Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 826/18.9BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | HELENA TELO AFONSO |
| Descritores: | EXECUÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA |
| Sumário: | I – A ação de anulação de decisão arbitral só pode ter efeito suspensivo da instância executiva mediante a prestação de caução (cfr. artigo 47.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12). II – O regime da suspensão da instância por causa prejudicial não pode ser aplicado quando está em causa uma execução de sentença, com exceção do instituto da oposição que dê origem à suspensão da execução. III - Não existe fundamento para suspender a instância executiva por pendência de causa prejudicial, seja a pendência da ação de anulação da decisão arbitral, seja a pendência de processo-crime em que se discute a existência de comportamento criminoso subjacente à celebração de contrato, que serve de fundamento ao pedido de indemnização na decisão arbitral e que constitui o título executivo da instância executiva. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Subseção de Contratos Públicos, da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório: A E…, S.A., exequente nos autos à margem referenciados, e em que é executado o Estado Português, interpôs o presente recurso do despacho determinou a suspensão da acção executiva “até que o processo denominado “O...” e o processo a correr termos no Tribunal Central Administrativo Sul, de impugnação do acórdão arbitral e que constitui o título executivo destes autos, venham a ter decisões transitadas em julgado”, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto do Despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo (“TAC”) de Lisboa em 08.01.2025, pelo qual o Tribunal a quo determinou a suspensão da ação executiva instaurada pela E… contra o Estado Português no TAC de Lisboa “até que o processo denominado “O...” e o processo a correr termos no TCA Sul, de impugnação do acórdão arbitral e que constitui o título executivo destes autos, venham a ter decisões transitadas em julgado”. B. O Despacho Recorrido, encontra-se ferido de erro de julgamento e violação de lei. C. Em primeiro lugar, o Estado Português não pretendeu atribuir à ação de anulação qualquer efeito suspensivo que obstasse ao prosseguimento da presente execução, na medida em que não prestou, nem se predispôs a prestar, a caução a que se alude no artigo 47.º, n.º 3, da LAV. D. Razão pela qual, tem inteira aplicação a regra prevista na primeira parte daquele artigo 47.º, n.º 3, segundo a qual, ressalvados os casos em que o executado apresente caução, “[a]sentença arbitral pode servir de base à execução ainda que haja sido impugnada mediante pedido de anulação”. E. Ao decidir no Despacho recorrido suspender a execução com fundamento na pré-existência da mencionada ação de anulação, o TAC de Lisboa não teve em consideração o regime (especial face ao que no artigo 272.º, n.º 1, do CPC se estabelece) do artigo 47.º, n.º 3, da LAV, em particular na sua parte final, na qual se prescreve que “o impugnante pode requerer que tal impugnação tenha efeito suspensivo da execução desde que se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal”. F. O regime geral do artigo 272.º, n.º 1, do CPC não pode ser usado como forma de alterar (subvertendo…) o regime que, em concreto, se pretendeu que fosse o aplicável à suspensão de execuções fundadas em decisões arbitrais. G. Isso mesmo, aliás, tem sido sublinhado pela jurisprudência dos Tribunais superiores. Como tem vindo a entender-se (e bem), na vigência da LAV aprovada pela Lei n.º 63/2011, “[o] pedido de anulação de uma decisão arbitral não pode ser considerado causa prejudicial para efeitos de suspensão de uma acção executiva fundada em decisão arbitral” – cf. acórdão do TCA Norte de 18.03.2016 (p. 03300/14.9BEPRT). H. Em segundo lugar, a execução em causa jamais poderia ter sido sustada por recurso ao mencionado artigo 272.º, n.º 1, do CPC. I. Como é jurisprudência pacífica, uniforme (e, efetivamente, uniformizada pelo STJ), o regime da suspensão com fundamento em causa prejudicial, previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, não pode ser aplicado em processos de execução de sentenças – cf. acórdão uniformizador proferido pelo STJ em 27.01.2010 (p. 594/09.5YFLSB) e, em idêntico sentido, os acórdãos, tirados por unanimidade, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de junho de 2012 (p. 1109/11.0TBEPS-A.