Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/16.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/29/2024
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
PARTILHA
TORNAS
Sumário:I - A partilha de bens comuns do casal, na sequência do divórcio, não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas;
II - Não se encontrando preenchida a previsão legal do artigo 10º, nº 1, alínea a) do CIRS, não pode haver lugar a tributação em sede de mais-valias.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 14/02/2023, que julgou procedente a Impugnação Judicial e, em consequência, determinou a anulação do acto de liquidação adicional de IRS n.º ..........98, respeitante ao ano de 2011, no valor de € 5.932,04, e, bem assim, o pagamento à impugnante de juros indemnizatórios, contados desde a data em que foi efectuado o pagamento do imposto até ao seu integral pagamento.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. presente recurso vem interposto na sequência da Douta Sentença proferida no âmbito do processo anteriormente identificado, a qual entendeu julgar, “(…) totalmente procedente, por provada, a presente impugnação judicial e, em consequência, anula-se o acto de liquidação adicional de IRS n.º ……98, respeitante ao ano de 2011, no valor de € 5.932,04, determinando-se o pagamento àimpugnante de juros indemnizatórios, contados desde a data em que foi efetuado o pagamento do imposto até ao seu integral pagamento.”, tudo com os fundamentos constantes na peça decisória, que aqui se dão como reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

2. Para concluir como concluiu, o tribunal recorrido, depois de uma exposição sobre o direito aplicável (artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.ºs 1, aliena a) e 4, aliena a), todos do Código do IRS), sufragou, que atento o disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS, a alienação da quota parte atribuída em partilha de bens comuns do casal, não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas;

3. Logo, sentenciou: “o acto de liquidação adicional de IRS n.º ..........98 padece do vício de violação de lei que lhe vem imputado pela impugnante, por erro nos pressupostos de direito, sendo, como tal, anulável, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.”;

4. Com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar, de todo, com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, por a mesma padecer de vício de violação de lei (artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.ºs 1, aliena a) e 4, aliena a), todos do Código do IRS), e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não devendo ser mantida.

5. No que respeita à partilha de bens comuns em resultado da dissolução do casamento ou de qualquer outra compropriedade, mas em concreto naquela, é entendimento aceite que sendo partilhados direitos reais sobre bens imóveis, a mesma não se encontra sujeita a IRS, por não se retirar a sua previsão nas regras de incidência daquele imposto, por inexistência de qualquer ganho ou acréscimo patrimonial na esfera dos ex-cônjuges;

6. Situação diversa será aquela em que os bens comuns do casal, móveis ou imóveis, são atribuídos em partilha a apenas um dos elementos da comunhão, recebendo o outro tornas pelo valor da sua meação em contrapartida da cedência, seja qual for o modo de pagamento;

7. Este valor recebido em contrapartida, não pode deixar de ser considerado suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda concretizada a aquisição no momento da celebração do contrato (na pessoa do adquirente), no caso concreto a escritura de partilha lavrada e uma transmissão (na pessoa do alienante), um ganho ou acréscimo de património, caso da mesma resulte um saldo positivo a favor do alienante.

8. No caso dos presentes autos, no âmbito da escritura de “PARTILHA POR DIVÓRCIO, ASSUNÇÃO DE DIVIDA, ALTERAÇÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS E DAÇÃO EM CUMPRIMENTO», celebrada entre a Impugnante e o seu ex-cônjuge, foi atribuído a este ultimo por acordo entre as partes, a totalidade do bem imóvel que constituía o único bem comum do casal, ficando ele “pelo que leva a mais, em seu pagamento, o valor liquido de cento e trinta e quatro mil e dez euros, importância que a titulo de tornas, repõe à primeira outorgante”, a Impugnante. 9. Nestas circunstâncias, não se pode deixar de considerar, ao contrário do entendimento versado pelo tribunal “a quo”, estarmos em presença de uma verdadeira transmissão onerosa (pelo recebimento das tornas) de um direito real sobre um bem imóvel, enquadrada nas regras de incidência em sede de IRS – Categoria G, previstas nos artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.ºs 1, aliena a) e 4, aliena a), todos do Código do IRS, e dele não isentas

9. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida, que concluiu pela anulação da liquidação de IRS do ano de 2013 e de juros compensatórios, por preterição de formalidade essencial verificado no procedimento de liquidação do tributo.

