] e remeter o respectivo requerimento;
2- O Suplemento de Apoio Social, previsto no Despacho 12-I/SESS/95, não pode ser confundido com a pensão de sobrevivência prevista no DL nº322/90, de 18.10;
3- Nos termos do nº1 do artigo 47º do DL nº322/90, a atribuição da pensão de sobrevivência deve ser requerida pelo interessado ou pelo seu representante legal pelo que, não se percebe como pôde o douto acórdão ora impugnado concluir que, da emissão do ofício de 27.04.1995 por parte do CNP resulta que a autora efectuou o pedido de atribuição de pensão de sobrevivência;
4- O primeiro pedido que a autora fez relacionado com a pensão de sobrevivência foi pelo requerimento de 07.12.1998 em que solicitou junto do CRSS de Lisboa o reconhecimento dos períodos contributivos relativos à actividade profissional exercida pelo beneficiário nas ex-colónias portuguesas, não se tratando todavia de pedido de atribuição de pensão de sobrevivência, nos termos e para os efeitos do artigo 47º do DL nº322/90;
5- Só em 03.10.2003, a autora solicitou o processamento das pensões de sobrevivência relativas aos períodos contributivos já reconhecidos por óbito do beneficiário;
6- O artigo 48º do DL nº322/90, ao fixar o lapso de tempo dentro do qual pode ser exercido o direito potestativo dos interessados a requerer a requerer as prestações morte, o qual começa a contar a partir da data do falecimento, estabelece um prazo de caducidade;
7- Carece de fundamento a conclusão expendida no douto acórdão, segundo a qual a decisão do STA, proferida em 18.12.2002, na sequência de um despacho de indeferimento, proferido em 16.05.2000, que incidiu sobre o pedido de reconhecimento efectuado em 07.12.1998, afasta o prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 48º do DL nº322/90;
8- Tanto mais que o pedido de reconhecimento dos períodos contributivos do beneficiário nas ex-colónias, que viria a dar causa ao acórdão do STA, foi efectuado pela autora em 07.12.98 quando já tinha decorrido o prazo de cinco anos, previsto no artigo 48º, sobre a data do falecimento ocorrido em 05.04.1991;
9- Por tudo o exposto, não assiste razão ao acórdão recorrido nos fundamentos que invoca para concluir como concluiu, dando razão à autora e afastando a caducidade prevista no artigo 48º do DL nº322/90;
10- O acórdão recorrido violou, assim, o disposto no artigo 48º do DL nº322/90 de 18/10.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, bem como a confirmação do acto de indeferimento da pensão solicitada.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].
Cumpre decidir.
De Facto
São os seguintes os factos que foram considerados provados no acórdão recorrido:
1- Pelo AC do STA de 18.12.2002 foi deferida à autora a pretensão de ver reconhecidos os períodos contributivos do seu falecido marido junto da Caixa de Previdência do Caminho-de-Ferro de Benguela [CPCFB] para os efeitos, e com vista, à atribuição de uma pensão de sobrevivência [ver documento 1 junto com a petição inicial];
2- Na sequência desta decisão foram tais períodos contributivos reconhecidos pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Distrital de Viseu [ver documento 2 junto com a petição inicial];
3- Quando a autora formalizou o pedido veio a ser notificada por ofício de 04.03.2004 do Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, para apresentar cópia de requerimento a pedir a atribuição de pensão de sobrevivência dentro dos 5 anos subsequentes à morte do seu cônjuge [ver documento 3 junto com a petição inicial];
4- A autora respondeu nos termos constantes da carta enviada em 10.03.2004, e que se dá integralmente por reproduzida [ver documento 4 junto com a petição inicial];
5- Veio a ser de novo notificada em 22.07.2004, por ofício dessa mesma data, em que o CNP admite [no 2º parágrafo] que o reconhecimento dos períodos contributivos se destinou a cumprir o prazo de garantia necessário para a concessão da pensão de sobrevivência por óbito do beneficiário [documento 5 junto com a petição inicial];
