Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:180/16.3BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Sumário:I - A norma de isenção do art. 270.º n.º 2 do CIRE abrange, não só a aquisição da empresa ou de estabelecimentos desta, mas também a aquisição de imóveis dessa empresa em fase de liquidação do activo no âmbito de processo de insolvência;
II - A referência ao termo «empresa» deve ser interpretado de acordo com a definição constante do artigo 5.º do CIRE, ou seja, «toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica»;
III - Tal significa que a intenção do legislador é conceder isenção de IMT na alienação de imóveis que se integrem no activo patrimonial empresarial do insolvente, seja este uma sociedade ou um empresário em nome individual.
IV - A alienação de imóveis não beneficia de isenção de IMT se os alienantes são pessoas singulares que não exercem uma actividade industrial, comercial ou agrícola;
V - A isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE configura um benefício fiscal automático, pois a sua concessão decorre directamente da lei, não dependendo de um acto administrativo prévio de reconhecimento dos respectivos pressupostos, não lhe sendo aplicável o regime do art. 141.º do CPA de 1991.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

D... F..., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida em 13 de Novembro de 2023 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IMT do ano de 2012, no valor total de € 10.901,14, emitidas pelo Serviço de Finanças da Covilhã.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«1. O presente recurso vem interposto de douta sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada contra as liquidações adicionais de IMT de 2012 e manteve os atos tributários impugnados.

2. A questão sub judice prende-se, por um lado, precisamente com a interpretação do art. 270.º, n.º 2, do CIRE, e a extensão da isenção de IMT, porquanto o ora recorrente adquiriu diversos prédios com isenção de IMT e IS, nos termos do disposto nos art.s 269º e 270º, ambos do CIRE, formalmente reconhecida pela impugnada a 06.12.2012.

3. Após ter concedido o benefício da isenção, a AT, a 14.03.2016, veio revogar a isenção de que o impugnante beneficiara na compra, e apresentar, como fundamento para essa revogação, o facto dos insolventes a quem foram adquiridos os bens serem pessoas singulares e não uma empresa, não sendo aqueles bens destinados ao exercício de uma atividade económica.

4. Ora, a interpretação na origem da revogação da isenção não teve em conta as definições constantes da legislação especial do CIRE, designadamente do art. 5º, intitulado “Noção de empresa”.

5. Com tal noção, o legislador teve intenção de abranger as pessoas singulares que, embora não actuassem sob a veste de uma sociedade comercial regularmente constituída, ainda assim, agiam ao abrigo de uma “organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica.” – vide acórdão proferido a 08.01.2013, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 3094/11.0TBGMR-H.G1.

6. A verdade é que, a impugnada não logrou demonstrar o não preenchimento dos pressupostos versados no art. 270º do CIRE, prova essa que lhe competia fazer, porquanto revogou um ato que já tinha sido por si anteriormente declarado – vide facto provado B).

7. Tanto mais que, não se pode deixar de fazer notar os factos provados D e E: “D) O Insolvente J... F... esteve coletado como empresário em nome individual, (…) E) A atividade mencionada na alínea anterior foi cessada oficiosamente …”´

8. Dos quais resulta que, efetivamente, pelo menos um dos vendedores insolventes esteve coletado, e, em abono da verdade, admite-se que a sua atividade foi cessada pouco tempo previamente à compra, mas foi uma cessação oficiosa, e não resultou de um ato voluntário do insolvente que, atendendo à desorganização financeira e económica em que vivia, até poderia nem querer ou nem ter tido conhecimento.

9. Em consequência, as liquidações impugnadas padecem de falta de fundamentação material, donde decorre o vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de facto.

10. Já que, em sede de fundamentação dos actos tributários, a lei impõe, quer a chamada fundamentação substancial (pressupostos reais e motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo), quer a fundamentação formal do acto administrativo.

11. A Administração Tributária não actuou em obediência à lei e ao direito, não fundamentando a sua decisão, nem efectuando o ónus da prova que lhe competia, em clara e inequívoca violação dos artigos 74.º, n.º 1, 77.º, n.ºs 1, e 2, ambos da LGT, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPA.

