Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:117/05.5 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/20/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
PRAZO
LIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – A autoliquidação de IRC de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de seis meses a contar do termo do prazo legal (artigo 114.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável);

II – Ocorrendo facto superveniente a declaração de substituição o prazo para a sua apresentação tem como termo inicial o conhecimento do facto superveniente;

III – A convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa prevista no artigo 59.º, n.º 5 do CPPT pressupõe que já tenha sido efectuada a liquidação;

IV - A apresentação de declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente previsto, quando ainda não tenha sido emitida a liquidação de imposto investe a AT no dever de ter em conta os elementos apresentados na nova declaração, assim o impõem o dever geral de actuação com observância do princípio da legalidade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da eficiência e da simplicidade;

V – A reclamação graciosa deve ser convolada oficiosamente em pedido de revisão oficiosa se apresentada no prazo previsto no artigo 78.º da LGT, com fundamento no artigo 52.º do CPPT.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório


P. - T. I., SA, deduziu Impugnação Judicial contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2000.


Notificada da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso jurisdicional, tendo, nas respectivas alegações, concluído nos seguintes termos:


«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos termos do disposto no art. 99.º e seguintes do CPPT, determinando o dever da Autoridade Tributária de proceder à convolação da declaração de substituição apresentada pela Impugnante em reclamação graciosa.


B. No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada parcialmente por vício formal consagrado no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT - denominado por oposição entre os fundamentos e a decisão.


C. No caso concreto, não só todos os fundamentos de facto, bem como os fundamentos de direito constantes da douta Sentença exarada, no que concerne à questão controvertida da (in)tempestividade do pedido de reclamação graciosa formulado pela ora recorrida, conduzem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.


D. O Ilustre Tribunal “a quo” considerou que “resulta claro que foi apresentada [a reclamação graciosa] para além do prazo de 90 dias a que se referem os artigos 70.º e 102.º do CPPT”, conclusão que advém do entendimento de que o prazo de 90 dias para interposição do pedido de reclamação graciosa, no caso concreto, se iniciou em Outubro de 2002, com a notificação à ora recorrida do acto de liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2000 (liquidação n.º …….850) e do facto, julgado provado, de a Impugnante ter entregue a reclamação graciosa em 19.12.2003.


E. Com efeito, e conforme melhor explanaremos adiante, a conclusão pela extemporaneidade do pedido de reclamação graciosa deveria ter conduzido à decisão de improcedência do pedido formulado pela ora recorrida em sede de impugnação judicial, por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto de liquidação em questão em sede contenciosa.


F. Por outro lado, salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foi incorrectamente julgado o ponto de facto que consta do artigo 11.º da informação oficial elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, redigida de forma articulada e que se encontra junta aos autos de primeira instância, cujo teor a Fazenda Pública deu por integralmente reproduzido no seu articulado de contestação, para os devidos efeitos legais, bem como no artigo 9.º do libelo inicial.


G. No artigo 11.º da referida informação oficial consta que “Após a recepção da nota de liquidação em Outubro de 2003, relativa ao exercício de 2000, interpôs reclamação graciosa”.


H. Com efeito, e não sendo tal facto controvertido, na medida em que foi invocado pela Impugnante e admitido pela Administração Tributária, deverá ser alterada a matéria factual julgada provada nos autos de primeira instância no sentido de julgar provado o seguinte facto: “Em Outubro de 2002, a Impugnante recebeu a nota de liquidação de IRC/2000, com o n.º …..850, de 13.10.2002, a qual conclui pelo reembolso de 454.932,66 €, equivalente ao autoliquidado na primeira declaração de IRC, entregue, em 30.05.2001”.


I. No que respeita à matéria de Direito, o Ilustre Tribunal “a quo” atentou nas disposições legais do art. 52.º do CPPT e do n.º 5 do art. 59.º do CPPT, que transcreveu, para, submetendo o probatório ao Direito, considerar que o dever de convolação apenas ocorre se a declaração de substituição for apresentada no prazo legal de reclamação graciosa,


J. concluindo que, no caso concreto, tal exigência legal foi cumprida, existindo o dever da Autoridade Tributária em convolar a declaração de substituição apresentada em reclamação graciosa, na medida em que “a declaração de substituição foi apresentada em 20/02/2002, ou seja, antes de completados dois anos sobre a data da apresentação da 1.ª declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2000 (artigo 131.º do CPPT) e, também, antes de completados noventa dias sobre a data em que se tornou possível à Impugnante conhecer o facto superveniente, no caso, o reconhecimento do benefício fiscal (artigos 70.º e 102.º do CPPT)”.


K. Com a devida vénia, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de Direito, violando o disposto no art. 59.º, n.º 5 do CPPT, art. 70.º, n.º 1 do CPPT, art. 102.º, n.º 1 do CPPT, art. 131.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, 82.º do Código do IRC, 114.º, n.º 2 do Código do IRC, 298.º, n.º 2 do Código Civil, art. 331.º, n.º 1 do Código Civil e art. 333.º, n.º 1 do Código Civil, nas suas versões em vigor à data dos factos.


L. Com efeito, o dever de convolação de uma declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo da relação jurídico – tributária em reclamação graciosa, previsto no n.º 5 do art. 59.º, na versão em vigor à data dos factos, foi concebido e apenas faz sentido para os casos em que existiu liquidação antes da declaração de substituição, atenta a finalidade e os efeitos que se pretendem alcançar com o meio procedimental de reclamação graciosa.


M. Para que tal dever de convolação ocorra, é necessário, antes de mais, que exista uma divergência entre o sujeito passivo e a Administração Tributária, que pode assumir a forma de discordância quanto à qualificação de actos, factos ou documentos invocados, sendo que essa divergência é revelada e consubstanciada numa declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo, por oposição a um acto de liquidação previamente praticado pela Administração Tributária.


N. No caso concreto, à data em que foi apresentada a declaração de substituição ainda não havia sido emitido qualquer acto de liquidação, por parte da Autoridade Tributária.


O. À data em que foi apresentada a declaração de substituição, o que existia era apenas a primitiva declaração de rendimentos modelo 22 apresentada pela Impugnante, ora recorrida.


P. Pelo supra exposto, a nosso ver e sempre com a devida vénia, não poderia ter procedido a pretensão da Impugnante com base na causa de pedir que se prende com o dever da Administração Fiscal proceder, no caso concreto, à convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa.


Q. O que faz sentido, no caso concreto, é, pois, considerar, por si só, o facto de a Impugnante, ora recorrida, ter apresentado uma declaração de substituição, através da qual alterou os montantes que havia declarado na anterior declaração de rendimentos modelo 22 apresentada para o mesmo período de tributação, o ano 2000.