10. Dado que, como resulta da correta interpretação dos factos dados como provados, a Impugnante não recebeu em resultado da partilha um bem ou valor inferior àquele a que tinha por direito, que poderia ter gerado o pagamento de tornas como compensação daquele,

11. A Impugnante abicou da sua quota parte no bem comum do casal que detinha por direito, a favor do outro contraente na partilha, tendo, por essa liberalidade sido recebido deste a respetiva compensação, no fundo, aquela vendeu onerosamente a este a sua quota parte do direito real sobre um bem imóvel de forma onerosa, o que enquadra a operação no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

12. Também não podemos concordar, em absoluto, com o firmado pelo Tribunal recorrido, de que não ocorreu na esfera da Impugnante “um acréscimo da sua capacidade contributiva”, se assim tivesse efetivamente ocorrido, a operação não teria gerado mais-valias, e de facto o que se verifica e foi declarado pela Impugnante no anexo G, da sua declaração modelo 3, do ano de 2011, é que a mesma alienou a sua quota parte do bem imóvel, tendo recebido em compensação bens valorizados na quantia de € 198.177,03, cujo valor de aquisição foi de € 160.495,00, logo, a diferença, porque positiva, não pode deixar de ser considerada com “um acréscimo patrimonial”, na esfera daquela, uma mais-valia, “um acréscimo da sua capacidade contributiva”.

13. Pelo que da correta aplicação do direito (10.º, n.º 1 aliena a) do Código do IRS, categoria G) aos factos dados como provados, não pode deixar de se considerar como sujeita a tributação em sede de IRS, Categoria G, a quantia recebida pela Impugnante como compensação pela alienação da quota parte que possuía no bem imóvel que possuía em compropriedade com o seu ex-cônjuge, por a mesma configurar uma alienação de um direito real sobre um bem imóvel, um ganho, um incremento patrimonial e um verdadeiro acréscimo de valor na esfera dos Impugnantes, que não podem deixar de ser tributados.

14. Por assim não o entender, a sentença proferida pelo tribunal recorrido padece de vício de violação de lei (artigos 9.º, n.º 1, aliena a) e 10.º, n.º 1, aliena a), todos do Código do IRS), erro nos pressupostos de facto e de direito e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não podendo ser mantida, devendo assim ser revogada e substituída por douto acórdão que faça uma correta aplicação do direito aos factos, o que se requer com as inerentes consequências legais.

15. E não se diga que assim não é, porque mesmo que o fosse, e “se considere que a impugnante “alienou” a sua quota-parte no bem comum, também é verdade que a mesma lhe foi paga através dum outro bem imóvel, também ele destinado à sua habitação própria e permanente.

16. E assim, concluir como concluiu o tribunal, que: “sempre também seria certo no caso dos autos que se teria de considerar que a aquisição por esta, por força do pagamento das tornas pelo seu ex-cônjuge, do bem que lhe foi atribuído em dação em pagamento, teria de constituir uma aquisição relevante para efeitos da exclusão de tributação ao abrigo da al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS.”.

17. Com o devido respeito, não basta afirma-se que “o prédio se destina à habitação própria e permanente”, para dai se concluir pela exclusão de imposto (IRS) – Categoria G, de uma alienação onerosa de qualquer direito real sobre um bem imóvel. Não estamos perante uma isenção automática.

18. Para que a mesma se verifique exige-se o cumprimento cumulativo de diversas vicissitudes, como seja, desde logo, para além das condições referidas a) a c) do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS, que não se concede que se tenham verificado, designadamente que a Impugnante tenha afetado o imóvel à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar até doze meses após o reinvestimento. (artigo 10, n.º 6, aliena a) do Código do IRS), o que não se encontra demonstrado;

19. Relativamente a um dos imóveis recebidos, um por impossibilidade, concretamente, “o imóvel sito na Quinta da T........, lote 74, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o n.º 628, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n.º 1384”, cuja aquisição foi de 35/2020 avos indivisos, não sendo expetável que o mesmo possa constituir habitação própria da Impugnante, nem resultar provado que o mesmo o é.