12. Sendo, ainda, a douta decisão nula, por violação do disposto nos art.s 269º, 270º, e 5º, todos do CIRE, nulidade que expressamente se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.

13. E, dúvidas não restam que a sentença recorrida, ao decidir da forma como decidiu, continua a pecar por falta de fundamentação, persistindo todas as vicissitudes apontadas à decisão tomada pela Administração Tributária – art. 125º do CPPT- incorrendo, com todo o respeito, ainda, em erro de direito.

14. Por outro lado, a douta sentença partindo do princípio que tendo o benefício fiscal sido concedido de modo automático, nenhum ato administrativo esteve subjacente e, como tal, assiste à AT como que um direito eterno a fazer o que bem entender quanto a tais atos/revogando-os etc.

15. Sucede que, embora o benefício possa ter sido concedido de modo automático, não deixou de haver um ato por parte da AT que se materializou nos documentos de cobrança de IMT emitidos com valores a pagar a € 0,00 (Cfr. Facto provado B).

16. Pelo que, necessariamente a liquidação adicional de IMT constitui um ato de revogação de um ato administrativo de reconhecimento, ainda que tácito, do benefício fiscal (por meio da emissão dos documentos de cobrança com valores a € 0,00).

17. Em face do exposto, mais uma vez, a decisão impugnada, e consequentemente a douta sentença recorrida (que subscreveu na íntegra aquela), violou ou deu errada interpretação ao disposto no art. 141º do CPA de 1991, disposição então aplicável, sendo consequentemente nula, nulidade essa que expressamente se invoca. oficioso

18. Assim sendo, a douta decisão é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigo 125º do CPPT.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença, proferida em 1ª Instância, e substituída por outra que defira a impugnação judicial apresentada.

ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA»

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A Recorrida, Fazenda Pública, notificada para o efeito, não contra-alegou.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica a decisão recorrida.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, como abaixo se verá, as questões a apreciar são se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, de facto e de direito, “por violação dos arts. 269.º, 270.º e 5.º do CIRE”, “por errada interpretação do art. 141.º do CPA de 1991” e se sofre de nulidade por “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nos termos do art. 125.º do CPPT”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

«Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) Em 11/12/2012, na Conservatória do Registo Predial de Viseu foi outorgado título de compra e venda, cujo teor aqui se dá como reproduzido, nos termos do qual o administrador de insolvência no processo de insolvência n.º 304/09.7TBSEI e o administrador de insolvência no processo de insolvência n.º 271.09.7TBSEI, ambos do 2.º Juízo do Tribunal judicial de Seia, declararam vender e o Impugnante declarou comprar os seguintes imóveis que integravam o património dos insolventes J... F... e mulher e A... F...e mulher:

· prédio rústico composto de terra de pinhal, pastagem e oliveiras, inscrito na matriz sob o artigo 521 da freguesia de Santa Comba, concelho de Seia, pelo preço de 28.500,00€;

· prédio rústico composto de terra de cultura de batata e centeio com oliveiras, inscrito na matriz sob o artigo 546 da freguesia de Santa Comba, concelho de Seia, pelo preço de 31.257,90€;

· prédio urbano composto de pavilhão destinado a fabricação de blocos; pavilhão destinado a armazém e sala de convívio de logradouros, inscrito na matriz sob o artigo …. da freguesia de Santa Comba, concelho de Seia, pelo preço de 121.742,10€ [cf. doc. de fls. 17-verso a 20-versos dos presentes autos].

B) Em 06/12/2012, tendo em vista a aquisição dos prédios mencionados na alínea anterior, o Impugnante apresentou junto da AT declarações modelo 1 de IMT, invocando o benefício previsto no artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, das quais resultaram os documentos de cobrança de IMT com valores a pagar de 0,00€ [cf. docs. de fls. 3 a 16 do processo administrativo apenso].

