Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:408/16.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/10/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:INIMPUGNABILIDADE DO ATO
EFEITOS DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO
ATO CONFIRMATIVO
INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ATO PROCESSUAL
VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Sumário:I - De acordo com o disposto no artigo 53.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos «[n]ão são impugnáveis os atos administrativos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores».
II - O facto de a fundamentação do ato secundário ser mais desenvolvida face à do ato primário não significa, per se, que adote diferentes fundamentos.
III - É jurisprudência consolidada a de que, em regra, a violação do dever de fundamentação, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade.
IV - A violação de um direito fundamental poderá ocorrer sem que tenha sido violado o seu conteúdo essencial.
V - De acordo com o disposto no artigo 161.º/2/k) do Código do Procedimento Administrativo de 2015, são nulos «[o]s atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei».
VI - Não integra a previsão dessa norma o ato que, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, determina o pagamento, pela entidade patronal, do montante correspondente às prestações de desemprego pagas ao trabalhador.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:
*

I
A........, LDA., intentou, em 19.2.2016, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., pedindo que seja «anulado o ato que condenou e Autora a efetuar o pagamento de € 14.581,80 correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário M........, NISS 10........ por se ter considerado ter excedido as quotas estabelecidas para acesso às prestações de desemprego».

Através de despacho saneador de 4.12.2020 o tribunal a quo decidiu nos seguintes termos:

«Julga-se procedente a exceção da inimpugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-11-2015, que negou procedência ao recurso hierárquico facultativo apresentado pela Autora; e
Julga-se procedente a exceção da caducidade do direito de ação/intempestividade da prática do ato processual relativamente ao despacho do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP, de 21-08-2013, não sendo os vícios alegados passíveis de gerar a nulidade desse ato».

Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a) A A, em 19/02/2016, em ação de impugnação de ato administrativo movida contra o ISS, I.P., peticionou a anulação do despacho datado de 04/11/2015 praticado pelo Exmo. Senhor competente vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., que negou provimento ao recurso hierárquico interposto, bem como a anulação do ato que impunha a obrigatoriedade de reposição da quantia de € 14.581,80 correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário M........., por se ter considerado ter excedido as quotas estabelecidas para acesso às prestações de desemprego.
b) Para tanto alegou que da decisão de que recorreu hierarquicamente não constavam os factos que fundamentam tal decisão, em violação do disposto nos artigos 151º, 152º e 153º do CPA. Mais concretamente, não se sabia qual o número de trabalhadores tidos em conta pela Segurança Social, a que data se reportam os factos, quantos acordos foram efetuados, enfim, os factos que justificam que a quota tenha sido alegadamente excedida.
c) Mais se deixou aclarado que se fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 10º e 53º do DL n.º 220/2006, devendo a decisão ser considerada nula e que se violara claramente os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade que devem nortear a atividade administrativa.
d) O R., ISS, I.P., veio aos autos apresentar contestação, na qual deduziu as exceções de impugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., de 04/11/2015 que negou procedência ao recurso hierárquico apresentado pela Autora e de caducidade do direito de acção/intempestividade da prática do ato processual relativamente ao despacho do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do ISS, I.P. de 21/08/2013.
e) A Autora veio a apresentar réplica, pronunciando-se pela improcedência das exceções. Contudo, vem a ser proferida sentença a julgar procedente a matéria de exceção suscitada.
f) Ora, não pode a Recorrente aceitar a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
g) De facto, têm sido considerados pela doutrina e Jurisprudência requisitos dos atos confirmativos o conhecimento do interessado do ato confirmado e da sua recorribilidade, a identidade de sujeitos, a existência da mesma situação fáctica, o mesmo regime jurídico e a mesma decisão, quer no ato confirmado, como no ato confirmativo e a lesividade do ato confirmado, não sendo estes, em princípio contenciosamente impugnáveis.
h) No entanto, há que referir que ao admitir-se que quanto à identidade dos sujeitos na parte Autora não constitui requisito essencial a idêntica personalidade, relevando apenas a origem da titularidade dos poderes exercidos, em bom rigor, está a retirar-se toda a virtualidade ao meio de Impugnação Recurso Hierárquico.
i) Relembremos a este propósito que o recurso hierárquico é o mecanismo através do qual o “superior hierárquico pode exercer os seus poderes de intervenção sobre o resultado do exercício do subalterno”- vide SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Editora Dom Quixote, 2009, pag. 221.
j) Trata-se de uma forma de tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do ato administrativo praticado pelo órgão subalterno da Administração, tendo por base os métodos organizacionais da administração que assentam num esquema de hierarquia.
k) Acresce que esta forma de salvaguarda dos direitos dos particulares por ser graciosa e não contenciosa deveria em todo o caso prevalecer, ainda que o regime instituído pelo CPTA tenha vindo afastar a regra geral do recurso hierárquico necessário e instituído ao invés, a do recurso hierárquico facultativo.
l) E nesta esteira, importa ainda referir que são inúmeras as vantagens que este meio comporta a nível de facilidade de interposição, rapidez, custos e mormente, a nível do controlo de mérito. Ou seja, é uma garantia imprescindível na salvaguarda efetiva dos direitos dos administrados!
m) Diga-se ainda, que, o despacho impugnado não pode ser tido como meramente confirmativo da decisão anterior de indeferimento, uma vez que é proferido após o exercício do contraditório por parte da A.
n) O despacho é ainda impugnável porque, apesar do exercício do contraditório, o mesmo não está devidamente fundamentado nem faz qualquer apreciação crítica dos argumentos deduzidos, incluindo o de falta de notificação do início do processo administrativo, como dita a obrigação de pronúncia por parte da Administração.
o) Atente-se ainda que a inimpugnabilidade dos atos meramente confirmativos decorre do facto de não se tratarem de verdadeiros atos administrativos e neste enfoque refira-se que o despacho impugnado é um verdadeiro ato administrativo nos termos do disposto no art.º 148.º do CPTA e a afirmação do contrário não é plausível, uma vez que o legislador adotou no artigo supra enunciado uma noção ampla e aberta de ato administrativo.
p) Aliás, o ato supra referido tem verdadeira eficácia externa e é potencialmente lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, pois destina-se a firmar uma decisão com esse intuito, ainda que tenha havido um ato que o precedeu - e esse sim sem efeitos estáveis, dado o seu carácter unilateral e desprovido do contraditório exigível em qualquer processo justo e equitativo.
q) Acresce que in casu e na realidade, não fora tomada qualquer decisão que se possa estabilizar na ordem jurídica, uma vez que o ato primário careceu de falta de fundamentação e que tal facto serviu inclusive de base ao recurso hierárquico.
r) A decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto, ao manter nos precisos termos a decisão recorrida, transportou consigo os mesmos vícios, e o próprio de omissão de pronúncia e de emissão de juízo valorativo acerca dos argumentos proferidos pelo A. no exercício do contraditório.
s) Dito isto, repousemos sobre o conteúdo do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 09-10-2015, proferido no âmbito do Processo n.º 00659/13.9BEAVR, Relator Helena Ribeiro: “não são impugnáveis os atos que se limitam a colocar em prática um ato administrativo anterior, conquanto não comportam nenhuma inovação em face do “status quo ante”, exceto se contra os mesmos forem deduzidos vícios próprios”.
t) Ainda que se admitisse o carácter confirmativo do acto, o ato tido como primário pela ora Ré, só poderia ser considerado nulo, dada a sua falta de fundamentação, a sua ininteligibilidade, o seu carácter lesivo de direitos fundamentais do administrado e a interpretação e aplicação atroz ao sentido da lei que consigo comporta.
u) Neste sentido importa convocar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/02/2005, proferido no âmbito do processo n.º 0420/04, Relator São Pedro, cujo conteúdo se encontra reproduzido no presente articulado.
v) Acresce que a nossa Lei Fundamental, por via do n.º 4 do art. 268º garante aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma.
w) Conclui-se deste modo, que é inegável a impugnabilidade do ato tido pela ora Ré como meramente confirmativo e com cuja classificação não se pode compactuar.
x) Por outro lado, a nota de reposição impugnada, ainda que se destinasse a pôr em prática a determinação contida no ato exequendo, é inegável que é lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos do A.
y) Certo é ainda, que o ato em causa ao ser consequência lógica de um ato que padece de nulidade, conforme se crê veemente, não poderá deixar de ser impugnável.
z) Dá-se ainda por procedente a exceção de caducidade do Direito de Ação/intempestividade da prática do ato processual relativamente ao despacho do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, I.P., de 21/08/2013, não sendo os vícios alegados passíveis de gerar a nulidade desse ato e com tal decisão a A. não se pode conformar.
aa) Em 20/11/2013 a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão que lhe havia sido notificada por ofício de 21/08/2013 do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do ISS, I.P.
bb) Através de ofício datado de 02/01/2014, a Autora foi notificada da remessa do processo nessa data ao órgão competente para prolação de decisão.
cc) O dito recurso hierárquico foi objeto de análise e decisão, a qual foi notificada à A. em 17/11/2015.
dd) De acordo com o artigo 172º do CPA, o autor do ato em crise deve no prazo de 15 dias pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente de tal remessa, o que não aconteceu.
ee) Por sua vez, nos termos do artigo 175º/1 CPA, a administração tem 30 dias úteis para decidir do meio gracioso, ou seja, tinha até à data de 08/06/2013 para decidir daquele, o que também não aconteceu.
ff) Apenas em 04/11/2015, o Vogal do Conselho Directivo do ISS, I.P. apôs despacho de concordância na informação remetida pelo Gabinete de Assuntos Jurídicos e Contencioso do ISS, I.P., sendo indeferido o recurso hierárquico apresentado, o que foi notificado à ora A. em 17/11/2015.
gg) Assim, a A. em 19 de fevereiro de 2016, apresentou ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, a qual julga não poder ser tida como extemporânea, em caso algum.
hh) O artigo 59º/4 do CPTA, na redação em vigor à data dos factos ditava: “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”.
ii) Desta leitura e de acordo com a interpretação mais favorável ao Administrado - que se encontra em desvantagem na relação controvertida, facilmente se depreende que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa apenas cessa com a notificação da decisão da impugnação administrativa.
jj) Refira-se ainda que da parte da Ré, por causas que o A. desconhece, foi ultrapassado largamente o prazo legalmente previsto para a remessa do processo ao órgão competente, e ainda de forma mais sobeja, o previsto para a decisão do recurso hierárquico interposto.
kk) É inevitável afirmar-se que estamos perante uma verdadeira omissão do dever de decidir por parte do R. e sendo a pretensão do Administrado obter uma nova decisão que permita atender aos seus legítimos interesses, teria este que beneficiar da suspensão do prazo de impugnação contenciosa até que da decisão da impugnação administrativa fosse notificado.
ll) Acresce que a lei ao não impedir a impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, também a tal não obriga.
mm) Refira-se ainda que são inúmeros os benefícios de uma suspensão automática do prazo para impugnação contenciosa, com o recurso à via administrativa, atendendo desde logo ao ensinamento de VASCO PEREIRA DA SILVA in SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2005, pág. 332.
nn) Em todo o caso, a impugnação de atos nulos, conforme se julga ser o ato primário, pode ser feita a todo o tempo, conforme o plasmado no número 1 do artigo 58º do CPTA.
oo) Ao contrário do decidido na decisão ora recorrida, são invocados vícios passíveis de gerar a nulidade do ato impugnado de 21/08/2013.
pp) A absoluta falta de fundamentação determina a nulidade da decisão e à falta absoluta assimila-se a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir.
qq) A exigência dirigida à aqui Autora de reposição das quantias em causa, constante da notificação, carece de total e absoluta fundamentação legal no sentido de se entender o motivo, fundamentação legal, para a pretensão que lhe foi comunicada, prejudicando, consequentemente, o direito de defesa.
rr) Assim e desde logo, a interpretação do artigo 63.º do DL 220/2006, configura uma violação do direito defesa conferido à Recorrente pelo artigo 32.º, n.º 10 da CRP.
ss) Mais, a falta de fundamentação constitui uma nulidade que invalida o ato praticado, pois carecem de ser fundamentados todos os atos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.” (alínea a) do n°1 do artigo 152° do Código do Procedimento Administrativo - CPA), devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato (alínea d) do artigo 151° do CPA).
tt) A falta de fundamentação inquina o ato de nulidade por falta de elemento essencial nos termos do disposto no artigo 161º, n.º 1 e nº 2 alínea d) do CPA.
uu) Mas a exigência de fundamentação, mais do que uma exigência legal, é uma exigência constitucional nos termos do estabelecido no n°3 do artigo 268° da CRP. Motivo pelo qual o ato praticado, mais do que nulo, é inconstitucional.
vv) A essencialidade da fundamentação enquanto elemento do ato administrativo advém, inclusivamente, e antes de mais, de consagração constitucional nos termos do disposto no n°3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa, mas igualmente consagrada na lei geral, conforme já se fez notar.
ww) Por outro lado, a falta de fundamentação, nomeadamente nos atos administrativos em causa, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental na medida em que viola um dos direitos fundamentais consagrados na CRP: O direito à informação - artigo 37°, n°1 da CRP.
xx) Nestes casos de obrigatoriedade de fundamentação do ato administrativo existe o direito fundamental à informação, no sentido de que todos têm o direito a ser informados, em particular sobre a fundamentação relativa a ato administrativo em que a mesma é obrigatória (artigo 268°, n°3 da CRP) com vista ao cabal esclarecimento da motivação do ato.
yy) Neste sentido entende-se ser inconstitucional a interpretação dos arts. 152°, n°1, alínea a), 151°, n°1, alínea d) e 161º nº 2 alínea d), todos do Código do Procedimento Administrativo, quando dada no sentido de não ser a fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos e interesses legalmente protegidos, elemento essencial desses atos e direito fundamental dos cidadãos, não determinando, a sua violação, a nulidade de tais atos.
zz) Assim, o ato administrativo impugnado foi praticado com violação de lei e dos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade e da razoabilidade previstos no CPA e com ofensa ao disposto na CRP.
aaa) Mais se diga que a exigência de pagamento feita à Recorrente, consubstanciando um enriquecimento sem causa do Instituto da Segurança Social, fundado numa errada aplicação da lei, traduz uma violação do próprio princípio da legalidade.
bbb) Neste sentido, atente-se ainda na alínea k) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, que veicula que são nulos “os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei” e in casu, a obrigação não existiria mediante a inexistência de pressupostos para tal.
ccc) Por tudo isto, o ato em crise apenas poderia ser considerado nulo e impugnável a todo o tempo.