20. O outro, corresponde à “fracção autónoma designada pelas letras «AF» do prédio urbano sito na Avenida Professor Dr. Carlos Ribeiro, n.ºs … a ….-C e Rua Adelino Cunha, n.º …., no concelho do Seixal”, não resultar em momento algum dos factos dados como provados que a Impugnante afetou o mesmo à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, apesar de ter naquela morada o seu domicilio fiscal.

21. Desta forma, também neste segmento não se pode manter a sentença recorrida, nem por causa dele considerar-se como se considerou padecer a liquidação objeto de impugnação nos presentes autos de padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, como decidido pelo tribunal recorrido.

Regularmente notificada do presente recurso, a Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir é a de saber se decisão recorrida padece de vício de violação de lei (artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 4, alínea a), todos do Código do IRS), ao concluir que a partilha de bens comuns do casal, na sequência do divórcio, não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«A) Entre 30/08/2006 e 29/11/2011 a impugnante teve o seu domicílio fiscal na Rua Quinta dos F........., lote 63, 2925-803 Azeitão (cfr. doc. de 4 e 11 do doc. de fls. 147 do SITAF);

B) Até 6 de Dezembro de 2007, a impugnante e P.......... foram casados um com o outro, sob o regime de comunhão de adquiridos (facto que se retira do doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

C) Por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de Seixal, no processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 2909/2007, a qual transitou em julgado a 7 de Dezembro de 2007, foi declarado dissolvido o casamento e decretado o divórcio definitivo da impugnante e de P.......... (facto que se retira do doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

D) À data do decretamento definitivo do divórcio, a impugnante e P.........., enquanto casal, eram proprietários de um património comum correspondente unicamente a um prédio urbano sito na Quinta dos F….., no concelho de Setúbal, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Setúbal sob o número ………8 e inscrito na matriz predial urbana sob o número …….2, sobre o qual recaia uma hipoteca a favor do «B........., PLC», constituída em garantia de um empréstimo concedido ao casal (facto não controvertido e que também se retira do doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

E) A 24 de Outubro de 2011, a impugnante e P.......... celebraram, por escritura pública, um acordo designado «PARTILHA POR DIVÓRCIO, ASSUNÇÃO DE DIVIDA, ALTERAÇÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS E DAÇÃO EM CUMPRIMENTO», no qual declararam proceder à partilha do único bem comum do dissolvido casal - correspondente ao prédio urbano sito na Quinta dos F........., no concelho de Setúbal, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Setúbal sob o número .........8 e inscrito na matriz predial urbana sob o número ….2, com o valor patrimonial de € 333.027,13, ao qual declararam atribuir o valor de € 396.354,05 – e também do passivo do dissolvido casal – correspondente à hipoteca a favor do «B........., PLC» que recaía sobre o imóvel referido, constituída em garantia de um empréstimo concedido ao casal, cujo montante em dívida era de € 127.334,05 -, correspondendo assim o valor líquido a partilhar a € 269.020,00, cabendo a cada um dos excônjuges a quantia de € 134.510,00 (cfr. doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

F) No acordo referido na alínea anterior, a impugnante e P.......... declararam ainda que o bem imóvel referido seria adjudicado a este último, em pagamento da sua meação, declarando este assumir o encargo de liquidar todo o passivo, ficando o valor líquido da adjudicação a corresponder a € 269.020,00, ou seja, € 134.010 a mais do que o valor a que corresponderia a sua meação, importância que declarou ser devida à impugnante, a título de tornas (facto que se retira do doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

G) No acordo referido na alínea E, P.......... declarou que, sendo devedor da quantia de € 134.010 à impugnante em resultado da partilha efectuada, pagava essa dívida, resultante das tornas, mediante a dação em cumprimento: (i) da fracção autónoma designada pelas letras «AF» do prédio urbano sito na Avenida Professor Dr. Carlos Ribeiro, n.ºs …. a ….C e Rua Adelino Cunha, n.º .., no concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o n.º …9, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ….8, com o valor patrimonial tributário (doravante VPT) de € 133.510,00, à qual atribuiu o valor de € 133.510,00; e (ii) do direito a 35/2020 do prédio urbano sito na Quinta da T........, lote 74, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o n.º …..8, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º ….4, com o VPT de € 5.270,50, correspondendo a parte transmitida ao VPT de € 91,32, ao qual atribuiu o valor de € 1.000,00 (facto que se retira do doc. de fls. 2 a10 do doc. de fls. 179 do SITAF);