C) O Insolvente A… F…. nunca esteve coletado para o exercício de qualquer atividade em nome individual [cf. informação de fls. 69 dos presentes autos].

D) O Insolvente J... F... esteve coletado como empresário em nome individual, com início em 15/05/1985, pelo exercício da atividade de “C. RETALHO OUT G ALIMENTÍCIOS» tendo cessado a atividade em IVA em 27/02/1987, com efeitos reportados a 31/01/1987 [cf. doc. de fls. 70-frente e verso dos presentes autos].

E) A atividade mencionada na alínea anterior foi cessada oficiosamente em IRS em 16/07/2011, com efeitos reportados a 01/01/1989 [cf. doc. de fls. 74 e 75 dos presentes autos].

E) Através de ofício do Serviço de Finanças da Covilhã com o n.º 5186, datado de 29/10/2015, o Impugnante foi notificado do seguinte teor: «(…)


“(texto integral no original; imagem)”
(…)» [cf. doc. de fls. 17 e 18 do PA apenso].

F) Através de ofício do Serviço de Finanças da Covilhã com o n.º 5185s, datado de 29/10/2015, o Impugnante foi notificado do seguinte teor: «(…)



(…)» [cf. doc. de fls. 19 e 20 do PA apenso].

G) Em 03/02/2016, com base em informações dos serviços nas quais se refere que o Impugnante não exerceu o direito de audição, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despachos a determinar a liquidação do IMT [cf. docs. de fls. 21-21 e 30-31 do PA apenso].

H) Através dos ofícios do Serviço de Finanças da Covilhã com os n.ºs 562s e 560s, datados de 04/02/2016, o Impugnante foi notificado dos despachos datados de 03/02/2016 e para no prazo de 30 dias efetuar o pagamento do IMI mediante guias a solicitar no Serviço de Finanças [cf. docs. de fls. 39 a 42 do PA apenso].

I) Em 14/03/2016 foi emitido em nome do Impugnante o documento de cobrança da liquidação de IMT referente à aquisição a A... F...de ½ dos prédios mencionados na alínea A) supra, no valor a pagar de 5.450,57€, com data limite de pagamento até 15/03/2016 [cf. doc. de fls. 24 a 25 do PA apenso].

J) Em 14/03/2016 foi emitido o documento de cobrança da liquidação de IMT referente à aquisição a J... F... de ½ dos prédios mencionados na alínea A) supra, no valor a pagar de 5.450,57€, com data limite de pagamento até 15/03/2016 [cf. doc. de 33 e 34 do PA apenso].

K) Em 15/03/2016 o Impugnante procedeu ao pagamentos das liquidações de IMT [cf. informação de fls. 1 e 2 do PA apenso].

L) A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, por correio eletrónico, em 29/04/2016 [cf. fls. 1 dos presentes autos].»


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Não existem factos com interesse para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe fixar como não provados.»

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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.»


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II.2. Enquadramento Jurídico
Como se viu no relatório supra, o Recorrente entende que a decisão recorrida sofre do vício de “nulidade por violação dos arts. 269.º, 270.º e 5.º do CIRE”, “por errada interpretação do art. 141.º do CPA de 1991” e por “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nos termos do art. 125.º do CPPT”.
Destes fundamentos do recurso, desde já se adianta que, a verificarem-se, apenas o último tem susceptibilidade, em abstracto, de conduzir à consequência invocada da nulidade da sentença.
Todos os restantes, a existirem, apenas configuram erro de julgamento.

Tal como ficou consignado no sumário do Acórdão do STJ, de 03-03-2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, que, embora referindo-se ao art. 615.º do CPC, é inteiramente transponível para o caso dos autos, já que o invocado art. 125.º do CPPT tem, no essencial, teor similar, “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.