R. Não obstante, e para que tal acontecesse, ou seja, para que no acto de liquidação que veio a ser emitido posteriormente à apresentação da declaração de substituição fossem considerados os montantes constantes da declaração de substituição, seria necessário, conforme a Fazenda Pública fez constar na argumentação expendida nos autos de primeira instância, que a referida declaração de substituição fosse apresentada dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.


S. Ora, e tendo o prazo legal de entrega da declaração de rendimentos modelo 22 referente ao período de tributação do ano 2000, terminado no último dia útil do mês de Maio de 2001, nos termos do disposto no n.º 1 do art.112.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos, a declaração de substituição teria que ser apresentada até ao dia 30/11/2001, o que não aconteceu no caso concreto, atendendo a que a declaração de substituição apenas viria a ser apresentada pela ora recorrida em 20/02/2002 (vide n.º 2 do art. 114.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos).


T. Com efeito, pese embora o artigo 59.º, n.º 3, alínea b), II do CPPT preveja a possibilidade de apresentação da declaração de substituição até ao termo do prazo da reclamação graciosa, que, nos termos do artigo 131.º do CPPT, é de dois anos (conforme melhor veremos adiante), a norma do art. 114.º do Código do IRC prevalece sobre a mesma, por se tratar de norma especial em relação à norma do CPPT.





U. Por ter interesse para presente causa, na medida em que apreciou factualidade em muito idêntica ao caso concreto, trazemos aqui à colação os Arestos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, em, 13/01/2016, no âmbito do Proc. n.º 0159/14 e em 15/11/2017, no âmbito do Proc. n.º 0544/16, disponíveis em www.dgsi.pt, cujo entendimento subscrevemos na íntegra.


V. Pelo exposto, e contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo”, por um lado, a declaração de substituição apresentada pela ora recorrida, na medida em que precede o acto de liquidação, não poderá ser convolada em reclamação graciosa, sendo que, por outro lado, na medida em que a referida declaração de substituição é extemporânea, não poderia a mesma ter sido apreciada pela Administração Tributária.


W. Considerando que no acto de liquidação sindicado em primeira instância não foi tido em conta o teor da declaração de substituição apresentada pela recorrida, tendo sido o mesmo, portanto, efectuado de acordo com a declaração primitiva apresentada pela ora recorrida, discordando esta dos montantes considerados para o cálculo, in casu, do montante de imposto a reembolsar, o meio idóneo que a recorrida poderia ter usado para peticionar a anulação daquele acto de liquidação seria a reclamação graciosa, na medida em que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 131.º do CPPT, na sua versão em vigor à data dos factos, em caso de erro na autoliquidação, o meio procedimental de reclamação graciosa é necessário para a interposição de impugnação judicial.


X. Ora, no caso concreto, considerando que a primeira declaração de rendimentos (modelo 22) referente ao período de tributação do ano 2000 foi apresentada em 30/05/2001, a ora recorrida dispunha de um prazo legal de dois anos contados desde essa data para apresentar reclamação graciosa com fundamento em erro na autoliquidação, ou seja, de um prazo que terminaria no dia 30/05/2003 (vide n.º 1 do art. 131.º do CPPT).


Y. Assim sendo, tendo a reclamação graciosa sido apresentada em 19/12/2003, conforme consta da matéria de facto provada, a mesma é manifestamente extemporânea, porquanto foi apresentada após o termo do prazo legalmente determinado para o efeito.


Z. A este propósito, atente-se no Aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 13/01/2016, no âmbito do Proc. n.º 0159/14, disponível em www.dgsi.pt, cujo entendimento subscrevemos na íntegra.


AA. Com efeito, não tendo existido, no caso concreto, qualquer liquidação adicional e correctiva do próprio acto de autoliquidação efectuado pela ora recorrida, existindo apenas um acto de liquidação que teve em consideração os exactos termos em que a autoliquidação foi feita, o meio idóneo para a recorrida reagir ao acto de liquidação sempre seria a reclamação graciosa (necessária), nos termos do disposto no n.º 1 do art. 131.º do CPPT, o que, aliás, fez.


BB. Ainda que assim não se entenda, e se considere, como fez o Ilustre Tribunal “a quo”, que, no caso concreto, o prazo para apresentação de reclamação graciosa se contaria nos termos dos prazos gerais previstos nos artigos 70.º e 102.º, ambos do CPPT, isto é, a partir da notificação ao sujeito passivo do acto de liquidação de IRC referente ao ano de 2000, n.º ……..850, sindicado em primeira instância, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede, dever-se-á entender, com base nos fundamentos constantes da própria decisão de primeira instância, ainda assim, que a reclamação graciosa é extemporânea, na medida em que, desde Outubro de 2002 (data da notificação à ora recorrida do acto de liquidação) e até ao dia 19/12/2003 (data de apresentação do procedimento de reclamação graciosa) decorreram mais de 90 dias.


CC. Não obstante, independentemente de se entender que a reclamação graciosa é necessária à impugnação judicial e deveria ser deduzida nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 131.º do CPPT ou que a reclamação graciosa é facultativa e deveria ser deduzida nos termos gerais, previstos no art. 70.º e 120.º, ambos do CPPT, o que releva denotar é o efeito da extemporaneidade da reclamação graciosa produzido nos autos de impugnação judicial, nos quais a decisão proferida no âmbito daquele meio procedimental é objecto imediato.


DD. Com efeito, uma vez concluindo pela extemporaneidade do pedido de reclamação graciosa, como fez o Ilustre Tribunal “a quo”, ma decisão de mérito alcançada deveria ter sido, necessariamente, a de improcedência da pretensão formulada nos autos de impugnação judicial.


EE. O prazo fixado para a dedução da reclamação graciosa é extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir, junto da Administração Tributária, o reconhecimento de uma pretensão, in casu, da anulação do acto de liquidação, sendo, portanto, peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (vide n.º 2 do art. 298.º, n.º 1 do art. 331.º e n.º 1 do art. 333.º, todos do Código Civil).


FF. A este propósito, trazemos aqui à colação os Arestos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 02/04/2009, no âmbito do Proc. 0125/09 e em 31/05/2017, no âmbito do Proc. n.º 01609/13, bem como pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28/09/2017, no âmbito do processo n.º 183/12.7BELRA, bem como pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 11/10/2017, no âmbito do Proc. n.º 01584/09.3BEPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt.


GG. Assim, e voltando ao caso sub judice, uma vez que a ora recorrida não suscita o vício de nulidade do acto de liquidação em apreço, estando em causa meramente a anulabilidade do mesmo, dever-se-á considerar que a intempestividade da reclamação graciosa conduz à improcedência do pedido formulado nos autos de Impugnação Judicial, por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto de liquidação em sede contenciosa.