H) No acordo referido na alínea E, a impugnante e P.......... declararam ainda que os bens imóveis que lhes foram adjudicados se destinavam exclusivamente às respectivas habitações próprias e permanentes (cfr. doc. de fls. 2 a 10 do doc. de fls. 179 do SITAF); I) Entre 30 de Novembro de 2011 e 19 de Dezembro de 2020, a impugnante teve a sua residência na Av. Professor Doutor Carlos Ribeiro, n.º …., …, 2840-4… Seixal (cfr. doc. de fls. 11 e 25 do doc. de fls. 147 do SITAF); J) A impugnante apresentou, a 19 de Maio de 2012, declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2011, no âmbito do qual declarou, no respectivo anexo «G – MAIS-VALIAS E OUTROS INCREMENTOS PATRIMONIAIS», o seguinte:


“(texto integral no original; imegem)”

(cfr. doc. de fls. 22 do doc. de fls. 52 do SITAF);

K) A declaração de rendimentos referida na alínea anterior deu origem ao acto de liquidação de IRS de 2011 n.º ……26, nos termos do qual se apurou um valor a reembolsar à impugnante de € 489,80 (cfr. doc. de fls. 5 do doc. de fls. 52 do SITAF);

L) O Serviço de Finanças Seixal 1 emitiu documento designado “DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS”, dirigido à impugnante, no qual apurou IRS do exercício de 2011 no montante de € 5.932,04 (cfr. doc. de fls. 9 do doc. de fls. 99 do SITAF): M) O Serviço de Finanças de Seixal 1 emitiu documento designado “DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS”, dirigido à impugnante, no qual apurou juros no montante de € 626,01 (cfr. doc. de fls. 8 do doc.de fls. 99 do SITAF);

N) O Serviço de Finanças Seixal 1 emitiu documento designado “DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS”, dirigido à impugnante, no qual foi apurado o montante de € 6.421,84, resultante da soma do IRS, juros e do estorno da liquidação anterior, conforme referido nos pontos L), M) e N) deste probatório (cfr. doc. de fls. 10 do doc. de fls. 99 do SITAF);

O) Em Outubro de 2015, a impugnante efectuou o pagamento corresponde à liquidação adicional de IRS de 2011 n.º ………98, juros e devolução do reembolso recebido em virtude da liquidação de IRS de 2011 n.º ……..26, no valor de € 6.421,84 (cfr. doc. de fls. 1 do doc. de fls. 52 do SITAF);

P) A 14 de Agosto de 2015, a impugnante apresentou reclamação graciosa em relação ao acto de liquidação adicional referido na alínea L), com os mesmos fundamentos daqueles em que assenta a presente impugnação judicial (cfr. doc. de fls. 58 a 62 do doc. de fls. 288 do SITAF); Q) Em 24/09/2015, por despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi indeferida a reclamação graciosa melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 12 do doc. de fls. 288 do SITAF): R) A 6 de Novembro de 2015, a impugnante apresentou recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. de fls. 34 a 48 do doc. de fls. 288 do SITAF);

III – B) Factos não provados

Inexiste matéria de facto alegada não provada com relevância para a decisão da causa.


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Motivação

A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo administrativo e dos restantes documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes, de acordo com o indicado em cada um dos números do probatório.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO


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No âmbito da escritura de “PARTILHA POR DIVÓRCIO, ASSUNÇÃO DE DIVIDA, ALTERAÇÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS E DAÇÃO EM CUMPRIMENTO», celebrada entre a Recorrida e o seu ex-cônjuge, foi atribuído a este último, por acordo entre as partes, a totalidade do bem imóvel que constituía o único bem comum do casal, ficando ele “pelo que leva a mais, em seu pagamento, o valor líquido de cento e trinta e quatro mil e dez euros, importância que a titulo de tornas, repõe à primeira outorgante”, a Impugnante, aqui Recorrida.

Nestas circunstâncias, considera a Recorrente, ao contrário do entendimento versado pelo tribunal “a quo”, estarmos em presença de uma verdadeira transmissão onerosa (pelo recebimento das tornas) de um direito real sobre um bem imóvel, enquadrada nas regras de incidência em sede de IRS – Categoria G, previstas nos artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 4, alínea a), todos do Código do IRS, e dele não isentas.