No que se refere à alegada violação dos arts. 269.º e 270.º do CIRE e à errada interpretação do art. 141.º do CPA de 1991, como se disse, configuram erro de julgamento, defendendo o Recorrente que a sentença recorrida sofre dos mesmos vícios apontados à decisão da AT, ou seja, de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo que, para o Recorrente, como deixou consignado o Acórdão cujo sumário se transcreveu, “o decidido não corresponde à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”, porque a AT teria errado na subsunção dos factos ao direito e na interpretação deste.
Quanto à invocada nulidade por falta de fundamentação, a Recorrente alega que “a Administração Tributária não teve em atenção que lhe cabe o ónus da prova material dos pressupostos da liquidação que, por não concretizados, gera fundada dúvida sobre a existência e qualificação do acto tributário”, que “Em consequência, as liquidações impugnadas padecem de falta de fundamentação material, donde decorre o vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de facto.” e que “a douta decisão é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigo 125º do CPPT”.
Ora, já por aqui se vê que o Recorrente confunde os conceitos de fundamentação formal e substancial, sendo que, do alegado, resulta claro que, demonstrando conhecer perfeitamente os fundamentos da decisão, bem como das correcções da AT, o Recorrente apenas põe em causa a fundamentação substancial, discordando da mesma, sendo que, como se referiu, a errada fundamentação não tem como consequência a nulidade da decisão.

Assente que está que o presente recurso apenas tem por objecto o erro de julgamento, de facto e de direito, vejamos, pois.

A sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente e, consequentemente, manteve as liquidações impugnadas, sendo que, quanto à invocada violação dos arts. 269.º e 270.º do CIRE, nela ficou consignado, nomeadamente, o seguinte:
“(…) a isenção de IMT pressupõe que os bens se integrem no ativo patrimonial empresarial do próprio insolvente e não de terceiros, sendo, assim, irrelevante saber se os bens estavam ou não afetos ao património empresarial de uma sociedade detida pelos insolventes.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a AT concluiu que a alienação dos imóveis não beneficia de isenção de IMT com fundamento no facto que os alienantes são pessoas singulares que não exercem uma atividade industrial, comercial ou agrícola [cf. alíneas E) e F) do probatório].
Ora, resultando efetivamente provado nos autos que os alienantes não estavam fiscalmente coletados pelo exercício de qualquer atividade económica enquadrada no grupo dos rendimentos empresariais [cf. alíneas C), D) e E) do probatório], então a conclusão a extrair é que os imóveis alienados não se integravam num património empresarial dos insolventes e, como tal, não estavam afetos ao exercício de uma atividade económica exercida em nome individual, pelo que bem andou a AT ao concluir que não se verificam os pressupostos da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
Deste modo, importa concluir que AT demonstrou que não se verificam os pressupostos da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, pelo que as liquidações impugnadas estão devidamente fundamentadas e, como tal, não incorrem em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, improcedendo, pois, o alegado. (…)”

Desde já se adianta que, atendendo aos factos provados, não impugnados, e aos pressupostos legais da isenção prevista no art. 270.º n.º 2 do CIRE, o decidido não merece qualquer censura.
Do probatório resulta que os três imóveis aqui em causa, pertencentes a pessoas singulares, foram alienados ao ora Recorrente pelos administradores de insolvência nos respectivos processos; que o insolvente A... F...nunca esteve colectado para o exercício de qualquer actividade em nome individual e que o insolvente J... F... esteve colectado como empresário em nome individual, com início em 15-05-1985, pelo exercício da actividade de “C. RETALHO OUT G ALIMENTÍCIOS» tendo cessado a actividade em IVA em 27-02-1987, com efeitos reportados a 31-01-1987 e que essa actividade foi cessada oficiosamente em IRS em 16-07-2011, com efeitos reportados a 01-01-1989 (pontos A. a E. do probatório).
O Recorrente, em 06-12-2012, tendo em vista a aquisição dos referidos prédios, apresentou junto da AT declarações modelo 1 de IMT, invocando o benefício previsto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, das quais resultaram documentos de cobrança de IMT com valores a pagar de € 0,00 (ponto B. do probatório).