NESTES TERMOS, e nos melhores do Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e as exceções de caducidade do direito de acção e de inimpugnabilidade do ato serem consideradas improcedentes por não verificadas, apreciando-se o mérito da causa da impugnação do ato administrativo viciado.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!
*

O Recorrido apresentou contra-alegações, cujas conclusões igualmente que se transcrevem:

A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou procedente a exceção da inimpugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-11-2015, que negou procedência ao recurso hierárquico facultativo apresentado pela Recorrente; e julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação / intempestividade da prática do ato processual relativamente ao despacho do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP, de 21-08-2013, não sendo os vícios alegados passíveis de gerar a nulidade desse ato
B) Em síntese, a douta sentença considerou:
C) “julgar procedente a exceção dilatória da inimpugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-11-2015, que negou procedência ao recurso hierárquico facultativo apresentado pela Autora.”
D) “resulta evidente que também procede a exceção dilatória da caducidade do direito de ação (art.º 89.º, n.º 1 al. h) do CPTA vigente à data do ato) / intempestividade da prática do ato processual (art.º 89.º, n.º 1 al. k) do CPTA com a revisão de 2015) no que concerne aos vícios determinantes do desvalor da anulabilidade do despacho de 21-08-2013.”
E) “não tendo sido invocados vícios passíveis de gerar a nulidade do ato impugnado de 21-08-2013, procede a exceção da intempestividade da prática do ato processual (a apresentação da petição inicial), a qual, de acordo com a al. k) do n.º 3 do art.º 89.º do CPTA, conjugada com o n.º 2 do mesmo preceito, constitui exceção dilatória que obsta ao prosseguimento da ação e determina a absolvição da instância.”
F) Inconformada com a decisão supratranscrita, vem a Recorrente apresentar recurso da douta sentença.
G) No entanto, salvo melhor entendimento, não colhem os argumentos de facto e de direito alegados pela Recorrente.
H) A Recorrente pretende com a presente ação a anulação do ato administrativo consubstanciado no despacho proferido pelo Sr. Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da. Segurança Social, I.P., de 04/11/2015, o qual lhe foi devidamente notificado pelo ofício nº 119277/2015 de 17/11/2015.
I) I) Esta decisão negou provimento ao recurso hierárquico apresentado pela Recorrente em 20/11/2013, com os mesmos fundamentos já constantes da decisão ali impugnada administrativamente.
J) O referido recurso hierárquico foi interposto da decisão proferida do ato administrativo praticado pelo Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro do ISS, I.P, que determinou a obrigatoriedade de reposição da quantia de € 14.581,80 (catorze mil, quinhentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), correspondente à totalidade do período de concessão das prestações iniciais de desemprego reconhecidas à trabalhadora M........., por ter havido cessação por acordo do contrato de trabalho que a mesma mantinha com a ora Recorrente e ter sido criada na mesma, a convicção de que, se encontrava dentro dos limites de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego.
K) Conforme consta da declaração de situação de desemprego entregue à trabalhadora e subscrita pela entidade empregadora, à data, com a firma 'A........., Lda., nos termos do disposto no nº 4. do artigo 10º e no artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 68/2009, de 20 de março, pela Lei nº 5/2010, de 5 de maio, pelo Decreto-Lei nº 72/2010, de 18 de junho, que o republicou, e pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de março.
L) Através do ofício de 21/08/2013, o Recorrido notificou a Recorrente e ordenou a restituição da quantia supramencionada, ato que a Recorrente também sindica na presente ação, peticionando a declaração da respetiva nulidade.
M) No entanto, o ato de indeferimento do recurso hierárquico é inimpugnável.
N) A Recorrente peticiona a anulação do ato administrativo consubstanciado no despacho proferido, em 04/11/2015, pelo Sr. Vogal do Conselho Diretivo do ISS I.P„ pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico por si interposto, em 20/11/2013,
O) Tal despacho é meramente confirmativo da decisão atrás referida do Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro do ISS, I.P., nada lhe acrescentando ou modificando.
P) De onde resulta que na presente ação administrativa, a Recorrente impugna um ato meramente confirmativo de um ato primário anterior.
Q) Ato que identifica especificamente na petição inicial e que lhe foi notificado pelo mencionado ofício n.º 119277/2015 de 17/11/2015.
R) Com efeito, não alterou nem inovou a fundamentação do ato recorrido hierarquicamente, limitando-se a confirmá-lo nos seus precisos termos e fundamentos.
S) São requisitos dos atos meramente confirmativos: a) Que haja identidade de sujeitos; b) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo esteja em causa a mesma situação fáctica, o mesmo regime jurídico e a mesma decisão; c) Que o ato confirmado seja do conhecimento do interessado, em ordem à sua recorribilidade.
T) No caso em análise, tanto a decisão do Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, do ISS, I.P., como o despacho do Sr. Vogal do Conselho Diretivo do Recorrido, se reportam ao mesmo destinatário, a ora recorrente, pelo que se verifica a mencionada identidade de sujeitos.
U) Estamos perante a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico se forem também as mesmas circunstâncias de facto e de direito e se ocorrer identidade nos fins a atingir com a prática dos atos confirmado e confirmativo.
V) Haverá ainda, identidade de decisão se ocorrer identidade da resolução dada ao caso concreto, mas também, identidade de fundamentação da decisão, e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão.
W) Pelo que a resolução conferida à situação da Recorrente no âmbito do recurso hierárquico foi precisamente a mesma tomada no âmbito do procedimento administrativo de primeiro grau, assente nos mesmos pressupostos e fundamentada nas mesmas razões, de facto e de direito.
X) É expresso o sentido do despacho aqui impugnado, ao referir que não existem fundamentos para alterar ou revogar a decisão do ora Recorrido.
Y) O que se traduz, assim, num ato meramente confirmativo conforme prevê o artigo 53.º do CPTA.
Z) Nestas circunstâncias, conclui o Recorrido que se encontram preenchidos todos os requisitos que permitem qualificar o ato impugnado como ato confirmativo que é o ato praticado pelo Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, do ISS, I.P., sendo, por conseguinte, inimpugnável.
AA) A inimpugnabilidade do ato recorrido constitui um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, configurando uma exceção dilatória que importa a absolvição da instância, nos termos da alínea i) do nº 4 do artigo 89º do CPTA.
BB) Nestes termos, considerou, e bem, o tribunal a quo que “há que julgar procedente a exceção dilatória da inimpugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-11-2015, que negou procedência ao recurso hierárquico facultativo apresentado pela Autora.”
CC) No que respeita à Caducidade do Direito de Ação.
DD) Importa referir que a presente ação deu entrada no dia 19/02/2016, ou seja, mais de dois anos depois da prática e notificação do ato primário à Recorrente.
EE) De acordo com as regras gerais da distribuição postal, a Recorrente terá sido notificada do mesmo, no 3º dia útil após a remessa do ofício por correio, isto é, no dia 26/08/2013.
FF) As impugnações dos atos anuláveis têm lugar no prazo de três meses a contar da data da notificação, a qual se suspende com a utilização dos meios de impugnação administrativa e retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com a decurso do respetivo prazo legal, consoante o facto que ocorrer em primeiro lugar (artigos 58º nº1 al. b) e 59º nº 1 e 4 do CPTA).
GG) Tendo a Recorrente sido notificada da decisão de reposição da quantia supramencionada, em 21/08/2013, (descontados 3 dias do correio) verifica-se que foi a partir dessa data que começou a correr o aludido prazo para recorrer hierárquica e contenciosamente.
HH) Em 20/11/2013, a Recorrente recorreu hierarquicamente do ato identificado na petição inicial, dando azo com tal reação graciosa à suspensão do prazo de impugnação contenciosa, do acordo com o previsto na 1ª parte do artigo 59º nº 4 do CPTA.
II) Entre o dia 26/08/2013 (conhecimento da decisão do Recorrido) e o dia 20/11/2013 (Recurso Hierárquico), decorreram 87 dias.
JJ) É certo que o prazo legal de três meses para impugnação judicial ficou suspenso com a interposição de recurso hierárquico, em 20/11/2013.
KK) Sendo, no entanto, retomado no termo do prazo de 30 dias úteis para decisão do recurso hierárquico a contar da data da remessa do processo (artigo 198º do CPA).
LL) Em 02/01/2014 foi a Recorrente notificada da remessa do processo ao órgão competente para decidir o recurso hierárquico.
MM) Descontando 3 dias de correio o prazo de 30 dias úteis para decisão do recurso hierárquico, decorreu entre 06/01/2014 a 10/03/2014.
NN) Não tendo sido proferida decisão de recurso hierárquico até ao termo do prazo acima referido, o prazo judicial foi retomado a 11/03/2014.
OO) Tendo-se verificado o seu termo no dia 13/03/2014.
PP) Por esse motivo, tendo apenas sido interposta a presente ação judicial em 19/02/2016, afigura-se que é a mesma intempestiva.
QQ) Ocorre, por isso, caducidade do direito de ação, a qual obsta ao prosseguimento do processo, nos termos da alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, e consequente absolvição do Recorrido da instância, segundo a alínea e) do n. º1 do artigo 288º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
RR) Nestes termos, considerou, e bem, o tribunal a quo que “resulta evidente que também procede a exceção dilatória da caducidade do direito de ação (art.º 89.º, n.º 1 al. h) do CPTA vigente à data do ato) / intempestividade da prática do ato processual (art.º 89.º, n.º 1 al. k) do CPTA com a revisão de 2015) no que concerne aos vícios determinantes do desvalor da anulabilidade do despacho de 21-08-2013. “
SS) A Recorrente invoca ainda a nulidade dos despachos impugnados.
TT) No entanto, da análise feita ao processo entende o Recorrido que, a decisão ora impugnada encontra-se devidamente fundamentada no quadro legal aplicável, não padece de inconstitucionalidade, nem qualquer outro vício invocado pela Recorrente.
UU) Decisão que não merece qualquer reparo.
VV) O ato posto em crise, não padece de quaisquer vícios, devendo a Recorrente acatar a decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro do ISS, I.P., em 21/08/2013.
WW) A este respeito o tribunal a quo, na douta sentença considerou e bem, que “atento ao exposto, não tendo sido invocados vícios passíveis de gerar a nulidade do ato impugnado de 21-08-2013, procede a exceção da intempestividade da prática do ato processual (a apresentação da petição inicial), a qual, de acordo com a al. k) do n.º 3 do art.º 89.º do CPTA, conjugada com o n.º 2 do mesmo preceito, constitui exceção dilatória que obsta ao prosseguimento da ação e determina a absolvição da instância”.