6- Em nova resposta a autora remeteu ao CNP requerimento no qual defende que não deve ser julgado extinto por caducidade o pedido de atribuição de pensão de sobrevivência [documento 6 junto com a petição inicial];
7- O pedido de pensão de sobrevivência da autora foi objecto de indeferimento, nos termos constantes do ofício que foi a esta notificado em 18.08.2004 [ver documento 7 junto com a petição inicial];
8- A autora, por via do óbito do esposo, ocorrido em 05.04.1991, adquiriu o estatuto de beneficiária da CPCFB, com o nº1253 – Admissão;
9- A autora é pensionista da Segurança Social Portuguesa com o nº115 367 895 [ver documento 1 junto com a contestação];
10- O CNP, por ofício de 27.04.95 veio informar a autora que teria direito ao suplemento de apoio social [ver documento 5 junto com a contestação];
11- A autora requereu o suplemento de apoio social em 10.05.1995 no Ex-Centro Regional de Segurança Social do Centro, declarando que não estava a receber da CPCFB a pensão de sobrevivência e que se comprometia a comunicar ao CNP logo que a dita instituição reiniciasse o respectivo pagamento - Serviço Sub-Regional de Viseu [ver documento 6 junto com a contestação];
12- A autora aufere um suplemento de apoio ao cônjuge de ex-beneficiário da CPCFB, pago pelo réu no valor de 164,17€, sendo de 171,73€ a partir de Dezembro de 2005 [documentos 1 e 2 juntos com a contestação];
13- A autora recebeu pensão de sobrevivência da CPCFB até ao mês de Dezembro de 1994 [ver documentos 8, 11 e 12, juntos com a petição inicial];
14- Mediante ofício, veio a CPCFB informar que entre o dia 01.01.95 e o dia 31.12.2004 não foi liquidada qualquer importância [ver folhas 105 dos presentes autos];
15- Em Janeiro de 2005 a autora recebeu pensão de sobrevivência da CPCFB no montante de 70,48€ [ver documento 7 junto com a contestação].
Nada mais foi dado como provado.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.
II. A autora da acção administrativa especial pediu ao tribunal a declaração de nulidade, ou a anulação, do indeferimento do pedido de pensão de sobrevivência que formulou junto dos serviços do réu, e a condenação deste à prática do acto devido, ou seja, a atribuir-lhe a pensão de sobrevivência pretendida, com as consequências legais.
Alicerçou o pedido de declaração de nulidade em alegada violação do conteúdo essencial do direito fundamental à segurança social [artigo 63º nº 1 e nº3 da CRP] e o pedido subsidiário de anulação em alegada violação de lei [artigo 7º nº1 alínea a) do DL 322/90, de 18.10, e 329º do Código Civil] e de princípios jurídicos estruturais [confiança, justiça e boa-fé].
O TAF avaliou o pedido que lhe foi formulado à luz das normas legais que entendeu aplicáveis à situação da autora, e deu-lhe razão, concluindo que foi ilegal o indeferimento da sua pretensão de pensão de sobrevivência, e condenando o réu a deferi-lo, mediante a prática de nova decisão administrativa.
Deste acórdão discorda o réu, que lhe imputa erro de julgamento de direito, exclusivamente.
Temos, pois, como definitivo o julgamento de facto realizado no acórdão recorrido, quer na sua fidelidade quer na sua suficiência.
III. O acórdão recorrido, para considerar ilegal o indeferimento da atribuição de pensão de sobrevivência à autora, partiu das seguintes premissas: que os períodos contributivos do seu falecido marido, junto da Caixa de Previdência do Caminho-de-Ferro de Benguela [CPCFB], foram reconhecidos pelo STA [ponto 1 do provado]; que tais períodos contributivos preenchem o prazo de garantia necessário à concessão da sua pensão de sobrevivência, como cônjuge sobrevivo; que o suplemento de apoio social, que ela vem recebendo, não impede a atribuição da pensão de sobrevivência; e que não se verificou caducidade do direito de requerer a pensão de sobrevivência, pois os respectivos períodos contributivos apenas foram reconhecidos em 18.12.2002 [ponto 1 do provado], e o Centro Nacional de Pensões [CNP] apenas cumpriu o artigo 4º do Despacho nº12-I/SESS/95 por ofício de 27.04.1995 [ponto 10 do provado].
Destas premissas, como resulta claro da consulta das conclusões do recurso, o recorrente ISS/CNP apenas discorda da última, ou seja, entende que caducou o direito da ora recorrida requerer a prestação de pensão de sobrevivência, pois não foi observado o prazo do artigo 48º do DL nº322/90 de 18.10.
A abordagem deste erro de julgamento, assim delimitado, exige, porém, que visitemos o regime jurídico aplicável ao caso.
IV. O DL nº322/90, de 18 de Outubro, veio definir e regulamentar a protecção na eventualidade da morte de beneficiários do regime geral de segurança social, estabelecendo que a protecção por morte destes beneficiários, activos ou pensionistas, é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte, sendo que as pensões de sobrevivência têm por objectivo compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste [artigos 1º nº1, 3º nº1 e 4º nº1].
Entre os titulares do direito a tais prestações o diploma integra o cônjuge sobrevivo [artigo 7º nº1 alínea a)], e faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência da verificação de um prazo de garantia de 36 meses [artigo 16º nº1], e de requerimento do interessado, ou seu representante, deduzido no prazo de cinco anos a contar da data do falecimento do beneficiário [artigos 47º nº1 e 48º].
Constatando que a valência desse direito a pensão de sobrevivência por banda dos portugueses que retornaram das nossas antigas colónias, e que aí efectuaram descontos obrigatórios para caixas de previdência, passava pelo reconhecimento dos respectivos períodos contributivos no âmbito do sistema de segurança social português, o nosso legislador, poucos dias após a publicação do dito diploma, através do DL nº335/90, de 29.10, veio consagrar-lhes o direito a esse reconhecimento mediante a verificação cumulativa de determinados pressupostos [artigo 1º], e esclarecer que tal reconhecimento dos períodos contributivos pode ter em vista o preenchimento dos prazos de garantia necessários para a concessão, nomeadamente, de pensões de sobrevivência [artigo 2º alínea a)].
A abertura do processo de reconhecimento dos períodos contributivos em questão depende, adverte, da apresentação de requerimento do interessado, instruído com meios de prova documentais que enumera [artigo 3º e suas alíneas]. Note-se que o artigo deste último diploma, que previa um prazo de caducidade de 3 anos, a contar da sua entrada em vigor, para requerer o reconhecimento dos períodos contributivos em questão, foi expressamente revogado pelo artigo 2º do DL nº465/99, de 05.11, com efeitos reportados à data da sua [DL nº335/90] entrada em vigor.
Por fim, no tocante a normas, em 21.02.95 o então Secretário de Estado da Segurança Social proferiu o Despacho nº12-I/SESS/95, visando fixar um suplemento de apoio social aos cônjuges de ex-beneficiários da CPCFB que, em Dezembro de 1993, recebiam pensão de sobrevivência [artigo 1º], procurando assim minimizar a redução significativa de protecção social que os mesmos sofreram por via da cessação de pagamentos pela referida CPCFB.
Este Despacho refere, no seu artigo , que o CNP, com base em relação nominal a obter da CPCFB, deve dar a conhecer aos seus pensionistas de sobrevivência o conteúdo do presente despacho e remeter impresso para requerimento do suplemento de apoio social. Note-se, ainda, que o montante desse suplemento de apoio social corresponde, de acordo com o artigo do Despacho, ao valor da pensão social de invalidez ou velhice, no caso de o interessado não ter direito a outra pensão do sistema de segurança social, ou à diferença entre o montante da pensão recebida e o valor da pensão de invalidez ou velhice, nos casos em que o interessado tenha direito a pensão do sistema de segurança social.
Presente este quadro legal, voltemos ao caso concreto.
V. A autora da acção, e ora recorrida, passou a ser beneficiária da CPCFB por morte do seu marido, ocorrida em Abril de 1991, e, por via disso, começou a receber dessa entidade uma pensão de sobrevivência, o que se processou até Dezembro de 1994, inclusive.
A partir do mês de Janeiro de 1995, inclusive, passou a receber suplemento de apoio social enquanto cônjuge de ex-beneficiário da CPCFB, ao abrigo do Despacho 12-I/SESS/95, por ter deixado de receber dessa entidade a referida pensão de sobrevivência, mas comprometendo-se a comunicar ao CNP eventual reinício de pagamentos.
Na sequência de decisão judicial, viu reconhecidos, no início de 2003, pela segurança social portuguesa, os períodos contributivos do falecido marido junto da CPCFB, com vista a cumprir o prazo de garantia necessário para a concessão, pela segurança social portuguesa, de pensão de sobrevivência por óbito do beneficiário da CPCFB.
Em 2004 requereu a atribuição de pensão de sobrevivência junto da segurança social portuguesa, requerimento que lhe foi indeferido, no mês de Agosto desse ano, por não ter sido apresentado dentro do prazo de cinco anos previsto no artigo 48º do DL nº322/90 de 18.10.
Cremos, porém, que o motivo do indeferimento é ilegal, porque o artigo 48º do DL nº322/90 não se poderá aplicar neste caso.
Efectivamente, constituindo o DL nº322/90, de 18.10, um regime geral de segurança social, e o DL nº350/90, de 29.10, regime especial, que visa permitir, precisamente, o acesso às prestações consagradas nesse regime geral, importa interpretar a lei no sentido de averiguar se este regime especial comportará a exigência de prazo imposta, no caso, pela Administração [artigo 9º do Código Civil].
As prestações consagradas no regime geral, que se concretizam na pensão de sobrevivência e no subsídio por morte, têm como sua causa justificativa a morte do beneficiário da segurança social, e a necessidade de compensar os respectivos familiares da perda dos rendimentos de trabalho determinada por esse decesso [1º a 4º do DL nº322/90]. Faz todo o sentido, assim, que se fixe um prazo para requerer essas prestações, e que esse prazo tenha como termo a quo a morte do beneficiário.
Todavia, não fará sentido que, para obstar a desigualdades e a situações de injustiça, se abra a possibilidade de reconhecimento dos períodos contributivos de antigos funcionários das ex-colónias, tendo como causa final, precisamente, o cumprimento do prazo de garantia necessário para ter direito à pensão de sobrevivência, fixando prazo de caducidade que tem como termo a quo a morte do beneficiário.
Na altura da morte do beneficiário da CPCFB, a maior parte dos casos que o legislador visou ao publicar o DL 335/90 não impunham a necessidade de requerer a pensão de sobrevivência junto da segurança social portuguesa, porque essa pensão era assegurada pela CPCFB.
Foi a cessação de pagamentos da pensão de sobrevivência pela CPCFB que gerou a necessidade de tratar os desalojados das nossas ex-colónias de forma análoga à da restante população portuguesa.
Deste jeito, surge claro que na lógica do regime especial do DL nº335/90 aquilo que despoleta a necessidade do interessado requerer à segurança social portuguesa a atribuição de pensão de sobrevivência não é a morte do beneficiário, mas a cessação de pagamentos pela CPCFB. A morte do beneficiário será a causa remota, e fundamental, mas sendo causa próxima, sem dúvida, a cessação de pagamentos.
A lógica do regime especial do DL nº335/90, que traduz a causa final da sua consagração, e o respectivo pensamento legislativo, não impõe, pois, a fixação de prazo de caducidade para requerer perante a segurança social portuguesa a atribuição de pensão de sobrevivência, e muito menos que tenha como termo a quo a morte do beneficiário.