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de abril de 2010 (p. 36044/06.5YYLSB-A.L1-7) e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.05.2020 (p. 1075/09.2TBCTB-E.C1). J. A razão é simples de entender: um processo executivo não constitui uma “causa” carecida de decisão, uma vez que tal decisão já foi proferida na anterior ação declarativa, tratando-se agora “apenas” de dar execução judicial ao que foi decidido, não se verificando, por isso, o requisito exigido por aquela norma. K. No caso em apreço, não poderia também ser invocado o regime da suspensão com fundamento em “outro motivo justificado”, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, dado que nenhum dos fundamentos invocados pelo TAC de Lisboa no Despacho recorrido poderia subsumir-se em tal categoria: como tem sido defendido por toda a jurisprudência e por toda a doutrina, o motivo justificado, suscetível de determinar a suspensão de uma execução, é aquele que seja inerente ao próprio processo executivo, e não abrange a pendência de uma causa, como seja o processo “O...” ou a ação de anulação – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.04.209 (p. 09B0674), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.05.2020 (p. 1075/09.2TBCTB-E.C1), do Tribunal da Relação do Porto, de 14.09.2023 (p. 3958/10.8YYPRT-C.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.07.2004 (p. 2000/04) ou do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.02.2022 (p. 391/17.4T8VCT-D.G1) e de 28.06.2018 (p. 3492/13.4TBBCL-A.G1). L. Em terceiro lugar, seja qual for o prisma por que se analise a questão, a decisão que vier a ser tomada no processo “O...” será sempre insuscetível de impactar a decisão que, na ação executiva, vier a ser tomada a propósito da oposição deduzida pelo Estado Português. M. Mesmo no pior de todos cenários, isto é, mesmo se, contra todas as expetativas e decisões já conhecidas, viesse a concluir-se no processo “O...s” pela existência de um crime relacionado com o ato de adjudicação do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado e a E…, a eventual decisão condenatória proferida nesse processo-crime seria insuscetível de destruir ou modificar o fundamento do pedido deduzido pela E… na presente ação, é dizer, de influir na validade e executoriedade do acórdão arbitral. N. Por um lado, não sendo a E… parte do processo-crime, é evidente que, mesmo que viesse a ocorrer uma decisão condenatória com trânsito em julgado nos termos configurados pelo Estado Português, o que se alega a benefício de raciocínio, nunca a E… ficaria abrangida por tal caso julgado, nem poderia daí decorrer qualquer consequência jurídica para o Acórdão Arbitral que se deu à execução ou para o próprio Contrato de Concessão que esteve na origem do processo arbitral. O. Por outro lado, ao contrário do que se sugere no Despacho recorrido, no cenário colocado pelo Estado Português, a invalidade de que enfermaria o Contrato de Concessão constituiria uma invalidade consequente ou derivada, na medida em que decorreria, não do próprio contrato, mas de um ato procedimental (no caso, do ato de adjudicação), cuja especial conexão com o contrato que antecede fará com que o seu vicio se comunique ao contrato, tornando-o, também, inválido. P. Ora, é pacífico que a nulidade de quaisquer contratos com fundamento em vício de um ato procedimental só poderá ser conhecida quando, como se refere expressamente no artigo 283.º, n.º 1, do CPC, (i) a nulidade do ato procedimental tenha sido judicialmente declarada ou, em alternativa, (ii) “possa ainda sê-lo”. Q. Donde se infere que nos casos em que a nulidade do ato não tenha sido declarada e não mais possa vir a sê-lo, então o contrato estabiliza-se na ordem jurídica e não mais poderá vir a ser invalidado com tal fundamento. R. No caso em apreço, já se esgotou há muito o prazo estabelecido no artigo 101.º do CPTA, sendo, pois, totalmente claro e inequívoco que, independentemente do que venha a apurar-se no processo “O...”, o Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a E… não mais poderá ser declarado nulo”. Em sede de contra-alegação de recurso o exequente, formulou as seguintes conclusões: “1. O Douto Despacho ora em crise fez a correcta aplicação do direito ao caso “sub-judice” tendo valorado correctamente todos os elementos coligidos. 2. A Suspensão da Instância, nos termos em que o Despacho recorrido a determinou, faz todo o sentido, uma vez que a matéria que se encontra em discussão nos presentes autos tem por base um acto de adjudicação efectuado pelo Estado, que se encontra a ser criminalmente julgado e que, sendo os factos considerados provados, inquina fatalmente o Acto de Adjudicação da obra à Recorrente. 3. No Processo Crime denominado “O...”, onde está a ser apreciada a conduta do ex-Primeiro Ministro J…, existem suspeitas/indícios, de que o acto de adjudicação à ora Recorrente do Troço Poceirão/Caia (Linha de Alta Velocidade), foi concretizado através de comportamentos que poderão constituir a prática de vários crimes, entre os quais Corrupção. 4. E, a confirmar-se essa factualidade que é objecto desse Processo Crime, o acto de adjudicação à ora Recorrente é nulo, invalidade que pode ser invocada e requerida a todo o tempo, tornando qualquer Decisão que se venha a tomar nestes autos, perfeitamente inútil e ineficaz, o deve ser evitado. 