Pelo que bem andou a decisão do Digníssimo Tribunal a quo que após análise julgou procedente a exceção da inimpugnabilidade do despacho do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-11-2015, que negou procedência ao recurso hierárquico facultativo apresentado pela Recorrente; e julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação / intempestividade da prática do ato processual relativamente ao despacho do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP, de 21-08-2013.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V.Exa., deverá a decisão recorrida ser mantida, por legal, não se concedendo provimento ao presente recurso.
Com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça!
*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 144.º/2 e 146.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 608.º/2, 635.º/4 e 5 e 639.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal consistem em determinar se o despacho saneador recorrido errou:

a) Ao considerar inimpugnável o ato de 4.11.2015;
b) Ao considerar intempestiva a impugnação do ato de 21.8.2013.


III
A matéria de facto constante da decisão recorrida – e não impugnada - é a seguinte:


A) Por ofício de 21-08-2013 do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP, a Autora foi notificada do seguinte:

«Assunto: Notificação de pagamento de prestações de desemprego
Notifica-se de que vai ser exigido o pagamento de 14.581,80 EUR (catorze mil quinhentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário acima identificada se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar a esta decisão, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para a exigência do pagamento das prestações de desemprego são os a seguir indicados:
Ter sido deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de 13,97 EUR (treze euros e noventa e sete cêntimos) por um período de 1140 dias, por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, e tal não se verificou (n.º 4 do artigo 10.° e artigo 63º do Decreto-Lei n.° 220/2006).
Mais se informa de que, na falta de resposta, esta decisão se toma efetiva no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do instituto da Segurança Social;
- 3 meses para recorrer contenciosamente.»