HH. Por outro lado, não poderemos olvidar que a reclamação graciosa com fundamento em erro na autoliquidação é necessária e obrigatória à impugnação contenciosa do acto de liquidação, salvo as excepções consagradas legalmente (vide n.ºs 1 e 3 do art. 131.º do CPPT).


II. Compreende-se a perspectiva da lei ao impor a precisão de reclamação graciosa necessária, no citado artº.131, nº.1, do C.P.P.T., em que a Administração Fiscal ainda não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte, assim não existindo um conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional.


JJ. Nestes termos, justifica-se que, antes de ingressar em Tribunal, a questão mereça uma apreciação por parte da Administração Fiscal.


KK. Volvendo ao caso sub judice, e não tendo a impugnação judicial sobre que recaiu a douta Sentença como único fundamento um fundamento de direito, sendo certo ainda que a autoliquidação também não foi feita de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária, dever-se-á concluir que a reclamação graciosa é necessária e obrigatória como condição de impugnabilidade do acto de liquidação (vide art. 131.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).


LL. Destarte, e por maioria de razão, a argumentação que supra explanamos, acerca do efeito da caducidade do pedido de reclamação graciosa na impugnação judicial apresentada na sequência daquela, adensa-se no caso concreto, reforçando a necessidade de uma decisão de mérito no sentido da improcedência da pretensão da ora recorrida que, com a devida vénia, pugnamos ser a mais acertada e adequada.


Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida veio oferecer as suas contra-alegações, tendo pugnado pela manutenção do julgado.


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, a quem os autos foram apresentados com «Termo de Vista» nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 289.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Juízes Desembargadores Adjuntos nos termos do n.º 2 do preceito supra citado, submete-se, agora, o processo à conferência para julgamento desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção deste tribunal.


Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n.°2 do Código de Processo Civil), esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (n.° 3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.


Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto pela Fazenda Pública, importa agora decidir:


i) se a sentença é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão quanto à questão a tempestividade da reclamação graciosa;


ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto relativamente ao ponto I) da matéria de facto, no que se refere à recepção da nota de liquidação pela recorrida;


iii) se ocorre errado julgamento de direito, por violação dos artigos 59.º, n.º 5, 70.º, n.º 1, 102.º, n.º 1 e 131.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, 82.º, 114.º, n.º 2 do Código do IRC, 298.º, n.º 2, 331.º, n.º 1 e 333.º, n.º 1 do Código Civil, nas suas versões em vigor à data dos factos porquanto o dever de convolação de uma declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo da relação jurídico – tributária em reclamação graciosa, previsto no n.º 5 do art. 59.º, foi concebido e apenas faz sentido para os casos em que existiu liquidação antes da declaração de substituição.



*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« A) Por escritura pública de 03.06.2004, concretizou-se a fusão por incorporação de várias empresas, entre elas, a P. – I. C. T.-P. S. H., S.A., que detinha o número de contribuinte 501 ……., na empresa P. – E. B. S. – C. S. I. C., S. A., com o número fiscal 502 …. e com morada acima referida (conforme resulta do documento n.º 7 junto com a PI).

B) Pela mesma escritura foi concretizada a transmissão universal do conjunto de ativos e passivos, direitos e obrigações das sociedades incorporadas na sociedade incorporante – P. – E. B. S. – Co. S. I. C., S. A., com o número fiscal 502 …..., a qual passou, por efeito da citada escritura a designar-se por P.-T. I., S. A. (conforme resulta do documento n.º 7 junto com a PI).

C) Em 30.05.2001, a impugnante, por via da sociedade incorporada P.- I. C. T. – P. S. H., S.A., com o número de contribuinte 501 …..., apresentou declaração de IRC referente ao exercício de 2000, da qual constava o valor de 24.029.042$00 (119.856,35 €) no campo 10 da citada declaração de rendimentos, referente a Benefícios Fiscais (conforme resulta do documento n.º 1 junto com a PI).

D) Efetuada a autoliquidação resultou um total a recuperar de 91.205.810$00 (454.932,66 €);

E) Por carta datada de 01.02.2002, enviada pela Comissão Certificadora para os incentivos fiscais de Investigação e Desenvolvimento - I&D Empresarial, do Ministério da Ciência e Tecnologia à impugnante - ref: CT-11../2002-E -, foi comunicado à mesma, por declaração anexa, datada de 31.01.2002, e devidamente certificada que, fora atribuído à empresa um crédito fiscal no montante de 29.999.054$00 (149.634.65 €), relativo a atividade de investigação e desenvolvimento (I&D), nos termos do DL n°. 292/97, de 22.10 (conforme resulta do documento n.º 2 junto com a PI).

F) A impugnante, dado tratar-se de um novo facto relativo à quantificação de benefícios fiscais, do ano de 2000, que alteraria a autoliquidação de IRC/2000, já efetuada, por entrega da correspondente declaração, em 30.05.2001, efetuou nova entrega de declaração de IRC - declaração de substituição em 20.02.2002 (conforme resulta do documento n.º 3 junto com a PI).

G) Da qual consta a alteração do campo 10, relativo a benefícios fiscais, onde se passou a inscrever o valor de 149.634,65 €, correspondente ao valor que lhe fora certificado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e da qual resultou, em nova autoliquidação o valor de imposto a recuperar de 489.205,72 € (conforme resulta do documento n.º 2 junto com a PI).

H) Em 13/10/2002 a AT elaborou a liquidação de IRC referente ao exercício de 2000 da qual resultou reembolso de 454.932,66 €, equivalente ao autoliquidado na primeira declaração de IRC, entregue, em 30.05.2001, desconsiderando o novo facto relevante de que os benefícios fiscais, ascendiam a 149.634.65 €, conforme declaração de substituição já entregue, e aceite pela Administração Fiscal (conforme resulta de fls. 4 do processo de reclamação graciosa em apenso).

I) Refere-se na liquidação a que se refere a alínea anterior quanto aos pelos e prazos de reação:

«Poderá reclamar ou impugnar nossa termos e prazos estabelecidos no art. 128.º do CIRC.»

J) A Impugnante foi notificada em outubro de 2003 (conforme invocada pela Impugnante e não contrariado pela AT).

K) Em face do que apresentou reclamação graciosa, entregue em 19.12.2003, solicitando a correção da liquidação de IRC, argumentando e apresentando com os factos atrás referidos (conforme resulta do documento n.º 5 junto com a PI).

L) Em apreciação da reclamação graciosa foi elaborada a informação de fls. 33 e segs. do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

M) Resulta da informação a que se refere a alínea anterior:

« 4- DESCRIÇÃO DOS FACTOS

A reclamante procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao exercício de 2000, em 30/5/2001, a qual teve por base um resultado líquido do exercício de 510 976,24 € (11 838 359$00), tendo inscrito no campo 355 (Benefícios Fiscais), o montante de 119 856,35 € (24 029 042$00) (fls. 12 a 14, 19 e 20 dos autos).