Em abono da sua tese, salienta a Fazenda Pública que a Impugnante/Recorrida não recebeu em resultado da partilha um bem ou valor inferior àquele a que tinha por direito, que poderia ter gerado o pagamento de tornas como compensação daquele, antes abdicou da sua quota parte no bem comum do casal que detinha por direito, a favor do outro contraente na partilha, tendo, por essa liberalidade, sido recebido deste a respetiva compensação, ou seja, no fundo, aquela vendeu onerosamente a este a sua quota parte do direito real sobre um bem imóvel de forma onerosa, o que enquadra a operação no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Manifesta, ainda, a sua discordância absoluta com o firmado pelo Tribunal recorrido, de que não ocorreu na esfera da Impugnante “um acréscimo da sua capacidade contributiva”, porquanto se assim tivesse efetivamente ocorrido, a operação não teria gerado mais-valias, e de facto o que se verifica e foi declarado pela Impugnante no anexo G, da sua declaração modelo 3, do ano de 2011, é que a mesma alienou a sua quota parte do bem imóvel, tendo recebido em compensação bens valorizados na quantia de € 198.177,03, cujo valor de aquisição foi de € 160.495,00, logo, a diferença, porque positiva, não pode deixar de ser considerada com “um acréscimo patrimonial”, na esfera daquela.

Pelo que, conclui a Recorrente, “da correta aplicação do direito (10.º, n.º 1 aliena a) do Código do IRS, categoria G) aos factos dados como provados, não pode deixar de se considerar como sujeita a tributação em sede de IRS, Categoria G, a quantia recebida pela Impugnante como compensação pela alienação da quota parte que possuía no bem imóvel que possuía em compropriedade com o seu ex-cônjuge, por a mesma configurar uma alienação de um direito real sobre um bem imóvel, um ganho, um incremento patrimonial e um verdadeiro acréscimo de valor na esfera dos Impugnantes, que não podem deixar de ser tributados.”

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Para o efeito importa, desde já, ter presente a fundamentação jurídica invocada na sentença recorrida para concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, decorrente da inexistência de facto tributário:

«Dispunha o artigo 9º, nº 1, al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante CIRS), o seguinte:

“Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte. (…)”

Por seu turno, dispunha o artigo 10º, n.º 1, al. a) do CIRS, que:

“Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)”.

De acordo com o disposto no n.º 4, al. a) deste último artigo, no caso das mais-valias previstas na citada al. a) do n.º 1, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso.

Da leitura conjugada dos citados preceitos resulta que as realidades que consubstanciam mais-valias para efeitos de aplicação do CIRS são as que se encontram taxativamente tipificadas no artigo 10.º, excluindo-se quaisquer outras. Resulta igualmente destes preceitos que se encontram sujeitos a tributação, em sede de IRS, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, correspondendo estes ao valor realizado aquando da alienação deduzido do valor pelo qual o imóvel foi adquirido.

Esta regra de sujeição consagra, como tal, um pressuposto de tributação em sede de IRS, a saber: a existência de um rendimento, de um ganho, enquanto manifestação da capacidade contributiva do sujeito passivo.

A sujeição nestes termos decorre do Princípio da Capacidade Contributiva, enquanto corolário do Princípio da Igualdade fiscal, de acordo com o qual, para que exista tributação, é necessário que exista um ganho efectivo enquanto manifestação de capacidade contributiva, traduzida num aumento do valor do activo patrimonial do sujeito passivo.

A este propósito, salienta-se o afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 8 de Maio de 2019, no processo n.º 1039/06.8BELSB, disponível em www.dgsi.pt, que: “O CIRS adota o conceito de rendimento acréscimo, constituindo, assim, a base de incidência deste tributo todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias”.

No presente caso, a questão que se coloca é a de saber se o pagamento de tornas na sequência de uma partilha por divórcio - em que foi adjudicado a um dos ex-cônjuges o único bem imóvel do casal, cujo valor excedia a sua quota-parte na meação dos bens comuns do casal - consubstancia uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, enquadrável no âmbito de aplicação do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

Importa, como tal, interpretar o sentido e alcance do preceito acima citado, considerando o disposto no artigo 11.º da LGT e o artigo 9.º do Código Civil, concatenando-o com o regime da partilha por divórcio.