B) A Autora não respondeu ao ofício referido na alínea anterior.
C) Em 20-11-2013, a Autora dirigiu ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP recurso hierárquico do despacho referido na al. a).
D) Por ofício do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP de 2-01-2014, a Autora foi notificada, nos termos do n.º 1 do art.º 172.º do CPA, da remessa, nessa data, do processo ao órgão competente para prolação de decisão.
E) Em 19-10-2015, o Gabinete de Assuntos Jurídicos e Contencioso do Instituto da Segurança Social, IP emitiu a informação n.º 490/2015 – ERPRH, referente ao recurso hierárquico referido na al. C), com o seguinte teor:

«Assunto: A........., Lda. (atualmente com a firma A........, Lda.)
Trabalhadora: M.........
Prestações de Desemprego - Cessação do contrato de trabalho por acordo
Coloca-se à consideração superior a proposta de decisão em anexo, a qual versa sobre o recurso hierárquico identificado em epígrafe.
Considerando os objetivos de agilização e simplificação de procedimentos da equipa de projeto de recuperação de pendências de recursos hierárquicos, optou-se por, ao invés da tradicional elaboração de parecer e de proposta de despacho autónoma, apresentar unicamente a proposta de despacho, que se afigura adequada face ao enquadramento factual e legal do recurso hierárquico em análise, e contém fundamentação de facto e de direito que se reputa como suficiente, levando em conta o entendimento constante da recente jurisprudência existente sobre a matéria.
Pese embora a proposta de decisão contenha a necessária fundamentação de facto e de direito, considera- se oportuno efetuar as seguintes considerações suscitadas no decurso da análise ao processo administrativo (PA) em causa.
Do processo não consta o despacho respeitante à notificação expedida em 21/08/2013 (em sede de audiência prévia) pelo que se atendeu aos elementos existentes, fazendo-se referência à dita notificação. Sendo certo que não se localizou a data de expedição da notificação, facto que condiciona a contagem dos respetivos prazos de resposta e impugnação.
Da análise efetuada ao recurso hierárquico apresentado e aos elementos existentes no PA conclui-se que a entidade empregadora A........, Lda., anteriormente com a firma A........., Lda., NISS 25.........., veio interpor recurso hierárquico em 20/11/2013 do ato administrativo praticado pelo Centro Distrital de Aveiro, do ISS, I.P., que determinou a obrigatoriedade de reposição da quantia de € 14.581,80 (catorze mil, quinhentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), correspondente à totalidade do período de concessão das prestações iniciais de desemprego reconhecidas à beneficiária M......... (NISS 10........), por ter havido cessação por acordo do contrato de trabalho que a mesma mantinha com a ora recorrente e ter sido criada na trabalhadora a convicção de que se encontrava dentro dos limites de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta da declaração de situação de desemprego entregue à trabalhadora e subscrita pela entidade empregadora, à data, com a firma A........., Lda., nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 10.° e no artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 68/2009, de 20 de março, pela Lei n.° 5/2010, de 5 de maio, pelo Decreto-Lei n.° 72/2010, de 18 de junho, que o republicou, e pelo Decreto-Lei n.° 64/2012, de 15 de março. Ato que lhe foi notificado pelo ofício de 21/08/2013.
No que à questão principal, objeto do presente recurso, diz respeito cumpre referir que não assiste razão à recorrente na medida em que o regime legal aplicável, acima mencionado, determina que são consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: a) nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio; b) nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio (n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro).
Os limites estabelecidos nesta disposição são aferidos por referência aos três últimos anos, "cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável" (n.° 5 do artigo 10.°), ou seja, do número fixo de trabalhadores previsto nas citadas alíneas a) e b), ou das percentagens igualmente ali previstas, consoante o critério que atribuir maior quota à entidade empregadora.
Assim, haverá tantos triénios quantos os contratos que a empresa fizer cessar, porquanto a data de fim do triénio afere-se, sempre, pela data da cessação de cada contrato, retroagindo o início do triénio aos três anos anteriores àquela data. E é por referência a este período móvel que se verifica se a empresa excedeu ou não as quotas disponíveis para o efeito.
Nas situações em que a cessação dos contratos de trabalho por acordo, no âmbito das quotas, ocorre antes do decurso de 3 anos sobre a constituição da empresa ou nas situações em que esta não admitiu, na data relevante para o efeito, trabalhadores (como a recorrente alega), são consideradas apenas 3 situações de cessação de contrato de trabalho por acordo por aplicação do disposto na alínea a) do n.° 4 do artigo 10.°, tendo em conta a aplicação do critério mais favorável previsto pelo n.° 5 do mesmo preceito. Pois, não sendo possível aferir a percentagem de 25% sobre o número de trabalhadores afetos ao quadro de pessoal (0), resta a aplicação do critério relativo à cessação de contratos de trabalho "até três trabalhadores".
Consequentemente, haverá que concluir que a entidade recorrente ultrapassou, com a celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho aqui em causa, o limite da quota prevista no artigo 10.°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 220/2006, sendo aplicável o regime previsto no artigo 63.° do mesmo diploma.
No que à aplicação do regime previsto no artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006 concerne afigura-se pertinente mencionar que, de acordo com o entendimento fixado em revista pelo Supremo Tribunal Administrativo em 19/06/2014 (recurso n° 1308/13), havendo a certeza de que o trabalhador só esteve desempregado durante determinado período e que só durante esse período recebeu subsídio de desemprego por parte da segurança social, esta só pode exigir à entidade patronal o montante que efetivamente pagou ao beneficiário, sob pena de violação do disposto no artigo 63°, citado Entendimento que veio contrariar jurisprudência já firmada anteriormente sobre o mesmo regime, citando-se, a título exemplificativo, o sumário do Acórdão proferido peio Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/11/2009, relativo ao processo n.° 05013/09, segundo o qual:
“I - Conforme resulta do probatório ao trabalhador em causa foi deferida a prestação de desemprego por um período de 1140 dias, ao qual corresponde o montante a restituir (cfr. al. A) do probatório), e que é estabelecido de acordo com 0 disposto no art. 37° do DL. n° 220/2006, de 3/11;
II - Se o art. 63° do DL. n° 220/2006, estabelece a obrigação do empregador, perante a segurança social, do pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, não se nos afigura como a mais correta a interpretação do acórdão recorrido de que apenas seria devido o pagamento das prestações efetivamente pagas;
III - De facto, parece que a lei entendeu que se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho (cfr. arts. 9º, n° 1, al d) e 10º, n°s 1 e 4 do DL n° 220/2006) deve ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego;
IV - Solução que parece enquadrar-se nos objetivos do diploma aqui em causa que pretendendo proteger as situações de trabalhadores no desemprego, visa também combater a fraude e promover a poupança de recursos na segurança social (cfr. preâmbulo do referido diploma);
V - O legislador pretendeu consagrar a responsabilidade do empregador nos termos indicados no art. 63° referido, assim o expressando nos termos inscritos no preceito, sendo certo que a solução por que o acórdão optou não parece ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (cfr. art. 9º, n°s 1 e 3 do cc)”.
No caso em apreço confirmou-se, por consulta ao SISS/DES que à trabalhadora estão a ser processadas e pagas as prestações de desemprego, não estando, ainda, registada qualquer suspensão ou cessação das mesmas pelo que não é possível apurar, nesta data, se o período de concessão atribuído será esgotado ou não.
Por conseguinte e, aplicando o entendimento jurisprudencial acima mencionado, está a entidade recorrente obrigada ao cumprimento da obrigação de pagamento da quantia total indicada na decisão impugnada, sem prejuízo de, quando for possível determinar o montante efetivamente pago à trabalhadora, parte dessa quantia lhe poder ser restituída se a mesma não esgotar o período de concessão reconhecido.
Face ao exposto, e subsumindo os factos ao direito em vigor, salvo melhor opinião, propõe-se à consideração superior:
a) Negar provimento ao presente recurso hierárquico com fundamento nas razões acima expendidas.
b) Confirmar o ato recorrido.
c) Para o efeito acima referido junto se anexa proposta de despacho.
À consideração superior,» (Cfr. fls. 36 a 40 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)

F) Em 4-11-2015, Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP apôs despacho de concordância na informação referida na alínea anterior.
G) Em 17-11-2015, o Gabinete de Assuntos Jurídicos e Contencioso do Instituto da Segurança Social, IP emitiu ofício de notificação do despacho referido na al. anterior, dirigido à Mandatária da Autora.
H) A presente ação administrativa foi intentada em 19-02-2016.