O Ministério da Ciência e da Tecnologia comunicou à reclamante, por ofício de 1 de fevereiro de 2002, (fls. 5 e 6 dos autos), a constituição de um crédito fiscal, no montante de 149 634,65 € (29 999 054$00), decorrente de atividades de I&D realizadas por ela durante o ano de 2000, tendo enviado à mesma a respetiva Declaração.

A reclamante procedeu à entrega de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição, em 20/2/2002, na qual corrigiu o montante dos Benefícios Fiscais, bem como o valor da matéria coletável (fls. 9 a 11, 25 e 26 dos autos).

O sujeito passivo, afirma ter recebido “em 13/10/2002, a Nota de Liquidação referente ao exercício de 2000, na qual foi reembolsada no montante de 454 932,66 euros”, correspondente à declaração de rendimentos entregue em 30/5/2001.

Mais alega que, “resultante da entrega da mod 22 de substituição, a empresa tem ainda um crédito de imposto no montante de 34 2 73,06 euros (29 778,30 + 4 494,76) ”, do qual solicita a regularização.

5 - PARECER

Na análise efetuada aos elementos constantes o processo de reclamação verifica- se:

A reclamante procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao exercício de 2000, em 30/5/2001 (fls. 12 a 14, 19 e 20 dos autos).

A reclamante recebeu em fevereiro de 2002, uma Declaração do Ministério da Ciência e da Tecnologia, relativa à constituição de um crédito fiscal decorrente de atividades de I&D realizadas durante o ano de 2000, no montante de 149 634,65 € (29 999 054S00) (fls. 5 e 6 dos autos).

A mesma entregou uma declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição, em 20/2/2002, na qual considerava o referido benefício e ainda procedeu à alteração do valor da matéria coletável, como supra mencionado (fls. 9 a 11, 25 e 26 dos autos).

A liquidação n.° …..850, de 13/10/2002, reflete os montantes autoliquidados pela reclamante na declaração de rendimentos Modelo 22, entregue 30/5/2001, encontrando-se a liquidação corretamente efetuada (fls. 6 e 21 dos autos).

O art.° 114.°, do Código do IRC (CIRC), referente às declarações de substituição tinha a seguinte redação no ano de 2002:

“1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.

2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar nos seis meses posteriores ao termo do prazo legal, quando o fundamento for erro material. ”

Na data de entrega da declaração de substituição (20/2/2002), já tinha precludido o prazo previsto no artigo supracitado.

A Circular 5, de 30/03/1992 - Direção de Serviços do IRC, determinou o seguinte entendimento quanto às declarações de substituição Modelo 22:

“ 1. Declarações de substituição Mod. 22 fora do prazo legal.

Fora do prazo legal, a liquidação do imposto compete, nos termos do artigo 70° do CIRC, aos serviços centrais da Direção-Geral das Contribuições e Impostos.

Havendo erro na autoliquidação do imposto estabelece o artigo 151° do Código de Processo Tributário a possibilidade de impugnação judicial precedida de reclamação graciosa, para o diretor distrital de finanças como forma de obter da Administração a correção do erro.

Procedimentos a adotar em caso de erro na autoliquidação Assim:

a) Os erros na autoliquidação que tenham implicado um cálculo de imposto superior ao devido só poderão ser sanados, nos termos do artigo 151° do Código de Processo Tributário, através de reclamação graciosa para o diretor distrital de finanças competente ou de impugnação judicial nos casos em que ocorra indeferimento expresso ou tácito da reclamação; ”

O n.° 1, do art.° 131.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99, de 26/10, referente à impugnação em caso de autoliquidação o qual corresponde ao art.° 151.°, do Código de Processo Tributário (CPT), alude a que, “em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração”.

Em relação às matérias agora reclamadas, o sujeito passivo poderia, querendo, apresentar reclamação graciosa, da autoliquidação, nos termos do art.° 131.°, do CPPT, no prazo de 2 anos após a entrega da declaração de rendimentos, do exercício de 2000, ou seja até ao dia 30/5/2003.

6 - CONCLUSÃO e PROPOSTA DE DECISÃO

Em face da verificação de que a liquidação reclamada se encontra corretamente efetuada pela Administração Fiscal, em consonância com declaração de rendimentos Modelo 22, entregue 30/5/2001, pela reclamante e de que foram ultrapassados os prazos para a efetuação da presente reclamação, será de considerar o pedido intempestivo.

À consideração superior.

Direção de Finanças de Lisboa em 28/10/2004»

N) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o seguinte despacho:

«Concordo pelo que, com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, indefiro liminarmente a presente reclamação graciosa.

Notifique-se. 2004/12/09»

(Conforme resulta de fls. 32 do processo de reclamação graciosa em apenso).

O) Em 30.12.2004, a impugnante recebeu ofício da DF de Lisboa, notificando-a do indeferimento da reclamação (conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).

P) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 14/0172005 (conforme resulta de fls. 1).»

Mais ficou consignado na sentença recorrida, quanto à motivação da decisão: «A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

Mais se fez constar na sentença recorrida, a título de factos não provados, o seguinte: «Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.»

III. 2 – Fundamentação de direito

A impugnante, ora recorrida deduziu impugnação contra a liquidação de IRC relativa a 2000, pedindo a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com a sua aceitação por tempestiva, e em consequência que fosse ordenada a concretização de nova liquidação, atento o benefício fiscal certificado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e ordenado o reembolso da diferença acrescido de juros indemnizatórios.

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida, determinando a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa se a tanto outra causa não obstar.

A Recorrente discorda da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, imputando à decisão, desde logo, a verificação de nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.

Sustenta nas conclusões A a E, que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão, remetendo para o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Alega para tanto, que a conclusão pela extemporaneidade da reclamação graciosa conduz logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, que seria a improcedência do pedido formulado na impugnação judicial, por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto de liquidação em causa. Por caducidade do direito de acção, o Tribunal a quo estava impedido de conhecer as eventuais ilegalidades do acto de liquidação e devia ter julgado improcedente a impugnação judicial.

Vejamos então.

Nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT a sentença é nula quando, além do mais, se verifique oposição dos fundamentos com a decisão. Esta norma tem correspondência com a primeira parte da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A sentença deve ser um encadeado lógico de razões, estruturadas num silogismo, que conduzem à explicitação da solução como a mais adequada ao caso em presença.

Como se afirma no Acórdão deste Tribunal datado de 10/11/2022, proferido no processo n.º 281/14.2BESNT: «[d]e modo sintético, por pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, pode dizer-se que a nulidade de uma decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença, ou seja, daquilo que se trata é de um vício lógico da sentença/acórdão.