Nos termos conjugados dos artigos 1688.º e 1788.º do Código Civil (doravante CC), o divórcio dissolve o casamento, determinando a cessação das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges.

A cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges determina, nos termos do disposto no artigo 1689.º do CC, que ocorra a partilha dos bens e o pagamento de dívidas, nos seguintes termos:

“1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.

2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.

3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.”

Decorre dos citados preceitos que, em caso de divórcio, os bens comuns e os passivos comuns – nos quais se incluem as dívidas que onerem os bens comuns (cf. 1694.º, n.º 1 do CC) - são partilhados pelo ex-casal. Caso o casamento tenha sido celebrado em regime de comunhão (geral ou de adquiridos) – como ocorreu no presente caso –, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão (vide artigos 1730.º e 1734.º do CC), pelo que, em caso de divórcio, partilharão um e outro nesta proporção.

Nas circunstâncias em que da partilha resulte a adjudicação de bens a um dos ex-cônjuges em valor superior àquele a que correspondia o valor da sua meação, este fica devedor ao outro pelo montante a que corresponder esta diferença, ficando este último com direito a tornas pelo montante correspondente ao excesso de quota-parte adjudicado. Tal decorre da necessidade de o ex-cônjuge cuja esfera patrimonial ficou, por efeito da partilha, deficitária em relação ao valor da meação ser compensado.

A partilha por divórcio configura, assim, uma reorganização dos bens comuns do casal, de modo a que os ex-cônjuges deixem de ser proprietários de partes indivisas de bens para passarem a titular direitos de propriedade individuais e exclusivos sobre os mesmos. Nestes termos, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial maioritário, a natureza jurídica da partilha por divórcio é meramente declarativa e modificativa e não constitutiva ou translativa (veja-se, neste sentido, a propósito da natureza jurídica da partilha hereditária, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2000, págs. 543-547; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, Coimbra Editora, 2012, págs. 238-242).

Neste mesmo sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 13 de Junho de 2018, no processo n.º 8031/14.7PRT-E.P1, disponível em www-dgsi.pt, que a partilha de bens do casal “É, sempre, o acto destinado a fazer cessar a indivisão de um património que pertence, na unidade, a duas pessoas. Cada um dos cônjuges já tinha o direito a uma parte ideal dos bens antes da partilha, sendo proprietário do património comum, pois que os bens comuns constituem uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges que são, ambos, titulares de um único direito sobre ela. Pela partilha o direito preexistente em propriedade colectiva concretiza-se em bens certos, continuando os adjudicatários na respectiva titularidade agora individualizada pelo termo da indivisão. Deste modo, o direito a bens determinados existente depois da partilha é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes dela; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto. Temos, consequentemente, que a partilha, não tendo carácter constitutivo de direitos, mas essencialmente declarativo, se apresente também com a natureza de acto modificativo, na medida em que altera, como referido, a situação jurídica anterior. Daí decorre que, não sendo, embora, a partilha, abstractamente, meio legítimo de aquisição - efectivamente, o cônjuge ou o herdeiro nada adquire do outro, apenas se modificando o direito de que era titular-, aqueles efeitos declarativos-modificativos permitem a efectivação do domínio e posse sobre os bens em concreto na pessoa de cada um dos interessados. A partilha representa, então, o título modificativo do direito preexistente através do qual ficam definidos os contornos e se “molda o direito na sua realidade concreta””.

Atendendo à sua natureza declarativa ou modificativa, a partilha por divórcio não configura uma transmissão de direitos reais sobre imóveis em sentido próprio. Nestes termos, a sujeição a tributação, em sede de IRS, da partilha por divórcio ou do recebimento de tornas na sequência desta - e nomeadamente o seu enquadramento no âmbito de aplicação do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS - exigiria uma previsão expressa nesse sentido, em termos idênticos ao que ocorre em sede de IMT - artigo 2.º, n.ºs 1, 5 a) e 6 do Código do IMT (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 12 de Fevereiro de 2020, no processo n.º 0360/12.0BECBR 449/18, disponível em www.dgsi.pt).