O n.º 2 do Artigo 270.º do CIRE, que prevê o benefício de IMT aqui em causa, dispõe que “2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”.
É jurisprudência assente e reiterada (cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso do STA, de 29-03-2017, proferido no processo n.º 01521/15), não sendo controvertido nos presentes autos, que a norma de isenção transcrita abrange, não só a aquisição da empresa ou de estabelecimentos desta, mas também a aquisição de imóveis dessa empresa em fase de liquidação do activo no âmbito de processo de insolvência (neste sentido, cfr. também, entre outros, Acórdãos do STA de 16-03-2016, proc. n.º 0788/14, de 18-11-2015, proc. n.º 0575/15, de 11-11-2015, proc. n.º 0968/13, de 20-01-2016, proc. n.º 01350/15, de 16-12-2015, proc. n.º 01345/15, de 18-11-2015, proc. n.º 01067/15 e de 17-12-2014, proc. n.º 01085/13).
Por outro lado, da norma em análise resulta que a isenção se aplica apenas à alienação de imóveis de empresas, sendo que, como ficou consignado na decisão recorrida, que se acompanha na íntegra, “(…) importa salientar que a norma do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não se refere a «sociedade», mas antes a «empresa», sendo certo que a referência ao termo «empresa» deve ser interpretado de acordo com a definição constante do artigo 5.º do CIRE, ou seja, «toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica».
Tal significa que a intenção do legislador é conceder isenção de IMT na alienação de imóveis que se integrem no ativo patrimonial empresarial do insolvente, seja este uma sociedade ou um empresário em nome individual.
Assim, a norma do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE consente a interpretação de que a isenção ali prevista é também aplicável quanto o imóvel alienado integra a massa insolvente de uma pessoa singular que exerce uma atividade económica fiscalmente enquadrada no grupo dos rendimentos empresariais e desde que se verifique a afetação do bem à atividade do empresário em nome individual [neste sentido, cf. acórdão do STA de 22-11-2017, proferido no processo n.º 0707/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt]. (…)”
A este propósito, defende o Recorrente que a AT não logrou demonstrar o não preenchimento dos pressupostos do art. 270.º do CIRE, como lhe competia, já que o insolvente J... F... esteve colectado como empresário em nome individual e a actividade foi cessada oficiosamente, pelo que, pelo menos um dos vendedores insolventes, esteve colectado, admitindo-se que a sua actividade foi cessada pouco tempo previamente à compra, mas, tendo sido uma cessação oficiosa, não resultando de um acto voluntário dele, que até poderia nem querer ou nem ter tido conhecimento (conclusões 6., 7. e 8.).
Como se viu, tanto a AT, como a decisão recorrida concluiram que a alienação dos imóveis não beneficiava de isenção de IMT com fundamento no facto de os alienantes serem pessoas singulares que não exerciam uma actividade industrial, comercial ou agrícola.
O Recorrente defende que, pelo menos um dos vendedores insolventes, estava colectado como empresário em nome individual e que a sua actividade foi cessada, mas oficiosamente, querendo com isto, certamente, dizer que tal cessação de actividade, não tendo sido iniciativa do vendedor (que até poderia ter continuado a exercer a actividade), não poderia ter como consequência a não consideração de que os imóveis vendidos estavam afectos à actividade empresarial.
Ora, tal asserção não tem qualquer respaldo nos factos provados, tendo o Recorrente, ao recortar dos mesmos a parte que lhe interessava, desvirtuado a realidade que espelhavam. Com efeito, o que resultou demonstrado nos autos foi que um dos vendedores nunca tinha estado colectado como empresário em nome individual e o outro tinha a actividade cessada para efeitos de IVA desde o início do ano de 1987, sendo que a cessação oficiosa foi apenas para efeitos de IRS (e, certamente, em virtude da cessação de actividade para efeitos de IVA) – pontos C., D. e E.. Isto significa que nenhuma censura merece a conclusão da decisão recorrida de que o requisito legal da isenção, de que os bens imóveis alienados integrem o património de uma empresa, não estava preenchido, tratando-se da alienação de bens imóveis de pessoas singulares, e, como tal, sem direito à isenção de IMT.
Neste sentido, cfr. Ac. do STA, de 03-07-2013, proc. n.º 0765: “(…) enquanto que a Fazenda Pública defende uma interpretação restritiva no sentido de o nº 2 do art. 270º do CIRE apenas abranger as transmissões onerosas de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutado ou cedido no âmbito do plano de insolvência, o acórdão atrás transcrito concluiu que o mais adequado ao sentido e alcance da lei de autorização legislativa para aprovação do CIRE será admitir uma interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente. De qualquer modo, para o que nos interessa no caso dos autos, o ponto é que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência, como se defende na sentença recorrida.
Assim, sem necessidade de outras considerações, a decisão recorrida não sofre do invocado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, tanto quanto à interpretação feita do art. 270.º n.º 2 do CIRE, como quanto à invocada não demonstração dos seus pressupostos legais no caso concreto, pelo que improcede o recurso nesta parte.