Dir-se-á, nestes casos, que, na fundamentação da sentença, o julgador segue uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Se assim for, a sanção legal é, nos termos apontados, a nulidade da decisão – artigo 125º do CPPT.

Não se trata, portanto, de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, numa diferente direção.

Diga-se ainda, que tal vício, conforme descrito, não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem sequer a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes sindicáveis em sede de recurso jurisdicional.»

Neste contexto, lida a sentença recorrida concluímos que não ocorre a apontada oposição entre a fundamentação expressa e o decisório extraído pelo julgador.

Com efeito, a impugnante, ora recorrida colocou ao Tribunal de 1ª instância diversas questões, sendo a segunda, em resumo útil, a da tempestividade da reclamação, invocando para o efeito a violação do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, por falta de indicação na notificação da liquidação dos meios de defesa e respectivos prazos, defendendo a recorrida que a reclamação foi apresentada em consonância com a notificação efectuada pela AT e a aplicabilidade do artigo 70.º do CPPT. A terceira questão suscitada era da obrigatoriedade que considera impender sobre a AT de proceder à convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, atento o disposto no artigo 59.º, n.º 5 do CPPT.

Considerando as causas de pedir invocadas pela impugnante, bem ou mal, para o caso não importa, o Tribunal recorrido apreciou e decidiu a questão da tempestividade da apresentação da reclamação graciosa, após o que, apreciou a questão da obrigatoriedade da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa. Constituindo duas questões autónomas, que têm na base dois actos procedimentais da iniciativa do contribuinte (declaração de substituição e reclamação graciosa), que não tinham entre si nenhuma relação de prejudicialidade, impunha-se ao tribunal a quo delas conhecer. A fundamentação pode ser errada, como também alega a recorrente, no entanto, nesse caso, estaremos no âmbito do erro de julgamento e não no domínio da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Assim se conclui que não ocorre nenhuma contradição entre os seus fundamentos e a decisão quanto à questão da tempestividade da reclamação graciosa, improcedendo assim as conclusões apreciadas.


*

Nas conclusões F a J, alega a recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento de facto relativamente ao ponto J) da matéria de facto, no que se refere à recepção da nota de liquidação pela recorrida.

Alega que o aludido facto não se encontra em linha com o que consta do ponto 11 da informação oficial junta aos autos, dada como reproduzida como contestação.

Vejamos.

O ponto 11 da referida informação refere o seguinte: «após a recepção da nota de liquidação em Outubro de 2003, relativa ao exercício de 2000, interpôs reclamação graciosa.»

O ponto J) da matéria de facto tem o seguinte teor: «A Impugnante foi notificada em outubro de 2003 (conforme invocada pela Impugnante e não contrariado pela AT).»

Pretende a recorrente ver alterado o referido ponto J) da matéria de facto provada, nos seguintes termos: «Em Outubro de 2002, a Impugnante recebeu a nota de liquidação de IRC/2000, com o n.º ….850, de 13.10.2002, a qual conclui pelo reembolso de 454.932,66 €, equivalente ao autoliquidado na primeira declaração de IRC, entregue, em 30.05.2001».

Tendo presente que parte dos factos já constam do ponto H) e que a redacção proposta pela recorrente, nos seus precisos termos implicaria uma repetição, importa apenas clarificar o seu teor sem o tornar redundante, pelo que se procede à alteração do ponto J) nos seguintes termos:


J) Em data não concretamente determinada que se situa após 13 de Outubro de 2002, a Impugnante recebeu a nota de liquidação n.º ….850, a que se refere o ponto H);

Termos em que se mostram parcialmente procedentes as conclusões apreciadas.


*

Nas restantes conclusões, alega a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em errado julgamento de direito, por violação dos artigos 59.º, n.º 5, 70.º, n.º 1, 102.º, n.º 1 e 131.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, 82.º, 114.º, n.º 2 do Código do IRC, 298.º, n.º 2, 331.º, n.º 1 e 333.º, n.º 1 do Código Civil, nas suas versões em vigor à data dos factos.

Consubstancia tal erro de julgamento de direito, quanto à existência, por parte da AT, do dever de convolação da declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo da relação jurídico – tributária, em reclamação graciosa.

A factualidade em causa nos autos é a seguinte: a recorrida apresentou a declaração de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2000, em 30/05/2001, procedendo à autoliquidação do imposto devido, conforme resulta do ponto C) dos factos provados.

Em 20/02/2002 apresentou declaração de substituição (cf. pontos E) e F) do probatório) sustentando-se no conhecimento de facto superveniente comunicado através de ofício datado de 01/02/2002, por declaração certificada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que lhe havia sido atribuído um crédito fiscal relativo à actividade de investigação e desenvolvimento (I&D).

A liquidação de IRC do referido exercício foi emitida em 13/10/2002 vindo a recorrida a ser notificada da referida liquidação em data que não foi possível apurar, contudo se presume tenha ocorrido em 16/10/2002.

A recorrida deduziu reclamação graciosa em 19/12/2003 (cf. ponto K) do probatório).

Na sentença recorrida julgou-se a acção de impugnação procedente na consideração de que a AT tinha o dever de proceder à convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 5 do CPPT, não o tendo feito. Na sentença recorrida atendeu-se ainda ao facto de à data da apresentação da declaração de substituição não ter transcorrido o prazo de 2 anos sobre a data da apresentação da 1ª declaração modelo 22 de IRC, nos termos do artigo 131.º do CPPT e antes de decorridos 90 dias sobre a data em que se tornou possível à Impugnante conhecer o facto superveniente, nos termos dos artigos 70.º e 102.º do CPPT.

Vejamos, agora, antes de mais, as normas que a recorrente alega terem sido violadas e que invoca terão determinado o Tribunal a quo a incorrer em erro de julgamento de direito.

Dispunha o n.º 5 do artigo 59.º do CPPT, na redacção em vigor à data dos factos: «Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados, em declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo.»

Na redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005 de 30/12, estatuía o artigo 70.º do CPPT, cuja epígrafe é «Fundamentos e prazo da reclamação graciosa»:

«1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102.º.

2 - O prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário.

3 - Considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais.

4 - Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar nos prazos previstos nos números anteriores, estes contar-se-ão a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.

(…)»

À data dos factos estabelecia o artigo 102.º do CPPT, sob a epígrafe: «Impugnação judicial. Prazo de apresentação»:

«1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.»

Estatuía o artigo 131.º, do CPPT, na redacção então em vigor sob a epígrafe «Impugnação em caso de autoliquidação»:

«1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º.»