IV
Da inimpugnabilidade do ato de 4.11.2015

1. Apreciando o ato de 4.11.2015 do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., o despacho saneador recorrido considerou que o mesmo era confirmativo do despacho de 21.8.2013», ato esse «que ordenou a restituição da quantia de € 14.581,80».

2. Vejamos. Como decorre do probatório, «[p]or ofício de 21-08-2013 do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, IP, a Autora foi notificada (…) de que vai ser exigido o pagamento de 14.581,80 EUR (catorze mil quinhentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário acima identificada se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar a esta decisão, juntando meios de prova se for caso disso» (destaque e sublinhado nossos). Mais se disse, no referido ofício, que «na falta de resposta, esta decisão se toma efetiva no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de: - 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do instituto da Segurança Social; - 3 meses para recorrer contenciosamente».

3. Temos, portanto, que o ofício de 21.8.2013 incorporou um ato administrativo sujeito a uma condição: a falta de resposta da destinatária, a aqui Recorrente (recorde-se que, nos termos do artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, «[o]s actos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo ou modo, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o acto se destina). A condição verificou-se, como se sabe, pelo que, na data da sua verificação, o ato começou a produzir efeitos (vd. o artigo 129.º/b) do artigo 121.º do mesmo código, nos termos do qual «[o] acto administrativo tem eficácia diferida (…) [q]uando os seus efeitos ficarem dependentes de condição ou termo suspensivos». Se a condição não se tivesse verificado – ou seja, se a ora Recorrente se tivesse pronunciado -, o referido ato consubstanciaria apenas um projeto de decisão.

4. Ainda relativamente ao ato primário de 21.8.2013 do Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, I.P., temos que dele foi feito constar o seguinte:

«Os fundamentos para a exigência do pagamento das prestações de desemprego são os a seguir indicados:
Ter sido deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de 13,97 EUR (treze euros e noventa e sete cêntimos) por um período de 1140 dias, por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, e tal não se verificou (n.º 4 do artigo 10.° e artigo 63º do Decreto-Lei n.° 220/2006)».

5. A Recorrente interpôs recurso hierárquico junto do Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., que veio a ser decidido por despacho de 4.11.2015 do Vogal daquele Conselho Diretivo, mediante manifestação de concordância com a informação n.º 490/2015, de 19.10.2015, do Gabinete de Assuntos Jurídicos e Contencioso daquele Instituto, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:

«Trabalhadora: M.........
Prestações de Desemprego - Cessação do contrato de trabalho por acordo
Coloca-se à consideração superior a proposta de decisão em anexo, a qual versa sobre o recurso hierárquico identificado em epígrafe.
Considerando os objetivos de agilização e simplificação de procedimentos da equipa de projeto de recuperação de pendências de recursos hierárquicos, optou-se por, ao invés da tradicional elaboração de parecer e de proposta de despacho autónoma, apresentar unicamente a proposta de despacho, que se afigura adequada face ao enquadramento factual e legal do recurso hierárquico em análise, e contém fundamentação de facto e de direito que se reputa como suficiente, levando em conta o entendimento constante da recente jurisprudência existente sobre a matéria.
Pese embora a proposta de decisão contenha a necessária fundamentação de facto e de direito, considera-se oportuno efetuar as seguintes considerações suscitadas no decurso da análise ao processo administrativo (PA) em causa.
Do processo não consta o despacho respeitante à notificação expedida em 21/08/2013 (em sede de audiência prévia) pelo que se atendeu aos elementos existentes, fazendo-se referência à dita notificação. Sendo certo que não se localizou a data de expedição da notificação, facto que condiciona a contagem dos respetivos prazos de resposta e impugnação.
Da análise efetuada ao recurso hierárquico apresentado e aos elementos existentes no PA conclui-se que a entidade empregadora A........, Lda., anteriormente com a firma A........., Lda., NISS 25.........., veio interpor recurso hierárquico em 20/11/2013 do ato administrativo praticado pelo Centro Distrital de Aveiro, do ISS, I.P., que determinou a obrigatoriedade de reposição da quantia de € 14.581,80 (catorze mil, quinhentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), correspondente à totalidade do período de concessão das prestações iniciais de desemprego reconhecidas à beneficiária M......... (NISS 10........), por ter havido cessação por acordo do contrato de trabalho que a mesma mantinha com a ora recorrente e ter sido criada na trabalhadora a convicção de que se encontrava dentro dos limites de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta da declaração de situação de desemprego entregue à trabalhadora e subscrita pela entidade empregadora, à data, com a firma A........., Lda., nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 10.° e no artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 68/2009, de 20 de março, pela Lei n.° 5/2010, de 5 de maio, pelo Decreto-Lei n.° 72/2010, de 18 de junho, que o republicou, e pelo Decreto-Lei n.° 64/2012, de 15 de março. Ato que lhe foi notificado pelo ofício de 21/08/2013.
No que à questão principal, objeto do presente recurso, diz respeito cumpre referir que não assiste razão à recorrente na medida em que o regime legal aplicável, acima mencionado, determina que são consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: a) nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio; b) nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio (n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro).
Os limites estabelecidos nesta disposição são aferidos por referência aos três últimos anos, "cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável" (n.° 5 do artigo 10.°), ou seja, do número fixo de trabalhadores previsto nas citadas alíneas a) e b), ou das percentagens igualmente ali previstas, consoante o critério que atribuir maior quota à entidade empregadora.
Assim, haverá tantos triénios quantos os contratos que a empresa fizer cessar, porquanto a data de fim do triénio afere-se, sempre, pela data da cessação de cada contrato, retroagindo o início do triénio aos três anos anteriores àquela data. E é por referência a este período móvel que se verifica se a empresa excedeu ou não as quotas disponíveis para o efeito.
Nas situações em que a cessação dos contratos de trabalho por acordo, no âmbito das quotas, ocorre antes do decurso de 3 anos sobre a constituição da empresa ou nas situações em que esta não admitiu, na data relevante para o efeito, trabalhadores (como a recorrente alega), são consideradas apenas 3 situações de cessação de contrato de trabalho por acordo por aplicação do disposto na alínea a) do n.° 4 do artigo 10.°, tendo em conta a aplicação do critério mais favorável previsto pelo n.° 5 do mesmo preceito. Pois, não sendo possível aferir a percentagem de 25% sobre o número de trabalhadores afetos ao quadro de pessoal (0), resta a aplicação do critério relativo à cessação de contratos de trabalho "até três trabalhadores".
Consequentemente, haverá que concluir que a entidade recorrente ultrapassou, com a celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho aqui em causa, o limite da quota prevista no artigo 10.°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 220/2006, sendo aplicável o regime previsto no artigo 63.° do mesmo diploma.
No que à aplicação do regime previsto no artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006 concerne afigura-se pertinente mencionar que, de acordo com o entendimento fixado em revista pelo Supremo Tribunal Administrativo em 19/06/2014 (recurso n° 1308/13), havendo a certeza de que o trabalhador só esteve desempregado durante determinado período e que só durante esse período recebeu subsídio de desemprego por parte da segurança social, esta só pode exigir à entidade patronal o montante que efetivamente pagou ao beneficiário, sob pena de violação do disposto no artigo 63°, citado.
Entendimento que veio contrariar jurisprudência já firmada anteriormente sobre o mesmo regime, citando-se, a título exemplificativo, o sumário do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/11/2009, relativo ao processo n.° 05013/09, segundo o qual:
“I - Conforme resulta do probatório ao trabalhador em causa foi deferida a prestação de desemprego por um período de 1140 dias, ao qual corresponde o montante a restituir (cfr. al. A) do probatório), e que é estabelecido de acordo com o disposto no art. 37° do DL. n° 220/2006, de 3/11;
II - Se o art. 63° do DL. n° 220/2006, estabelece a obrigação do empregador, perante a segurança social, do pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, não se nos afigura como a mais correta a interpretação do acórdão recorrido de que apenas seria devido o pagamento das prestações efetivamente pagas;
III - De facto, parece que a lei entendeu que se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho (cfr. arts. 9º, n° 1, al d) e 10º, n°s 1 e 4 do DL n° 220/2006) deve ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego;
IV - Solução que parece enquadrar-se nos objetivos do diploma aqui em causa que pretendendo proteger as situações de trabalhadores no desemprego, visa também combater a fraude e promover a poupança de recursos na segurança social (cfr. preâmbulo do referido diploma);
V - O legislador pretendeu consagrar a responsabilidade do empregador nos termos indicados no art. 63° referido, assim o expressando nos termos inscritos no preceito, sendo certo que a solução por que o acórdão optou não parece ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (cfr. art. 9º, n°s 1 e 3 do cc)”.
No caso em apreço confirmou-se, por consulta ao SISS/DES que à trabalhadora estão a ser processadas e pagas as prestações de desemprego, não estando, ainda, registada qualquer suspensão ou cessação das mesmas pelo que não é possível apurar, nesta data, se o período de concessão atribuído será esgotado ou não.
Por conseguinte e, aplicando o entendimento jurisprudencial acima mencionado, está a entidade recorrente obrigada ao cumprimento da obrigação de pagamento da quantia total indicada na decisão impugnada, sem prejuízo de, quando for possível determinar o montante efetivamente pago à trabalhadora, parte dessa quantia lhe poder ser restituída se a mesma não esgotar o período de concessão reconhecido.
Face ao exposto, e subsumindo os factos ao direito em vigor, salvo melhor opinião, propõe-se à consideração superior:
a) Negar provimento ao presente recurso hierárquico com fundamento nas razões acima expendidas.
b) Confirmar o ato recorrido».