Alega, por fim, o Recorrente que a decisão recorrida e a AT “violaram ou interpretaram erradamente o disposto no art. 141.º do CPA”, já que as liquidações de IMT constitituiram um acto de revogação de um acto administrativo de reconhecimento, tácito, de um benefício fiscal.
A decisão recorrida apreciou o seguinte quanto ao presente fundamento: “A questão que desde logo se coloca é a de saber se as liquidações adicionais de IMT em causa nos autos constituem a revogação de um ato administrativo de reconhecimento de um benefício fiscal e, como tal, sujeitos ao prazo de revogação previsto no artigo 141.º do CPA de 1991, em vigor à data em que operou a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
Vejamos, então.
O CIMT sujeita a imposto as transmissões onerosas sobre bens imóveis [art.º 2.º, n.º 1] cuja liquidação é, em regra, da iniciativa dos interessados mediante a apresentação da declaração de liquidação antes do ato ou facto translativo dos bens, a qual deve também ser apresentada nas situações de isenção [art.º 19.º n.ºs 1 e 3].
(…)
Estatui o n.º 1 do artigo 5.º do EBF que «Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.».
Assim, os benefícios fiscais podem operar automaticamente, em face do preenchimento dos respetivos pressupostos legais, ou depender de reconhecimento por ato administrativo sequente ao requerimento do interessado. A isenção constitui, por conseguinte, facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária, na medida em que impede ou paralisa a eficácia constitutiva do facto tributário, e pode resultar de aplicação automática ou depender de ato administrativo de reconhecimento, nos termos conformados pela lei em cada caso [cf. acórdão do STA de 15-05-2013, no processo n.º 0566/12, disponível em www.dgsi.pt].
No caso vertente, a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE configura um benefício fiscal automático, pois a sua concessão decorre diretamente da lei, não dependendo de um ato de administrativo prévio de reconhecimento dos respetivos pressupostos [neste sentido, cf. acórdão do STA de 14-03-2018, no processo n.º 01044/17, disponível em www.dgsi.pt].
Efetivamente, tal isenção foi automaticamente concedida com base em mera verificação da declaração apresentada pelo Impugnante, nos termos do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, ou seja, à margem de qualquer procedimento próprio e autónomo com vista a demonstrar os pressupostos da isenção, como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento [cf. n.º 3 do artigo 5.º do EBF].
Mas a concessão automática do benefício fiscal não significa ausência de controlo, pois caso venha posteriormente a verificar-se que não ocorrem os pressupostos de facto ou de direito que serviram de base à não liquidação de IMT, o serviço de finanças tem o poder/dever de promover a competente liquidação adicional, nos termos e prazos previstos no artigo 31.º do CIMT.
E foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos. Por ter verificado que a aquisição dos imóveis em causa nos autos não preenchia os pressupostos de facto para beneficiar da isenção prevista na norma do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o serviço de finanças procedeu às competentes liquidações adicionais de IMT.
Ora, ao contrário do que defende o Impugnante, tais liquidações adicionais não consubstanciam a revogação de um ato administrativo pela simples razão que a isenção não foi reconhecida por um ato administrativo e, nessa precisa medida, a norma do artigo 141.º do CPA, que prevê o prazo de revogação de atos constitutivos de direitos com fundamento em invalidade, não tem aplicação ao caso dos autos, não tendo, por isso, sido violada. (…)”