Dispunha o n.º 2 do artigo 114.º (norma que actualmente corresponde ao artigo 122.º.) do CIRC que «[a] autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar nos seis meses posteriores ao termo do prazo legal, quando o fundamento for erro material.» (Redacção conferida pelo Decreto-lei n.º DL 198/2001 de 3 de Julho)

Em complemento a tal norma importa ainda ter em consideração o disposto no artigo 128.º do CIRC, na redacção aplicável aos autos (na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), sobre reclamações e impugnações: «1 - Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2 - A faculdade referida no número anterior é igualmente conferida relativamente à autoliquidação, à retenção na fonte e aos pagamentos por conta, nos termos e prazos previstos nos artigos 131 º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

4 - A impugnação dos actos mencionados no n.º 2 é obrigatoriamente precedida de reclamação para o director de finanças competente, nos casos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.» (Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12).

Como refere Rui Marques (in Código do IRC Anotado e Comentado, Almedina pág 952): «A declaração de substituição destina-se a corrigir os valores apurados e declarados por iniciativa do sujeito passivo, traduzindo-se na regularização voluntária de erros cometidos pelo próprio

Alega a recorrente, que o Tribunal recorrido ignorou a especificidade do caso concreto, na medida em que o regime previsto no n.º 5 do artigo 59.º foi concebido e apenas faz sentido para os casos em que existiu um acto de liquidação antes da declaração de substituição, não bastando para aferir da existência do dever de convolação, sendo necessário verificar se a declaração de substituição foi apresentada no prazo de reclamação graciosa.

Alega que, além do requisito temporal da entrega da declaração e substituição no prazo de reclamação graciosa, é necessário que se verifique o requisito relacionado com a existência de uma divergência entre o sujeito passivo e a Administração Tributária que pode assumir a forma de discordância quanto à qualificação de actos, factos ou documentos invocados, sendo que essa divergência é revelada e consubstanciada numa declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo, por oposição a um acto de liquidação previamente praticado pela Administração Tributária.

No corpo da sua alegação de recurso a recorrente cita, em abono da sua tese o seguinte:

«10. Nas doutas palavras de Jorge Lopes de Sousa 1, cujo entendimento subscrevemos na íntegra, “ao prever-se no n.º 5 deste art. 59.º a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, está a pressupor-se que já tenha sido efectuada a liquidação, pois este meio procedimental tem por fim a anulação de actos tributários (art. 68.º, n.º 1, do CPPT). Se quando é apresentada a declaração de substituição, ainda não estiver feita a liquidação, essa deverá ter em conta os elementos apresentados na nova declaração”. 1 In Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume I, 6.ª edição, 2001, página 507.» (A referência nas alegações à edição de 2001 decorre certamente de lapso, devendo ter-se por referido o ano de 2011).

Ora, lendo a citação que consta da nota 12 à anotação do artigo 59.º do CPPT, percebe-se que a interpretação da norma efectuada pelo mencionado autor, no sentido de que a referida obrigação de convolação está vocacionada para os casos em que ocorreu o acto de liquidação, tem como pressuposto que, não havendo liquidação a actuação da AT se pautará pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da eficiência. Isso mesmo se pode concluir, não só da parte final da citação efectuada pela recorrente, como do restante teor da nota 12, não citada pela recorrente: «12 - Momentos da efectivação da liquidação

(…)

Era essa a solução que se previa expressamente no art. 76.º, n.º 1, alínea c), do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, para os casos em que a declaração tinha sido apresentada fora do prazo legal, mesmo que esse atraso fosse superior a 30 dias e está em consonância com o dever geral imposto à administração tributária de corrigir actos de liquidação enquanto não terminar o prazo legal de caducidade do direito de liquidação (arts. 78.º, n.º 1, da LGT, com afloramentos em várias normas dos códigos tributários, como os arts. 76.º, n.° 4, e 93.º, n.º 1, do CIRS na redacção dada por aquela Lei n.º 53-A/2006, 103.º, n.º 1 do CIRC, na redacção do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, e 50.º, n.º 1, do CIS).

Com efeito, tendo a administração tributária o dever geral de actuar com observância do princípio da legalidade (arts. 266.°, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), não se pode considerar admissível que pratique actos em dissonância com a realidade (ilegais, por enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto, como se refere na anotação 14 ao art. 99.º), mesmo que a declaração tenha sido apresentada intempestivamente.

Por outro lado, havendo aquele dever de correcção subsequente à prática de actos que não estejam em sintonia com a realidade, não se compreenderia, por razões de economia processual, que a administração tributária tivesse de praticar actos dissonantes com a realidade, quando já tem em seu poder elementos que lhe permitem aperceber-se dessa dissonância, para, depois, ter de corrigi-los.

Na verdade, se, em face da apresentação da nova declaração, segundo o próprio contribuinte, cujas declarações são o elemento preferencial para fixação da matéria tributável, a primeira declaração não estava correcta, não se justificaria que se concretizasse uma liquidação com base numa declaração provavelmente errada, preterindo uma nova declaração que, presumivelmente, será verdadeira ou, pelo menos, não se demonstra que está errada.

Para além disso, tendo em mente os princípios da proporcionalidade, da eficiência e da simplicidade que devem nortear a actividade da administração tributária (art. 46.º do CPPT), não se poderia aceitar que se fosse efectivar de uma liquidação presumivelmente ilegal, para obrigar o contribuinte a impugná-la.

De resto, aponta também neste sentido a analogia com o regime previsto no art. 76.°, n.º 1, alínea b) do CIRS para os casos em que não é apresentada declaração (nem mesmo intempestivamente), em que se estabelece que «a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha», pois a declaração intempestiva não deixa de ser um dos elementos ao dispor da administração tributária.

Assim, parece de concluir que a norma do n.º 4 do presente art. 59.º, ao impor ao contribuinte, nos casos de apresentação de declaração de substituição mais de 30 dias após o termo do prazo legal, a obrigação de apresentar reclamação graciosa, impugnação judicial ou pedido de revisão do acto tributário, só será aplicável nos casos em que, quando é apresentada a declaração de substituição, já está feita a liquidação com base nos elementos contidos na primeira.» (A referência ao n.º 4 deve ser lida como correspondendo ao n.º 5, pois com a Lei n.º 15/2001, de 5/6 os n.ºs 3 e 4 passaram a ter nova redacção, tendo sido introduzido um novo n.º 5, o n.º 4 passou a corresponder ao n.º 5).

Concordando inteiramente com a interpretação efectuado pelo Sr Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, concluímos que atentos os contornos específicos do caso concreto, não estando ainda emitida a liquidação, impunha-se à AT ter em consideração a declaração de substituição, ainda que eventualmente intempestiva.