Visto o direito aplicável no caso dos autos, importa subsumi-lo ao competente acervo fáctico.

No presente caso, resulta da matéria de facto provada que o activo comum do casal era constituído por um único bem: um imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o número 8662, com o valor patrimonial de € 333.027,13, ao qual os ex-cônjuges atribuíram, aquando da partilha, o valor de € 396.354,05 (cfr. als. D) e E) do probatório). Resulta igualmente da factualidade provada que o imóvel em causa se encontrava onerado com uma hipoteca no valor de € 127.334,05 (vide al. D) do probatório). Atendendo ao activo e passivo comum, os ex-cônjuges concluíram que existia um total líquido a partilhar no valor de € 269.020,00 pelo que caberia a cada um o valor líquido de meação correspondente a € 134.510,00 (ex vi al. E) do probatório).

Existindo apenas um bem comum, o ex-casal acordou que o património comum seria partilhado mediante a adjudicação do único imóvel que o integrava a P........, ficando a impugnante com direito a receber tornas de valor corresponde ao excesso de quota-parte atribuído àquele, a saber: € 134.510 (cfr. al. F) do probatório supra).

Note-se que as referidas tornas consubstanciam tão-somente um direito da impugnante a ser compensada pela diminuição do valor patrimonial do seu activo por efeito da partilha e que, sem estas, P........ ficaria injustamente enriquecido à custa do património da impugnante, com a atribuição de um excesso de quota-parte no valor de € 134.510. Neste sentido, as tornas não correspondem a um rendimento acrescido da impugnante, nem revelam um acréscimo da sua capacidade contributiva.

Nestes termos e atento o disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS, a partilha, como referido acima, não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas.

Refira-se que, contrariamente ao que parece ser alegado pela Fazenda Pública, o facto de as tornas não terem sido pagas em numerário, mas sim através da dação em cumprimento de um bem imóvel que pertencia ao património próprio de P........ não determina que a impugnante que as recebe tenha afinal realizado uma operação de alienação onerosa de imóveis aquando da partilha (com adjudicação do excesso de quota-parte). Dito por outras palavras, a forma como é cumprida a obrigação de pagamento de tornas não transforma a natureza jurídica da partilha por divórcio, a qual mantém, como se referiu anteriormente, o seu caráter meramente declarativo e modificativo.»

O Tribunal acolhe na íntegra a fundamentação supra transcrita, importando referir, na esteira da decisão recorrida, que não há que considerar o recebimento de tornas como acréscimo patrimonial, mas tão-só a reposição do direito à meação no património comum do casal, face à atribuição em “excesso” ao outro cônjuge – defendendo a mesma solução em caso de recebimento de tornas no âmbito da partilha da herança, vide Manuel Mendes Camarinha, Tornas e Mais-Valias – uma relação difícil?, ISCAL, Lisboa, Fevereiro de 2021, p. 45.

Conforme entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, enquanto o património comum do casal se mantiver indiviso, cada um dos cônjuges é titular do direito à meação sobre os bens comuns, que constituem um património autónomo, e não um direito individual sobre cada um dos bens qua a integram. Assim, só com a partilha é que o cônjuge se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respetiva natureza) que por ela lhe couberem no património comum.

E, ainda que o património comum do casal seja constituído por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes. Assim, na partilha não ocorre uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só após a realização desta é possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade.

Daqui se conclui que a partilha de bens comuns do casal não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas, o que significa que não se encontra preenchida a previsão legal do artigo 10º, nº 1, alínea a) do CIRS.

Sendo a interpretação que defendemos a que face à letra da lei mais se acomoda ao cumprimento do princípio da legalidade, na sua vertente da determinabilidade.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

E, assim, formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

1. A partilha de bens comuns do casal, na sequência do divórcio, não configura uma operação de alienação onerosa da propriedade ainda que, por efeito da adjudicação de bens que excedam o valor da meação de um dos ex-cônjuges, o outro fique com direito a tornas;

2. Não se encontrando preenchida a previsão legal do artigo 10º, nº 1, alínea a) do CIRS, não pode haver lugar a tributação em sede de mais-valias.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Condena-se a Recorrente em custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Maio de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Ana Cristina Carvalho)

(Rui Ferreira)

Assinaturas electrónicas na 1ª folha