6. Perante o conteúdo dos referidos dois atos – de 21.8.2013 do Diretor do Centro Distrital de Aveiro e de 4.11.2015 do Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., -, o tribunal a quo considerou que este último ato tem natureza confirmativa, pelo que se mostra inimpugnável. O que se mostra correto, na medida em que «[n]ão são impugnáveis os atos administrativos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

7. Opõe-se a Recorrente, com diversos fundamentos. Desde logo, porque, «ao admitir-se que quanto à identidade dos sujeitos na parte Autora não constitui requisito essencial a idêntica personalidade, relevando apenas a origem da titularidade dos poderes exercidos, em bom rigor, está a retirar-se toda a virtualidade ao meio de Impugnação Recurso Hierárquico». Como se explicava no acórdão de 24.9.2020 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0940/12.4BESNT – invocado, aliás, no despacho saneador recorrido -, «quanto à autoria, que é o que está aqui causa, a mesma deve ser entendida com as devidas ressalvas, dado que nas situações de recurso hierárquico facultativo a distinta autoria orgânica constitui um pressuposto do respectivo procedimento, pelo que, a identidade relativa a este aspecto bastar-se-á com a integração do órgão ad quem na mesma pessoa colectiva ou ministério. Pelo que, não é óbice à identidade das partes, no caso sub judice, a aparente distinta autoria do Conselho Diretivo do ISS-IP relativamente ao Diretor do Núcleo do Centro Distrital de Lisboa, nos atos confirmativos e confirmado».

8. É precisamente o caso dos autos, em que temos um ato primário praticado pelo Diretor do Centro Distrital de Aveiro do Instituto da Segurança Social, I.P., e um ato secundário da autoria de Vogal do mesmo Instituto, exarado em sede de recurso hierárquico que teve como objeto o primeiro ato.

9. No entanto, a Recorrente aduz ainda o argumento de que «[o] despacho impugnado não pode ser tido como meramente confirmativo da decisão anterior de indeferimento, uma vez que é proferido após o exercício do contraditório por parte da A.», o que, diga-se, nada tem a ver com a noção de ato confirmativo há muito estabilizada e de que veio a fazer eco o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua atual versão e nos termos já anteriormente invocados. Como já afirmava o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 18.3.1999, processo n.º 32209, «é ato confirmativo aquele que, emanado da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objeto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, e, assim, se limita a repetir essa decisão, perante os mesmos pressupostos de facto e de direito, e encontra-se destituído de força inovatória, pelo que não é impugnável contenciosamente».

10. E é de facto o que sucedeu no caso dos autos. Naturalmente que o teor de ambos os atos não é exatamente o mesmo. O que, aliás, e a suceder, seria incompreensível, na medida em que o segundo ato surge na sequência de uma impugnação, que importa apreciar. Daí que, e naturalmente, evidencie uma fundamentação mais desenvolvida. Mas essa mais profunda análise, per se, não significa a adoção de diferentes fundamentos, de um conteúdo diverso. É o que, de resto, vem sendo entendido na nossa jurisprudência, sendo disso exemplo o já citado acórdão de 24.9.2020 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0940/12.4BESNT.

11. Revertendo à situação dos autos, identifica-se, como fundamento do ato de 21.8.2013, o facto de a cessação do contrato da trabalhadora M......... ter subjacente a criação, na mesma, da convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, o que não se verificaria, de acordo com a interpretação feita pelo Recorrido do regime estabelecido no artigo 10.º/4 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro. E este é o fundamento que igualmente se identifica no ato de 4.11.2015, ainda que, e como se disse, de forma mais desenvolvida. Portanto, e tal como se entendeu no despacho saneador recorrido, também aqui se considera que o ato de 4.11.2015 é confirmativo do ato de 21.8.2013.