Importa agora apreciar se, não tendo sido objecto da devida consideração, a declaração de substituição, uma vez que ainda não tinha sido emitida a liquidação, se se verifica o invocado erro de julgamento de direito quando o Tribunal a quo decidiu que a declaração de substituição deveria ser objecto de convolação em reclamação, nos termos do disposto nos artigos 52.º do 59.º, n.º 5 do CPPT.

Antes de mais, importa referir que entendemos que, no caso do IRC, em regra, haverá que aplicar o regime previsto no artigo 114.º, n.º 2 do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, e não o artigo 131.º do CPPT, atenta a relação de especialidade entre estas normas, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil. Ora, nos termos do artigo 114.º n.º 2 do CIRC, a autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar nos seis meses posteriores ao termo do prazo legal, quando o fundamento for erro material.

Emitida a liquidação, resultando imposto superior ao devido, nos termos do n.º 2 do artigo 128.º do CIRC (norma que actualmente consta do artigo 137.º) por decorrer de autoliquidação, a sua impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa efectuada nos termos e prazos previstos nos artigos 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por remissão expressa do n.º 2 da aludida norma, sendo tal prazo de 2 anos desde a data da apresentação da declaração (autoliquidação).

No entanto, no caso dos autos, o fundamento da apresentação da declaração de substituição foi a superveniência da atribuição de um crédito fiscal decorrente da actividade de I&D, certificado pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial.

Tal superveniência traduz-se na verificação de uma alteração dos elementos declarados originariamente que não tenha sido possível invocar nos prazos supra referidos (inscrevendo benefícios fiscais no montante atribuído de € 149 634,65 em vez de € 119 856,36).

Ora, conforme resulta da factualidade provada, por ofício datado de 01/02/2002, recebido em data que não foi possível apurar, mas que se presume posterior a essa data, a recorrida foi notificada de que dispunha de um crédito fiscal, por referência ao ano de 2000, que a AT não poderia ter ignorado. A declaração certificada pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresaria que funciona no âmbito do Ministério da Ciência e da Tecnologia, constitui fundamento da superveniência, porquanto, ainda que a candidatura ao incentivo tenha tido lugar antes do ano de 2000, apenas com a referida declaração se tornou possível confirmar a sua efectiva aprovação e quantificação do crédito e nessa medida, enquadra-se no conceito de facto superveniente.

Ora, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3 artigos 70.º do CPPT, o prazo de reclamação graciosa é de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário.

Dispõe o n.º 3 da citada disposição legal que se considera verificado o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais.

O crédito fiscal em causa nos autos, como incentivo fiscal que é, integra o conceito de benefícios fiscais em sentido lato, tendo em conta o conceito de que resulta do disposto no artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), nos termos do qual consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

Neste conceito são ainda incluídas, nos termos do n.º 2 da citada disposição legal, as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.

Recorde-se que à data do conhecimento do facto superveniente, a liquidação ainda não havia sido emitida, por facto que não há notícia nos autos de que seja imputável à recorrida, razão pela qual, não se impunha à recorrida a dedução de reclamação graciosa por inexistência de acto a reclamar, donde se conclui que atendendo aos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e ainda do respeito pelas garantias dos contribuintes, consagrados no artigo 55.º da LGT, impunha-se admitir a declaração de substituição apresentada.

Tendo em conta o enquadramento factual e jurídico exposto, além da obrigação de ter em conta a declaração de substituição na liquidação do imposto, atentos os princípios já enunciados, não se vê como impor à AT a obrigação de convolação da aludida declaração em reclamação graciosa, porquanto à data da sua apresentação (01/02/2002) a liquidação ainda não tinha sido emitida (veio a ser emitida, como se deixou dito, e 13/10/2002), pelo que, tem razão a recorrente, impondo-se jugar procedentes as conclusões de recurso.

Já o mesmo não se pode afirmar quanto às conclusões Q a V no que se refere à pretensão recursiva de considerar a referida declaração de substituição intempestiva, como se deixou dito supra.

Vejamos agora as conclusões W a LL.

Alega a recorrente que o meio idóneo que a recorrente poderia usar era a reclamação graciosa necessária, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT, a deduzir no prazo de 2 anos, contados da autoliquidação, concluindo que a reclamação apresentada é manifestamente extemporânea.

Cita em defesa da sua tese o Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0159/14, de 13/01/2016, em cujo sumário se pode ler o seguinte:

«I - A autoliquidação de IRC de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal (art. 114.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável).

II - Sendo certo que no art. 59.º, n.º 3, alínea b), II), o CPPT permite a substituição da declaração até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação e que, nos termos do n.º 1, do art. 131.º do mesmo Código, o prazo para aquela, no caso de autoliquidação, é de 2 anos após a apresentação da declaração, a norma do CIRC citada em I deve ter-se por especial relativamente ao art. 59.º do CPPT e, por isso, prevalecer sobre ela quando esteja em causa a substituição de declaração de IRC.

III - Assim, não tinha a AT de convolar a declaração de substituição apresentada para além do termo do prazo legal em reclamação graciosa e sendo a omissão dessa convolação o único fundamento invocado na impugnação judicial da liquidação adicional que substituiu a autoliquidação dita em I, a mesma está condenada ao fracasso.»

Para além da interpelação relativa à relação de especialidade das normas em causa, que aqui sufragámos neste Acórdão, o caso ali relatado tem contornos de facto não coincidentes que impõe soluções no âmbito da aplicação do Direito diferentes.

Com efeito, no caso relatado no referido Acórdão, tratava-se de uma declaração de substituição na sequência de uma liquidação adicional decorrente da correcção dos prejuízos fiscais reportado, na sequência de acção inspectiva, que deu origem a correcções em anos anteriores concluindo que inexistiam os prejuízos declarados.

Acresce dizer que o citado Acórdão consagra interpretação divergente da que a recorrente sustenta, com base no Acórdão, pois a recorrente parece defender, contradizendo conclusões de recurso anteriores, a aplicabilidade ao caso vertente do artigo 131.º do CPPT (cf. conclusão AA).

Na conclusão BB sustenta a recorrente que caso se considere que o Tribunal a quo efectuou correcto julgamento, quanto à aplicabilidade dos prazos previstos no artigo 70.º e 102.º do CPPT, isto é, a partir da notificação ao sujeito passivo do acto de liquidação de IRC. Alega que, ainda assim, a reclamação graciosa é extemporânea, na medida em que, desde Outubro de 2002 (data da notificação da ora recorrida da liquidação) e até ao dia 19/12/2003 decorreram mais de 90 dias.

Como se deixou dito supra, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3 artigos 70.º do CPPT, o prazo de reclamação graciosa aplicável ao caso é de um ano contado desde a data do conhecimento do facto.