A decisão transcrita merece a integral concordância deste Tribunal.
Com efeito, tal como tem sido decidido recorrentemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE configura um benefício fiscal automático, pois a sua concessão decorre directamente da lei, não dependendo de qualquer acto de administrativo prévio de reconhecimento.
E, por assim ser, não é aplicável o invocado regime temporal da revogação de actos administrativos inválidos, nomeadamente, o art. 141.º do antigo CPA de 1991.
Neste sentido, e recuperando o Acórdão citado na decisão recorrida (Acórdão do STA de 13-09-2017, proferido no processo n.º 01126/16), aplicável com as necessárias adaptações ao caso sub judice (tratando-se de uma isenção similar), “Inexistindo, no caso em análise, um acto administrativo a conceder um benefício fiscal, isto é, um acto administrativo em matéria tributária sujeito ao prazo de revogação de actos administrativos constitutivos de direitos previsto no art.º 104º do CPA, não pode, naturalmente, ocorrer a violação desta norma.
O que, no caso, se verificou foi que os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fizeram operar, de forma directa e automática, a isenção de tributação ao declararem que a aquisição das frações se destinava à instalação de empreendimento turístico nos termos previstos no nº 1 do art.º 20 do DL 423/83, isto é, ao declararem a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.
Mas vindo a administração tributária a verificar, posteriormente, através de acção inspectiva, que a aquisição das frações não se destinava, afinal, à declarada instalação de empreendimento turístico, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que aqueles haviam beneficiado de forma automática mas indevida, a administração tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito”– cfr. art.º 35º do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar quaisquer normas e prazos previstos no CPA.
E ainda que se considerasse que ocorreu um prévio acto de liquidação ou de autoliquidação para efeitos de emissão do documento de cobrança de IMT (“a zeros” na expressão dos impugnantes), o certo é que esse acto se limitou a assimilar e a fazer actuar a isenção que decorria, de forma automática, da declaração fiscal dos sujeitos passivos. O que nunca poderia impedir a administração tributária de proceder, posteriormente, a uma liquidação correctiva/adicional, tendo em conta que dispõe, para o efeito, de um prazo de quatro anos contado da liquidação a corrigir (cfr. art. 31º, nº 3, do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar as normas contidas nos arts. 78º e 79º da Lei Geral Tributária.”
É que, ao impedir a tributação, constituindo uma despesa fiscal, compreende-se que estes benefícios fiscais estejam sujeitos a fiscalização, tal como preceitua o artigo 7.º, n.º 1 do EBF: “Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.”. Ou seja, os destinatários dos benefícios têm de demonstrar que se verificam ou se mantêm os pressupostos legais que presidiram à sua atribuição, se essa atribuição foi correcta, sendo que a verificação ou manutenção pode e deve ser fiscalizada pela AT, fiscalização que, por maioria de razão, se a atribuição do benefício foi ilegal, deve ser feita, de forma a repor a legalidade.
No caso concreto, tendo a venda com isenção de IMT ocorrido em 11-12-2012 (ponto A. do probatório) e tendo a AT notificado o Recorrente das liquidações ainda no ano de 2016 (cfr. pontos H., I., J. do probatório), portanto dentro dos prazos legais de que dispunha (art. 31.º n.º 3 e 35.º n.º 3 do CIMT), não sofrem as mesmas de qualquer ilegalidade.

Do que se deixa dito resulta que a decisão recorrida não violou a norma do art. 141.º do CPA de 1991, pelo que, também por aqui, improcede o presente recurso.

*****



III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente (art. 527.º do CPC).


Registe e notifique.




Lisboa, 16 de Maio de 2024




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[Teresa Costa Alemão]


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[Margarida Reis]


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[Rui Ferreira]