12. É certo que a Recorrente alega a nulidade do ato primário, a par da consideração – retirada do acórdão de 15.2.2005 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0420/04 – de que «não [há] – para efeitos de irrecorribilidade – confirmatividade de actos nulos». E a nulidade do ato de 21.8.2013 existe – diz a Recorrente - «dada a sua falta de fundamentação, a sua ininteligibilidade, o seu carácter lesivo de direitos fundamentais do administrado e a interpretação e aplicação atroz ao sentido da lei que consigo comporta».

13. Desde logo, não se vê de que modo se pode afirmar que o ato de 21.8.2013 tem um objeto ininteligível, para efeitos do disposto no artigo 133.º/2/c) do Código do Procedimento Administrativo de 1991.

14. No que se refere ao dever de fundamentação, é há muito jurisprudência consolidada a de que, em regra, a violação do dever de fundamentação, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade. Disso mesmo já dava conta o acórdão de 26.9.2002 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 036/02, no qual se pode ler o seguinte:

«Este Supremo Tribunal tem, reiteradamente, decidido que a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade.
Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir.
Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, "Com efeito, nem todos os elementos do acto administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do acto para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projecto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os actos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os actos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do acto; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos actos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151".

Sendo a fundamentação dos actos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos».

15. É o caso dos autos. De qualquer modo, recorde-se que se fez constar no ato de 21.8.2013 que «[o]s fundamentos para a exigência do pagamento das prestações de desemprego são os a seguir indicados: Ter sido deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de 13,97 EUR (treze euros e noventa e sete cêntimos) por um período de 1140 dias, por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, e tal não se verificou (n.º 4 do artigo 10.° e artigo 63º do Decreto-Lei n.° 220/2006)», o que torna pouco compreensível a invocação, pela Recorrente, de uma «absoluta falta de fundamentação».

16. Relativamente ao outro fundamento que justificaria, na perspetiva da Recorrente, a nulidade do ato de 21.8.2013 – o «seu carácter lesivo de direitos fundamentais do administrado e a interpretação e aplicação atroz ao sentido da lei que consigo comporta» -, importa lembrar que são nulos, no que agora releva, «[o]s actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133.º/2/d) do Código do Procedimento Administrativo de 1991). E o tribunal não vê – nem a Recorrente o demonstra – de que modo se poderia entender que o ato de 21.8.2013 integra tal previsão normativa. É de evidenciar, aliás, que a Recorrente toma como semelhantes duas realidades diferentes: i) violação de um direito fundamental e ii) violação do conteúdo essencial de um direito fundamental. O que não pode ser. A violação de um direito fundamental poderá ocorrer sem que tenha sido violado o seu conteúdo essencial. E como flui expressamente da lei, a nulidade decorre apenas da violação desse conteúdo essencial.

17. Por fim, invoca ainda a Recorrente, na defesa da nulidade do ato de 21.8.2013, o disposto no artigo 161.º/2/k) do Código do Procedimento Administrativo de 2015, nos termos do qual são nulos «[o]s atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei».

18. Não obstante se trate de regime legal posterior à data da prática do ato em causa, importa ter presente – como dá conta o próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o referido código – que «com base na doutrina e na prática jurisprudencial, alargam-se os casos de nulidade expressamente previstos até agora no anterior Código, designadamente, aos atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado, aos atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes e aos atos que criem obrigações pecuniárias sem base legal (artigo 161.º)».

19. De igual modo é referido por Fausto de Quadros, Sérvulo Correia, Rui Machete, Vieira de Andrade, Maria da Glória Dias Garcia, Aroso de Almeida, António Políbio Henriques e José Miguel Sardinha, in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2016, p. 324, que «o Código estabelece, também, de novo, na alínea k), a nulidade dos atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei, dando assim expressão e merecido relevo a uma regra constitucional, nos termos da qual os atos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respetiva base legal impositiva». De resto, já em 2009 Vieira de Andrade afirmava que «um ato administrativo que vise impor uma obrigação pecuniária aos particulares, maxime a liquidação de um imposto, tem como elemento essencial do tipo a respetiva base legal impositiva, cuja falta deve implicar a nulidade» (A nulidade administrativa, essa desconhecida, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 138.º, julho-agosto de 2009, n.º 3957, p. 340).

20. No entanto, o ato de 21.8.2013 não criou qualquer obrigação pecuniária não prevista na lei. A obrigação está prevista no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro. O que está em causa é, sim, o eventual erro nos pressupostos, de facto e/ou de direito, do referido ato. Mas isso nada tem a ver com o que encontramos estabelecido no invocado artigo 161.º/2/k) do Código do Procedimento Administrativo de 2015. Portanto, também por aqui não se identifica a possibilidade de identificar a invocada nulidade.


Da intempestividade da prática do ato processual

21. Relativamente ao ato de 21.8.2013, o tribunal a quo considerou ser intempestiva a sua impugnação. A Recorrente não se conforma, em face do disposto no artigo 59.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual «[a] utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal» (na versão original, a aplicável).

22. E não se conforma porque entende que da sua «leitura de acordo com a interpretação mais favorável ao Administrado - que se encontra em desvantagem na relação controvertida-, facilmente se depreende que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa apenas cessa com a notificação da decisão da impugnação administrativa». Trata-se de entendimento que despreza em absoluto a própria lei, na medida em que na mesma se estabelece que o prazo de impugnação contenciosa retoma o seu curso com a verificação de um dos seguintes factos:

a) Notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa; ou
b) Decurso do prazo legal para a tomada de decisão.

23. Portanto, não há qualquer fundamento para afirmar que a suspensão do prazo apenas cessa com a notificação da decisão da impugnação administrativa. Tal como, de resto, se disse no despacho saneador recorrido, com recurso ao acórdão de 27.2.2008 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0848/06, de acordo com o qual «[n]os termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar», solução, aliás, que veio a ser definitivamente esclarecida com o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

24. Nem se compreende, de resto, que a Recorrente venha afirmar que «a lei ao não impedir a impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, também a tal não obriga». De facto, não impõe nenhum dever. Mas estabelece um ónus de impugnação dentro do prazo estabelecido. Se o particular opta por não impugnar contenciosamente o ato dentro desse prazo, naturalmente que caducará o seu direito de ação.

25. Esse prazo, como explicado na decisão recorrida, não foi observado. O que, de resto, não é colocado em crise pela Recorrente, cuja tese, como se viu, passa por uma interpretação inaceitável do regime do artigo 59.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a par de uma pretensa nulidade do ato de 21.8.2013 – que colocaria a sua impugnação sob a proteção do disposto no artigo 58.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, nulidade essa que, como se viu nos §§ 12 a 20, não se verifica.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho saneador recorrido.

Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 10 de abril de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Teresa Caiado