Apenas com a emissão e notificação da liquidação é que se pode afirmar que o quadro factual se alterou, impondo-se assim apreciar se dessa factualidade ocorrida posteriormente se pode concluir como pretende a recorrente que o único meio idóneo que a recorrente poderia usar era a reclamação graciosa no prazo de um ano (e não de dois anos como sustenta a recorrente, conforme supra referimos).

Ora, como deixámos dito supra, só com a notificação da liquidação emitida em 13/10/2002 (cuja notificação ocorreu seguramente em data posterior a 13/10/2002) é que se tornou possível à recorrida/reclamante tomar conhecimento da desconsideração da declaração de substituição, pelo que se impõe a conclusão de só depois de tal notificação é que lhe era possível a dedução da reclamação graciosa com enquadramento no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT, no aludido prazo de um ano.

A Fazenda Pública invoca a extemporaneidade da reclamação graciosa, contudo, não alega nem prova em que data ocorreu a notificação da liquidação. Nem dos autos resulta tal prova. Sendo certo que na decisão da reclamação graciosa alega-se apenas que «a liquidação reclamada se encontra correctamente efectuada pela Administração Fiscal, em consonância com a declaração de rendimentos Modelo 22, entregue 30/05/2001, pela reclamante e de que foram ultrapassados os prazos para a efectivação da presente reclamação, será de considerar o pedido intempestivo» conforme resulta dos pontos L) a O) dos factos assentes, por ter sido efectuado outro enquadramento da questão.

Na petição inicial, a recorrida admite ter sido notificada da liquidação em Outubro de 2002, defendendo a tempestividade quer da declaração de substituição, quer da reclamação graciosa. Sustentou a tempestividade da reclamação graciosa no entendimento de que era aplicável o prazo de dois anos previsto no artigo 131.º do CPPT.

Contudo, tendo presente que já não estamos perante uma reclamação de um acto/declaração de autoliquidação mas antes de uma liquidação o prazo aplicável é o prazo de um ano que supra identificámos, pelo que, em Outubro de 2003, já havia transcorrido o prazo tendo presente que a reclamação graciosa foi apresentada em 19/12/2003.

A recorrente alega que atenta a conclusão sobre a tempestividade da reclamação graciosa, impunha-se ao Tribunal recorrido a decisão de improcedência da acção por força do caso decidido (cf. restantes conclusões - BB a LL).

Vejamos.

A reclamação graciosa foi julgada intempestiva no entendimento de que estava em causa uma reclamação com fundamento em erro na autoliquidação e assim sendo, seria aplicável o disposto no artigo 131.º do CPPT nos termos do qual o prazo de reclamação seria de 2 anos a contar da apresentação da declaração ou seja, até 30/05/2003.

Compulsada a reclamação, a recorrida pede que seja regularizado o valor referente à declaração e substituição por considera detém um crédito de imposto no montante de € 34 273,06.

Atenta a especificidade do caso, tendo em conta o enquadramento legal que este Tribunal considerou aplicável ao caso e atendendo ainda à invocação pela recorrida na petição inicial de que a AT estava obrigada, por força do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT (cf. artigo 34.º a 45.º), alegando que a AT estava obrigada a ordenar a correição do processo, nos termos do artigo 96.º, n.º 3 da LGT, tratando-se de evidente lapso de escrita, pretendendo a impugnante referir-se, certamente ao artigo 97, n.º 3 da LGT que dispõe o seguinte: «[o]rdenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.»

Como já mencionámos antes, nos termos do disposto no artigo 55.º da LGT «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

Tendo presente o princípio a colaboração previsto no artigo 59.º da LGT (na redacção aplicável, dada pela Rectificação n.º 7-B/99, de 27 de Fevereiro), nos termos do qual, além do mais, estipula que os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, presumindo-se a boa fé da actuação dos contribuintes e da administração tributária.

Tendo ainda em conta que por força dos princípios da legalidade, da eficiência e da simplicidade, consagrados no artigo 46.º do CPPT, como vimos, a AT atenta a ausência de liquidação à data da apresentação da declaração de substituição podia e devia considerá-la como a manifestação declarativa mais actualizada da matéria tributável a ter em consideração e tendo presente a invocação no artigo 34.º da petição inicial da correição do processo que tem tradução ao nível do procedimento tributário no artigo 52.º do CPPT, nos termos do qual: «se, em caso de erro na forma de procedimento, puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada.»

Nos termos expostos, é possível, interpretar e enquadrar a pretensão do recorrido em termos amplos, de acordo com o princípio pro actione em termos tais que permitam além do pedido de anulação da decisão a reclamação graciosa, acolher a pretensão de ver convolado o seu requerimento de 19/12/2003 no meio procemental que se mostre mais adequado a alcançar a justiça do caso concreto. Referimo-nos à sua convolação em pedido de revisão dos actos tributários, previsto no artigo 78.º da LGT, que pode ser apresentado no prazo de 4 anos após a liquidação.

Consideramos que esta é a solução que mais se coaduna e concilia, atentos os contornos do caso concreto, com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa mediante um processo equitativo.

A convolação no meio adequado à análise pela AT da pretensão do recorrido de ver reapreciada a matéria tributável relativa ao exercício de 2000, não permite condenar a AT a efectuar a liquidação em conformidade com a declaração de substituição como pretende o recorrido, contudo, permite-lhe que a questão seja objecto de apreciação pela AT, no âmbito do pedido de revisão, em conformidade com os documentos de prova juntos e as normas substantivas aplicáveis.

Neste contexto, há que julgar as conclusões apreciadas improcedentes, e negar provimento ao recurso, mantendo a sentença, contudo com a presente fundamentação.


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A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Ficando a Fazenda Pública vencida na ação, sobre ela impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado e publicado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e Tabela I-A anexa ao mesmo).


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IV –CONCLUSÕES


I – A autoliquidação de IRC de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de seis meses a contar do termo do prazo legal (artigo 114.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável);

II – Ocorrendo facto superveniente a declaração de substituição o prazo para a sua apresentação tem como termo inicial o conhecimento do facto superveniente;

III – A convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa prevista no artigo 59.º, n.º 5 do CPPT pressupõe que já tenha sido efectuada a liquidação;

IV - A apresentação de declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente previsto, quando ainda não tenha sido emitida a liquidação de imposto investe a AT no dever de ter em conta os elementos apresentados na nova declaração, assim o impõem o dever geral de actuação com observância do princípio da legalidade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da eficiência e da simplicidade;

V – A reclamação graciosa deve ser convolada oficiosamente em pedido de revisão oficiosa se apresentada no prazo previsto no artigo 78.º da LGT, com fundamento no artigo 52.º do CPPT.


V – DECISÃO


Termos em que, acordam as juízas que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida com apresente fundamentação.


Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2022.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta