Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02549/99
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/05/2005
Relator:Gonçalves Pereira
Descritores:CONCURSO
DIVULGAÇÃO ATEMPADA DOS MÉTODOS DE SELECÇÃO
Sumário:1) A garantia de isenção, transparência e imparcialidade que o artigo 5º nº 1, alínea d), do Dec.Lei nº 498/88 visava defender no processo concursal, são postas em causa se o Júri do concurso fixou as fórmulas e definiu os critérios a aplicar na avaliação curricular depois de conhecer os currículos dos candidatos e documentação que os acompanhava.
2) Operou-se, assim, violação do preceituado nos artigos 6º do CPA e 266º da CRP independentemente da sua violação ter tido ou não consequências lesivas para os direitos dos candidatos preteridos, cuja demonstração se mostra por isso irrelevante.
3) Essa violação opera-se, independentemente de o Júri ter agido segundo instruções superiores.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes do 1º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Luísa ....., casada, Oficial Administrativa Principal do quadro da Comissão de Coordenação da Região do Norte (CCRN), residente na Rua de Serralves, nº 80, no Porto, recorreu contenciosamente do despacho do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território de 2/11/98, que lhe indeferiu o recurso hierárquico interposto do acto de homologação da classificação final dos candidatos ao concurso para provimento de um lugar de Chefe de Secção, no âmbito daquela Comissão, por o mesmo padecer, em seu critério, dos vícios de violação de lei e de forma por falta de fundamentação, para além de alguns princípios constitucionais.
Juntou documentos, procuração e substabelecimento (fls. 166).
Respondeu o MPETPAT e contestou a recorrida particular Maria Emília Sarmento Pereira da Silva, defendendo a legalidade do acto praticado; e contestou ainda a contra interessada Maria do Céu Cerqueira Gonçalves Dias, que também excepcionou a irrecorribilidade do acto impugnado.
Notificada para o efeito, a recorrente procurou refutar a existência da aludida excepção, no que é apoiada pelo Exmº Procurador Geral Adjunto neste Tribunal, que se pronuncia também pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

2. Os Factos.
Com interesse para a decisão da causa e fundamento nos documentos juntos, mostram-se provados nos autos os factos seguintes:
a) Por Aviso nº 10854/97 da Comissão de Coordenação da Região do Norte, publicado em 26/12/97, foi aberto pelo prazo de 10 dias concurso interno para provimento de um lugar de Chefe de Secção do quadro daquela Comissão (fls. 30 a 31).
b) No ponto 6 do mesmo Aviso consta que o método de selecção será o da avaliação curricular, podendo ser complementado com o da entrevista profissional de selecção, com a descrição dos respectivos factores (fls. 30).
c) Em 9/2/98, depois de tomado conhecimento dos respectivos currículos e verificada a documentação que os acompanhava, o Júri deliberou admitir 6 dos candidatos e excluir 1, assim confirmando a deliberação tomada em 16/1/98 (Proc. Adm).
d) Em 3/4/98, o dito Júri deliberou adoptar, relativamente à avaliação curricular e à entrevista profissional de selecção, o método e regras constantes do documento anexo, aí reproduzido, atribuindo aos candidatos as respectivas classificações, e graduando a contra interessada Maria Emília em 1º lugar, com a classificação de 17,49 valores; e a recorrida particular Maria do Céu em 2º lugar, com a classificação de 14,85 valores (fls. 41 a 46).
e) Em 22/5/98, o mesmo Júri elaborou a lista de classificação final do concurso, que foi homologada por despacho do Presidente da CCRN da mesma data, nela sendo graduada a recorrente em 3º lugar (Proc. Adm.)
f) Tal lista foi afixada em 27/5/98 (fls. 69).
g) Com data de 7/9/98, a Luísa Maria interpôs para o MEPAT recurso hierárquico do despacho homologatório da lista de classificação final, pedindo a sua revogação, e reelaboração da dita lista (fls. 14 a 29).
h) Sobre esse recurso foi elaborada na CCRN Informação, procurando refutar o seu articulado, com a concordância do respectivo Presidente, conforme despacho 2/l0/98 (fls. 158 a 161).
i) Na Auditoria Jurídica do MEPAT foram produzidas sobre o assunto as Informações de 13/10/98 e 28/10/98, propondo o indeferimento tácito do recurso hierárquico (fls. 138 a 142).
j) Sobre a última das Informações citadas, recaiu o seguinte despacho do recorrido: “Concordo. 2/11/98. João Cravinho”.

3. O Direito.
Antes de mais, há que tomar posição sobre a excepção deduzida pela contra interessada Maria do Céu, cujo conhecimento foi relegado para este momento.
Alega esta recorrida particular que, ao concordar com a Informação de 28/10/98 da Auditoria Jurídica do seu Ministério, a autoridade recorrida não estava a indeferir o recurso hierárquico, mas apenas a concordar com o seu indeferimento tácito proposto, acto esse não recorrível.
Este raciocínio é, porém, a nosso ver insustentável.
Com efeito, ao apor a sua concordância na Informação de 28/10/98 (que aliás confirma a de 13 do mesmo mês), o Ministro do Equipamento não está a condicionar o indeferimento tácito que lhe era ali proposto, mas sim a decidir o indeferimento do recurso, adoptando para isso a forma expressa como manifestação da sua vontade, e não a tácita que lhe fora sugerida.
Ora, esse indeferimento expresso do recurso, porque lesivo dos interesses da recorrente e verticalmente definitivo, tem de ser considerado contenciosamente recorrível à luz do disposto nos artigos 25º nº 1 da LPTA e 268º nº 4 da CRP, razão porque vai indeferida a alegada excepção.
4. No que toca ao mérito do recurso:
A recorrente Luísa Maria Carvalho Macedo, ao tempo Oficial Administrativa Principal do quadro da CCRN, requisitada para exercer as funções de secretária do respectivo Presidente, candidatou-se ao lugar de Chefe de Secção, em concurso para o qual foi admitida.
Tendo ficado posicionada em 3º lugar na respectiva lista de classificação final, recorreu hierarquicamente para o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, recurso esse que veio a ser indeferido por despacho de 2/11/98.
Inconformada, a Luísa Maria veio interpor o presente recurso contencioso, imputando ao despacho recorrido os vícios de violação de lei e de fundamentação, alegando o seguinte:
a) A 1ª classificada (recorrida particular Maria Emília) foi o único dos candidatos que trabalhou com todos os membros do Júri nomeado.
b) O questionado concurso não estava previsto para 1997. Foram assim violados os princípios da igualdade, transparência, imparcialidade, justiça e tutela da confiança, previstos nos artigos 5º, 6º e 6º A do CPA.
c) Houve falta de especificação dos métodos de selecção a utilizar, determinada no artigo 16º, alínea h), do Dec.Lei nº 498/88, e actualmente adoptada no artigo 27º nº 1, alínea f), do Dec.Lei nº 204/98.
d) A fórmula utilizada hipervalorizou a experiência profissional efectiva, com manifesto prejuízo da recorrente, há muito requisitada para secretariar o Presidente, tendo sido classificada de Suficiente no concurso, quando sempre obtivera a classificação de Muito Bom e fora objecto de um louvor.
e) Tem 4 anos na sua categoria, enquanto a 1ª classificada tem 5 meses.
f) Não foram valorizados o curso de que é titular e as acções de formação que frequentou.
g) A entrevista quase não existiu, não cumprindo as suas finalidades.
h) A autoridade recorrida não se pronunciou sobre os fundamentos do recurso hierárquico interposto, padecendo assim também de falta de fundamentação.
De acordo com o disposto no artigo 57º nº 1, alínea a), da LPTA, importa conhecer prioritariamente dos vícios alegados que determinem mais eficaz tutela dos interesses ofendidos em causa.
Vejamos, então.
Como se decidiu no Ac. do STA de 24/9/96, se o Júri fixou as fórmulas e estabeleceu os critérios a aplicar na avaliação curricular tendo presentes os currículos dos candidatos ao concurso de provimento, tal actuação faz perigar as garantias de isenção, transparência e imparcialidade impostas no artigo 5º nº 1, alínea d), do Dec.Lei nº 498/88, norma que visa acautelar no processo concursal, violando assim aquela disposição legal.
Ora, no caso sub judicio, dúvidas não podem restar de que o Júri, quando adoptou em 3/4/98, relativamente à avaliação curricular e à entrevista profissional, o método e as regras constantes do documento anexo, aí reproduzido, atribuindo ponderação a cada método de selecção e valorizando cada factor de apreciação relevante, já conhecia pelo menos desde 9 de Fevereiro anterior (acta constante do Proc. Adm.) quer os currículos dos candidatos, quer a documentação que os acompanhava.
O que implicou, necessariamente, violação do preceito legal citado, por infracção dos princípios da imparcialidade (artigos 6º do CPA e 266º da CRP), e da boa fé na actuação administrativa, da transparência e da igualdade entre os concorrentes.
Isto, independentemente de essa violação ter tido ou não consequências lesivas para os direitos dos candidatos preteridos, ou se ter processado de acordo com instruções superiores.
Como se decidiu nos recentes Acs. deste Tribunal de 3/3/2005 (Rec. nº 5923/01) e de 10/3/2005 (Rec. nº 2907/99), seguindo orientação a que plenamente aderimos, a definição dos critérios de avaliação e do sistema de classificação após o termo do prazo de apresentação das candidaturas – como aconteceu no caso dos autos – quando o júri já tem a possibilidade de saber quem são os concorrentes e até de conhecer os respectivos currículos, põe em causa a transparência e é susceptível de gerar desigualdades entre os concorrentes, assim como pode permitir aos membros júri afeiçoar o sistema classificativo aos elementos curriculares apresentados pelos candidatos, tudo podendo afectar os princípios da igualdade e da imparcialidade.
Nessa conformidade, e como aí se sumariou, tendo o júri do concurso fixado os critérios de avaliação depois de conhecidos os currículos dos candidatos é ilegal, por violação do princípio da imparcialidade, a fixação de tais critérios, relevando nestas circunstâncias o simples perigo ou risco de um comportamento de favor, não sendo necessária a demonstração de que, em concreto, se verificou uma acção ferida de parcialidade.
No mesmo sentido decidiu o Ac. do STA de 1/6/2004 (Rec. nº 189/04), como aliás reconhece a contra interessada Maria do Céu, no artigo 23º da sua contestação.
Mostra-se, assim, procedente o recurso contencioso, ao imputar ao acto recorrido o vício de violação de lei, nos termos já descritos, ao indeferir o recurso hierárquico interposto, ficando prejudicada a análise dos restantes vícios alegados.

5. Pelo exposto, acordam no 1º Juízo, 1ª Secção, do TCAS em conceder provimento ao recurso interposto por Luísa Maria Couto Vasques de Carvalho, decretando a anulação do despacho recorrido.
Custas a cargo das recorridas particulares Maria Emília Sarmento Pereira da Silva e Maria do Céu Cerqueira Gonçalves Dias, com taxa de justiça que vai graduada em 300 €, e procuradoria em metade.

Lisboa, 5 de Maio de 2 005