5. Confirmando-se, no Processo Crime, a factualidade acima transcrita, tal significaria que, sendo o acto de adjudicação praticado no quadro do concurso público referente ao projecto do TGV (Troço Poceirão – Caia) nulo, o contrato de concessão celebrado com a E…, ora Recorrente, padeceria do mesmo vício invalidante, ou seja, seria igualmente nulo, sendo possível a sua invocação a todo o tempo. 6. Pelo que bem andou a Mª Juiz, ao decidir da forma como o fez, devendo, o Douto Despacho recorrido integralmente ser mantido, por estar em conformidade com o Direito aplicável ao caso concreto”. Sem vistos, com prévio envio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o presente processo à conferência para decisão. * II. Questões a apreciar e decidir Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, nos termos dos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA, a questão a decidir é a de saber se se verifica o preenchimento dos requisitos de suspensão da instância executiva em face do regime previsto no artigo 47.º, n.º 3, da LAV e no artigo 272.º, n.º 1, do CPC. * III. Fundamentação3.1. De facto: O despacho proferido pelo Tribunal a quo que determinou a suspensão da ação executiva instaurada pela E… contra o Estado Português no TAC de Lisboa, tem o seguinte teor: “Ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, e face aos fundamentos invocados pelo executado na sua oposição, concatenado (i) com o que resulta do acórdão do tribunal de contas que recusou o visto ao contrato, (ii) com a impugnação do acórdão arbitral, cuja ação está em curso no TCA Sul e que ainda não foi decidida, (iii) com o que consta do acórdão da Relação de Lisboa do processo denominado “O...”, cujo desfecho ainda é desconhecido, e (iv) que a nulidade originária do contrato de concessão pode ser requerida a todo o tempo, designadamente pelo MP, nos termos conjugados do artigo 284.º, n.º 2, do CCP, artigo 77.º-A do CPTA, 285.º, n.º 2, do CCP, decide-se suspender a presente instância até que o processo denominado “O...” e o processo a correr termos no TCA Sul, de impugnação do acórdão arbitral e que constitui o título executivo destes autos, venham a ter decisões transitadas em julgado. Embora a impugnação da decisão arbitral não suspenda a execução da mesma, a verdade é que a verificarem-se e/ou verificando-se fundamentos que invalidam originariamente o contrato, ocorre motivo justificado para que os presentes autos aguardem a prolação daquela decisão e a do processo “O...”, no qual os factos subjacentes ao contrato de concessão o integram”. * 3.2. De Direito.Do preenchimento dos requisitos de suspensão da instância executiva em face do regime previsto no artigo 47.º, n.º 3, da LAV e no artigo 272.º, n.º 1, do CPC Dispõe o artigo 272.º do Código Processo Civil, sob a epígrafe “suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”, que: “1 – O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 – Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. 3 – Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância. 4 – As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”. Ao abrigo desta disposição processual civil, o despacho recorrido decidiu suspender a instância executiva – a qual tem como título executivo uma decisão arbitral – com fundamento na pendência de duas causas: o processo-crime denominado “O...” e a ação de anulação da decisão arbitral/impugnação do acórdão arbitral a correr termos neste Tribunal Central Administrativo Sul. Tal como é expressamente admitido no despacho recorrido, a pendência desta última ação de impugnação do acórdão arbitral não poderia ser fundamento de suspensão da acção executiva: “Embora a impugnação da decisão arbitral não suspenda a execução da mesma, a verdade é que a verificarem-se e/ou verificando-se fundamentos que invalidam originariamente o contrato, ocorre motivo justificado para que os presentes autos aguardem a prolação daquela decisão e a do processo “O... (…)”. E, claramente, não o poderia ser. Senão, veja-se, a redação do artigo 47.º, da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12, que respeita à execução da sentença arbitral, no qual se prevê no n.º 3 “[a] sentença arbitral pode servir de base à execução ainda que haja sido impugnada mediante pedido de anulação apresentado de acordo com o artigo 46.º, mas o impugnante pode requerer que tal impugnação tenha efeito suspensivo da execução desde que se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal. Aplica-se neste caso o disposto no n.º 3 do artigo 818.º do Código de Processo Civil.”. Com efeito, a ação de anulação de decisão arbitral só pode ter efeito suspensivo da instância executiva mediante a prestação de caução (cfr. artigo 47.º n.º 3 da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12). Se o Estado Português não prestou caução para obter o efeito suspensivo da instância executiva, fundada na sentença arbitral, não pode pretender obter tal efeito através da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial. Tanto mais, que é pacífica na jurisprudência a inaplicabilidade da pendência de causa prejudicial como fundamento de suspensão da instância executiva. Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2010, proferido no processo 594/09.5YFLSB (1-Também citado pela recorrente e consultável em www.dgsi.pt), foi assim sumariado: “I – O processo de execução visa dar realização efectiva e prática ao direito do exequente, definido pelo tribunal em sede de acção declarativa ou consubstanciado em outro título a que a lei atribua força executiva. II – Mantém-se em vigor a doutrina fixada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/1960, no sentido de que o artigo 279.º do Código Processo Civil não se aplica ao processo executivo, uma vez que «a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão». III – A execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta dar origem a suspensão da própria execução”. Este tem sido o entendimento dos tribunais superiores, os quais têm vindo a defender que o regime da suspensão da instância por causa prejudicial não pode ser aplicado quando está em causa uma execução de sentença, com exceção do instituto da oposição que dê origem à suspensão da execução. Deste modo, não existe fundamento para suspender a instância executiva por pendência de causa prejudicial, seja a pendência da acção de anulação da decisão arbitral, seja a pendência de processo-crime em que se discute a existência de comportamento criminoso subjacente à celebração de contrato, que serve de fundamento ao pedido de indemnização na decisão arbitral e que constitui o título executivo da instância executiva. Importa, agora, apreciar e decidir se o despacho recorrido incorreu nos vícios que a recorrente lhe imputou por ter determinado a suspensão da instância com fundamento na ocorrência de “outro motivo justificado”. Relativamente à interpretação do conceito “outro motivo justificado” como causa de suspensão da instância executiva, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/04/2009, proferido no processo 09B0674 (2-Citado pela recorrente e consultável em www.dgsi.pt.), foi assim sumariado: “O «outro motivo justificado» susceptível de determinar a suspensão de uma execução, nos termos do n.º 1 in fine do artigo 279.º do Código Processo Civil, é o que inere ao próprio processo executivo, como, v.g., a arguição de nulidade de um título executivo, um problema que surja em matéria de liquidação da quantia exequenda ou mesmo a pendência de uma acção de simulação do título executivo. A entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma acção cujo objecto seja o bem executado, acção essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução que mais não visa do que dar realização prática a uma situação jurídica definida pela sentença passada em julgado ou documentada por título executivo legalmente válido, em manifesto prejuízo dos direitos reconhecidos dos exequentes”. Neste sentido, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/05/2020, proferido no processo 1075/09.2TBCTB-E.C1, é esclarecedor quanto à decisão desta questão: “I – A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado na mesma não haver decisão sobre o mérito da causa (visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado), não podendo verificar-se a relação de dependência exigida no artigo 272.º n.º 1 do Código Processo Civil. II – Contudo admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 272.º do Código Processo Civil, isto é, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois em princípio a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução. III – Para que se ordene a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite”. Em suma, não se verifica a existência de fundamento para determinar a suspensão da instância executiva. Refira-se que a pendência do processo-crime denominado “O...” não poderia considerar-se uma causa prejudicial em relação ao prosseguimento da instância executiva, pois na perspectiva do recorrido dele, apenas, poderia decorrer fundamento para anulação do contrato que está subjacente à decisão arbitral. Mas, se assim é, pode o Estado Português instaurar imediatamente uma acção de anulação de tal contrato, sem dependência da decisão do processo crime. Termos em que se conclui que o referido processo-crime não constitui causa prejudicial, nem “outro motivo justificado” de suspensão da instância executiva. Desta forma, o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que determine o indeferimento do pedido de suspensão da instância executiva e, consequentemente, o prosseguimento dos autos. * IV. DecisãoPelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido e indeferir o pedido de suspensão da instância executiva e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos. Sem custas. Lisboa, 20 de novembro de 2025. (Helena Telo Afonso – relatora) (Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro – 1.ª adjunta) (Jorge Martins Pelicano – 2.º adjunto) |