Além disso, é nesse sentido que nos impele a letra da lei, porque tanto o artigo 50º do DL 322/90, ao exigir que o requerimento de pensão de sobrevivência seja instruído com documentos comprovativos dos factos condicionantes do respectivo direito, entre eles a verificação do prazo de garantia de 36 meses [artigo 16º nº1], como o seu artigo 49º, ao impor como obrigatória, no requerimento da pensão provisória de sobrevivência, a declaração do interessado, sob compromisso de honra, de se encontrar nas condições exigidas para a concessão da prestação, parecem colidir com a exigência do requerimento da pensão de sobrevivência antes do reconhecimento dos períodos contributivos indispensáveis para integrar o prazo de garantia necessário à sua concessão. Ou seja, seria exigir que o interessado requeresse a atribuição de pensão antes de estarem preenchidos os pressupostos do direito à mesma, que, assim, não poderiam ser comprovados, como exige a lei.
Esta interpretação da lei, segundo a qual o prazo de caducidade do artigo 48º do DL nº322/90, de 18.10, não se aplicará aos casos em que o requerimento de pensão de sobrevivência seja formulado após o reconhecimento de prazos contributivos efectuado ao abrigo do DL nº335/90, de 29.10, parece sair ainda reforçada se tivermos em conta o disposto no artigo do DL nº465/99, de 05.11, e a obrigação de se interpretarem as normas legais de acordo com a Constituição.
Na verdade, se por um lado a revogação expressa do prazo de 3 anos para apresentar o requerimento para reconhecimento de prazos contributivos manifesta a intenção - do legislador - de libertar o exercício desse direito de espartilhos temporais de caducidade, o que não pode deixar de repercutir-se, cremos, no subsequente exercício do direito de requerer a pensão de sobrevivência, por outro lado, é imposto ao intérprete de normas sobre o âmbito de segurança social que, no caso de dúvida, siga a interpretação mais extensiva possível [ver J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra 1993, 6ª edição revista, páginas 541 e seguintes].
Não poderemos esquecer que estamos no âmbito de um direito fundamental, o direito à segurança social [63º da CRP], sujeito ao regime geral dos direitos fundamentais, que impõe interpretação das normas legais em conformidade com as normas constitucionais em que está reconhecido e garantido. Isto, sem prejuízo da sua efectivação estar dependente dos recursos económicos disponíveis pelo Estado [reserva do possível, de plena actualidade].
Olhando o presente caso, constatamos que a tese defendida pelo recorrente exigiria que a pensão de sobrevivência tivesse sido requerida, pela recorrida, ou seu representante, até Abril de 1996 [5 anos após a morte do beneficiário], ou seja, numa altura em que, por não ter reconhecidos os períodos contributivos do seu marido, não podia invocar, nem provar, os pressupostos do direito que reivindicava, tal como a lei lhe exigia. O que, para além de não ser razoável, também destoa da letra e do espírito da lei, nos termos indicados.
Em face do exposto, é ilegal o motivo invocado pela segurança social para indeferir o requerimento de pensão de sobrevivência que lhe foi dirigido pela recorrida. E nisso tem razão o acórdão recorrido.
Mas o acórdão recorrido foi mais longe: ultrapassado o obstáculo temporal invocado pelos serviços do réu, considerou que se impunha a prática de novo acto administrativo, mas agora de deferimento da pensão de sobrevivência. E, quanto a isto, o recorrente nem sequer reagiu, pois limitou-se a discordar do julgamento sobre a caducidade.
De todo o modo, resulta da sinopse legal realizada no ponto IV, supra, que não será líquida a possibilidade de cumular o suplemento de apoio social, que a nossa recorrida actualmente aufere, com a pensão de sobrevivência que pretende auferir. Mas esta é outra questão, que aqui se nos não impõe resolver.
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e ser mantido o acórdão recorrido.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, com redução da taxa de justiça a metade - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ.
D.N.
Porto, 01.04.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela